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Aos 13 anos, começou a fazer rádio. Hoje, soma já 31 de uma carreira assente em muitas plataformas: Prova Oral, o programa da Antena 3 que está prestes a assinalar o 15º aniversário, É a vida Alvim, o talk show televisivo que vai para o ar três vezes por semana, no Canal Q, entregas de prémios anuais como é o caso dos Monstros do Ano e competições desportivas, no mínimo, idiotas, categoria em que cabem a Grande Regata de Barquinhos a Remos e o Torneio de Golfe para Nabos. Alvim garante que todas as ideias são suas e que, muito provavelmente, sem as mais estapafúrdias, há muito que a lide radiofónica o teria matado… de tédio.
É presença assídua no Tinder, deixou de beber cerveja no fim dos anos 90, nunca foi à ModaLisboa e há mais de duas décadas que não faz uma transferência bancária. É de Mafamude, mas é a pensar em Lisboa que projeta um hotel para turistas. O empreendimento tem a sua piada, mas ele rejeita o rótulo de humorista — prefere entertainer, embora fale do humor cheio de sentimentos de propriedade. Usa-o, desde pequeno, como arma contra a timidez. Para a entrevista no terraço do Observador, Fernando Alvim trouxe uma camisa escolhida a dedo. Um meio termo difícil de encontrar, segundo o próprio, entre o “azeiteiro” e o “sem graça”.
[Veja no vídeo o best of da Observador summer session com Fernando Alvim]
“A rádio é claramente aquilo que melhor sei fazer”
Bem-vindo, Alvim.
O melhor convidado de sempre.
Escolheste um Melancia Mia para te acompanhar nesta entrevista. És um homem de cocktails frutados?
Nem por isso. Gosto muito de melancia, está muito associada ao verão, ou a pessoas que perdem os campeonatos de futebol. Dos nomes que me foram propostos, era claramente o mais exótico. Sou simples nas minhas escolhas a este nível. Gosto de gin — eu sei, é demasiado óbvio, peço desculpa. Pior do que isso: há aquelas pessoas que dizem: ‘Ah, antes da moda dos gins, já consumia gin’. Não, eu só comecei a consumir mesmo com a moda. Quando apareceu disse: ‘Também quero pertencer’. Foi assim que fui conhecendo o gin. Até porque, antes, os gins que existiam eram poucos e não eram muito bons. Depois, gosto de vinho branco, apenas.
Era só o que bebias antes da moda do gin?
Era. Tive algumas fases, acho que todos temos. Tive a minha fase adolescente em que bebia cerveja e vinho de má qualidade, depois tive a fase das bebidas brancas, com vodka e algum whisky, depois deixei-me disso e hoje só bebo gins ou vinho branco. Mas estou longe de beber todos os dias. Bebo assim ao fim de semana, socialmente.
De certeza que passaste por essas fases já a fazer rádio, uma vez começaste ainda em idade escolar.
Comecei aos 13 anos, sou o pequeno Saúl da rádio.
Há tanto tempo na rádio, nunca te fartaste?
Não, porque acho que o segredo de qualquer atividade é não te resignares e tentares sempre renovar-te e atualizar-te. Podes fartar-te de ser professor se estiveres sempre a dar a matéria da mesma maneira. Se souberes modernizar-te, teres novos modelos para falares, isso pode ser muito motivador. Sempre tentei fazê-lo e, embora faça imensas coisas, a rádio é claramente aquilo que melhor sei fazer e de que tenho mais horas. Há uma tese, não sei se é verdadeira, que diz que para saberes fazer muito bem uma coisa tens de ter 10.000 horas disso. Tenho muito mais de 10.000 horas de rádio.
E já tens mais de 10.000 horas a fazer alguma outra coisa?
Bem, em termos sex… Não, não vou dizer isso. A dormir, sou muito bom a dormir. Tenho mais de 10.000 horas a ler, gosto muito. Mais nada, que me esteja a lembrar.
“A melhor forma de seduzires alguém é não te achares nenhum campeão”
Há mais de 20 anos, apresentaste um programa chamado Terminal de Engate, na Rádio Nova Era. Essa experiência fez de ti um mestre engatatão?
