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FILIPE FARINHA/LUSA

FILIPE FARINHA/LUSA

Os professores ganham muito dinheiro? Sim e não

Os professores portugueses são bem pagos, como diz a OCDE? E aumentá-los seria uma forma de atrair pessoas mais qualificadas e de melhorar o desempenho escolar? Ensaio de Alexandre Homem Cristo.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Todos os anos, quando são publicados os dados da OCDE que comparam a remuneração dos professores, ouvem-se protestos. Este ano não foi a primeira, a segunda ou a terceira vez que aconteceu. Mas este ano foi a vez em que esses dados caíram que nem uma bomba na opinião pública, confrontada com um braço-de-ferro negocial entre governo e sindicatos de professores precisamente sobre a contagem do tempo de carreira congelado – ou seja, sobre subidas na carreira e nos respectivos salários. E, assim de repente, a ideia de que os professores portugueses são pagos a peso de ouro (leia-se, a peso de professores finlandeses) começou a ser espalhada no debate público pelas redes sociais e pela comunicação social, com muitos comentadores a usarem essa informação nas suas análises.

Naturalmente, isso provocou a indignação geral dos professores que, olhando para os seus recibos de vencimento, não encontram os salários que as reportagens baseadas no relatório da OCDE lhes apontavam – porque, efectivamente, os números não correspondem. E, rapidamente, surgiram algumas teorias da conspiração. Uma delas, por exemplo, sugerindo que o secretário de Estado da Educação, João Costa, na medida em que ocupa funções na OCDE, poderia ter contribuído para que o relatório favorecesse a agenda negocial do governo – sim, o argumento é rebuscado e institucionalmente impossível, mas houve mesmo quem acreditasse. Ora, com tanta confusão no ar, tornou-se urgente o esclarecimento sobre quem, afinal, tem razão: a OCDE ou os professores?

Como veremos nos parágrafos abaixo, a resposta correcta é esta: os dois têm razão nos números que apresentam. E se isso pode soar estranho, acredite que não o é – há uma explicação muito simples, que neste ensaio se desenvolve. Assim, nos parágrafos abaixo, mostram-se os números, expõem-se as análises, fazem-se as comparações e explicam-se as diferenças entre as abordagens da OCDE, da Comissão Europeia e dos sindicatos de professores portugueses. E, rejeitando as teorias da conspiração, confirma-se a conclusão da OCDE: sim, os professores têm, em média, salários mais elevados do que os outros trabalhadores com qualificações equivalentes. Sem dramas, porque isso tem várias razões por detrás e um ponto de leitura fundamental: os professores serem bem pagos não é negativo. Pelo contrário. O que justifica até que se lance a questão: do ponto de vista das políticas públicas de educação, faria sentido aumentar-se os salários dos professores? Se acha que a pergunta é absurda, prepare-se para ser desafiado pelos dados da investigação.

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O que diz a OCDE sobre os salários dos professores portugueses?

Todos os anos, a OCDE publica a actualização do seu relatório estatístico “Education at a Glance”, no qual compila os principais indicadores sobre as características e os desempenhos dos sistemas educativos dos países da OCDE. Até aqui, tudo normal. Só que um desses indicadores consiste na comparação (sempre polémica) dos salários dos professores a vários níveis da sua carreira. Ora, na edição de 2018, recentemente publicada e muito contestada pelos professores portugueses, as conclusões são naturalmente muito semelhantes às de anos anteriores – na medida em que não houve oscilações salariais significativas nos últimos anos. E que conclusões são essas? São duas em particular: anuladas estatisticamente as diferenças de poder de compra entre países, verifica-se que os professores portugueses recebem salários mais altos do que em muitos países europeus mais “ricos” e, em relação aos outros portugueses qualificados, têm salários bastante superiores à média.

O que dizem os números concretamente? Vamos por partes. Primeiro, os valores e a sua comparação internacional (gráfico 1). De acordo com a OCDE, o salário anual dos professores portugueses em início de carreira é de 32.887 dólares, após ponderação em paridades de poder de compra – o que, em euros, equivale a cerca de 27.891. Aos 10 anos de carreira, o salário é de 40.041 dólares anuais (33.959 euros) e aos 15 anos de carreira chega aos 42.489 dólares (36.035 euros). No topo da carreira, chega aos 65.417 dólares anuais – isto é, 55.480 euros. Sublinhe-se: estes valores foram submetidos a paridades de poder de compra, para poderem ser comparados entre os vários países.

