Os socialistas estão a olhar com reservas para as mais recentes declarações do seu líder sobre o que fará para lá de 2026, ano do fim do atual mandato do Governo. António Costa não fecha nenhuma porta, diz que decidirá em 2025 se se mantém na liderança ou não. Os socialistas ouvidos pelo Observador temem que falar disto agora contribua para lançar já a corrida à sucessão. Seja como for, quando esse momento chegar, se Costa se mantiver líder não tem de ser ele o candidato a primeiro-ministro nas legislativas que se seguirem — o PS já experimentou essa fórmula e teve sucesso.
A solução tem cobertura nos estatutos do partido e a esta (longa) distância é tida como uma “simples possibilidade”, segundo apurou o Observador. O candidato a primeiro-ministro não teria de ser o líder do partido, podendo ser designado pela Comissão Nacional ou então ir a primárias (ver mais abaixo). Ou seja, se Costa decidir recandidatar-se à liderança em 2025, isso poderá não querer dizer que quer voltar a ser o candidato do partido nas legislativas que se seguirem.
Numa entrevista ao Expresso, António Costa não descarta poder manter-se na liderança do partido em 2025. Diz que há “muito tempo pela frente” até essas decisões, que empurra precisamente para esse ano. Quando questionado sobre o futuro, responde: “Em outubro de 2026 verei o que vou fazer a seguir. Ou antes disso, antes de 2026 tenho logo de decidir se me mantenho na liderança do PS ou se não me mantenho na liderança do PS”. Refere as duas hipóteses, para já, e entre socialistas comenta-se que não poderia fazer de outra forma, quando ainda faltam dois anos e meio para esse momento.
“Não é assunto para considerar agora“, diz um alto dirigente do PS quando confrontado com o que é dito por Costa na entrevista. “Estamos tão longe de 2026…”, atira outro socialista, reforçando a ideia da extemporaneidade desta questão. O PS ainda tem um congresso ordinário em 2023 e só depois, em 2025, se deverá colocar a questão da sucessão — a julgar por estas declarações do socialista.
As hipóteses para 2025. Há uma nunca experimentada… no continente
Caso Costa decida não se recandidatar em 2025, ano de diretas e congresso, o PS parte para eleições para a sucessão de onze anos de costismo. Nesse caso, durante um ano, o partido ficaria com um líder diferente do primeiro-ministro em funções, que só termina o mandato em 2026. Isto foi o que aconteceu depois dos anos das maiorias absolutas de Cavaco Silva: o então líder do PSD anunciou em janeiro de 1995 que não se recandidatava à liderança do partido nem seria mais candidato em legislativas. Fernando Nogueira sucedeu-lhe na liderança em fevereiro e até outubro o PSD teve Cavaco como primeiro-ministro e Nogueira como líder.
E se António Costa se recandidatar à liderança do PS em 2025? Isso poderia querer dizer que quer voltar a candidatar-se nas legislativas de 2026, depois de mais de dez anos nas funções de primeiro-ministro. Mas não é a única leitura. Existe outra solução: pode continuar secretário-geral e o partido escolher outro nome para se candidatar nas legislativas de 2026. Desta forma, Costa mantinha-se líder até ao fim do mandato de primeiro-ministro e não haveria uma luta divisória pela liderança quando o PS ainda estivesse no Governo e a tão pouco tempo de legislativas.
A Comissão Nacional socialista tem como poder a designação de candidatos para “cargos de âmbito nacional ou europeu” e poderia fazer esta escolha. Além disso, desde a grande guerra socialista de 2014, que opôs António Costa ao então líder António José Seguro, os estatutos também contemplam a possibilidade de se realizarem eleições primárias, abertas ou não a simpatizantes.
De acordo com as regras de funcionamento do partido, a Comissão Nacional, “por sua iniciativa ou sob proposta do Secretariado Nacional, pode deliberar sobre a convocatória de eleições primárias fechadas ou abertas para a escolha dos candidatos a titulares de cargos políticos”, entre eles os tais “cargos de âmbito nacional ou europeu”, conta nos estatutos socialistas.
A solução já foi, aliás, experimentada pelo PS regional. Nos Açores, o agora presidente do partido, Carlos César, foi líder até sair da liderança do Governo Regional. O socialista anunciou em 2010 que não se recandidataria nas regionais de 2012 e em 2011 o Secretariado Regional e a Comissão Regional do PS dos Açores escolheram, por unanimidade, Vasco Cordeiro como o candidato do partido à Presidência do Governo Regional nas eleições de outubro de 2012. Vasco Cordeiro concorreu a essas eleições e venceu, mantendo o poder para o PS. Carlos César foi líder até depois dessas eleições.
A solução pode não ser pacífica e teria de ser avaliada pelos socialistas com ambições à liderança pós-Costa, não sendo certo se serviria os interesses de quem se alinhar para essa sucessão. Um argumento forte a favor pode ser o desenlace que teve nos Açores — a realidade política era muito diferente, mas o que é certo é que o PS regional recorreu a esta solução após 16 anos de poder, com Carlos César no Governo Regional, e o designado candidato Vasco Cordeiro foi eleito líder do Governo e manteve-se por mais nove anos, até 2021.