Bem, não sou um mestre engatatão. No outro dia, dava uma entrevista em que se falava dessa temática, que toda a gente gosta, e dizia que a melhor forma de seduzires alguém é não teres nenhum método e não te achares nenhum campeão. Não me acho nenhum campeão, nem acho que seja assim muito bom nesse capítulo. O Terminal de Engate, no fundo, era o início do Tinder. As pessoas, homens e mulheres, ligavam para lá, nós fazíamos perguntas e testávamos, de certa forma, a compatibilidade de cada uma delas. E éramos nós, enquanto programa, que dizíamos: ‘Ora bem, destes seis homens e destas seis mulheres, vamos juntar a Cristina com o Paulo’. Os prémios eram um jantar num restaurante ótimo, havia roupa, discos, livros e depois havia uma noite num hotel. Eles podiam não querer. Era muito engraçado.
Falaste no Tinder. És um utilizador?
Sou como todos os utilizadores, umas vezes estou no Tinder, outras vezes não estou, mas não tenho nenhum estigma. O Tinder chegou, não para substituir, mas para acrescentar. É mais uma forma de conheceres pessoas. É curioso que o estigma a ele associado seja grande e que haja pessoas que ficam muito admiradas por eu o utilizar. Lembra-me de quando, nos anos 80, perguntávamos a alguém como é que tinha conhecido o namorado ou a namorada e a resposta era que se tinham conhecido na noite. As pessoas ficavam: ‘O quê, na noite? Que horror, a noite é só prostituição’. É o que está a acontecer agora com o Tinder. Há pessoas que se casaram pelo Tinder, que namoram pelo Tinder. Não é só sexo, podes conhecer boas pessoas, já conheci muitas.
Mas o teu sucesso junto do público feminino é bastante reconhecido.
A sério? Isso é péssimo. Bem, se tivesse um método não o dava, não ia dar o ouro ao bandido. Deve haver aí algum equívoco, não sou assim tão bem sucedido. Sou uma pessoa absolutamente simples a esse nível. Não há qualquer plano. Mas há uns tempos, escrevi um artigo em defesa do amor atual. Já que se fala tanto sobre as relações descartáveis, perante todas as outras motivações paralelas que alguém pode ter durante a sua vida, hoje em dia, alguém que ame, ama seguramente de maneira mais forte do que há 20 ou 30 anos. Há tantas distrações, tantas motivações, excitações várias. Hoje, quando alguém ama outra pessoa, esse amor tem de ser à prova de bala e indestrutível. Ele existe muitas vezes e eu gosto de estar apaixonado.
Por isso é que já te intitulaste “Mourinho do amor”, na medida em que é um ótimo treinador, depois de ter sido um péssimo jogador?
É isso mesmo. Acho que escrevo muito bem sobre o amor, tenho uma boa leitura — e desculpem se estiver a parecer pretensioso –, mas sou péssimo jogador, não é a minha cena. Adoro estar apaixonado, mas depois as coisas…
Seres bom treinador, como dizes, é fruto de alguns desgostos amorosos?
Tive alguns, mas também tive gostos amorosos, mais gostos do que desgostos. Nessa contabilidade emocional, o amor sai a ganhar. Mas acho que passei demasiado tempo apaixonado pela grande beleza, sobretudo na adolescência. Foi tempo a mais, aquela coisa de te apaixonares por uma pessoa que na verdade nem conheces bem. Na adolescência, passei os meus verões completamente doido por uma miúda, mas nem a conhecia muito bem. Como é que podia estar apaixonado? Há pessoas que têm a sorte de isso nunca lhes ter acontecido. Comigo aconteceu muito.
“Fico com pena das pessoas que usam palavrões para fazerem humor”
Como é que era o Alvim adolescente?
Um génio.
Já tinhas este à-vontade todo?
Sempre fui bastante social, embora pelo meio houvesse uma timidez que ainda existe, ela está cá. Aliás, o facto de parecer tão extrovertido é uma espécie de defesa. Os atores usam muito isto. É como se fosse uma luz que tu tens cá dentro e que ligas. Habituei-me a fazer isso. Muitas vezes, nós que vivemos neste meio sentimos várias pressões e alguma timidez… quando se vai a uma festa, por exemplo. É raríssimo ir sozinho para uma festa. Não consigo, não me sinto muito à vontade.