Parece muito? Sim. A comparação internacional mostra que estes valores estão acima dos praticados em muitos países europeus com que Portugal habitualmente se compara – mas mesmo assim abaixo da média da OCDE. Por exemplo, dizer que estes valores são cerca do dobro do que se pratica na Polónia poderá não impressionar à primeira vista. Mas dizer que, no topo da carreira, são muito mais elevados do que na Dinamarca e na Holanda, já dá que pensar. E constatar que, nas várias etapas da carreira, os professores portugueses ganham mais do que os professores franceses, suecos ou finlandeses faz soar o alarme: é no mínimo de estranhar que os professores portugueses surjam na tabela com remunerações acima das dos seus colegas do norte da Europa.

A questão adensa-se à medida que a OCDE prossegue na análise. A segunda parte relevante dos dados aponta para uma comparação do salário dos professores portugueses face aos salários dos outros trabalhadores qualificados (gráfico 2). Ou seja, entre um professor e um trabalhador com qualificações equivalentes, qual é a diferença de salários? Sim, adivinhou: os professores ganham mais. Mas o ponto não é só ganharem mais, é ganharem mesmo muito mais: de acordo com o relatório em causa, os professores têm uma “vantagem” salarial de cerca 35%-50% em relação aos trabalhadores igualmente qualificados. E essa variação explica-se pela estimativa da OCDE em relação ao grau de qualificação equivalente em função dos níveis de ensino. Por exemplo, se for um professor do pré-escolar, a ponderação aponta para a vantagem salarial seja de 50%, mas se for um professor do ensino básico estima-se que essa vantagem será de “apenas” 35%. Seja como for, pela análise da OCDE, o que os dados revelam é uma diferença brutal de rendimentos que favorece os professores.

Não são só os professores, assinale-se. Na análise da OCDE, os salários dos directores (gráfico 3) também são observados nessa mesma perspectiva comparativa. E, sem surpresa, os resultados vão no mesmo sentido – mas com “vantagens” ainda superiores. Por exemplo, no caso dos directores de escola, a OCDE estima que estes recebam salários que chegam ao dobro do que um trabalhador igualmente qualificado recebe, em média, noutro sector.

Sintetizando: a análise comparada da OCDE coloca os professores portugueses entre aqueles com salários mais altos no contexto europeu, sobretudo quando alcançam o topo da carreira, e, no contexto português, identifica uma vantagem salarial muito acentuada dos professores face aos outros trabalhadores com qualificações equivalentes. A dúvida que tantos colocaram é se será exactamente assim ou se esta é uma história mal contada – e, como veremos à frente, é mesmo assim.

O que diz a Comissão Europeia sobre os salários dos professores?

A contestação dos valores indicados pela OCDE a que recentemente assistimos não foi inédita, mas foi particularmente acentuada devido ao contexto das negociações entre governo e sindicatos. Ora, para evitar que este debate caia num braço-de-ferro maniqueísta entre a OCDE e os professores portugueses, vale a pena trazer à discussão uma outra fonte com impacto nas políticas públicas: a Comissão Europeia. E o que dizem as análises da Comissão Europeia em relação aos salários dos professores? Algo muito próximo do que diz a OCDE.

De acordo com os relatórios da Eurydice, organismo oficial de monitorização dos sistemas educativos europeus, a ponderação da Comissão Europeia remete para valores e resultados diferentes dos da OCDE. Concretamente, a Comissão Europeia utiliza valores salariais de referência diferentes dos da OCDE e mais próximos do que consta da folha salarial dos professores – 21.960 euros anuais no nível mais baixo da carreira e 42.377 euros anuais no nível mais alto. Consequentemente, se se comparasse estes valores com os dos professores finlandeses ou franceses, estes teriam afinal salários anuais superiores aos dos portugueses, particularmente no início da carreira (gráfico 4) – o que corresponde ao que seria de esperar face ao nível de vida nesses países.

