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O Presidente da Assembleia da República defendeu esta sexta-feira a ida da Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago, ao Parlamento para prestar esclarecimentos sobre casos que estão a ser investigados pelo Ministério Público (MP) e que tiveram consequências políticas. Aguiar Branco deixou claro, ainda assim, não acreditar que “haja uma conduta premeditada, à esquerda ou à direita, para criar factos políticos por via da investigação criminal”.
Mas poderá a Procuradora-Geral da República ser chamada ao Parlamento? E, se for, terá de falar de casos como o processo Influencer, que acabou por levar à queda do governo liderado por António Costa? O Observador explica o que está em causa e o que poderá acontecer.
Afinal, o que disse Aguiar-Branco?
Em entrevista ao programa da Antena 1 Geometria Variável, José Pedro Aguiar-Branco foi claro ao afirmar, esta sexta-feira, que é preciso esclarecer todas as suspeições e contribuir para que “os dois mundos convivam de uma forma mais saudável para a democracia.
“Qualquer um de nós não quer acreditar que haja uma conduta premeditada para à esquerda ou à direita provocar um determinado facto político por via de um investigação criminal, mas a verdade é que ninguém vive sozinho no mundo e é preciso ser explicado, porque se for explicado e se a situação ao ser explicada torna claro que a suspeição não existe. Eu acho que estamos a contribuir para que esses dois mundos convivam de uma forma mais saudável para a democracia”, disse.
A PGR pode ser chamada ao Parlamento para acabar com “suspeições”?
O ex-deputado social-democrata (e um dos mais experientes) Duarte Pacheco explica ao Observador que nada impede que a Procuradora-Geral da República seja chamada à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, lembrando que “perante as perguntas, [Lucília Gago] pode recusar-se a responder, porque precisamente não está numa Comissão de Inquérito”. Numa comissão de inquérito seria obrigada, remata.
Souto Moura, antigo Procurador-Geral da República, concorda — “um procurador pode ser convidado a esclarecer, mas não é obrigado a esclarecer” — e clarifica: se forem questões sobre matérias em segredo de justiça, “não é não responder, é dizer que não pode responder, invocando o segredo de justiça”.
Uma outra hipótese, avança Duarte Pacheco, é “o requerente ou a Procuradora-Geral da República, neste caso a pessoa que vai depor, pedir que a reunião decorra à porta fechada”, sem a presença de jornalistas ou gravações. Aí, “os deputados fazem a sua avaliação e, se entenderem que se justifica — portanto com uma votação maioritária nesse sentido –, fecham a porta”.
Mas Lucília Gago pode recusar ir ao Parlamento?
Segundo Duarte Pacheco, não. “Se houver uma votação maioritária, tem de ir”, afirma, sublinhado que, “quando muito, pode é ajustar-se o timing“, no caso de não ser possível estar presente num determinado momento.
Algum PGR foi chamado no passado a prestar esclarecimentos?
Sim. Entre 2000 e 2006, Souto Moura, então Procurador-Geral da República, foi chamado mais do que uma vez à comissão de Direitos Liberdades e Garantias a propósito de processos. “O Ministério Público, e portanto o PGR, não pertencem à administração, não estão dependentes do executivo, pertencem ao poder judicial. Isso significa que são independentes dos poderes executivo e legislativo. Agora, o que pode aqui estar em causa é um pedido de informação, que o MP, através do PGR, entenda que pode dar e que não prejudique a investigação”, afirma o antigo procurador.
Falando em abstrato, Souto Moura diz, por isso, achar “que deve ser feito um convite e, depois, o procurador ou procuradora que for à comissão disponibiliza-se ou não a prestar as informações”. “É a minha posição pessoal: eu fui e respondi sempre que achei que não tinha prejuízo para o processo”.
No regulamento desta comissão pode ler-se, no artigo 4.º, que “a Comissão pode solicitar a participação nos seus trabalhos de quaisquer cidadãos, bem como membros do Governo, dirigentes e funcionários da administração direta do Estado, desde que autorizados pelo respetivo Ministro, dirigentes, funcionários e contratados da administração indireta do Estado e do sector empresarial do Estado, e bem assim solicitar-lhes informações ou pareceres”.
Um Procurador-Geral poderá falar sobre processos específicos?
Pode, se quiser e entender que não prejudica a investigação. Ao Observador, o antigo Procurador-Geral da República recorda que foi chamado ao Parlamento para prestar esclarecimentos sobre as investigações aos casos Camarate e Casa Pia — o que fez.
Sindicato dos magistrados alerta que PGR não pode falar de casos concretos no parlamento
E pode ser o Presidente da Assembleia da República requerer a audição?
Seria algo inédito, considera Duarte Pacheco. “Não há histórico disso, sinceramente. Normalmente são os grupos parlamentares ou os deputados únicos que tomam a iniciativa de chamar a A, B ou C a prestar declarações, não é o Presidente”, diz. Salvaguarda, no entanto, que possa existir tal possibilidade. “Naturalmente, o deputado José Pedro Aguiar-Branco tem o mesmo direito que qualquer outro deputado, mas, com as funções que tem um peso institucional muito grande. Eu penso que não será ele”.
Mas, podendo um PGR ser chamado, porque é que o assunto gerou tanta polémica?
Para o ex-deputado Vitalino Canas “estas coisas não são, às vezes, totalmente uma zona clara ou totalmente uma zona escura, às vezes são uma zona cinzenta”. Defendendo que um PGR deve ser chamado “para discutir questões da gestão do serviço e dos meios que tem”, por exemplo, o ex-deputado socialista já tem mais dúvidas sobre um convite para ir falar de casos concretos, que estejam a ser investigados. “Não estou a dizer que a Assembleia não o possa fazer, mas é indesejável, porque parece que isso configura, ou poderá configurar, uma interferência no exercício da Procurador-Geral da República”.
Uma opinião idêntica à de Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que diz ao Observador entender que a PGR “possa e até deva ir ao Parlamento prestar esclarecimentos sobre a atividade do MP em geral, por exemplo, sobre os atrasos processuais e os recursos de que dispõe”. Mas insiste — apesar de os estatutos do MP o permitirem — não concorda que se chame para falar de processos em segredo de justiça. “A partir do momento em que a PGR se desloca para falar de um processo em concreto, quem vai definir os limites? Estamos a entrar numa matéria delicada”, avisa.