E usas o humor para compensar essa timidez?
Claro. Há uma coisa que é importante dizer — o humor, para além de ser um ótimo quebra-gelo, é sobretudo uma forma de as pessoas terem menos medo. Serve para isso, para suavizar o medo que possa existir em relação a um infindável número de realidades. E, numa altura em que o moralismo é tanto, não só nas redes sociais como em outros domínios, acho que, se calhar, as pessoas ainda não perceberam que o humor é justamente o não óbvio, o fraturante. Que graça é que tem quando alguém é previsível? Ninguém se ri, não é? Se tivéssemos de fazer um desenho de como é o humor, seria uma estrada reta, em que à partida ias virar à direita e acabas por virar à esquerda. É as pessoas não estarem à espera disso. Se fores óbvio, não vais fazer rir ninguém.
Há alguma situação que te faça congelar?
Acho que não. Eu e outras pessoas ligadas ao humor já percebemos que temos, sobretudo nesta altura, de defender em absoluto a liberdade de expressão. Concordando ou não, quero que as pessoas sejam livres de poderem dizer aquilo que pensam, mesmo que não concorde com elas. Estou nessa luta.
Portanto, falas do humor como ferramenta que te permite dizer o que te vai na cabeça?
Tu vais conquistando cada vez mais liberdade para dizeres aquilo que pensas. Sempre tive essa sorte, se bem que também há uma finíssima linha, diria que invisível, mas que se sente, que faz com que percebas exatamente até onde podes ir. Há formas delicadas de fazer uma crítica, sem que tenhas de ser demasiado ofensivo. Podes ser subtil na tua crítica e se calhar até mais mordaz. É como dizeres um palavrão. Qual é o sentido de usar um palavrão? Eu fico com pena das pessoas que usam palavrões para fazerem humor. Agora vou escrever um livro a meias com o Sérgio Carvalho sobre insultos e nada melhor do que um insulto que não seja óbvio.
E no que toca ao humor como forma de fazer uma crítica, há temas que merecem a tua atenção mais do que outros?
Bem, o Nuno Graciano ter saído da CMTV, não consigo perceber. São tantos. Não tenho uma playlist de temas, tento manter-me informado. Leio bastante e vou-me preocupando com a atualidade.
Numa entrevista à RTP, disseste que tinhas o “culto das mulheres”.
São muito centrais na minha vida. Adoro mesmo trabalhar com mulheres, pelo facto de serem muitos mais razoáveis, muito mais organizadas. Elas acabam por ser muito mais inteligentes na forma como analisam as coisas. Quando digo que sou muito centrado nelas, é isso que quero dizer, para além de gostar da beleza feminina, obviamente.
Isso torna-te mais sensível, por exemplo, à questão da igualdade de género?
Claro. Acho que está na altura de nós homens termos também os mesmos direitos das mulheres. Eu proponho uma manifestação, temos que cortar uma estrada qualquer, uma Avenida da Liberdade, para termos alguns direitos. Acho que temos de ser todos feministas. Se ser feminista é defender a igualdade de direitos, então sou feminista também. Não me custa nada admitir que as mulheres devem ganhar exatamente o mesmo que os homens. Sou muito adepto da meritocracia, por isso acho que todos devemos ganhar pelo nosso valor. Tu não podes ganhar menos a fazer exatamente a mesma função só por causa do género. Isso não pode ser. Vai ser uma luta, ainda há muito a fazer, mas acho que se está no bom caminho. É claro que, como sempre, há caça às bruxas, há exageros. Mas acho que vale a pena.
“Gostava de ter um hotel no meio de um lago onde toda a gente podia pescar”
Falaste, ironicamente, numa marcha masculina na Avenida da Liberdade. A verdade é que te revelaste um perito em organizar eventos mirabolantes. Como é que é tens essas ideias e onde, a conduzir, a tomar banho?