Dito isto, avançando na análise, as conclusões da Comissão Europeia não divergem das da OCDE em relação à realidade nacional: os professores portugueses recebem salários relativamente elevados para o perfil da nossa economia. Ou seja, os professores têm um salário que é, no mínimo, 27% superior e, no máximo, 145% superior (gráfico 5) ao PIB per capita de Portugal. Não é gralha, é mesmo assim: no topo da carreira, a Comissão Europeia calcula que o salário de um professor seja superior ao PIB per capita português em mais do dobro. Ou seja, mesmo que o valor de referência seja diferente entre OCDE e Comissão Europeia, a conclusão central é comum: no contexto português, os salários dos professores estão bastante acima da média e, nos níveis cimeiros da carreira, podem mesmo ser considerados de elevados – o que não significa que sejam injustamente elevados, apenas informa que são elevados em relação aos restantes.

Ou seja, contra factos não há argumentos: indo por uma via ou por outra, OCDE e Comissão Europeia confirmam a “vantagem” salarial dos professores em Portugal.

O que dizem as tabelas salariais e o que explica as diferenças?

Os valores salariais indicados pela OCDE despoletaram queixas dos professores e dos sindicatos, que contestaram a sua veracidade. Mais: houve mesmo professores que se organizaram para enviar de forma massiva os seus recibos de vencimento à OCDE, exigindo uma correcção da informação que, acreditam, está errada. Ora, como veremos abaixo, os valores nominais dos salários (aqueles que constam dos recibos de vencimento) dos professores portugueses são bastante inferiores aos que constam do relatório da OCDE, mas por uma excelente razão: para permitir uma comparação entre vários países (com níveis de riqueza muito diferentes), a OCDE recorreu a um tratamento estatístico (paridade por poder de compra) que nivela por igual os salários nesses países. Claro que, como consequência, esses valores deixam de poder ser lidos de forma literal, servindo meramente para fins comparativos.

Vamos por partes e comecemos pela tabela salarial que se aplica aos professores portugueses (tabela 1). De acordo com essa tabela salarial, no 1.º escalão da sua carreira, os professores têm um salário mensal de 1518,63 euros, o que corresponde a um vencimento anual de 21.260,82 euros. No topo da carreira, o salário mensal é de 3364,29 euros (ou seja, 47.100,07 euros anuais). E, com cerca de 15 anos de carreira, na teoria, um professor terá um salário de 1982,40 euros mensais e 27.753,60 euros anuais. Sublinhe-se bem o “na teoria”, uma vez que, na prática, com o congelamento das carreiras, um professor com 15 anos de carreira está ainda nos primeiros escalões, sem ter tido a possibilidade de subir. Seja como for, em relação a estes valores não há discussão possível: são estes os que aparecem nas tabelas publicadas pelo Estado e são estes os euros que entram realmente nas contas bancárias dos professores. Como se observa com facilidade, estes valores são inferiores àqueles que a OCDE utilizou, mas praticamente idênticos aos utilizados pela Comissão Europeia (tabela 2).

Quer isto dizer que a OCDE cometeu um erro grave no registo dos dados sobre Portugal ou que estes foram manipulados pelos organismos do Ministério da Educação – como alguns sugeriram? Não, não vale a pena lançar teorias da conspiração. A diferença explica-se de forma muito simples: quer apenas dizer que a OCDE aplicou um tratamento estatístico aos salários, no sentido de os comparar entre países (basicamente, esse tratamento serve para anular as diferenças económicas entre esses países). É uma questão de estatística que está aqui em causa: aqueles valores estão assinalados no próprio relatório como tendo sido sujeitos a um tratamento e não correspondendo aos valores absolutos dos salários reais dos professores. O erro que efectivamente existiu, e desnecessariamente semeou toda a polémica, foi ter havido quem em Portugal, por ignorância ou distracção, utilizasse esses valores (nos jornais ou nos discursos) como correspondendo aos valores constantes das folhas de vencimento dos professores.

Aliás, se fosse necessário reforçar o ponto, a prova de que a OCDE não cometeu erro nenhum é que a sua conclusão principal – a que os professores portugueses ganham mais que os outros trabalhadores do país com a mesma qualificação – coincide com a análise da Comissão Europeia. Assim, recorrendo a uma opção de análise diferente, a Comissão Europeia confirmou que os salários dos professores portugueses estão bastante (ou mesmo muito) acima do que é praticado para outros trabalhadores. Ou seja, e daqui não há como fugir, olhando ao contexto da economia portuguesa e dos salários praticados (no privado e no público), os professores são geralmente bem remunerados, estando mesmo acima da média daqueles que têm empregos com semelhantes qualificações.

