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As suspeitas que envolvem Manuel Pizarro na Operação Teia deverão ser arquivadas nos próximos meses. Ao que o Observador apurou, os investigadores terão concluído que não foram concretizadas as promessas de influência feitas por Pizarro junto do Governo de António Costa para se abrir uma exceção na lei de limitação de mandatos dos gestores públicos, de forma a manter José Maria Laranja Pontes como presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto.
Essas promessas foram detetadas em escutas telefónicas de conversas entre Manuel Pizarro e dois dos principais arguidos da Operação Teia (Joaquim Couto e Laranja Pontes) e poderiam eventualmente configurar o crime de tráfico de influências — mas nunca terão levado a uma ação de Pizarro, que é também presidente da Federação do Porto do PS.
Manuel Pizarro prometeu influenciar Governo para beneficiar arguido da Operação Teia
Deverá ser essa a conclusão sobre uma pequena parte da Operação Teia, que refere vários dirigentes socialistas relevantes. Terá mesmo havido a intenção por parte de alguns dos investigados de envolver o primeiro-ministro António Costa nas manobras para manter Laranja Pontes como presidente do IPO do Porto mas, ao que os investigadores perceberam, nada aconteceu. Resta saber que avaliação criminal fará o Ministério Público, mas tudo indica que os indícios deverão ser arquivados.
O que é a Operação Teia?
A Operação Teia marcou o verão de 2019 e levou à detenção de Joaquim Couto (marido de Manuela Couto, histórico autarca do PS e ex-presidente da Câmara de Santo Tirso), de Miguel Costa Gomes (ex-presidente da Câmara de Barcelos), de José Maria Laranja Pontes e de Manuela Couto. Os autos estão precisamente concentrados nos negócios do pequeno grupo empresarial da mulher de Joaquim Couto, nomeadamente num conjunto de contratos de cinco empresas de Manuela Couto com a Câmara de Barcelos e o IPO do Porto.
Estão em causa suspeitas de alegado favorecimento na adjudicação de contratos de 1,4 milhões de euros. Joaquim Couto terá alegadamente ajudado a mulher a obter contratos junto de várias autarquias socialistas e do IPO do Porto. Só neste último caso, estão em causa contratos de cerca de 360 mil euros realizados entre fevereiro de 2017 e agosto de 2018.
Os indícios levaram mesmo o Tribunal de Instrução Criminal do Porto a classificá-los como sendo de “extrema gravidade”, de “criminalidade altamente organizada” e podendo levar a “sentimentos de impunidade”.
Todos os arguidos foram libertados em junho de 2019 com cauções que chegaram aos 40 mil euros, com a exceção de Manuela Couto. A empresária ficou na altura em prisão preventiva, tendo sido libertada meses depois.
O plano (não concretizado) que tentou envolver António Costa
As suspeitas que envolvem Manuel Pizarro estão relacionadas com uma exceção à lei dos gestores públicos que impõe a limitação de mandatos. O objetivo seria manter José Maria Laranja Pontes como presidente do IPO do Porto.
Numa conversa que terá ocorrido a 30 de maio de 2018, Manuel Pizarro e Joaquim Couto dissertaram sobre um plano que iria levar à criação de uma exceção legal para Laranja Pontes no novo regime jurídico das Entidades Públicas Empresariais do Serviço Nacional de Saúde aprovado pelo Governo de António Costa. A lei definia três mandatos consecutivos como limite, tendo Laranja Pontes atingido esse limite em 2017, após doze anos no cargo.
“Isto é uma vergonha!”, dizia Pizarro nessa conversa, referindo-se à situação que envolvia Laranja Pontes e dando-lhe razão nos pareceres jurídicos que apresentava.
Tal como Joaquim Couto, Manuel Pizarro estaria focado em convencer o Governo a mudar a regra. Enquanto Pizarro garantia que havia disponibilidade dos ministros das Finanças (Mário Centeno) e da Saúde (Adalberto Campos Fernandes) para alterar a lei e assegurava que já tinha pedido uma primeira redação da alegada nova norma, Couto queria que o líder do PS Porto, juntamente com Luísa Salgueiro (presidente da Câmara de Matosinhos), falasse diretamente com o primeiro-ministro António Costa sobre esse assunto.
