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O primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoada, anunciou esta sexta-feira de manhã que o quartel general do Exército tinha sido alvo de um ataque durante a madrugada. O profissionalismo dos militares permitiu que a situação fosse rapidamente controlada e que os atacantes fossem detidos, disse o governante, que garantiu que a situação estava “calma” e que o ataque não tinha feito vítimas mortais, apenas um ferido. O certo é que as notícias dão conta de quatro mortes, que terão acontecido após a tentativa de golpe.
Os Estados português e cabo-verdiano apressaram-se a condenar o incidente, mas há ainda muito por esclarecer em relação ao que aconteceu durante a alegada tentativa de golpe de Estado, esta madrugada, em São Tomé e Príncipe. Eis o que se sabe:
Tentativa de golpe de Estado foi anunciada por primeiro-ministro. Ex-presidente da Assembleia Nacional foi detido
Um grupo de homens terá invadido durante a madrugada desta sexta-feira o quartel militar de São Tomé e Príncipe, fazendo um refém e um ferido grave, tendo o ataque sido neutralizado ao início da manhã, por volta das 6h. Os elementos foram detidos e foi aberto um processo de investigação, disseram à Lusa fontes locais.
O ataque foi confirmado pelo primeiro-ministro, Patrice Trovoada, durante a manhã. “Fomos alvo de uma tentativa de golpe, que começou por volta das 00h40 e que teve o seu desfecho, em termos operacionais, pouco depois das 6h [horas locais, mesma hora em Lisboa]”, disse o chefe do Governo, numa conferência de imprensa, acrescentando que “tudo indica” que o ataque ocorreu “a mando de algumas personalidades”.
O ataque foi conduzido por quatro homens, civis, aparentemente com cúmplices no interior do quartel, que invadiram as instalações com o objetivo de se apoderarem de armas, enquanto mais homens aguardavam, no exterior. No exterior, cerca de 12 homens aguardavam, em carrinhas, e alguns fugiram durante as trocas de tiros com os militares.
Fonte médica disse à Lusa que os assaltantes tinham idades entre os 21 e os 24 anos e tiveram ajuda de “alguns soldados internos, que permitiram a entrada no quartel”.
“O Estado Maior informou-me que detiveram algumas pessoas, na base de declarações do primeiro grupo de quatro [atacantes] que foi detido e neutralizado”, avançou ainda o primeiro-ministro, adiantando que Delfim Neves, ex-presidente da Assembleia Nacional, e Arlcélio Costa, antigo oficial do chamado Batalhão Búfalo, que foi condenado em 2009 por tentativa de golpe de Estado, se encontram entre os detidos.
De acordo com Patrice Trovoada, os quatro invasores teriam ligações ao “triste” Batalhão Búfalo, um batalhão de infantaria do Exército sul-africano que interveio na guerra civil angolana e na luta armada contra os regimes marxistas africanos a mando do governo do Apartheid. Terá intervindo em São Tomé e Príncipe, contribuindo para a independência do país. Formado em 1975 e desmantelado em 1993, o batalhão tinha elementos angolanos ligados à Frente Nacional de Libertação de Angola e outros estrangeiros.
O chefe do Governo são-tomense garantiu que a situação no país está “calma e controlada” e elogiou a atuação das Forças Armadas, que defenderam o quartel “com profissionalismo”. Trovoada disse esperar que a Justiça faça o seu trabalho e pediu “mão firme” para os responsáveis da tentativa de golpe, “porque é inadmissível que em democracia as pessoas queiram controlar, usurpar o poder à força”.
“Certos indivíduos não se conformam com a vontade das urnas e do povo soberano e mancham assim o país, tentando minar todo o esforço que o atual Governo está a tentar fazer para recuperar a nossa economia e tentar trazer o melhor para as nossas populações”, criticou ainda o governante, que assumiu funções há duas semanas, após o seu partido, a Ação Democrática Independente, ter vencido a legislativas de 25 de setembro.
Fonte ligada à investigação revelou à Lusa que foram detidos ao início da manhã desta sexta-feira, Delfim Neves, atualmente deputado pelo movimento Basta, e Arlcélio Costa nas suas respetivas casas após terem sido alegadamente identificados como mandantes.
Três atacantes e um dos mandantes do golpe de Estado terão morrido
Arlécio Costa, um dos alegados mandantes da tentativa de golpe de Estado, e três dos quatro assaltantes do quartel morreram, disse à Lusa fonte ligada ao processo de investigação. A morte do antigo oficial do Batalhão Búfalo, que foi levado para o quartel general, permanece por explicar.
Quanto aos três atacantes, estes ficaram feridos após os fuzileiros terem feito explodir a porta da sala do quartel onde se encontravam com o oficial de dia, que tinha sido feito refém após confrontos entre os invasores e os militares, adiantou à Lusa fonte próxima do processo. O oficial de dia ficou ferido com gravidade após agressões.
As mortes não terão acontecido durante a madrugada, quando o ataque foi feito, o que acabou por ir ao encontro daquilo que disse o próprio primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe — que o assalto ao exército não provocara qualquer vítima mortal. Na conferência de imprensa desta sexta-feira de manhã, Patrice Trovoada confirmou apenas um ferido, o tenente Marcelo, cuja vida “não corre perigo”, citou o diário digital são-tomense TÉLA NÓN.
Advogado teme pela vida de ex-presidente do Parlamento após morte de Arlécio Costa
O advogado do ex-presidente do parlamento, Delfim Neves, disse à agência Lusa temer pela vida do seu cliente, após ter sido noticiada a morte de Arlcélio Costa.
