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[Este é o sexto de oito artigos sobre a história e nomenclatura do calçado e suas marcas mais conhecidas e o segundo sobre as marcas de sapatos desportivos – após uma primeira parte dedicada a marcas americanas, esta segunda parte ocupar-se-á do resto do mundo. Os artigos anteriores podem ser lidos aqui:]

Adidas

É corrente ouvir-se que Adidas é um acrónimo de “All Day I Dream About Sports”, mas isto não passa de uma “lenda urbana”. O nome Adidas vem do nome do seu fundador e a génese da marca remonta a um dos períodos mais sombrios da história da Alemanha: o pós-I Guerra Mundial.

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Na adolescência, Adolf Dassler (1900-1978) foi aprendiz de pasteleiro e fazia entregas, com os seus dois irmãos mais velhos, Fritz (1892-?) e Rudolf (1898-1974), da roupa lavada pela sua mãe, que tinha uma lavandaria nas traseiras da casa de família, em Herzogenaurach, uma vila a 20 Km de Nuremberga. Porém, enquanto aprendia o ofício de pasteleiro, Adolf (“Adi”, para a família e amigos) passava os dias a sonhar com desporto e participava em variadas competições, para as quais, devido ao pouco desafogo financeiro, improvisava os seus próprios equipamentos, com a ajuda de um amigo, filho de um ferreiro, e do pai, Christoph, que divergira do ramo tradicional da família – tecelagem e tinturaria – para se tornar sapateiro.

Adolf Dassler

Assim, quando Adolf foi desmobilizado, em 1919, o pai ajudou-o a montar o seu próprio negócio de fabrico de sapatos desportivos, uma actividade então ainda embrionária e para a qual Adolf tinha ideias inovadoras, nomeadamente a de que cada desporto necessitaria de um sapato especificamente concebido para ele. Os primeiros passos foram periclitantes: a “fábrica” funcionava no anexo nas traseiras onde fora a lavandaria da mãe (encerrada devido às dificuldades económicas decorrentes da guerra) e quando a rede eléctrica ia abaixo – o que acontecia com frequência – a energia tinha de ser gerada por um dínamo accionado por uma bicicleta. Em 1923, um dos irmãos mais velhos, Rudolf (“Rudi”, para a família e amigos), juntou-se a Adolf e, pouco tempo depois, nascia a firma Gebrüder Dassler Sportschuhfabrik (Fábrica de Sapatos Desportivos Irmãos Dassler), que comercializava os seus sapatos sob a marca Geda (a partir das duas primeiras letras de “Gebrüder” e de “Dassler”).

Fábrica de Sapatos Irmãos Dassler, 1928

O negócio prosperou, chegando a vender 200.000 pares de sapatos por ano (um número excepcional numa época em que o uso de sapatos desportivos ainda estava restrito aos desportistas), em parte com a ajuda da subida ao poder do nazismo, que promovia o culto do vigor físico e do desporto. Três meses após Hitler ter assumido o cargo de chanceler, os irmãos Dassler inscreveram-se no Partido Nazi e, pouco tempo depois, a sua firma foi designada fornecedora oficial dos numerosos clubes desportivos associados à Juventude Hitleriana, em alguns dos quais Adolf Dassler viria a desempenhar funções de treinador.

Ironicamente, os Dassler acabaram por tornar-se cúmplices involuntários de uma das maiores humilhações sofridas por Hitler: nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, Adolf Dassler convenceu o atleta afro-americano Jesse Owens a usar os seus sapatos, que já equipavam muitos atletas alemães. Não é possível apurar que papel desempenharam os sapatos dos Gebrüder Dassler nas quatro medalhas de ouro conquistadas por Owens nesses jogos, para grande abespinhamento de Hitler, que viu os seus super-homens arianos derrotados por um representante de uma “raça inferior”, mas não há dúvida de que o sucesso de Owens marcou o início da internacionalização da empresa dos irmãos Dassler.