Sim, esta conclusão é contestada pelos sindicatos de professores, mas os factos demonstram que é inquestionável e só poderá surpreender quem desconheça a realidade do mercado de trabalho em Portugal. Por um lado, infelizmente, o mercado de trabalho em Portugal é caracterizado por salários baixos, mesmo no caso de trabalhadores qualificados, e isso é particularmente notório no sector privado. Ou seja, em bom rigor, quando se olha para a realidade portuguesa, não são os professores que ganham muito dinheiro, mas sim o sector privado que continua a pagar mal a trabalhadores qualificados, criando um fosso entre estes e os professores. Por outro lado, como a própria OCDE refere, os professores são uma classe profissional envelhecida, o que implica que há um grande número de professores nos quadros que está nos níveis mais altos da carreira, enviesando as comparações com outras classes profissionais onde a distribuição por grupos etários está mais equilibrada.

Já agora: aumentar o salário dos professores seria uma boa política pública?

O tema dos salários dos professores é um daqueles que permite horas e horas de discussões acaloradas e potencialmente explosivas. Geralmente, o ângulo é o das reivindicações sindicais, que exigem aumentos salariais para a valorização da profissão e do trabalho dos professores. Mas há outros ângulos, da perspectiva das políticas públicas, que são muito mais interessantes. Este, por exemplo: avaliar qual é o impacto desses aumentos salariais no desempenho do sistema educativo. Ora, já que aqui estamos, vejamos rapidamente o que diz a investigação acerca de duas questões concretas que poderiam, mexendo nos salários dos professores, ter um efeito positivo nas políticas públicas de educação: (1) o impacto de salários mais altos na atractividade da carreira docente; e (2) o impacto de aumentos salariais nos desempenhos dos alunos.

Primeira questão: aumentar os salários permite atrair mais (e melhores) jovens para a profissão? Este é um assunto cada vez mais discutido no âmbito das políticas públicas, e particularmente pertinente em casos como o de Portugal. Porquê? O ponto já foi objecto de um ensaio aqui publicado e resume-se assim: em Portugal, actualmente combinam-se duas circunstâncias potencialmente explosivas para o sistema educativo. Por um lado, o envelhecimento dos professores é muito acentuado e aponta para que, nos próximos 15 anos, cerca de metade dos actuais quadros saiam para a reforma. Ou seja, nos próximos 15 anos, o país terá de contratar novos professores para colmatar a saída dos mais velhos, (embora em menor número face à queda demográfica e ao menor número de alunos nas escolas). Por outro lado, sabe-se que o perfil dos jovens que optam pela carreira de professor está abaixo da média nacional – ou seja, são os alunos com notas mais baixas que chegam ao ensino superior que, em média, escolhem essa via profissional. Dito de outro modo, não há garantia de os novos professores terem o perfil adequado para suprir as necessidades do sistema, ainda por cima num momento em que este perderá a maioria dos seus professores mais experientes.

A investigação académica sobre o tema parece concluir que aumentar o salário dos professores seria uma medida geralmente ineficaz de atrair jovens com vocação e tecnicamente aptos para a carreira

Consequentemente, um dos maiores desafios do sistema educativo português, neste momento, consiste em atrair jovens com vocação e tecnicamente aptos para a carreira de professor. Como fazê-lo? Uma das opções muitas vezes sugerida é aumentar transversalmente os salários, de modo a valorizar a carreira e atrair para ela jovens mais qualificados – isto é, aqueles que, actualmente, optam por cursos superiores em sectores mais competitivos. Mas será que essa medida funciona?

A investigação académica sobre o tema parece concluir que essa medida seria geralmente ineficaz. Um estudo de 1999, do internacionalmente conhecido economista Eric Hanushek, lançou logo o aviso para o fracasso dessa medida. Analisando um caso da realidade americana, no Texas, o seu estudo concluiu não haver efeitos de aumentos das grelhas salariais na composição do corpo docente. Mais ainda: não foram identificadas relações entre os salários e os desempenhos dos professores nos seus exames de avaliação, sugerindo-se assim a inexistência de efeito das oscilações salariais na qualidade do corpo docente.