Não há nenhum sítio específico ou, pelo menos, ainda não percebi nenhuma relação causa efeito. Mas a verdade é que sempre pensei que, à medida que os anos fossem passando, as ideias seriam menos. Isto não quer dizer que todas sejam boas, algumas são absolutamente parvas.
Mas são todas tuas?
Sim, não roubo ideias. Já é bom ser assim. Mas a verdade é que uma ideia não serve para nada se não for executada. Bom, pode servir para rir só. O prazer que tenho ao realizar uma ideia e ao investir tudo de mim nela é a realização pessoal. Acho que se fizesse só rádio, possivelmente não me estariam a entrevistar agora. Se calhar consegui diferenciar-me porque as pessoas perceberam que não era só aquilo, um simples animador de rádio.
Ou então tu próprio já estarias entediado de fazer só rádio.
Estaria entediado, tenho a certeza absoluta. Estou sempre a ler cinco, seis livros ao mesmo tempo. É a única forma de não me entediar. Sempre a ler muitas coisas ao mesmo tempo, sempre a mudar. Faço isso com os eventos, com o trabalho, até mesmo com pessoas. Não sou nada de estar sempre com as mesmas pessoas.
Qual é o próximo grande evento estranho?
Bem, vou fazer a quinta edição do Torneio de Golfe para Nabos, pela primeira vez no Algarve. Depois, vou fazer o Termómetro, que vai para a 24ª edição. Pelo meio, tenho a quarta edição das Ideias Para Portugal. Tenho os Prémios Novos na Gulbenkian. Depois, há outra causa: os nossos seniores. Aí, estamos a planear fazer algo gigantesco antes do final do ano. Acho que se criou uma ideia errada de que as pessoas com mais de 65 anos já têm uma opinião pouco relevante. Se a sua experiência é muito maior do que a nossa, pela lógica, essas pessoas têm uma palavra até mais insuspeita a dizer. Alguém que tem 65 anos não é idoso. Os 65 são os novos 40.
Envelhecer assusta-te?
Assusta-me imenso. Vai ser terrível. No espaço de dois meses, entrevistei três pessoas com mais de 85 anos: o Coimbra de Matos, assim uma espécie de pai da psicanálise em Portugal, o Professor Eduardo Lourenço, a propósito de um filme sobre ele que se chama “O Labirinto da Saudade”, e o Cruzeiro Seixas. O Cruzeiro Seixas tem 97 anos, o Coimbra de Matos tem 86 e Professor Eduardo Lourenço tem 95. Lembro-me de perguntar ao Cruzeiro Seixas como é que é ter 97 anos e ele: ‘Epá, isto é muito mau, já não consigo ler, isto não tem jeito nenhum’. Mas ele reagia com muito humor e o que me preocupa mesmo é, de facto, perceber essas várias falências. Entrares em falência física é terrível. Perderes poderes sociais, não teres a mesma graça, por exemplo. Sobretudo, quero continuar a ser uma pessoa bastante sociável. Lá está, não vou ser aquele velhinho que vai estar a ver os canais de cabo durante o dia todo. Espero não ser. Se calhar na altura vou ler esta entrevista e dizer assim: ‘A parvoíce que eu estava a dizer, estou aqui tão bem, ninguém me chateia. Estar a dizer isto com 44 anos’. A reforma não é uma coisa que ambicione, quero falecer a trabalhar. Mas numa coisa boa, tipo um hotel, um hotel para turistas.
Estás a juntar dinheiro para isso?
Não, não estou. Sou péssimo nisso. Mas vejo a cidade vibrante e não deixo de pensar num negócio para turistas. Gostava de ter um negócio para turistas, mas que fosse fixe, não para explorá-los.
Mas agrada-te que Lisboa esteja assim tão vibrante?
