Ao meio-dia de uma terça-feira de janeiro, um deputado do PS, a CEO da TAP e membros de dois ministérios juntavam-se num encontro via Teams. A reunião foi discreta — quase secreta, tendo ficado fora da agenda comunicada ao Parlamento — e teve a particularidade de ocorrer um dia antes de Christine Ourmières-Widener ser ouvida no Parlamento. Era dia 17. Dois meses e meio depois, o encontro foi tornado público durante a audição da gestora na comissão de inquérito à gestão da TAP, e os deputados da oposição quiseram saber se alguém na sala esteve lá. Com sotaque francês, a CEO demitida respondeu: “Car-los-Pe-rei-ra”. Começaram então outras dúvidas: a que título escrutinador e escrutinado se encontraram? Porque foi a reunião convocada? Quem a organizou? Quem estava presente? O que foi discutido?
As respostas foram ainda causando mais estranheza. A reunião que Christine Ourmières-Widener teve com grupo parlamentar do PS — era o que dizia a sua agenda — afinal teve a presença de apenas um deputado e logo aquele que viria a ser coordenador do partido na Comissão de Inquérito: Carlos Pereira. Hugo Costa, coordenador da comissão de Economia, também foi convidado, mas não participou. Muitos dos deputados socialistas — na comissão de Economia e na comissão de inquérito — souberam que o encontro tinha acontecido ao mesmo tempo dos portugueses, em sentimentos que oscilaram entre a surpresa e o desconforto.
Já esta quarta-feira, Carlos Pereira parecia estar de castigo. Já não foi ele a fazer as perguntas, chegou atrasado à comissão de inquérito e manteve-se discreto. O PS descarta leituras de que o coordenador está a ser afastado. Fonte oficial da bancada justificou que as intervenções são “rotativas” e que na anterior audição do CFO da companhia aérea o deputado que colocou questões também foi outro (Hugo Carvalho).
Outro facto estranho da reunião é que o outro Ministério que tutela a TAP (além das Infraestruturas), não foi convidado. João Galamba não incluiu Fernando Medina na reunião.
Esclarecido esse ponto, comecemos pela mãe de todas as dúvidas: quem é, afinal, o autor moral da reunião “secreta”?
Quem organizou a reunião?
Normalmente, o que acontece é que os convites são enviados pelo Ministério dos Assuntos Parlamentares, de Ana Catarina Mendes, para a bancada do PS. Ao Observador, fontes do grupo parlamentar socialista sublinham que não é a bancada que escolhe os convites que são feitos para esta reunião, ou seja, não partiu dali o convite para a CEO da TAP, nem seria esse o plano inicial.
O Ministério de Ana Catarina Mendes também se demarcou da ideia de convidar Christine Ourmières-Widener e disse ter feito apenas uma “ponte” entre o grupo parlamentar e o Ministério das Infraestruturas e tratado da logística do encontro. Na verdade, o convite para a entrada na sala de conversação online da reunião foi feito por Ana Filipa Ferreira, adjunta de Ana Catarina Mendes — o que os Assuntos Parlamentares atribuem a um mero ato operacional (diferente da formalização do convite).
Sobra então apenas a hipótese de o convite à CEO da TAP ter sido ideia do Ministério de João Galamba. “O Governo faz-se acompanhar por quem entender”, sugere uma fonte da bancada, lembrando que o PS não se reuniu sozinho com Ourmières-Widener. E foi isso que a CEO da TAP disse na comissão parlamentar de inquérito: a reunião foi promovida pelo ministro das Infraestruturas.
Quem esteve presente?
A “presença” foi virtual, já que a reunião ocorreu por videoconferência, através da plataforma Teams, da Microsoft. Quanto aos participantes, ainda não conhecidos todos os intervenientes na reunião, mas já foram identificadas várias pessoas. O ministro das Infraestruturas, João Galamba, não participou na reunião, mas tinha quatro representantes: a sua chefe de gabinete, Maria Eugénia Cabaço, o adjunto, Frederico Pinheiro, que já era um dos principais conselheiros de Pedro Nuno Santos para a TAP nas Infraestruturas, o outro adjunto, Marco Rebelo, e ainda Cátia Rosas, vereadora da Câmara de Lisboa.