Este não é um resultado surpreendente se se tiver em conta os critérios que os jovens utilizam para escolher um curso superior. Veja-se, por exemplo, este estudo no Reino Unido que analisou as palavras escolhidas por milhares de alunos nas cartas de motivação das suas candidaturas universitárias. O que concluiu? Que há mesmo muitos aspectos que surgem como mais importantes do que o dinheiro – tais como a paixão por uma área ou a preferência por uma carreira mais previsível e estável. No caso dos jovens que ambicionam ser professores, um dos critérios-chave é a estabilidade da carreira (e não, como seria de esperar, a paixão pelo ensino). Se assim é, alterações nos salários terão pouca relevância para as escolhas desses jovens, desde que a estrutura da carreira não seja alterada.

Ora, apesar de os resultados apontarem para a ineficácia da medida, os estudos apresentam limitações que importa sublinhar – duas em particular. A primeira é que os aumentos salariais em causa não são particularmente elevados e, como tal, dificilmente os seus efeitos nos comportamentos e nas escolhas dos jovens seriam acentuados. O segundo é que os estudos tendem a medir o impacto das oscilações salariais no curto prazo, não sendo claros os efeitos no longo prazo (a percepção pública da carreira docente não se altera de um dia para o outro e os efeitos na carreira docente são lentos). Ou seja, de forma prudente, os estudos aconselham a não rejeitar liminarmente a hipótese de, noutras circunstâncias, os efeitos do aumento de salário serem positivos – isto porque, por exemplo, há estudos que mostram que aumentar salários é uma forma eficaz de atrair melhores técnicos para a administração pública.

Segunda questão: aumentar os salários dos professores é uma forma de promover melhores desempenhos escolares? A pergunta, à partida, parece um pouco estranha – afinal, qual a relação entre o desempenho de um aluno e o salário de um professor? Ora, indo directo ao assunto, essa relação pode ter duas formas.

Por um lado, pode ser pela via indirecta da satisfação e motivação dos professores – os aumentos salariais e a percepção de reconhecimento pelo seu trabalho aumentariam os níveis de motivação e, com mais motivação, a sua performance profissional melhoria, assim contribuindo positivamente para a aprendizagem dos alunos. A ideia pode parecer intuitiva, mas é indirecta o suficiente para a investigação não encontrar efeitos relevantes do aumento dos salários nos resultados dos alunos nas avaliações externas. Um estudo experimental, levado a cabo na Indonésia, demonstrou isso mesmo: a satisfação dos professores aumentou bastante, mas os desempenhos dos alunos não foram afectados por isso. Não significa que não exista algum benefício, naturalmente, mas aparenta ser demasiado pequeno para justificar a medida (e os seus custos orçamentais). Portanto, por esta via, os aumentos salariais não produzem efeito positivo relevante.

A alternativa é seguir pela via directa: atribuir bonificações salariais aos professores que escolham escolas em risco de insucesso escolar – isto é, ter uma espécie de bónus salarial para os professores que optam dar aulas nessas escolas difíceis, com vista a assim atrair professores mais experientes. Nos países onde isso é praticado, não faltam casos deste tipo que exemplificam bem o ponto – por exemplo, este de um professor premiado em Oklahoma, nos EUA, que foi para o Texas devido a uma oferta salarial mais vantajosa. Para os alunos desse professor, é expectável que algum efeito positivo possa ter havido. Mas a dúvida é se, de forma sistemática, casos como este podem ser replicados, com impactos positivos nos alunos em todo o sistema educativo.

A OCDE tem razão. É correcta a afirmação de que os professores portugueses ganham mais dinheiro do que outros trabalhadores igualmente qualificados. Isto não é dizer que os professores ganham muito dinheiro ou demasiado dinheiro. É só dizer que os professores devem ser bem-remunerados e, para a realidade portuguesa, até o são.

Uma primeira pista para responder à dúvida surge no acima referido estudo de Hanushek, que concluiu em relação à mobilidade dos professores que esta depende, mais do que do salário, da composição social da escola (etnia, desempenhos escolares, perfil socioeconómico). Levando a análise a um nível nacional, nos EUA, um estudo de 2002 confirmou a existência de uma relação positiva entre os salários e a probabilidade de serem recrutados melhores professores – mas essa relação positiva apenas se verificou nos distritos onde existe flexibilidade para as escolas fixarem os salários, porque se estes forem determinados centralmente os efeitos desaparecem.