Jesse Owens disputa prova de salto em comprimento nos Jogos Olímpicos de Berlim

A II Guerra Mundial assestou um rude golpe no negócio, já que, a partir de 1939, o comércio internacional de artigos de consumo foi reduzido e a Alemanha reorientou toda a economia para o esforço bélico. Uma vez que o desporto nacional passou a ser a invasão de outros países, as necessidades em calçado afunilaram para as botas militares e a disponibilidade de matéria-prima e mão-de-obra para o fabrico de “produtos supérfluos” minguou drasticamente. As dificuldades ajudaram à corrosão do relacionamento entre Adi e Rudi, que via com maus olhos que o irmão mais novo assumisse, na prática, a liderança da empresa. As quezílias, potenciadas pela inimizade entre as esposas dos irmãos, foram crescendo em intensidade, malevolência e mesquinhez, com Rudi a alegar que o irmão fizera falsas acusações a seu respeito junto das autoridades nazis, levando a que fosse recrutado para o serviço militar. Quanto à fábrica de sapatos, a sua produção foi estiolando até ser encerrada, por ordem do Estado, em 1943, sendo reconvertida para a produção de armas – mais especificamente a Panzerschreck (literalmente, “terror dos blindados”), uma adaptação alemã da bazooka americana. Quando, em Maio de 1945, as tropas americanas chegaram a Herzogenaurach, predispuseram-se a fazer explodir a fábrica dos Dassler, mas Käthe, a esposa de Adolf, conseguiu convencê-los de que ali nunca se produzira outra coisa senão sapatos desportivos – e quando foi mencionado que estes tinham calçado Jesse Owens, as forças de ocupação americanas não só puseram de parte a ideia de demolir a fábrica, como até compraram parte do stock remanescente.

O fim da guerra não significou o fim das lutas fratricidas, muito pelo contrário: Rudolf, que foi investigado por possível pertença ou colaboração com as SS, denunciou Adolf às autoridades aliadas como tendo sido colaborador da Gestapo e um activo promotor da conversão da empresa para a produção de armas. Quando o tortuoso processo de desnazificação dos Dassler foi dado por concluído, a inimizade entre os dois irmãos atingira um ponto de não-retorno e causara a cisão da família, dos funcionários da firma e até dos habitantes da pequena localidade de Herzogenaurach em duas facções rivais que não se falavam. Para mais, as perspectivas de vendas de sapatos desportivos na Alemanha arrasada pela II Guerra Mundial eram ainda mais lúgubres do que no pós-I Guerra Mundial.

Após a Gebrüder Dassler Sportschuhfabrik ter sido encerrada em 1948, Adolf Dassler assumiu as rédeas da sua parte da firma e, ao mesmo tempo que registou o hoje célebre logótipo das três riscas, propôs-se baptizá-la com as duas primeiras letras do seu nome próprio e as três primeiras do seu apelido. Porém, como já existia uma marca de sapatos com o nome “Addas”, Adolf acabou por fazer preceder o “Das” de Dassler, do seu diminutivo, “Adi” – marca que foi registada oficialmente em 1949. A Adidas é actualmente o 2.º maior fabricante de sapatos desportivos, com largo avanço sobre o 3.º classificado, a Puma – 13.000 milhões de dólares de receitas em 2021, contra 3700 milhões da Puma.

Instalações da Adidas em Herzogenaurach, a localidade-mãe da marca

Puma

Após a divisão da Gebrüder Dassler Schuhfabrik, Rudolf Dassler seguiu processo similar ao do irmão Adolf para baptizar a parte que lhe coube: tomou as duas primeiras letras do seu nome próprio e as duas primeiras do seu apelido. Porém, pouco depois, trocou o pouco apelativo “Ruda” por “Puma”, a partir do nome do felino americano (que passou a integrar o logótipo da marca), que é idêntico em alemão, português e na maioria das línguas.

