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Oposição turca deixou escapar oportunidade histórica. Erdoğan ainda é o homem de ferro da Turquia

Oposição conquistou 25 milhões de votos, mas deriva nacionalista prejudicou Kılıçdaroğlu. Erdoğan reconheceu eleições "críticas" e mostrou-se pronto — e feroz — para o próximo combate, já em 2024.

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“Graças a vocês, mostrámos que a Turquia é feita de aço inoxidável — aço que não pode ser mudado.” Recep Tayipp Erdoğan reagiu assim no seu primeiro discurso da noite eleitoral, quando ainda vestia o fato de candidato, na altura em que a contagem de votos ainda prosseguia, mas o resultado eleitoral era cada vez mais claro.

Por trás das palavras de Erdoğan, ainda não de assunção clara de vitória, pairava já a ideia de que ele aqui está para ficar. No poder há 20 anos — primeiro como primeiro-ministro, depois como Presidente —, Erdoğan tem tentado ao longo do tempo fazer equivaler Turquia ao seu nome. E, esta noite, em que venceu o maior desafio eleitoral da sua carreira, Erdoğan não conseguia esconder a satisfação. Depois de ter passado um dia de nervos, em que a afluência eleitoral abrandou face à primeira volta e o atual Presidente chegou a dar notas de 200 liras (cerca de 9€) nas assembleias de voto para convencer eleitores indecisos, a vitória chegou.

Com 52,14% dos votos, derrotou a oposição unificada sob o nome de Kemal Kılıçdaroğlu, que se ficou pelos 47,86%. No discurso final de vitória, perante um mar de mais de 300 mil pessoas (números do próprio Presidente) em frente ao palácio presidencial de Ancara, Erdoğan prometeu uma e outra vez que “o século da Turquia” vem aí.

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Apoiantes do AKP celebram resultado de Erdogan

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“Iremos assinalar novamente a conquista de Istambul”, prometeu também Erdoğan, nomeando as eleições autárquicas de 2024 como o próximo grande desafio. É que o Presidente turco sabe que o desafio que lhe foi montado pela oposição foi de relevo e que a tranquilidade de outrora pode não se repetir. Por isso mesmo, o Presidente optou por fazer um discurso inicial em Istambul, a grande cidade que o seu partido, o AKP, perdeu no último escrutínio. A Turquia está cada vez mais polarizada e dividida entre as grandes cidades anti-Erdoğan e as províncias que apoiam o Presidente. Garantir que essa divisão não se consolida é um objetivo claro para o homem de ferro, que teme não o ser para sempre.

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Discurso nacionalista de Kılıçdaroğlu não resultou nas grandes cidades e entre os curdos

A divisão entre centros urbanos e rurais é tal que, nesta segunda volta, Kemal Kılıçdaroğlu conseguiu manter a vitória nas grandes cidades, em particular Istambul, Ancara e Izmir — mas isso não foi suficiente para conseguir derrotar Erdoğan. O atual Presidente conseguiu o melhor resultado a nível nacional, recuperando até da derrota que havia sofrido na primeira volta na região de Hatay, uma das mais afetadas pelo sismo de fevereiro (teve 50.1% dos votos).

A aposta de Kılıçdaroğlu de fazer uma guinada em direção ao discurso nacionalista não resultou. Se na primeira ronda o candidato do CHP se assumiu como um conciliador — uma espécie de “avô da nação” —, na segunda volta optou pela promessa de deportar todos os 3,6 milhões de refugiados do país. A radicalização do discurso chegou ao ponto de Kemal afirmar que “os ilegais” estão a tornar “a vida das nossas raparigas miseráveis”, em referência a casos de assédio sexual que envolvem imigrantes. Para além disso, dias antes da votação, assinou um acordo com o Partido da Vitória, força política populista e anti-imigração.

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Kılıçdaroğlu optou por um discurso mais nacionalista na segunda volta

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Foi uma tentativa de reagir à provável transferência de votos de Sinan Oğan, o candidato presidencial da extrema-direita que na segunda volta emprestou o seu apoio a Erdoğan, bem como uma estratégia de última hora para atrair possíveis desiludidos com o Presidente, no poder há 20 anos.

