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Os alunos portugueses estão melhores, mas não muito melhores, quando se analisa as capacidades de leitura (3 pontos em mil, valor estatisticamente irrelevante) entre os alunos que fizeram o teste em papel. Esta é a conclusão imediata que se pode retirar do estudo internacional PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study, o que não deixa de ser um bom resultado por vários motivos: no último relatório, de 2016, tinha havido uma queda acentuada (13 pontos em relação ao PIRLS 2011) e, agora, a subida é de 3 pontos. Além disso, trata-se de alunos que em 2021 estavam no 4.º ano, ou seja, foram afetados por dois anos letivos em pandemia. Mas, se olharmos para o relatório por outro prisma, o resultado passa a negativo. Numa altura em que o PIRLS está a fazer a transição para o digital — tal como em Portugal está a acontecer com as provas de aferição — outro dado salta à vista. Os alunos que fizeram as provas em digital tiveram piores resultados do que aqueles que fizeram a prova em papel. Se a comparação com 2016 fosse feita com estes alunos, em vez da pequena melhoria, tinha havido uma queda de 8 pontos.
As provas do PIRLS, feitas em 65 países e regiões, não contam para nota tal como as de aferição. Os alunos são divididos em duas amostras representativas que fazem os testes ou em papel ou em computador (este segundo grupo é três vezes maior do que o primeiro).
Média dos alunos está no nível elevado
Se olharmos apenas para os alunos que fizeram as provas em papel, a média dos portugueses foi de 531 pontos (nível elevado). Já os que responderam no formato digital tiveram menos 11 pontos (520). A escala do PIRLS vai dos 0 aos 1000, embora nenhum país esteja nos extremos. É normal considerar que a escala real é aquela que varia entre 300 e 700, sendo 500 a média — ou seja, os alunos portugueses continuam a estar acima dessa linha.
Em qualquer uma das situações, em papel ou digital, estão longe dos resultados de 2011 quando atingiram os 540 pontos — ainda abaixo do nível avançado que começa nos 625 pontos.
O estudo internacional PIRLS realiza-se de 5 em 5 anos, desde 2001. É a terceira vez que Portugal participa, desta feita com 6.111 alunos a fazer a prova digital e 2.098 em papel. A nível mundial, os testes chegaram a cerca de 400 mil estudantes.
Em 2016, perante a queda dos resultados, João Costa, então secretário de Estado da Educação, foi claro: “São resultados que não nos agradam, mas que não nos surpreendem completamente.” Os resultados referiam-se à geração de alunos que fez o 1.º ciclo durante o mandato de Nuno Crato (PSD). Questionado pelo Observador, durante a apresentação aos jornalistas, o agora ministro João Costa confessou-se surpreendido pela positiva, já que receou que o tempo que os alunos passaram em casa, durante a pandemia, tivesse tido piores efeitos na literacia da leitura.
Estes resultados, mesmo que só ligeiramente melhores, são uma prova de que Portugal está no bom caminho e dão ao ministro segurança de que também nas provas de aferição — que já arrancaram nas escolas — os resultados possam melhorar.
As provas do PIRLS não avaliam apenas a capacidade de saber ler, mas olham também para as capacidades associadas a uma boa leitura, como ser capaz de refletir sobre o que se leu ou na forma como se utilizam os conhecimentos adquiridos com a leitura.
O que correu mal no digital e que isso pode significar para as provas de aferição?
A forma como os testes em papel foram transpostos para digital é uma das explicações apontadas pelo presidente do IAVE para o desempenho dos alunos que usaram computador ter sido pior do que aqueles que usaram lápis e caneta.
Segundo explicou aos jornalistas Luis Santos — que coordena o Instituto de Avaliação Educativa responsável por criar as provas e os exames nacionais —, no formato digital os alunos não conseguiam regressar ao texto principal durante o decorrer da prova para, por exemplo, tirarem dúvidas. No entanto, frisou que esta questão era propositada, uma vez que a transição para o digital ainda está em curso. Uma alteração de fundo podia fazer mudar as tendência de forma artificial.
O ministro João Costa alinhou o mesmo discurso, garantindo que nas provas de aferição nacionais não haverá este problema. “Fazendo a comparação entre o PIRLS e as provas de aferição, no PIRLS há uma mera transposição do papel para o digital, o que implica que os alunos, quando lhes são apresentadas as perguntas, não consigam voltar ao texto. Nas provas de aferição nacionais o texto é sempre consultável e apresentado lado a lado com as perguntas.”
Ou seja, as provas portuguesas foram desenhadas propositadamente para formato digital.
Depois de dois anos letivos em pandemia, seria até expectável que os alunos estivessem mais familiarizados com os meios tecnológicos, o que não aconteceu, frisou o ministro da Educação. “Temos de continuar o trabalho de literacia digital, que temos vindo a fazer, para reforçar as competências digitais dos alunos”, sublinhou.
Entre os alunos que não realizaram atividades online durante a pandemia, a pontuação média foi de 482, menos 42 pontos em relação aos que as realizaram.
Para os próximos cinco anos, João Costa quer continuar a trajetória ascendente, “esperando que não venha outra pandemia”, ironizou. “O que queremos é voltar aos níveis em que já estivemos em 2011, que eram muito mais satisfatórios.”