A separação do negócio familiar não pôs termo à rivalidade entre Adolf e Rudolf, e a vila de Herzogenaurach foi também ela fracturada pela disputa entre Adidas e Puma, com cada um dos clubes de futebol locais a serem patrocinados por uma das firmas – o FC Herzogenaurach pela Puma e o ASV Herzogenaurach pela Adidas –, e com os empregados de cada uma das firmas a frequentarem estabelecimentos comerciais e espaços de lazer diferentes.

A sede da Puma na “vila dividida” de Herzogenaurach

A rivalidade atingiu um pico de ridículo e insensatez quando, nos Jogos Olímpicos de 1960, em Roma, a Puma aliciou, à última hora, Armin Hary, campeão alemão dos 100 metros patrocinado pela Adidas, a calçar Puma na prova final. Hary venceu a prova com uns Puma nos pés, mas, a fim de manter o patrocínio da Adidas, subiu ao podium para receber a medalha de ouro calçando Adidas. Saiu-lhe furado o (ingénuo) plano, pois Adolf rescindiu de imediato o contrato de patrocínio.

[Final dos 100 metros planos, Jogos Olímpicos de 1960, em Roma: Armin Hary corre na pista 6 (extrema-esquerda)]

A Puma é actualmente o 3.º maior fabricante de equipamento desportivo, atrás da Nike e da Adidas. Embora a marca seja identificada com a Alemanha, os seus dois maiores accionistas são grupos empresariais franceses na área do luxo: Artémis SA, com 29%, e Kering (antigo Pinault-Printemps-Redoute), com 10%.

Reebok

O pai geria uma doçaria em Bolton, Lancashire, mas, em vez de seguir o negócio da família, Joseph William Foster (1881-1933) tornou-se aprendiz de sapateiro e, com apenas 14 anos, concebeu uns sapatos de corrida com pitões – antecipando-se, nesta inovação, a Adolf Dassler.

Por volta de 1922, a J.W. Foster & Sons já calçava 90% das equipas da liga inglesa de futebol, mas, como aconteceu com Dassler, o negócio só ganhou visibilidade internacional graças a uns Jogos Olímpicos – mais precisamente os de 1924, em Paris, em que a medalha de ouro nos 100 metros foi alcançada pelo atleta britânico Harold Abrahams, calçando os sapatos com pitões da J.W. Foster & Sons. Mesmo quem não se interesse por atletismo e por sapatos desportivos terá ficado a par deste triunfo através do filme Chariots of fire (1981), de Hugh Hudson, cuja banda sonora (de Vangelis) se tornou, devido à sobreutilização, tão nauseante quanto o cheiro de uns ténis que nunca foram lavados.

O atleta britânico Harold Abrahams, calçando os sapatos J.W. Foster

Com a morte do fundador, em 1933, a companhia passou a ser administrada pelos filhos de Joseph William, mas, em 1958, os netos, descontentes com a gestão conservadora dos pais, criaram uma sucursal da J.W. Foster & Sons a que deram o nome de Reebok, respigado de um dicionário de africânder que um deles, Joe Foster, ganhara como prémio numa competição quando era miúdo.

O “reebok” (“rhebok” ou “rhebuck” em inglês) é um pequeno antílope (Pelea capreolus) comum nas zonas montanhosas da África austral e que é parente do corço europeu (Capreoluscapreolus). Na verdade, o inglês “rhebok” vem do holandês “reebok” e é afim do nome inglês para o corço europeu, “roe deer” (para as fêmeas) ou “roe buck” (para os machos), sendo “roe” proveniente da raiz proto-germânica “raiha”, com o significado de “malhado, sarapintado, listado”. Capreolus, o nome científico do género, significa “cabrinha”.