Do lado do Ministério dos Assuntos Parlamentares, liderado por Ana Catarina Mendes, estiveram presentes três membros: Ana Filipa Ferreira, que enviou os convites para a reunião para os restantes, o chefe de gabinete da ministra, João Bezerra da Silva, e a técnica especialista, Daria Shumskaya. Na lista estava ainda João Brilhante, especialista em aviação e gestor de projetos de infraestruturas.
O deputado presente foi o coordenador do PS na comissão de inquérito à TAP e vice-presidente da bancada, Carlos Pereira.
Medina foi informado?
Não. O ministro das Finanças — embora tenha a tutela da TAP a meias com o Ministério das Infraestruturas — não foi convidado a estar na reunião com a CEO da TAP, o grupo parlamentar do PS (neste caso apenas representado pelo deputado Carlos Pereira) e os restantes membros do Governo.
João Galamba parece seguir, relativamente à TAP, a política de Pedro Nuno Santos: afastar ao máximo as Finanças de todos os atos que envolvem a companhia aérea.
O antigo ministro das Infraestruturas, através do secretário de Estado Hugo Mendes, já defendia que a comunicação entre Governo e TAP fosse feita por via das Infraestruturas: “Christine, outra vez: TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós. Isto já aconteceu tantas vezes que já não sabemos o que dizer. A TAP é a única empresa que se comporta assim. O MIH (Ministério das Infraestruturas e Habitação) é a única porta de entrada no Governo. Não há ligações diretas entre a TAP e outros ministérios”, escreveu numa mensagem à CEO, que agora foi conhecida porque faz parte da sua defesa.
Galamba deixou Medina fora de reunião “secreta” com CEO da TAP
Deputados do PS na comissão sabiam da reunião?
Os restantes deputados da comissão de Economia não sabiam da existência da reunião e até se mostraram surpreendidos. Segundo apurou o Observador, perceberam o que aconteceu durante a audição da CEO da TAP, o que levanta novas questões sobre o processo.
Por partes. Segundo várias fontes da bancada socialista, a marcação de reuniões preparatórias é frequente e acontece até “quase todos os dias”, não só com elementos do Executivo – que vão ao Parlamento com muita regularidade – mas também de entidades externas. Servem, explicam as mesmas fontes, para “partilhar informações” e esclarecer questões técnicas – por exemplo, termos técnicos de que os deputados não estejam a par e que possam surgir nas audições.
A existência destas reuniões é, por isso, classificada na bancada do PS como algo normal e até desejável como instrumento de preparação do trabalho. O problema é que o processo que levou a este encontro não foi igual a todos os outros.
Segundo apurou o Observador, normalmente todos os deputados são convidados para este tipo de reuniões, sendo que o número de parlamentares que depois participa varia muito de acordo com o interesse dos próprios. Ainda assim, há quem defenda que, sendo o assunto mais específico (não se tratava, por exemplo, de uma audição regimental geral com um ministro) pode haver uma convocatória mais direcionada.
Ora desta vez os outros membros socialistas da comissão de Economia não receberam convite, o que leva fontes da bancada a questionar porque é que este foi aparentemente dirigido a Carlos Pereira, que não é coordenador do PS na comissão de Economia, no contexto da qual aconteceu a audição de janeiro; coordena, sim, a bancada socialista na Comissão Parlamentar de Inquérito. Também terá sido enviado a Hugo Costa por este ser coordenador naquela comissão, mas o deputado não chegou a participar, confirmou o Observador.
Em resposta aos jornalistas, Carlos Pereira disse simplesmente ter recebido o convite através da sua secretária. Ao Observador, confirmou ter estado na reunião e não ver nisso nenhuma violação ética, uma vez que teria servido apenas para “partilhar informação” e não para combinar perguntas ou estratégias.