A altura indicada seria o Congresso do PS, que se realizaria entre 25 a 27 de maio de 2018 na Batalha, mas Joaquim Couto acabou por recuar. Couto ainda tinha pensado em recorrer a Luísa Salgueiro (autarca de Matosinhos e presidente da Associação Nacional de Municípios) e ao próprio Pizarro para falarem com António Costa mas a conversa nunca terá ocorrido.
Ao que o Observador apurou, os autos da Operação Teia também referem tentativas de contacto com José Luís Carneiro, atual ministro da Administração Interna e, naquela altura, secretário de Estado das Comunidades e futuro secretário-geral adjunto do PS — mas também não há indícios no processo de que tenha mesmo sido contactado.
Contactos são indícios de corrupção imputados ao casal Couto
A investigação da Operação Teia deverá ficar concluída até ao final do ano. Será nessa altura que será apresentado o relatório final da PJ do Porto e, ao que o Observador apurou, os indícios que envolvem Manuel Pizarro deverão ser arquivados.
Dando até razão aos argumentos das diferentes defesas que alegavam que os referidos indícios não passavam de “conversa de café”, os investigadores terão chegado à conclusão de que tudo não passou de promessas.
Acresce a tudo isso que Mário Centeno (então ministro das Finanças) e Adalberto Fernandes (então ministro da Saúde e apelidado de “jerico” por Pizarro) negaram ao Observador a realização de qualquer tentativa de contacto de Manuel Pizarro sobre esta matéria.
Resta saber que avaliação criminal fará o Ministério Público dessas promessas, visto que há juristas que defendem que a simples tentativa pode levar à consumação de diversos ilícitos criminais.
É também relevante que Laranja Pontes estivesse a par de todas estas manobras, tendo inclusive avisado Joaquim Couto que a sua saída do IPO do Porto levaria inevitavelmente ao fim da relação comercial que aquele hospital público tinha com as empresas de comunicação de Manuela Couto, a mulher do autarca.
Certo é que a interceção telefónica da conversa entre Manuel Pizarro e Joaquim Couto é um dos indícios que levou à imputação de um crime de corrupção ativa ao ex-autarca de Santo Tirso e à sua mulher Manuela e de um crime de corrupção passiva a José Maria Laranja Pontes.
Mário Centeno e Adalberto Fernandes já tinham desmentido ao Observador em 2019 qualquer tentativa de contacto da parte de Pizarro.
A questão de Luísa Salgueiro e a filha de Laranja Pontes que subiu a vereadora
Também Luísa Salgueiro é referenciada nos autos da Operação Teia, muito por causa de Marta Pontes, filha de Laranja Pontes, que era na altura chefe de gabinete da presidente da Câmara de Matosinhos e hoje é vereadora com os importantes pelouros do Comércio, Investimento e Incubação de Empresas, Turismo e Internacionalização e Proteção Civil, segundo o site da autarquia.
Nas buscas judiciais que levaram à detenção de José Maria Laranja Pontes em 2019, vários gabinetes da presidência da autarquia de Matosinhos foram alvo de buscas, tendo um iPad de Luísa Salgueiro sido apreendido, como o Observador noticiou então.
Tudo porque os autos da Operação Teia indicam que terá sido José Maria Laranja Pontes a solicitar a Joaquim Couto que intercedesse junto de Luísa Salgueiro para que a sua filha fosse nomeada chefe de gabinete, como veio a acontecer. Como alegada troca, o então presidente do IPO do Porto continuaria a contratar as empresas de Manuela Couto
É por isso que o Ministério Público e a PJ do Porto referiam nos indícios que apresentaram em maio de 2019 no TIC do Porto que o cargo de chefe de gabinete deveria ter sido precedido de concurso público, e não feito por nomeação. Logo, estaria ferido de legalidade.
Uma vez mais, estes indícios levaram à imputação de um novo crime de corrupção ativa ao casal Couto e de corrupção passiva a José Maria Laranja Pontes.
Ao que o Observador apurou, a situação processual de Luísa Salgueiro e de Marta Pontes ainda está em avaliação, mas ainda assim o arquivamento deve ser o cenário mais provável.