Pelea capreolus

Na década de 1980 a Reebok passou por modificações importantes: diversificou o seu negócio por diversas modalidades, passou a fabricar também vestuário e outro equipamento desportivo, adoptou um logótipo baseado na Union Jack e firmou contratos publicitários com numerosas estrelas desportivas de primeira grandeza. O centro de gravidade do negócio deslocou-se para os EUA e o mesmo acabou por acontecer, em meados dos anos 80, com a sede, que foi transferida para os arredores de Boston. No início do século XXI, a Reebok tornou-se fornecedora oficial de 29 equipas do campeonato de futebol americano (NFL) e de 16 equipas no campeonato de basquetebol feminino (WNBA) e em 2005 a rival Adidas entendeu que o negócio era suficientemente apetitoso para engolir o “corço” (por 3800 milhões de dólares). A Reebok manteve-se como marca autónoma dentro do grupo Adidas, mas em 2009 os escritórios em Bolton, onde a firma nascera, foram encerrados. Em 2021, a Adidas decidiu desfazer-se da Reebok, operação que foi concluída em Março de 2022, sendo o novo proprietário o Authentic Brands Group, um conglomerado americano que detém dezenas de marcas na área do equipamento desportivo e da moda de luxo e a revista Sports Illustrated.

A Reebok ocupa o lugar n.º 10 no ranking do ramo – mas é n.º 1 na Índia, onde detém uma quota de mercado de 46%.

Anúncio à Reebok, 2015

ASICS

A firma é japonesa, mas o nome é um acrónimo do célebre adágio latino da autoria do poeta Juvenal “anima sana in corpore sano” (alma sã em corpo são). Um turista ocidental que vá ao Japão e entre numa loja em busca destes ténis dificilmente se fará entender se pronunciar “Asics” à maneira da sua língua materna ou da língua inglesa, já que os japoneses pronunciam “Asics” como “ashikkusu”.

Provocando a concorrência: Um anúncio da ASICS satirizando o lema da Nike, “Just do it”

A marca foi fundada em 1949, em Kobe, por Kihachiro Onitsuka (1918-2007) e fabricava sapatos para basquetebol. Em meados dos anos 50 a marca, que era comercializada como Onitsuka Tiger, já era vendidas em 500 lojas espalhadas pelo Japão e começou a ter distribuição nos EUA em medos da década seguinte, através da Blue Ribbon Sports (precursora da Nike). Foi diversificando actividades e apostando sobretudo nos escalões de qualidade superiores e adoptou o nome ASICS em 1977, após absorver duas outras firmas, a GTO e a Jelen, e ter ganho projecção internacional com a vitória do finlandês Lasse Virén, anteriormente patrocinado pela Adidas, nos 5000 e 10.000 metros nos Jogos Olímpicos de 1976 em Montreal.

Os modelos “clássicos” da Onitsuka Tiger receberam um apreciável impulso nas vendas quando, em Kill Bill (2003), de Quentin Tarantino, Uma Thurman calçou uma reedição do modelo Tai Chi, usado por Bruce Lee no filme The game of death (rodado em 1972 e incompleto à data da sua morte), e a que o filme de Tarantino presta homenagem.

A ASICS foi, em 2021, o 4.º maior fabricante de sapatos desportivos, com 2900 milhões de dólares de receitas.

Uma Thurman em Kill Bill

Fila

A Fila tem uma longa história, a maior parte da qual nada tem a ver com desporto. Foi fundada em 1911 pelos irmãos Ettore e Giansevero Fila em Coggiola, perto de Biella, uma cidade no sopé dos Alpes italianos, com uma forte tradição de indústria têxtil que remonta ao século XIII. Esta começou por estar centrada nos lanifícios, mudou de agulhas para a seda no final do século XVII e regressou aos lanifícios no início do século XIX.

Biella

Os irmãos Fila começaram por produzir, não arejados polos de ténis, mas aconchegante roupa interior, e o bom acolhimento destes produtos levou a que, em 1923, abrissem uma fábrica maior em Biella, sob o nome de Maglificio Biellese. Só na viragem dos anos 60-70 se deu a inflexão para a roupa desportiva, orientada sobretudo para o ténis, sob a orientação do director criativo Pierluigi Rolando. No final da década de 1970 a Fila era o nome dominante no mercado do ténis, contando com nomes como Björn Borg e Guillermo Vilas para promover os seus produtos.