Mas o tiro acabou por sair pela culatra a Kılıçdaroğlu. A viragem à direita teve um efeito imediato entre a população cosmopolita das grandes cidades, onde a participação eleitoral desceu — em Ancara, por exemplo, os 91,2% da primeira volta passaram para 87,9% agora —, prejudicando sobretudo a oposição. Na prática, alguns dos apoiantes de Kılıçdaroğlu optaram pela abstenção nesta segunda ronda, enquanto que os bastiões de Erdoğan mantiveram os mesmos níveis de participação eleitoral.

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O candidato da extrema-direita, Sinan Ogan, deu o seu apoio a Erdogan

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Mais significativo ainda terá sido o impacto do discurso nacionalista sobre a população curda. Oficialmente, o partido pró-curdo HDP manteve o seu apoio ao candidato da oposição para “por fim ao regime de um homem só”, mas o seu eleitorado parece ter tido um entendimento diferente. A abstenção nas regiões de maioria curda aumentou e muito nesta segunda ronda, tendo chegado a subir 4 pontos percentuais em regiões como Mardin e 6 em Diyarbakir.

Erdoğan reconhece eleições “críticas” e parte para o ataque, de olhos postos em Istambul

No seu discurso durante a noite eleitoral, Kılıçdaroğlu não fez nenhum reconhecimento do impacto que as suas decisões durante a campanha tiveram no resultado final. Disse, pelo contrário, que este processo eleitoral “foi um dos mais injustos nos últimos anos”. “Todos os meios do Estado foram mobilizados para um único partido político e deixados aos pés de um só homem”, afirmou.

O candidato do CHP notou também, contudo, que o resultado mostra que o país “tem uma vontade real de lutar e de mudar o governo autocrático”, notando que teve 25 milhões de votos. Um apontamento que não deixa de ser relevante, já que é um valor muito superior ao alcançado pelos seus antecessores: em 2014, Ekmeleddin İhsanoğlu não chegou aos 16 milhões e em 2018 Muharrem İnce ficou pouco acima dos 15 milhões.

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Erdogan fez um primeiro discurso em Istambul onde destacou o objetivo de reconquistar a cidade nas autárquicas

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O Presidente turco sabe disso, razão pela qual reconheceu no seu discurso de vitória que estas foram umas “das eleições mais críticas” desde que a Turquia tem um “sistema pluripartidário”. Mas se alguém achou que isso seria razão para Erdoğan recorrer a um tom conciliador no discurso de vitória, enganou-se. A oposição foi repetidamente apelidada de “terrorista” pelas suas ligações aos curdos e o líder do AKP partiu para o ataque, atirando farpas a Kılıçdaroğlu (“diz ser um especialista em cálculos políticos, mas cometeu um erro”), a todos os partidos da oposição (“esta nação não caiu na vossa armadilha”) e até “aos jornais alemães e ingleses” que tentaram “destronar Erdoğan”.

Tudo em vão, disse Erdoğan, apontando uma e outra vez para a sua vitória eleitoral e enumerando as felicitações que já havia recebido de vários chefes de Estado — onde se incluíram o Presidente norte-americano, Joe Biden, a presidente da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen), o líder francês Emmanuel Macron e outros como Lula da Silva e Viktor Orbán.

Ele continuará de pedra e cal no poder — que ocupa há duas décadas — durante pelo menos mais cinco anos. Mas o Presidente turco tem noção que, depois destas eleições, está mais fragilizado do que alguma vez esteve após um ato eleitoral. O homem de ferro mantém-se no topo, mas a armadura está agora mais enferrujada. E as autárquicas do próximo ano podem indicar se este foi um primeiro passo de uma mudança que acabará por chegar de vez ou se Kılıçdaroğlu foi apenas uma pedra no caminho que o Presidente turco chutou de vez. Istambul o dirá.

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