Além disso, o PS (ao contrário do PSD) tem prevista a hipótese de realizar primárias, o que poderia legitimar em votos esse candidato — não seria uma simples candidato fruto da designação de um órgão partidário. Resta saber se agradará a quem estiver interessado em concorrer na altura, sendo certo que em mais de dois anos pode mudar muita coisa — recorde-se que ainda no congresso do verão de 2021 o PS debatia o momento da saída de Costa em 2023 e as eleições antecipadas trouxeram uma maioria absoluta estendendo o mandato no Governo até 2026 (sem mais percalços ou desistências).
Medo socialista em abrir agora capítulo da sucessão
Começar agora a falar de pós-costismo é visto como arriscado no partido não só por ainda faltar muito para essa fase da vida política nacional, mas também porque lançaria a guerra pela sucessão de António Costa. “Se um líder partidário disser que se vai embora dá o tiro de partida para a guerra da sucessão“, explica um alto dirigente. António Costa “não pode nem deve falar já de sucessão”, concorda um dirigente do partido também ouvido pelo Observador. A tirada está a ser entendida, por isso mesmo, como um formalismo de António Costa, que não teria outra forma de responder à pergunta sobre o seu futuro a esta distância.
A entrevista do Expresso ao primeiro-ministro foi gravada antes da atual crise política, mas no atual momento político poderia ainda ser pior Costa atirar mais uma acha para a foqueira, dizendo já que não se recandidatará. Isto porque a saída de Pedro Nuno Santos do Governo ainda está muito fresca e tem deixado insatisfeitos os apoiantes do mais pré-anunciado candidato à liderança de sempre, sobretudo pela postura de Fernando Medina. O caso de Alexandra Reis envolveu os dois nomes mais falados para suceder a António Costa no comando do PS e nos bastidores começaram a surgir acusações sobretudo de pedronunistas, tal como o Observador escreveu neste artigo.
PS não deixa cair Pedro Nuno, mas pede calma. Pedronunistas atiram forte a Medina
“Isto vai criar uma dinâmica completamente diferente no partido”, diz um socialista que registou a quantidade de vozes de apoiantes de Pedro Nuno que saíram não só em defesa do até agora ministro, como também criticando o ministro das Finanças na gestão do mesmo caso. E também as declarações que foi tornando públicas que acabaram por deixar Pedro Nuno Santos isolado.
Na lista do que não quer fazer, Costa só coloca a Presidência
O futuro de António Costa mantém-se, nesta altura, em aberto, sendo certo que o socialista vai mantendo a garantia de que quer cumprir o mandato como primeiro-ministro até ao fim. No entanto, fala com apreço das carreiras europeias e não as rejeita como faz com uma candidatura à Presidência da República.
Quando é questionado sobre a vontade de suceder ao presidente do Conselho Europeu, Costa garante ter uma máxima quanto a isso: “Uma das condições para exercer bem a função que se está a exercer é não pensar muito no que se vai fazer a seguir”. Diz que o faz para “nunca” se “distrair das funções” que tem ou para não “as condicionar”. E ao rematar a questão mostra que, ao contrário de outros cargos, um cargo europeu é coisa que não descarta: “Nunca exerci nenhum cargo político até hoje a pensar no que ia exercer a seguir. Sei os que não quero.”
E o que não quer e assume — ao contrário do que faz com uma carreira europeia — é a Presidência da República. “Nunca, em circunstância alguma”, repete António Costa sobre as funções presidenciais argumentado com a sua “vocação executiva”. Ainda este ano, numa entrevista ao Clube de Jornalistas, tinha usado a mesma expressão para rejeitar vir a ser presidente da Comissão. Já quanto à presidência do Conselho Europeu dizia que “poderia haver essa possibilidade”, mas “não há”.
Ainda a mostrar a sua inclinação para a questão europeia nesta altura, o primeiro-ministro fala na importância que já teve para Portugal ter portugueses em lugares cimeiros em Bruxelas. António Guterres assumiu a presidência do Conselho por causa da Presidência portuguesa no primeiro semestre do ano 2000. E mais tarde Durão Barroso foi presidente da Comissão Europeia, a partir de 2004.
Nesse período, acredita o primeiro-ministro, o país percebeu que “se quer ter um peso efetivo na Europa não se pode limitar à dimensão geográfica e populacional que tem. Tem de integrar-se no conjunto dos debates europeus e não aparecer só em Bruxelas para tratar dos seu próprios problemas”. Isto embora durante esta fase da entrevista vá sempre garantindo que já tem um cargo europeu: “Sou membro do Conselho Europeu”. Porque é primeiro-ministro. Será só depois disso que e verá?
Duas garantias, uma promessa e o travão a Zelensky. Entrevista a António Costa