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Bjorn Borg com equipamento da Fila em Wimbledon, 1978, ao lado de Fred Perry

Outras áreas em que a Fila se implantou foi no montanhismo e nos desportos de inverno e nos anos 90 chegou a ser a marca n.º 2 no basquetebol, atrás da Nike. Porém, o seu prestígio foi declinando e no início dos anos 2000 a companhia foi vendida à Sport Brands International, uma subsidiária do fundo de investimento americano Cerberus, que, por sua vez, a vendeu, em 2007, a uma empresa sul-coreana, que operou a sua ressurreição, agora com ramificações na área do golfe e da roupa de luxo (em associação com a Fendi). Para lá do nome, pouco ou nada une as ceroulas dos irmãos Fila à actual empresa com sede em Seul.

Diadora

É uma marca com menos difusão do que as acima tratadas, mas será familiar aos aficionados do ludopédio, uma vez que tem equipado e patrocinado vários clubes italianos de futebol. Foi fundada em 1948, como fábrica artesanal de calçado de montanhismo, por Marcello Danieli, em Caerano di San Marco, no Veneto (Itália), uma região que tinha ganho relevância na produção de botas militares durante a I Guerra Mundial.

O nome, sugerido por um conhecido de Danieli, tem uma origem tortuosa, que tem a ver com a actual cidade croata de Zadar, na costa do Adriático. A cidade, que teve origem no posto avançado de Iadasinoi, erguido pelos libúrnios no século IX a.C., foi rebaptizada pelos gregos como Idassa e, depois, pelos dálmatas (os habitantes da Dalmácia, não os cães) como Jàdra ou Jadera (pronunciado como “Zadera”); no século X passou a ser conhecida por Diadora ou Diadara. A cidade esteve sob a alçada do Império Bizantino, do Reino da Croácia, do Reino da Hungria, do Reino de Nápoles e da República de Veneza – foi esta última que governou a cidade durante mais tempo e a rebaptizou como Zara, a partir da designação dálmata Jadera (e sem relação com a marca de moda espanhola). Em 1797, Zara passou para o controlo do Império Austro-Húngaro e assim de manteve até ao final da I Guerra Mundial, altura em que, pelo Tratado de Rapallo (1920), se converteu num enclave italiano no Reino da Jugoslávia.

Zara, aliás Diadora, aliás Zadar, em 1909, no tempo em que era parte do Império Austro-húngaro

Em 1947, com os outros territórios italianos na costa oriental do Adriático, foi incorporada na República Socialista da Jugoslávia e quando esta se desintegrou, em 1991, passou a fazer parte da Croácia, como o nome Zadar. Só Marcello Danieli saberá qual a relação entre esta atribulada história e os seus sapatos (se é que há alguma).

Na década de 1960, a Diadora expandiu a sua actividade ao ski e outros desportos de Inverno e na década de 1970 ganhou projecção internacional com o tenista Björn Borg, os Jogos Olímpicos de Montreal e o futebol.

Björn Borg e os ténis Diadora

No final desta década, os hooligans ingleses que iam assistir aos jogos das suas equipas com clubes italianos ficaram embeiçados por aquela marca italiana, então desconhecida na Grã-Bretanha, e viram nela um símbolo de “distinção” e “sofisticação”. Foi assim que os ténis e fatos de treino da Diadora se converteram no vestuário do dia-a-dia dos jovens da classe operária britânica (funcionando como objecto de culto e cobiça e identificador de pertença), tal como os da Adidas viriam a ser para os jovens negros dos bairros pobres dos EUA nas décadas seguintes.