“Tememos pela vida do Delfim Santiago das Neves”, declarou Hamilton Vaz, chefe da equipa de advogados do ex-presidente da Assembleia Nacional, que foi detido ao início da manhã desta sexta-feira pelos militares, na sua casa, tendo sido levado para o quartel militar, onde estava, até ao início da tarde, detido e incontactável.
O advogado revelou à Lusa que se encontrava à porta do quartel, na tentativa de ter acesso ao seu cliente, mas viu frustrados todos os expedientes nesse sentido.
Detidos que se encontravam no quartel militar foram transferidos para instalações da PJ
Ao final da tarde desta sexta-feira, as dezenas de detidos que se encontravam no quartel militar foram transferidos para as instalações da Polícia Judiciária e da Polícia Nacional. A transferência foi intermediada pela comunidade internacional em articulação com o Presidente, Carlos Vila Nova, e o procurador-Geral, Kelve Nobre de Carvalho. Alguns dos presos, incluindo Delfim Neves, estavam sob custódia dos militares apesar de serem civis.
O anúncio foi feito pelo coordenador da Organização das Nações Unidas em São Tomé, Eric Overvest, que adiantou à Lusa que a ONU coordenou a operação com o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Olinto Paquete. “A ONU não interfere na soberania do país”, mas acompanhou ao longo do dia os desenvolvimentos relacionados com a tentativa de golpe de estado junto das autoridades, com os representantes da organização a defenderem que “os detidos obtivessem o acesso legal apropriado ou fossem transferidos para as autoridades legais apropriadas e que o processo legal fosse seguido de acordo com a lei do país”.
Overvest disse que a ONU abordou junto do diretor da PJ, Samuel António, a importância do respeito pelo Estado de Direito. “Mostraram um profundo respeito pelo Estado de Direito do país e quero elogiá-los pela forma como estão a tratar estes detidos”, comentou, revelando que fez “uma breve visita” ao ex-presidente da Assembleia Nacional, que foi levado ao início da manhã para o quartel e que, oito horas depois, ainda não tinha sido ouvido.
“Ele estava com um bom estado de espírito, no geral. Disse que estava muito confiante que a justiça seguiria o seu curso, mas também alegou a sua inocência” como mandante do ataque. Delfim Neves disse estar “preocupado” com as condições da sua detenção, uma vez que se encontra a recuperar de uma cirurgia às costas, e agora não poderá fazer os tratamentos de fisioterapia, acrescentou o diplomata.
“Foi-lhe dito pela PJ que será bem tratado, com acesso, claro, a medicamentos, alimentação e água e também acesso a aconselhamento jurídico. Fiquei feliz por ouvir isso”, sublinhou o responsável, assinalando que São Tomé e Príncipe “é um exemplo de boa governação, da democracia”.
Overvest observou que o país vivia um ambiente calmo e defendeu que o facto de os detidos terem sido entregues à PJ “está a acalmar as ruas”.
Maior partido da oposição condena a tentativa golpe de Estado
O Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP/PSD), o maior partido da oposição são-tomense, já veio condenar de forma veemente a tentativa de golpe de Estado.
Num comunicado distribuído pelo gabinete do presidente do partido, Jorge Bom Jesus, a que a Lusa teve acesso, o MLSTP/PSD demarcou-se da “ação covarde de alteração da ordem constitucional” e manifestou “toda a solidariedade aos militares que em defesa da pátria foram feridos nesta bárbara ação”.
O MLSTP/PSD, que perdeu as eleições de 25 de setembro, pediu às “autoridades competentes” para que “abram de imediato investigações rigorosas, transparentes e imparciais, sem aproveitamento político, para identificar os autores morais e materiais” do ataque.
O partido político exortou a população a manter-se “calma e serena para que este acontecimento não venha a beliscar” a democracia e “a paz social que sempre foram características dos são-tomenses”. O MLSTP/PSD apelou ainda à comunidade internacional para que acompanhe “de perto este processo de modo a evitar ações ou tendências com fins inconfessáveis”.
Portugal considera “inadmissível” recurso “à violência para fins políticos”. Cabo Verde condena “veementemente”
O ministro dos Negócios Estrangeiros português considerou e “inadmissível” o recurso à “violência para fins políticos”, após a tentativa de golpe de Estado em São Tomé e Príncipe, e disse que Portugal “apoia sem hesitação” a ordem constitucional naquele país.
“Estamos preocupados com as notícias que nos chegam de São Tomé e Príncipe. Portugal apoia sem hesitação a ordem constitucional em São Tomé e Príncipe, considerando inadmissível qualquer tentativa de utilização de violência para fins políticos”, escreveu João Gomes Cravinho no Twitter.
https://twitter.com/JoaoCravinho/status/1596068067590737921
Também o Presidente da República cabo-verdiano, José Maria Neves, condenou a “sublevação armada” em São Tomé e Príncipe, após falar com o homólogo são-tomense, Carlos Vila Nova, que visita Cabo Verde a partir deste domingo.
“Felizmente, a situação já está sob controle das legítimas autoridades do país. Condenamos veementemente esta tentativa de rutura constitucional e solidarizamo-nos inteiramente com o Presidente da República, o Governo e o povo de São Tomé e Príncipe”, escreveu, na sua conta no Facebook, o chefe de Estado cabo-verdiano. Para José Maria Neves, esta ação colocaria “em causa o Estado de Direito Democrático”.