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Com uma democracia “ferida”, mas “inabalável”. Foi assim que o Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) se apresentou perante a Câmara dos Representantes e do Senado para fazer um balanço do ano que passou. Da educação à política externa, Joe Biden tocou em praticamente todos os assuntos em mais de uma hora e doze minutos, fazendo uma retrospetiva e apontando novos caminhos para um mundo que, segundo o Chefe de Estado, atravessa um “ponto de inflexão” em que as decisões tomadas “vão alterar o rumo” dos acontecimentos nas próximas décadas.
Apesar da responsabilidade que essas decisões podem acarretar, Joe Biden demonstra “estar mais otimista” do que nunca no que concerne ao futuro dos Estados Unidos. “A alma desta nação é forte, a espinha dorsal desta nação é forte, o povo desta nação é forte, o Estado da União é forte”, sublinhou o Presidente norte-americano no final do discurso.
A força do povo norte-americano pode ser “forte”, mas há ainda problemas para resolver. Aliás, Joe Biden analisou as principais dificuldades durante uma hora, repetindo inúmeras vezes que tudo está “apenas a começar”, isto apesar de o Presidente dos EUA já estar no terceiro ano do mandato de quatro anos. Para o ano, o Chefe de Estado já sinalizou que deseja recandidatar-se — e a mensagem é, por conseguinte, de que a obra ainda não está completa e talvez seja preciso mais tempo para a finalizar.
As sondagens que têm saído não são animadoras para Joe Biden. Um estudo de opinião elaborado pela ABC juntamente com o Washington Post mostra que, se as eleições fosse hoje e numa disputa contra o seu antigo rival Donald Trump, o atual Presidente não seria reeleito. Mais: 58% dos democratas gostariam de ver outro rosto a concorrer à presidência em 2024. Este discurso poderia ser, assim, fundamental para mudar perceções — e o Chefe de Estado bem tentou traçar um cenário positivo e apelar à unidade.
Sondagem. 62% dos norte-americanos ficariam insatisfeitos se Biden fosse reeleito em 2024
A união com os “amigos” republicanos, apesar da “ameaça”
Diante de um Congresso renovado — no rescaldo das últimas intercalares, os republicanos conquistaram a Câmara dos Representantes, o que vai obrigar a encontrar consensos entre a presidência e aquele órgão — Joe Biden apostou num tom conciliador.
“É-nos dito que democratas e republicanos não conseguem trabalhar juntos. Mas ao longo deste último ano, provámos aos cínicos que eles estavam errados. Sim, discordámos muitas vezes. E sim, houve vezes que os democratas tiveram de agir sozinhos. Mas de tempos em tempos os democratas e republicanos uniram-se”, disse, chegando a adjetivar como “amigos” os membros do Partido Republicano.
Ainda assim, ao longo do discurso, Joe Biden fez questão de distinguir mais do que uma vez de que republicanos é que estava falar, distinguindo entre os mais moderados e os mais radicais. Sobre estes últimos, associados a Donald Trump, o Presidente dos EUA preferiu ser mais áspero, lembrando o que aconteceu no dia 6 de janeiro de 2021, onde, naquela mesma sala onde discursava, alguns apoiantes do ex-Presidente invadiam o Congresso.
“Nos últimos anos, a nossa democracia foi ameaçada, atacada e colocada em risco”, atirou Joe Biden, que aproveitou para mandar uma farpa ao antecessor, nomeadamente sobre as acusações de fraude eleitoral que Donald Trump tem feito desde 2020. “Não há lugar para violência política. Na América, devemos proteger o direito ao voto. Honramos os resultados das eleições, não subvertemos a vontade da população. Devemos seguir o estado de Direito e restaurar a verdade nas nossas instituições de democracia.”
A invasão “assassina” de Putin e o recado a Xi Jinping
No plano externo, Joe Biden aproveitou para lembrar a “agressão assassina” desencadeada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, que trouxe de volta as “imagens de morte e destruição” da II Guerra Mundial. A guerra acabou por ser, assim, um “teste para o mundo” e também para os próprios Estados Unidos.
Para o Presidente norte-americano, defender a Ucrânia salvaguarda os “princípios mais básicos de soberania” e o reconhecimento de que as pessoas podem “viver livres de tirania”: “É a defesa da democracia que mantém a paz e prosperidade”.
Quase um ano depois da invasão, a avaliação feita por Joe Biden é que o mundo teve sucesso na forma como enfrentou as ambições de Vladimir Putin. O Chefe de Estado puxou dos galões e recordou que os EUA “souberam fazer o que sabem fazer melhor”: “Liderar e unir a NATO e uma coligação global que resistiu à agressão” da Rússia.
Ainda na política externa, e numa escalada da tensão devido ao balão-espião chinês que sobrevoou os céus norte-americanos, Joe Biden fez questão de abordar as relações com Pequim. E o líder norte-americano deixou bem claro de que deseja fomentar um clima de “competição e não conflito” com a China, recusando hostilizar por completo o país asiático.
Embora tendo ressalvando que não procura um “confronto” com Pequim, Joe Biden avisou o homólogo chinês, Xi Jinping, que se a China “ameaçar” a soberania dos Estados Unidos tudo será feito “para proteger” as fronteiras norte-americanas.