Em 2009 a Diadora passou para o controlo do grupo italiano de calçado Geox, com sede em Montebelluna, o mais importante centro da indústria de calçado italiana.

Kappa

Em contraste com o rebuscado nome da Diadora, o nome da sua compatriota Kappa tem a mais prosaica das origens: em 1956, a Maglificio Calzificio Torinese, um fabricante de roupa interior fundado em Turim em 1916, debateu-se com falhas de controlo de qualidade, que, uma vez superadas, levaram a que a nova fornada de produtos fosse estampada com um “K” (da palavra alemã “Kontrolle”), para a distinguir da anterior fornada de produtos defeituosos. Naturalmente, os consumidores passaram a procurar apenas os produtos com o “K”, o que levou à criação de uma linha K pela Maglificio Calzificio Torinese. Em 1968, quando a empresa decidiu criar uma sub-marca consagrada a calçado e vestuário casual e desportivo, aproveitando os ventos revolucionários que sopravam entre a juventude europeia e pediam roupas informais, o “K” foi recuperado para a baptizar como Robe di Kappa. O inconfundível logótipo, conhecido como “Omni”, com as silhuetas de um homem e uma mulher sentados, de costas um para o outro surgiu, por mero acaso, no ano seguinte, no decurso de uma sessão fotográfica para um modelo de fato de banho. Em 1978, o segmento desportivo da Robe di Kappa foi autonomizado sob a marca Kappa.

Kappa Follow

Umbro

O nome sugere vínculo à região da Umbria, em Itália, mas a marca é britânica e o nome provém de Humphreys Brothers Clothing, a firma fundada em 1920 pelos irmãos Harold e Wallace Humphreys. No início os irmãos limitavam-se a vender vestuário desportivo no pub da família, mas acabaram por abrir uma pequena fábrica em Wilmslow, perto de Manchester. Nas décadas de 1930 e 1940, a Umbro (que assumiu este nome em 1924) começou a fornecer equipamentos para importantes clubes de futebol e rugby em Inglaterra, Escócia e País de Gales e em 1952 equipou toda a equipa olímpica britânica. Entre 1959 e 1974, a Umbro comercializou na Grã-Bretanha os sapatos da Adidas, ao mesmo tempo que a Adidas comercializava o vestuário da Umbro nos outros mercados em que operava. Em 1985, a Umbro lançou o seu primeiro sapato, a chuteira de futebol V1, e ao longo dos anos seguintes a marca tornou-se num dos nomes mais respeitados neste segmento – pelo caminho, começou também a produzir ténis “casuais”.

Em 2007 a Umbro foi comprada pela Nike, mas, passados cinco anos, esta decidiu focar-se na sua própria marca e a Umbro acabou por ir parar às mãos do Iconix Brand Group, que detém, entre outras marcas, a Lee Cooper e a Ocean Pacific.

Umbro Speciali, 1992

Le Coq Sportif

Tal como a Fila, a Diadora e a Kappa, a Le Coq Sportif começou como fabricante de roupa interior de malha numa cidade de província. A firma foi fundada em Romilly-sur-Seine em 1882, por Émile Camuset, um chapeleiro, e só em 1920, já sob a orientação da sua filha, Mirielle, inflectiu para o vestuário e calçado desportivo. A denominação Le Coq Sportif surgiu em 1948 e não tardou a equipar as principais equipas de ciclismo francesas, bem como a selecção de futebol francesa e os atletas olímpicos franceses.

O primeiro logótipo da marca, 1948

Uma tão forte identificação da marca com os atletas de um país específico é invulgar no meio desportivo e a ela não é estranho o nome e logótipo da marca, uma vez que o galo é um símbolo de França desde épocas remotas. Já o historiador romano Suetónio (c.69-c.122 d.C.) apontara a coincidência entre a palavra que designava o galo e os gauleses – gallus – e uma lenda pretende que, em 52 a.C., o chefe gaulês Vercingetorix, quando cercado em Gergóvia pelas tropas de Júlio César, terá enviado ao general romano um galo em jeito de desafio, o que César retribuiu, convidando Vercingetorix para um jantar em que foi servido coq au vin. Esta provocação terá espicaçado o orgulho dos guerreiros gauleses, contribuindo para que infligissem uma derrota aos romanos.

