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PCP diz quer perdeu a "ingenuidade", mas leva para a campanha pressão para Costa se virar à esquerda
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PCP diz quer perdeu a "ingenuidade", mas leva para a campanha pressão para Costa se virar à esquerda

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

PCP diz quer perdeu a "ingenuidade", mas leva para a campanha pressão para Costa se virar à esquerda

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

PCP dramatiza e vai tentar forçar Costa a escolher um lado: ou esquerda ou direita

Para os comunistas, os tempos de indefinição acabaram. O PCP está disponível para entendimentos, mas Costa terá de escolher se está à direita ou à esquerda. Maior "perigo" é maioria absoluta do PS.

Uma semana depois do chumbo do Orçamento com o voto decisivo dos comunistas, o PCP prepara-se para as próximas batalhas. O partido tem o seu plano (e o seu discurso) bem definido: a ‘geringonça’ tal como existia não voltará, mas o PCP quer continuar a “influenciar” a governação; a direita não assusta porque o “principal perigo” é a maioria absoluta do PS; e o calendário é visto como um trunfo — o Parlamento não poderá ser dissolvido nos seis meses seguintes às legislativas, o que esvazia o papão das eleições e aumenta em muito a pressão sobre António Costa.

Por outras palavras, o PCP acredita que o tabuleiro está do seu lado. De acordo com todas as sondagens realizadas até aqui (mesmo aquelas feitas já depois da crise), o PS sairá vencedor nestas legislativas, mas voltará a falhar a maioria absoluta. Sem margem (política e constitucional) para ir novamente a votos, António Costa terá de tomar finalmente a decisão: ou negoceia de boa-fé com o PCP ou atira-se para os braços da direita.

Para os comunistas, é uma situação win-win. Ou conseguem ganhos de causa efetivos porque o PS está sem alternativas; ou fica para todos evidente que os socialistas nunca estiveram empenhados numa governação à esquerda — o que devolve ao partido a condição de verdadeiro partido da oposição, capaz de capitalizar em pleno a falta de respostas aos problemas do país.

Ao Observador, Vasco Cardoso, membro da comissão política, do comité central do e peça central nas negociações, traça o cenário político que orienta os comunistas. “Pensamos que o principal perigo que está colocado é uma maioria absoluta do PS, não é a direita. Está muito fresco [para o eleitorado] o que foram anos e anos de Governo PSD/CDS”, diz.

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Posto isto, “e a CDU tiver mais força, o PS é obrigado a responder. E se encontrarem respostas para o povo, há sempre condições de governabilidade. Haja vontade e haverá condições de governabilidade”, conclui.

A mensagem é simples, ainda que, atendendo às divergências de fundo entre PS e PCP, a execução seja bem mais complexa. Nos seis meses seguintes, e num cenário sem maioria absoluta, Costa terá de escolher de vez se se entende com a esquerda — fazendo, para isso, cedências relativas ao salário mínimo, leis laborais e reforço do SNS — ou com a direita.

“Costa terá de escolher um lado e pode chegar ao entendimento que quiser”, sentencia outra fonte comunista ao Observador. Se a escolha do PS for abraçar a direita, o PCP acredita que lavará daí as suas mãos — será a prova de que a indisponibilidade para negociar era mesmo do PS, que nunca esteve disponível para acompanhar o PCP no aumento da parada e dar aos comunistas ganhos de causa que não estivesse já disposto a adotar.

Os comunistas estão bem conscientes de que há uma narrativa política e mediática enraizada desde 2015, a de que o PCP está condenado a salvar o PS sob pena de devolver a direita ao poder, que é muito difícil de desconstruir. No partido, a lógica é exatamente a oposta: são os socialistas que estão obrigados a fazer a sua própria escolha enquanto partido e não o PCP.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Miguel Tiago sintetizou a mesmíssima ideia. “O PCP tem um programa diferente do programa do PS. Se o PCP se colocar na posição de pôr o PS no poder acima de tudo, em vez do PSD e do CDS, então há um conjunto de propostas do PCP que começam a ser sacrificados só para ter o PS no poder e isso também não é justo, nem é isso que os eleitores querem.”