Mas o objetivo também é outro. O Presidente norte-americano quer superar (ou continuar a superar) Pequim em vários domínios. Reconhecendo que os EUA “estão na posição mais forte para competir com a China”, Joe Biden salientou perante o Congresso que um dos objetivos deve ser “vencer”essa tal “competição” — e impedir a supremacia chinesa.
Economia: o regresso do “Made in America”
Durante o discurso, Joe Biden lamentou mais do que uma vez que os EUA tenham perdido tantas empresas, que optaram por se deslocalizaram para países com menos impostos. “Demasiados trabalhos que eram bem pagos mudaram-se para outro país. As fábricas fecharam. Cidades que estavam a prosperar tornaram-se sombras daquilo que eram.”
Joe Biden quer o regresso do “Made In America” e, por isso mesmo, anunciou que todos os materiais usados para construir infraestruturas por ordem federal terão de ser norte-americanos. “As estradas, as pontes e as autoestradas serão todas feitas com produtos dos EUA.”
O objetivo? Dar um novo fôlego à produção interna e não depender tanto das exportações. No discurso do Estado da União, Joe Biden deu o exemplos dos chips, que “foram inventados” nos EUA — que produziam “cerca de 40% dos chips a nível mundial”. “Mas, nas últimas décadas, perdeu-se a hegemonia e produz-se apenas 10%”, lamentou o Chefe de Estado, recordando as dificuldades vividas durante a pandemia quando as fábricas destes materiais no estrangeiro “fecharam”.
“Os fabricantes de carros não podiam fabricá-los porque não havia chips suficientes. O preço dos carros subiu, assim como tudo — desde frigoríficos a telemóveis”, lembrou Joe Biden, que declarou que esse cenário “nunca mais pode acontecer”. Assim sendo, a Casa Branca tomou medidas para que o início da cadeia de abastecimento dos chips seja os EUA, o que permitirá criar “centenas de milhares de novos empregos”.
No âmbito económico, Joe Biden mencionou ainda que a taxa de desemprego, situada nos 3,4%, atingiu o “nível mais baixo dos últimos 50 anos”. No que toca à taxa inflação, o assumiu que “tem de se fazer mais”, mas já há sinais positivos: “Já começou a descer”. No entanto, o otimismo é total — o líder do país acredita que os EUA são “os mais bem preparados no Planeta Terra” para fazer face ao aumento de custo de vida.
Saúde: os medicamentos e o aborto
No ramo da Saúde, o Presidente norte-americano referiu que o país é o que paga mais, no mundo, por medicamentos sujeitos a receita médica. Exemplificando com o preço da insulina — necessária para doentes diabéticos —, Joe Biden lembrou que, através do seguro de saúde Medicare, impôs um teto máximo de 35 dólares (cerca de 33 euros) mensais para o custo daquele medicamento.
Mas esta medida está destinada apenas para quem tem mais de 65 anos. “Há milhões de norte-americanos que não estão na Medicare, incluindo 200 mil jovens com diabetes tipo I que precisam de insulina para salvar a sua vida”, frisou o Presidente dos EUA, apelando aos congressistas para “terminar esse trabalho” e alargar as idades.
Relativamente à Covid-19, Joe Biden anunciou que a doença deixará de ser considerada brevemente emergência de saúde pública nos EUA. Compadecendo-se com a dor que sofreram quem viu familiares morrerem durante a pandemia, o chefe de Estado norte-americano disse que isso deve levar a que o país se mantenha “vigilante”. “Devemos continuar a monitorizar as variantes e investir em tratamentos e vacinas”, apelou.
Já sobre o aborto, um dos tópicos mais discutido na campanha eleitoral nas eleições intercalares, Joe Biden reforçou que o “dever” do Congresso passa por “proteger os direitos e liberdades das pessoas”. Assim sendo, o líder norte-americano pediu aos congressistas que “restaurem” o direito ao aborto em termos federais.
“A vice-presidente [Kamala Harris] e eu estamos a fazer todo o possível para proteger o acesso à saúde reprodutiva e salvaguardar a privacidade dos pacientes”, assegurou Joe Biden, deixando uma garantia de veto caso o Congresso decida tentar expandir as proibições relativamente ao aborto.
A reforma policial
Na plateia do Congresso, estavam os pais de Tyre Nichols, jovem de 29 anos, que terá sido assassinado após mais um episódio de violência policial no estado do Texas. “Imagine-se o que é perder um filho às mãos da lei”, lamentou Joe Biden, acrescentando que a comunidade negra tem de ter especiais cuidados, para que as autoridades não ajam de forma violenta.
O Presidente dos EUA apelou, assim, à “proteção igualitária perante a lei”, independente da cor da pele ou da origem. “Aquilo que ocorreu a Tyre Nichols acontece com demasiada frequência. Temos de fazer melhor”, reconheceu Joe Biden, salientando que, se algum agente violar o código deontológico, deve ser “responsabilizado”. “Temos de nos unir e trabalhar na reforma policial”, sintetizou.