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Guerreiros gauleses põem os soldados romanos em fuga em Gergóvia

Porém, a partir da Idade Média a associação entre o galo e França passou a ser usada em tom de troça pelos adversários do país e só com a Revolução Francesa o vínculo reconquistou a aura prestigiante, passando a ave a figurar em moedas e como símbolo das selecções nacionais de futebol e rugby.

Se os atletas equipados pela Le Coq Sportif conquistaram numerosos troféus, no plano comercial as coisas não correram tão bem. Em 1968, a marca estabelecera uma parceria estabelecida com a Adidas, mas as dificuldades crescentes da Le Coq Sportif deram ensejo a que, em 1974, a marca alemã engolisse a francesa. Após vários triunfos de equipas e selecções nacionais envergando equipamentos Le Coq Sportif, durante a primeira metade da década de 1980, a segunda metade assistiu a um rápido declínio da marca, que levou ao encerramento da histórica fábrica em Romilly-sur-Seine.

O logótipo utilizado entre 1975 e 2008

A Adidas desfez-se da Le Coq Sportif em 1999 e a empresa acabou, em 2005, nas mãos da Aireisis, um fundo de investimento suíço, que promoveu a ressurreição da marca e a reabertura das operações em Romilly-sur-Seine. Apesar de Le Coq Sportif ter recuperado o encargo de equipar todas as equipas olímpicas francesas e de ter voltado a equipar equipas de futebol e rugby com alguma notoriedade, o galo francês continua de crista murcha, até porque a propriedade da empresa é suíça e 90% dos artigos da marca são fabricados em Marrocos.

Vibram

Esta marca, com sede em Albizzate, em Itália, é bem menos conhecida que as anteriores, embora exista desde 1937 e fabrique solas de alta qualidade (ou licencie o seu fabrico) para cerca de um milhar de marcas de sapatos (sobretudo nos segmentos de montanhismo e trail running). O nome provém das primeiras letras do nome e apelido do seu fundador, o italiano Vitale Bramani (1900-1970), de que decorre que a disseminada pronúncia “vaibram”, de influência anglófona, não é correcta. Bramani, um montanhista e alpinista profissional, deu contributo relevante no desenvolvimento de solas de borracha de elevada aderência e resistentes à abrasão para calçado de montanhismo e alpinismo, ao que consta motivado por, em 1935, ter presenciado a morte de seis montanhistas num acidente que Bramani atribuiu ao seu calçado inadequado (na época, o calçado de montanhismo usava solas de couro com tachas metálicas). Os alpinistas italianos que, em 1954, conquistaram o K2, a segunda montanha mais alta do mundo e reputada como sendo das mais inacessíveis, calçavam botas com solas Vibram, o que contribuiu decisivamente para expandir a reputação da marca.

Embora o principal negócio da Vibram continue, hoje, a ser a produção de solas para outras marcas, no século XXI a marca passou a oferecer também vários sapatos de concepção própria, incluindo sandálias, botas de montanhismo e o inconfundível FiveFingers (ver capítulo “O monstro pentadáctilo” em Pés descalços, arrependimentos e penitências).

Vibram FiveFingers V 2.0, vocacionado para trail running

Quando este sapato minimalista foi lançado, em 2006, tinha como destinatário principal as equipagens das competições de vela, mas entretanto foi ganhando múltiplas aplicações e a maior parte do catálogo da marca é preenchido por variantes do FiveFingers com diversas vocações, cores e designs. Entre eles está o FiveFingers Bikila, que homenageia o atleta etíope Abebe Bikila que correu descalço a maratona nos Jogos Olímpicos de 1960 – e conquistou a medalha de ouro.

