Pedro Nuno Santos estava pronto e tinha preparado o partido para engolir dois sapos de uma vez, tentando despachar o assunto Orçamento do Estado de uma assentada até à votação final global, com duas abstenções na generalidade e na especialidade que permitiam a viabilização (depois de ter dito que era “praticamente impossível” fazê-lo). Mas havia mais um sapo — e insuflado — nesse caminho que se tornou tortuoso para o PS e o partido acabou a fazer o que dizia ser impensável: viabilizar a redução transversal do IRC. Desta vez, no entanto, o líder socialista não hesitou e matou o tema antes que voltasse a ganhar outra dimensão. Resta saber como ficam as linhas vermelhas — ou “linha rosa”, como lhe chamou o próprio Pedro Nuno.
Na sexta-feira ao fim da tarde a direção do partido foi surpreendida com o anúncio do líder parlamentar do PSD: ou o PS viabilizava a baixa transversal de um ponto percentual da taxa efetiva do IRC, ou o partido voltava à proposta para descer dois pontos — e o Chega concordaria com ela. Problema: o PS tinha de viabilizar um Orçamento com uma proposta ainda pior do que a última que rejeitara. Uma reviravolta no PSD, que dava o dito por não dito, veio provocar outra cambalhota no PS, que daria o dito por não dito a uma velocidade tal que fez com que alguns socialistas nem se tivessem sequer apercebido da primeira notícia.
Foi o segundo “impossível” que Pedro Nuno Santos desdisse em poucos meses — o primeiro foi o “praticamente impossível” viabilizar o Orçamento. “Há desorientação“, aponta um socialista mais crítico da liderança de Pedro Nuno. “A força negocial perdeu-se toda“, comenta outro. “O partido está cansado, O tema do Orçamento já não tem tração. As estruturas locais já estão viradas para as autárquicas“, justifica um dirigente para explicar a mudança de posição. “Não tinha alternativa. De outra forma poderia ocorrer uma crise política”, acrescenta outro socialista, que não acredita que a capacidade negocial de Pedro Nuno Santos tenha ficado afetada com este episódio de marcha atrás no IRC.
Como Pedro Nuno tentou matar tema à nascença
Na direção, mal Hugo Soares falou no Parlamento, existiu a imediata convicção que o assunto era para “matar” o mais depressa possível. A cartada do PSD foi vista como uma manobra de diversão para “desviar atenções”, numa altura de grande pressão sobre o Governo devido à gestão da greve do INEM — e não é o único caso a fazer soar campainhas no gabinete de Montenegro. Por isso, quatro horas depois do anúncio do PSD, o PS veio dizer que não inviabilizaria a descida do IRC em um ponto percentual ao mesmo tempo que acusava o Governo de uma “manobra política infantil e irresponsável”.
Naquela tarde, três ideias surgiram de imediato na cabeça de Pedro Nuno. A primeira foi que estava perante a criação de um facto político, já que o voto do PS para reduzir o IRC em um ponto percentual era irrelevante — a direita tinha votos suficientes para o fazer. A segunda foi que não podia faltar ao que tinha dito e levar o país para uma crise política — afinal foi essa a ideia principal que presidiu à justificação para viabilizar o Orçamento. A terceira era a conclusão das duas anteriores: matar o tema à nascença.
A partir do momento em que o assunto foi posto em cima da mesa, o PS percebeu que podia voltar a ser o centro de toda a pressão da opinião pública. “Seriam mais duas semanas sem falar de outra coisa”, comenta fonte do partido. Os socialistas não queriam que o assunto que cozinhou o líder em lume brando durante todo o verão voltasse a dominar a agenda política e mediática — expondo divisões internas e até os avisos (mal recebidos) do líder sobre a necessidade de os socialistas conterem as suas opiniões.
Se não acabou queimado, Pedro Nuno acabou pelo menos “escaldado” com todo o processo orçamental, como descreve um socialista crítico da forma como o líder geriu a negociação do Orçamento nos últimos meses. A fixação de linhas vermelhas nunca foi pacífica dentro do partido. “Isolou-se e acabou sozinho com a sua linha vermelha”, comenta-se. Uma voz mais crítica da liderança considera que “um Governo negociar em baixa é normal; já um partido da oposição fazer uma proposta maximalista e depois ceder deixa uma ideia de que teve medo“.
Na verdade, há também quem considere que a linha vermelha do IRC já tinha sido ultrapassada no dia em que, como contraproposta final, o PS admitiu poder viabilizar a descida em um ponto percentual com a garantia de que o Governo não mexesse mais no imposto dali para a frente — o que o Governo não garantiu, ainda que não tenha feito qualquer calendarização da redução do IRC no Orçamento mesmo depois de o acordo com Pedro Nuno Santos ter caído por terra.
“Gato escaldado de água fria tem medo”
De qualquer forma, outro socialista diz em jeito de conclusão que considera que “Pedro Nuno Santos percebeu que nunca mais vai colocar linhas vermelhas na negociação de um Orçamento”. Uma lição que o próprio líder, de resto, já tinha mostrado ter aprendido quando, na declaração ao país que fez em outubro para anunciar a viabilização do OE, disse que não falaria do Orçamento para 2026 até o documento ser apresentado. Encerrou a conversa do próximo ano com o Governo antes mesmo dela começar.
“Gato escaldado de água fria tem medo”, sintetiza um socialista que considera que esta saída rápida de Pedro Nuno foi para evitar voltar a estar enredado num processo que o escaldou no passado bem recente: “Quis fugir do tema com a maior rapidez possível”. Outro dirigente socialista afirma que “no PS não pode haver mais drama com o Orçamento, tem de passar para a parte de fazer oposição”. “Foi um assunto que já desgastou por um período significativo de tempo. É preciso fechar o assunto.”
Para um dos socialistas que aceitaram falar com o Observador, o líder do partido “sentiu que não tinha força para fazer diferente”. “O eleitorado já não está a ouvir”, argumenta. Até porque, continua a mesma fonte, “as estruturas locais já estão viradas para as autárquicas“. E o líder do PS está desejoso que essa etapa possa arrancar e deixar para trás um processo penoso em que começou a dizer que era “praticamente impossível” viabilizar um Orçamento da AD e acabou a viabilizar não só o Orçamento mas uma medida em concreto com a qual manifestamente não concorda.
O IRS Jovem caiu, a redução do IRC tornou-se minimal, mas foi o suficiente para o PS rejeitar um acordo com o Governo por considerar a descida transversal do IRC inaceitável. De repente, tudo mudou e o PS embarcou mesmo na redução em um ponto. Evitou-se a reabertura da longa e dolorosa novela orçamental, mas as cicatrizes seguem com o líder para a etapa que se segue e com que quer marcar o arranque do ano: as autárquicas.
Como o Governo tentou armadilhar (de novo) o caminho de Pedro Nuno