A turbulência causada pela demissão recente na liderança da federação do PS na Área Urbana de Lisboa ainda não serenou. Depois da saída de Ricardo Leão, que envolveu um artigo de opinião vindo de Bruxelas e um bater de porta da líder parlamentar do PS na FAUL, os socialistas do distrito prosseguem numa digestão difícil do caso e com a solução para a sucessão em aberto. As candidaturas multiplicam-se, mas na estrutura federativa há uma tentativa para consensualizar um nome que possa conseguir unir alguns dos que já manifestaram disponibilidade para avançar, evitando divisões internas a menos de um ano de autárquicas.
Para este sábado foi marcado um jantar que junta presidentes de concelhias e presidentes de Câmara do PS na Área Urbana de Lisboa que, ao que apurou o Observador, terá como um dos promotores o presidente da Comissão Política da FAUL (que também é secretário nacional do PS), Marcos Perestrello. A iniciativa está a ser vista entre os convocados como uma tentativa de consensualizar uma candidatura que não torne o processo para a eleição do presidente da federação um problema interno de ajuste de contas. “Não podemos permitir uma guerra interna a um ano de autárquicas”, comenta com o Observador um dirigente concelhio do partido.
Na FAUL há um grupo de concelhias que é decisivo (pelo peso eleitoral) e que tem sido coeso desde que Marcos Perestrello se candidatou contra Joaquim Raposo, em 2010, e que junta Lisboa, Loures, Odivelas, Amadora, Vila Franca de Xira e Arruda dos Vinhos. A expectativa é que este entendimento possa manter-se, quando, neste momento, dentro deste grupo, “há perspetivas diferentes entre o perfil que faz mais sentido e o que é necessário agora” na FAUL, explica ao Observador uma fonte conhecedora do processo.
“A situação ainda não está estabilizada“, aponta outro dirigente socialista, que considera que “era desejável não haver três ou quatro candidatos e que a situação estabilizasse o mais rápido possível” por causa da preparação das autárquicas. Os dois nomes preferidos por esta frente são o de Pedro Pinto de Jesus (que já se mostrou disponível) e o de Carla Tavares. Nesta altura, ambos estão a ponderar o que fazer e, em princípio, se um avançar, o outro apoia e não avança com candidatura. O tema está a ocupar e muito os socialistas na federação.
Na última quarta-feira, na reunião da comissão política federativa, houve alguns dirigentes concelhios que expressaram o seu apoio a Pedro Pinto, casos de Odivelas e Mafra, por exemplo — um posicionamento que “caiu mal” junto de alguns dirigentes que acharam que aquele não era o momento para isso. As peças movem-se com cautela para evitar divisões, sobretudo quando já são tantos os nomes em jogo.
Quem é quem na corrida à FAUL
Carla Tavares é eurodeputada socialista, foi presidente da Câmara da Amadora nos últimos onze anos (e já era vice desde 2002) e foi também presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa. Faz parte da direção do PS e tem estado a ser pressionada para avançar pela “experiência política que tem”, contam ao Observador várias fontes do partido. “Não está completamente retirada de parte”, garante um dirigente que está convencido de que “no fim haverá dois candidatos: Miguel Prata Roque e outro”.
Há alguns problemas na candidatura de Carla Tavares. O primeiro é a disponibilidade da própria que está em Bruxelas desde junho passado, depois de ter sido eleita eurodeputada. Na frente que a quer trazer para a liderança da FAUL comenta-se que outros já foram líderes distritais e eurodeputados ao mesmo tempo, como Manuel Pizarro ou Francisco Assis. Mas mesmo no grupo de concelhias favoráveis a uma solução consensualizada há quem avise para os riscos de uma liderança “a partir de Bruxelas“.
Carla Tavares não hostilizaria a candidatura de Pedro Pinto de Jesus, que, por sua vez, já se mostrou disponível e tem vontade de liderar a FAUL. O socialista tem sido uma espécie de bombeiro de serviço nos últimos tempos — ficou como líder interino quando saiu Duarte Cordeiro e fê-lo outra vez agora com a saída de Ricardo Leão. Posto isto, ou avança um ou o outro, e “o que não avançar apoiará o outro”, garante um dirigente socialista ao Observador.
“Pedro Pinto conhece melhor a FAUL; a Carla, sendo eurodeputada, tem de fazer um esforço maior”, compara o mesmo socialista em conversa com o Observador. Neste momento, “não há consenso” sobre qual dos dois perfis mais se ajusta ao mandato que a federação tem. “Não há consenso sobre se maior experiência é [um fator] determinante ou não”, esclarece a mesma fonte. A questão está entre “a vontade de olhar para a FAUL de maneira diferente de fazer política [Carla Tavares], ou apenas como uma estrutura agilizadora [Pedro Pinto]”, sintetiza outro dirigente.