Vibram FiveFingers Bikila

Outro peculiar conceito minimalista da Vibram é o Furoshiki, cujo nome provém do nome dado aos tecidos usados na técnica/arte tradicional japonesa de embrulho (o furoshiki destina-se a embrulhar objectos ordinários e não deve ser confundido com o fukusa, tecido mais requintado, usado apenas no embrulho de presentes). O Vibram Furoshiki pretende ser menos um sapato do que um “embrulho para o pé”; a marca não o promove especificamente como sapato desportivo, apresentando-o como adequado a todos os contextos e actividades.

Vibram Furoshiki, “desembrulhado”

Marcas “minimalistas”

Nos últimos anos as grandes marcas de sapatos desportivos têm vindo a apostar em solas extravagantemente espessas (ver capítulo “Uma oportunidade perdida” em O sapato desportivo e a prova dos saltos altos) e mesmo quando disponibilizam no seu catálogo modelos apresentados como “minimalistas”, estes costumam confinar-se ao segmento de “trail running” e raramente cumprem os requisitos básicos do sapato minimalista. A maior parte da oferta de sapatos minimalistas cabe, portanto, a marcas de dimensão média ou pequena, a maior parte delas surgidas no século XXI e cujo foco principal é este segmento de mercado.

A mais antiga é a Vivobarefoot, surgida em 2004, como marca da empresa de calçado britânica Terra Plana; esta fora fundada (na Holanda) em 1989, mas só assumiu a sua vocação “amiga do ambiente” a partir de 2002, quando Galahad Clark se juntou à empresa e deu ênfase ao uso de materiais reciclados e minimização de uso de produtos com grande “pegada ambiental”. A Nike intuiu que poderia estar ali um promissor segmento de mercado e, um ano depois da aparição da Vivobarefoot, lançou o seu primeiro modelo “minimalista”, o Free, que tem vindo a conhecer múltiplas versões até ao presente, embora nenhuma delas possa ser, realmente, classificável naquela categoria.

Nike Free Run 5.0

Algumas marcas minimalistas escolheram nomes com conexão com o deserto, quiçá tentando estabelecer um vínculo com os índios Tarahumara e as suas corridas pelas vastidões áridas do norte do México (ver capítulo “Regresso à simplicidade” em Pés descalços, arrependimentos e penitências). É o caso da Xero (fundada em Boulder, no também árido Colorado), cujo nome provém do grego “xeros” = “seco”, e da Saguaro, cujo nome provém do cacto Carnegiea gigantea, que cresce no Deserto de Sonora, na fronteira entre os EUA e o México.

Sanjo

Esta marca está muito longe de possuir a notoriedade e o volume de negócios de qualquer das precedentes, mas será reconhecida por muitos portugueses com mais de 50 anos, uma vez que na sua adolescência era a marca nacional de ténis com maior prestígio e era mais acessível do que os ténis das marcas estrangeiras, que tinham, então, preços proibitivos para as famílias de classe média, ou nem sequer se comercializavam no país.

Sanjo K-100, o modelo mais popular da marca

“Sanjo” poderá ter uma ressonância vagamente espanhola, mas o nome resultou, muito simplesmente, de os sapatos serem fabricados em São João da Madeira. Os Sanjo começaram a ser produzidos pela Companhia Industrial de Chapelaria em 1933 e tornaram-se marca registada em 1936; no início da década de 1980 tiveram um pico de popularidade, mas em breve começaram a perder terreno face às grandes marcas internacionais – cujos preços se tinham tornado mais acessíveis – e a marca acabou por extinguir-se em 1996. Em 2018, tirando partido do apetite do mercado por sapatos desportivos “clássicos”, a marca Sanjo e os seus modelos mais populares foram ressuscitados, agora com produção sediada em Felgueiras (ver Sanjo: Alguém acordou os ténis portugueses).