“Costa terá de escolher um lado e pode chegar ao entendimento que quiser”. Ou seja, ou com esquerda ou com direita -- e o ónus ficará com o PS, acreditam os comunistas

Acordo escrito não, geringonça também não

Desde que publicou as suas teses (documento de orientação política), em setembro de 2020, que o PCP avisava que falava da geringonça (ou, como diz o partido, da “nova fase da vida política nacional”) no passado porque essa era uma página da política portuguesa irrepetível, o que não queria dizer que não estivesse com vontade de negociar se visse aí ganhos significativos. E fazia questão de recordar, puxando pelo voto no Orçamento Suplementar (o único que até então tinha sido contra), pela sua “liberdade” e “autonomia”, tendo votado de “todas as maneiras” (contra, abstenção e a favor) os Orçamentos do PS.

Agora, a tese mantém-se. A geringonça “tal qual” existiu não se repetirá, garantiu Jerónimo de Sousa em entrevista à RTP — já passou o tempo do pós-troika e, na verdade, o PCP só assinou as “posições conjuntas” na altura porque Aníbal Cavaco Silva assim o obrigou. Mas há espaço para entendimentos desde que se traduzam em conquistas concretas e estruturais.

Ao Observador, Vasco Cardoso corrobora: “Nunca fizemos grande questão de existir nenhum papel, para nós a palavra chega do ponto de vista dos nossos compromissos. A questão não é se há papel, é se há vontade. O que conta é seriedade, compromisso e sinais. Se atingirem o nível possível e necessário para responder aos problemas, naturalmente faremos parte das soluções”, assegura.

As possibilidades de entendimento ficam, assim, muito mais periclitantes e o PCP foca-se em passar a bola, e a responsabilidade, primeiro a Marcelo Rebelo de Sousa — quem diz que o acordo não teria chegado se o PS se visse obrigado a apresentar novo Orçamento?, perguntam os dirigentes comunistas — e depois ao PS — que, segundo o calendário do partido, terá meses para escolher se quer virar à esquerda ou à direita.

Na última quinta-feira, o PCP fez questão de reforçar a mensagem: num vídeo partilhado nas redes sociais do PCP, ficavam compiladas as imagens de António Costa, na noite das eleições de 4 de outubro de 2015, a dar os parabéns a Pedro Passos Coelho e a Paulo Portas e a recusar formar “maiorias negativas”. De seguida, aparecia a célebre imagem de Jerónimo de Sousa, na mesma noite, a abrir as portas à geringonça: “A maioria absoluta deixou de existir, está criado um novo quadro. O PS tem condições para formar Governo”.

A acompanhar o vídeo, os comunistas escreviam que “quando o PS deitava a toalha ao chão e se resignava à continuação” do Governo PSD/CDS, “a CDU disse que não”. “Tal como em 2015, a única porta que a CDU abre à direita é a porta da rua“, rematavam.

Mais uma vez, o partido fez questão de mostrar aos eleitores que está pronto para o embate das urnas, que não cederá à falsa questão — ou PS ou caos à direita — e que é António Costa quem tem de ser forçado a um compromisso sério à esquerda. O tempo da indefinição, para o PCP, acabou.

"Pensamos que o principal perigo que está colocado é uma maioria absoluta do PS, não é a direita. Está muito fresco [para o eleitorado] o que foram anos e anos de Governo PSD/CDS", diz Vasco Cardoso

A jogada política de maior risco desde 2015

Se o eleitorado compreenderá este raciocínio, será questão para ver a 30 de janeiro. Na mesma entrevista à RTP, Jerónimo recusou a conclusão de que o PCP quer passar a ser apenas um partido de protesto porque o eleitorado o castigou em todas as eleições pós-nascimento da geringonça.

O secretário-geral do PCP até “admitiu” que existam alguns “descontentes” com o comprometimento do partido com uma solução de poder sempre insuficiente aos olhos dos comunistas, mas apontou outra explicação para as constantes derrotas eleitorais do partido. Segundo frisou Jerónimo, há “alterações sociológicas” a ter em conta — leia-se, há menos eleitorado natural do PCP, com a alteração das atividades produtivas no país e a diminuição de trabalhadores operários. Com ou sem geringonça, o declínio dificilmente seria evitado.