Agrada-me muito. Não me agrada a gentrificação, as cidades perderem a sua identidade. Repara, vejo o turismo como uma coisa boa, significa que há pessoas que querem visitar o nosso país, que lhes agrada estarem connosco. Nós não podemos dizer a alguém que adora estar connosco que não gostamos que venha. Lembro-me dos anos em que todos falávamos sobre como era possível termos um país tão bonito e com tantas coisas para dar e, praticamente, não termos turismo. Isto aconteceu e não foi assim há tanto tempo quanto isso. Hoje em dia, temos e se calhar ainda é só o princípio. Daí a não existirem regras, acho que ainda vai um grande bocado. Têm de existir, de forma a não perdermos a nossa identidade. Mas acho que uma cidade fica bastante exótica quando ouves várias línguas na rua, gosto mesmo disso. Agora, não gosto de chegar a uma zona como Alfama e não encontrar um único português. Faz lembrar aquelas excursões em que éramos miúdos e íamos para Benidorm. Depois, chegávamos a Benidorm e era só portugueses na mesma.
Fiquei com muita curiosidade em saber como seria esse hotel.
É pouco provável que consiga, portanto posso dar-te a minha ideia. O hotel seria no meio de um lago, ok? Todos os quatros teriam uma varanda, nessa varanda havia um grelhador. Portanto, hotel, todos os quartos têm uma varanda, meio do lago, havia um grelhador. Toda a gente podia pescar no hotel. Nós injetávamos peixes, as pessoas pescavam, tinham uma experiência incrível, comiam aquilo que pescavam da varanda e tiravam fotografias e tudo. Era o meu hotel. Em Lisboa. Arranja-me um lago e farei este hotel. E dinheiro. Se não me arranjares dinheiro, vou falar com o Robles.
“Posso ter o azar de alguém mais importante morrer no mesmo dia que eu”
Houve alguém que tivesses detestado entrevistar?
Detestar é um bocado pesado. Tenho uma filosofia nas entrevistas: nunca colocar a culpa do lado do convidado. Também há que dizer que uma pessoa que fez algo interessante pode não ser interessante. Subires ao alto do Kilimanjaro não faz de ti uma pessoa interessante. E aí, tens de dar a volta àquilo. Há uns valentes anos, entrevistei um contador de histórias na rádio. E o que é que achas que lhe pedi a dada altura? Para ele contar uma história. Pareceu-me óbvio. Ele diz-me assim: ‘Epa, não queria contar, desculpa’. Pensei: ‘Convidei este gajo para vir contar histórias ao programa. Ele está maluco?. O programa tem 55 minutos, como é que eu vou fazer?’. Fui apanhado de surpresa com aquilo e já que ele não contava uma história, contei eu uma. Passado dez minutos, perguntei-lhe outra vez. ‘Ah, não. Não quero contar nenhuma história’. Então, contei outra. E quem estava a ouvir o programa percebeu o que é que eu estava a fazer: a tentar salvar o programa e que o convidado percebesse que era bom ele contar uma história porque eu já ia na segunda. Contei cinco histórias nesse programa.
De certeza que, tal como esse episódio, tens feito outros malabarismos.
Numa entrevista, é muito importante ouvires o convidado. Às vezes, nas entrevistas que vou vendo, sinto que os entrevistadores estão tão preocupados com a pergunta que vão fazer a seguir que nem sequer estão a ouvir o que ele está a dizer. Há respostas no convidado que são gatilhos para outra pergunta muito melhor. Quando há esse improviso, quando se percebe que é espontâneo, o próprio convidado fica-lhe com outro respeito. Definitivamente, adoro entrevistar pessoas. Gosto de ler sobre elas, mas não gosto de ir com as perguntas todas preparadas. Nunca o fiz. Perguntas preparadas não são a minha cena.
E em algum momento esse improviso te deixou ficar mal?
Já deve ter acontecido de certeza. Há situações em que não somos tão brilhantes. Mas acho que a entrevista começa muito antes de tu começares a fazer as perguntas, perceberes qual é a disponibilidade emocional da pessoa, como é que a pessoa está. Lembro-me de entrevistar a Maria Rita e de me dizerem que ela tinha um feitio um tanto ou quanto distante. Quando ela entrou em estúdio, disse-lhe: ‘Maria Rita, alguma vez te entrevistaram sem falar da tua mãe?’. E ela: ‘Cara, isso nunca aconteceu’. ‘Então a proposta é esta: fazemos uma entrevista em que vão entrar ouvintes e tu nunca podes dizer o nome da tua mãe. Quem disser primeiro perde o jogo’. Ela: ‘Cara, estou gostando’. E a primeira coisa que o primeiro ouvinte lhe diz é: ‘Olá, Maria Rita. Como é que classifica a influência que a sua mãe, Elis Regina, teve na sua carreira?’. Lembro-me da resposta dela, que foi: ‘Bom, essa senhora…’.