Entretanto, na reunião da comissão política da FAUL desta quarta feira, houve mais um nome a posicionar-se para a corrida: Filipe Costa. O ex-presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) revelou estar a ponderar candidatar-se e ao Observador explica as razões: “É urgente começar a tratar das autárquicas”.
Foi apoiante de José Luís Carneiro nas últimas diretas, garante que não se candidata “contra ninguém”, mas antes porque sente que o partido precisa de “uma federação representativa internamente, mas também virada para o exterior”. “É urgente que o PS defina política de coligações para Lisboa, Cascais e Oeiras e é urgente haver coordenação com a federação distrital de Setúbal”, afirma Filipe Costa.
Quanto ao problema que uma multiplicidade de candidaturas pode representar para esse mesmo processo, Filipe Costa diz que isso é “sinal de vitalidade da democracia interna”, rejeitando que isso seja um problema para o partido. No PS, sugere-se que “maior proximidade entre este socialista e Carla Tavares” pode resultar na desistência da candidatura; em alternativa, se Pedro Pinto se mantiver na corrida, Filipe Costa “pode sentir a tentação de avançar”, nota a mesma fonte.
Miguel Prata Roque, um nome que vem de fora da federação, terá mais dificuldades ao nível da congregação de apoios. Diz avançar por um “partido mais aberto ao exterior” e embora seja apontado por alguns dirigentes do PS em Lisboa como um nome próximo de Alexandra Leitão, sabe que não contará com o seu apoio — pelo menos público. A socialista que mais criticou Ricardo Leão, saindo até da comissão política da FAUL, não deverá tomar posição nesta corrida, segundo apurou o Observador.
O socialista, que já foi secretário de Estado e é comentador da SIC Notícias, já teve uma vitória com a marcação de eleições apenas para 10 de janeiro, quando chegou a existir uma proposta para que se realizassem a meio de dezembro. “Apesar de ter havido uma proposta inicial de eleições a 13 de dezembro, expliquei que era essencial para debater propostas e mobilizar os militantes e a data de 10 de janeiro permite isso”, diz Prata Roque ao Observador.
Ainda assim, o antigo secretário de Estado não conseguiu o que queria quanto ao congresso da FAUL, já que as eleições serão apenas para o cargo de presidente — já aconteceu, no passado, na federação distrital de Coimbra, e o assunto até foi levado ao Tribunal Constitucional, que validou essa modalidade. “A minha candidatura manifestou preferência por congresso“, admite Miguel Prata Roque, referindo, no entanto, que mantém “o compromisso” para a relização de “uma assembleia geral de militantes em fevereiro para debater nova orientação estratégia e aprovar uma Carta de Orientação de Políticas Metropolitanas e Autárquica”.
Prata Roque admite recandidatura de Leão a Loures: “Não me oporei”
Não haver congresso não é uma simples tecnicalidade, já que sem ele o que acontece é que a comissão política federativa se mantém a mesma. No caso de Prata Roque vencer, seria especialmente complexo, tendo em conta que ficaria com a comissão política eleita no congresso da federação de outubro passado sob proposta do então líder Ricardo Leão.
Ora, Prata Roque foi um dos socialistas que manteve alta pressão contra o autarca de Loures nas polémicas declarações sobre os despejos de inquilinos de habitação municipal, caso tivessem estado envolvidos nos tumultos do final de outubro. E essa comissão política está a digerir com dificuldade o que se passou nas últimas semanas, com algumas vozes a mostrarem isso mesmo na reunião de quarta-feira. Ricardo Lima, presidente da concelhia de Loures e deputado, foi um deles e numa intervenção dura e a começar por dentro do próprio partido.
“Quem amplificou a polémica em torno do que aconteceu em Loures, foram esses militantes do PS, essa minoria, ao ostracizar as ideias e as propostas do Chega, ao invés de contribuírem para as esvaziar. São esses depois, também, que ficam surpresos com o crescimento da extrema-direita populista, quando, contribuíram por inação, também, para esse crescimento”, afirmou na reunião. “O empolamento descontextualizado das palavras do Ricardo Leão, em particular pela líder parlamentar do PS na Assembleia da República e depois pelo nosso ex-secretário-geral, foram difíceis de compreender e aceitar”, disse ainda na mesma intervenção.
Se Prata Roque vencer, já sabe que contará com Leão como recandidata a uma das câmaras mais populosas da área urbana de Lisboa. O socialista admite que seguirá as recomendações definidas pelas liderança de Pedro Nuno Santos. “Há uma orientação da direção nacional de que os candidatos em exercícios sejam recandidatos se assim entenderem”, responde ao Observador, refugiando-se na “competência das concelhias para escolher” os candidatos autárquicos. Mas com ele, que tanto criticou o autarca, Ricardo Leão seria o candidato do PS a Loures? “Se a concelhia de Loures entender que é a pessoa mais adequada, não me oporei”, remata.