Num outro estudo interessante e mais actual, publicado em 2018, foi testado o efeito dos aumentos salariais na capacidade de atrair os professores mais experientes do Uruguai para as escolas mais difíceis do país – e os resultados são ligeiramente diferentes do de Hanushek. O que trouxe esse estudo de novo? Boas e más notícias. As boas são que, sim, a medida conseguiu que nas escolas difíceis houvesse, em média, professores com mais anos de experiência (não muito, apenas um aumento de 2 a 3 anos de experiência na média de cada escola, mas significativo). As más notícias são que, para os alunos, isso não teve qualquer impacto – os seus desempenhos ficaram na mesma, sem melhorias ou piorias.

Ou seja, se aqui se mostrou haver eficácia em bónus salariais direccionados, conseguindo cativar professores mais experientes para escolas difíceis, os efeitos positivos não surgiram de forma clara nos desempenhos escolares dos alunos. Como sempre, a dúvida que fica no ar é a de se, numa análise prolongada no tempo, os efeitos positivos começariam a aparecer.

So what? O tira-teimas sobre os salários em quatro ideias-chave

Primeira ideia-chave: a OCDE não se enganou e usou os dados correctos (mas tratou-os). Existem várias formas de analisar uma mesma realidade e, mesmo havendo umas potencialmente melhores do que outras, todas têm a sua validade, desde que cumpram os requisitos técnicos e científicos. Neste caso, a Comissão Europeia fez a sua análise dos salários com base nos salários nominais (i.e. os valores que constam dos recibos de vencimento) e não compara os salários entre países. Ora, a OCDE faz essa comparação e, para que esta seja válida, opta por uniformizar os salários de todos os países através de um tratamento estatístico. Foi o que foi feito no relatório que tanta polémica provocou: a OCDE aplicou um tratamento aos dados dos salários que é estatisticamente correcto e que conduziu a conclusões válidas. O ponto foi que esse tratamento estatístico produziu novos valores de referência para a comparação salarial, que não são os das folhas de vencimento e que não devem ser mencionados como tal. O problema é que houve quem os mencionasse dessa forma, misturando alhos com bugalhos, nomeadamente na comunicação social, levando muita gente ao engano e provocando a indignação dos professores.

Segunda ideia-chave: a OCDE tem razão. É correcta a afirmação de que os professores portugueses ganham mais dinheiro do que outros trabalhadores igualmente qualificados. Essa conclusão não é, aliás, exclusiva da OCDE e já antes havia sido assinalada pela Comissão Europeia – que indica que os professores têm salários bastante acima do PIB per capita. É mesmo assim e basta olhar à volta: não há muita gente, mesmo qualificada, a ganhar 3 mil euros brutos no topo da carreira. Ora, isto não é dizer que os professores ganham muito dinheiro ou demasiado dinheiro. É só dizer que os professores devem ser bem-remunerados e, para a realidade portuguesa, até o são.

Terceira ideia-chave: a “vantagem” salarial dos professores tem duas explicações simples. Por um lado, a diferença de salários entre professores e outros igualmente qualificados diz muito sobre o mercado de trabalho português, que paga muito mal (sobretudo no privado) aos trabalhadores qualificados. Ou seja, a diferença é grande não porque os professores ganhem muito, mas porque os outros ganham pouco. Por outro lado, quando se comparam dados médios, o envelhecimento da classe docente enviesa as comparações. Isto porque cerca de metade dos professores tem 50 ou mais anos de idade e, tendencialmente, salários mais próximos do topo da carreira, situação que não se verifica em muitas outras carreiras.

Quarta ideia-chave: aumentar salários só parece ser eficaz através de bonificações. Numa óptica de políticas públicas, quando se discutem aumentos salariais com vista a atrair melhores professores ou a produzir melhores resultados, a investigação académica responde com a inexistência dessa relação causa-efeito. O principal efeito identificado, no que diz respeito aos aumentos salariais, surge através de bonificações para atrair, nas colocações pelas escolas, os professores mais experientes para os contextos educativos mais difíceis ou geograficamente isolados. Talvez seja esta uma política pública a ponderar, nomeadamente para as escolas do interior do nosso país (onde, em média, estão os professores com menor experiência e os alunos mais necessitados), de modo a promover uma melhoria na aprendizagem dos alunos.

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