Lembro-me de uma vez estar a entrevistar a Beatriz Batarda. Foi na rádio, há muitos anos. Estava de frente para ela e estava a ser uma entrevista assim dura, dura porque a Beatriz Batarda tem um talento imensurável e porque às vezes é muito dura naquilo que diz e eu adoro. Estava a haver quase um grau de intimidação quando, por coincidência, a perna dela bateu na minha. Ela estava séria e eu disse-lhe: ‘Beatriz, desculpa, a tua perna bateu na minha. queres dizer alguma coisa?’. Ela parou do género: ‘Este gajo deve ser parvo’. Mas sei que, a partir desse momento, a entrevista mudou. Preocupo-me sempre em tirar o melhor das pessoas, mesmo quando são entrevistas perigosas, com pessoas nada consensuais.
Ou quando são sobre temas que não dominas…
Há aquela expressão bem portuguesa que é: é melhor não atirares o pé fora de água, ou uma coisa assim. É assim a expressão? Não sei. Lembro-me perfeitamente de entrevistar o Carlos Cruz. Uma entrevista perigosa, perigosa no sentido em que não sou jornalista, sou um entertainer, e não sabia de todas as coisas do processo. Se o Carlos Cruz me dissesse alguma coisa em relação ao processo, eu não podia contrapô-lo. Fui noutra direção. Claro que havia pessoas a questionar como é que era possível levar lá o Carlos Cruz. Gosto disso, de me pôr à prova. As pessoas, quando não concordam com alguma coisa, querem logo censurar. No meu caso, como estou mais ligado ao humor, não tenho de ser propriamente um justiceiro.
Tu que és um especialista em inventar prémios, que prémio criarias para ti próprio?
Nunca pensei nisso. No fundo, o único prémio que gostaria de receber, tal como todos, é, um dia, acabar no Panteão. Quero que façam uma festa grande e ilegal quando eu lá estiver. Isso é o mínimo. Às vezes também penso: nesta altura, de todos os portugueses que podem morrer, quem é que levaria os outros portugueses à rua, como aconteceu com a Amália e com o Eusébio?
Tu?
Eu, não. Alguma vez? No outro dia, a discussão com amigos meus era: se eu morresse, o telejornal dava a notícia? Acho que na RTP fechavam com a notícia. Depois, o José Rodrigues dos Santos dizia ‘Mas a vida continua’, piscava o olho e dava uma risada. Na SIC e na TVI acho que não iam dizer nada e é muito triste verificarmos isto. Alguns jornais iam dar uma notícia pequena em rodapé. Agora, depende muito do que vou fazer nos próximos 40 anos. E depois também posso ter o azar de alguém mais importante morrer no mesmo dia, isso é a pior coisa que me pode acontecer. Espero que quando morrer, não morra mais ninguém nesse dia para todas as atenções estarem viradas para o meu desaparecimento.
Mas voltando às pessoas que levariam os portugueses à rua…
Pinto da Costa pode levar as pessoas às ruas do Porto. Marcelo Rebelo de Sousa levará pessoas à rua. Obviamente, não queremos que estas pessoas morram. E Cristiano Ronaldo. Quem é que mais poderia levar pessoas à rua? Quim Barreiros? Não.
Alguém te trata por Fernando?
Cá está, uma mulher, que é o meu braço direito. Faz as transferências, os pagamentos. Gostava que soubesses que há mais de 20 anos que não faço uma transferência. Mesmo uma compra tão simples como um bilhete de comboio, peço a alguém que me faça. A minha relação com o dinheiro está a este nível, sempre esteve.
Obrigado, Alvim. Agora, posso tirar-te uma fotografia?
Não. Está bem, pode ser. Gostei muito deste cocktail.
Se quiseres podes beber o meu.
Mas não bebeste porquê?
Não dá jeito.
Os outros convidados não bebem quando estão aqui?
Bebem, mas até agora foste o que bebeu mais depressa.