Apesar disso, o ministro mostrou-se satisfeito por Portugal ter passado de 30.º lugar para 22.º quando a amostra de idades dos alunos é comparável. “É algo que nos deve deixar contentes.”
Devido à pandemia, as provas não foram feitas todas no mesmo período, mas antes divididas em três vagas. Portugal e a maioria dos países fizeram os testes do PIRLS entre março e junho de 2021 (num ano normal começam em fevereiro). No entanto, houve países que fizeram as provas apenas entre agosto e dezembro de 2021 e três países — Inglaterra, Irão e Israel — entre março e julho de 2022. Neste caso, os alunos já tinham 11 anos, mais um do que os colegas que fizeram na primeira vaga.
Assim, quando se compara Portugal dentro do primeiro ranking, a posição é a 22.º. Quando entram todos os países e regiões, desce para 29.º lugar. Os três países e regiões com melhores desempenhos (os valores não foram revelados na conferência de imprensa) foram Singapura, Hong Kong e Rússia.
Ser rapariga, frequentar o pré-escolar, ter saúde financeira e pais que leem ajuda os alunos
As tendências não mudaram e os preditores de sucesso na leitura continuam a ser os mesmos. Crianças de meios mais desfavorecidos têm resultados inferiores, as raparigas leem melhor do que os rapazes e ter pais que leem, assim como ter livros em casa, faz com que os resultados dos alunos subam. A frequência do pré-escolar, tal como noutras áreas do saber, é fundamental para melhorar as aprendizagens.
Há, por exemplo, uma diferença de 32 pontos entre os alunos que passaram três anos no pré-escolar e os que não frequentaram (527 e 495). Este é um dos fatores apontados pelo ministro, embora o documento apresentado aos jornalistas sublinhe que 80% dos alunos frequentaram três anos ou mais de pré-escolar.
“Temos vindo todos os anos a abrir mais escolas de pré-escolar na rede pública”, disse João Costa quando questionado sobre a universalização do pré-escolar, prevista no programa do Governo. “Temos uma cobertura quase total aos 5 anos e aos 4, temos ainda algumas dificuldades nas zonas de maior densidade populacional aos 3 anos. É um trabalho que está a ser continuado, todos os anos estamos a abrir mais salas de pré-escolar em articulação com as autarquias”, afirmou João Costa, lembrando que uma educação pré-escolar de qualidade é fortemente preditora de sucesso em várias competências, logo no 1.º ciclo.
Outra questão fundamental é o contexto onde crescem as crianças: alunos com estatuto socioeconómico mais elevado tiveram uma pontuação média de 555. Os mais carenciados ficam nos 488 pontos (menos 67). Por outro lado, os alunos das escolas privadas que fizeram a prova digital alcançaram, em média, mais 39 pontos do que os alunos que frequentam estabelecimentos de ensino públicos (554 vs. 515 pontos).
“Nos indicadores de leitura, aquilo que vemos sempre é um grande papel do contexto familiar. Ter livros em casa — uma das dimensões aferidas —, falar-se de livros com as crianças, tudo isto promove hábitos de leitura”, argumenta o titular da pasta da Educação. Do seu lado, diz que o trabalho da tutela tem sido dar ferramentas às escolas, através das atividades do Plano Nacional de Leitura ou das redes de bibliotecas escolares, para “criar na escola esse ambiente que não existe em casa”.
Segundo o relatório, em Portugal, quando os pais têm recursos educativos adicionais, como livros, os alunos têm em média 529 pontos. Em contrapartida, quem não tem essa facilidade tem menos 25 pontos, em média, do que os colegas.
Outro ponto sublinhado pelo PIRLS é que mais de metade dos alunos (62%) tem entre 11 e 100 livros em casa. Aqueles que têm mais de 100 livros em casa pontuaram, em média, 543 pontos, mais 63 pontos do que os alunos têm até 10 livros em casa (543 contra 480 pontos), lê-se no documento.
As raparigas e os rapazes estão longe dos resultados de 2011 (548 e 534 pontos), e ambos desceram em relação ao PIRLS 2016, sendo a queda sempre mais acentuada entre quem fez a prova digital. As raparigas conseguiram 532 (papel) e 523 pontos (digital) quando cinco anos antes tinham 529 pontos. Os rapazes, que em 2016 estavam, em média, nos 527 pontos, sobem para 529 (papel) e descem para 517 valores (digital).
Note-se ainda que as raparigas têm melhores resultados noutras questões relacionadas com a leitura. Elas, mais do que eles, estão muito confiantes na leitura (44% vs. 41%) e também são as raparigas quem mais “gosta muito” de ler (65% vs. 56%).
Para terminar, o número de alunos que chegou ao nível avançado subiu em relação a 2016, quando eram 7% dos alunos, se olharmos para quem fez a prova em papel (9%). Nas provas digitais, o valor caiu para 6%, queda estatisticamente irrelevante.
No nível elevado, a tendência é igual. Sobem os alunos que fizeram a prova em papel, de 38% para 40%, e descem os que fizeram a prova no computador (36%).