O PCP não culpa, assim, a geringonça por todos os males, mas quer mostrar-se de mãos livres e em posição de pressionar o PS a virar à esquerda. Se o discurso não colar, poderá ficar arredado de qualquer influência — no limite, com um Governo de direita no poder. Seja como for, os comunistas apostarão, por um lado, no protesto e, por outro, na responsabilização do PS pelo desfecho infeliz dos entendimentos à esquerda.

Publicamente, o ónus do chumbo parece ter ficado, em boa parte, com os comunistas por vários motivos: por um lado, no ano passado o Bloco de Esquerda já se tinha colocado de fora da aprovação do Orçamento, pelo que o PS acreditava que contaria com o sentido de “responsabilidade”, como ia pressionando, do PCP. Por outro, e precisamente nessa lógica, foi ao PCP que os socialistas fizeram as maiores cedências negociais (aumento do mínimo de existência do IRS, das pensões e da gratuitidade das creches à cabeça).

Mesmo assim, o PCP envolveu na negociação, pela primeira vez, as matérias de legislação laboral, o que foi interpretado como sendo um sinal de que algo de muito estrutural mudou no partido: ao levar para a mesa das conversações uma matéria tão divisiva, os comunistas estariam verdadeiramente apostados em romper de vez. A rutura não é irrevogável, nem o PCP quer voltar a ser aquilo que sempre disseram que era, um partido meramente de protesto.

“Se a CDU tiver mais força, o PS é obrigado a responder. E se encontrarem respostas para o povo, há sempre condições de governabilidade", diz Vasco Cardoso ao Observador. "O que procuramos fazer é influenciar"

A primeira preocupação é desenhar o tabuleiro político em que as peças se moverão a partir de agora. E até na comunicação do partido isso é visível. Nos últimos dias, as respostas e entrevistas do PCP deixaram de partir do grupo parlamentar para dar justificações detalhadas sobre o processo orçamental — João Oliveira esteve praticamente todos os dias a dar entrevistas televisivas na última semana do drama do Orçamento — e passaram a incluir também respostas sobre a estratégia política do partido, com uma das principais figuras de bastidores do partido, o dirigente Vasco Cardoso, a assumir boa parte das declarações públicas.

A ideia fica mais clara quando a resposta é sobre se, como têm adiantado muitos analistas e comentadores políticos, o PCP está pronto para regressar à posição de partido de protesto e abdicar de qualquer influência junto do Governo.

“A luta e o caminho não afastam a possibilidade de encontrar soluções no quadro que se venha a desenhar a seguir na Assembleia da República”, nota ao Observador Vasco Cardoso. Ou seja, “uma coisa é o património de intervenção, de protesto, de mobilização dos trabalhadores”, que faz parte do ADN do partido; mas isso “não entra em contradição com a necessidade de influenciar as políticas”. “E é isso que procuramos fazer: influenciar”, garante o mesmo dirigente.

Não é o único comunista a rejeitar a ideia de um partido que sirva puramente como partido de protesto. “Esse catálogo do partido ‘só’ de protesto não correspondia à realidade antes da chamada geringonça e nem corresponde agora”, sugere ao Observador outro dirigente comunista.

Tudo dependerá, em boa verdade, da força relativa entre PS e PCP. Se os socialistas conseguirem pôr em prática, com sucesso, a sua estratégia de bipolarização, arriscam “roubar” ainda mais votos à esquerda e conquistar a maioria absoluta — ou ficar numa posição de tal forma comportável no Parlamento que os parceiros à esquerda se tornem perfeitamente dispensáveis.

Por outro lado, “se os eleitores votarem nos que disseram que só não aprovaram o Orçamento porque faltava X e Y” — acreditando, portanto, que essa capacidade de influência ainda pode existir e na boa fé negocial dos comunistas –, o PCP sairá das próximas eleições legislativas reforçados e em condições de encostar António Costa às cordas, bem ciente de que esta é a jogada política de maior risco desde que em 2015 decidiu assinar os papéis ao lado do PS.

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