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BRYAN R. SMITH/AFP/Getty Images

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Quais são as tácticas da resistência anti-Trump?

Alguns nunca tinham protestado nas ruas; outros estão mais activos do que nunca. Quem são e como se organizam os opositores mais ruidosos de Donald Trump?

Ao longo das suas vidas, Danielle Muscato e Peter Bianco pouco ou nada tiveram em comum além de serem cidadãos americanos e de terem apelidos de origem italiana. Aos 32 anos, Danielle é já uma ativista com experiência, dedicando-se, a partir do estado do Missouri, a causas como a igualdade racial, a defesa dos direitos LGBT e também a sensibilização para o ateísmo. Peter, por sua vez, aos 57 anos não se lembra de ter sido outra coisa além de um cidadão sereno, pouco dado a exaltações políticas. Até agora, a sua assinatura não ia para além dos cheques e faturas da sua empresa de produtos e instrumentos médicos, sediada em Rochester, no estado de Nova Iorque.

Com Donald Trump, enfim, os seus destinos juntaram-se. Não é que Danielle e Peter se tenham conhecido pessoalmente ou sequer trocado algumas palavras online. O que os une agora é que fazem parte de um movimento informal, sobretudo difuso mas cada vez mais amplo e que ainda está em fase de auto-definição. Para já, há apenas duas certezas:

  • A primeira, é a de que o movimento, por mais disperso que seja, responde pelo nome de “A Resistência” — sendo que muitos dos seus membros se referem a ele arranhando, em francês, a palavra résistance, tal qual aquela que foi usada pelos que resistiram ao domínio nazi e pétainista em França durante a Segunda Guerra Mundial;
  • A segunda certeza é mais evidente: Donald Trump é um alvo a abater.

Peter ainda é novo nisto. “Ainda não sei bem o que fazer, mas estou disposto a aprender e a agir”, diz ao Observador, por telefone. “De uma maneira ou de outra, temos de parar este tipo”, garante. Por “este tipo”, entenda-se Donald Trump.

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Politicamente, Peter define-se como um “republicano moderado”, mas ultimamente tem prescindido da primeira parte daquele termo. “Já ninguém sabe bem o que raio é um republicano”, suspira. Nunca gostou de Donald Trump e, para explicá-lo, conta a história da sua família. “Durante a Segunda Guerra Mundial, o meu pai foi cirurgião na Marinha e os meus tios foram soldados. Puseram todos a vida em risco em nome deste país e são imigrantes. Eles vieram todos para os EUA da Itália, em 1903”, diz. “Tudo o que Donald Trump defende é contra nós. É um ataque dirigido contra nós e um insulto.”

"Durante a Segunda Guerra Mundial, o meu pai foi cirurgião na Marinha e os meus tios foram soldados. Puseram todos a vida em risco em nome deste país e são imigrantes. Eles vieram todos para os EUA da Itália, em 1903. Tudo o que Donald Trump defende é contra nós. É um ataque dirigido contra nós e um insulto."
Peter Bianco, empresário

Assim, a sua oposição a Donald Trump foi crescendo de forma gradual. O que mais lhe custou foi ver a aproximação de Donald Trump à Rússia de Vladimir Putin nos seus discursos e também o alegado ataque informático de Moscovo contra o Partido Democrata e a campanha de Hillary Clinton. “Eu vivi durante a Guerra Fria”, sublinha. “Se há coisa que eu guardo desses dias é que os russos não são nossos amigos.”

O desagrado de Peter perante Donald Trump atingiu um ponto “insuportável” a 20 de janeiro, pelo meio-dia, quando Donald Trump fez o seu discurso de tomada de posse. “Tudo o que ele disse validou os meus medos em relação a ele e sobre a direção abominável para onde ele quer levar o país”, disse. Depois, no dia seguinte, Washington D.C. e outras cidades dos EUA (e também do mundo) foram palco de manifestações contra Donald Trump. Foi a Marcha das Mulheres e, para Peter, que assistiu a tudo pela televisão, foi um “momento aaah-ha!”.

Quando a esquerda tem algo a aprender com o Tea Party

O ativismo de Peter começou no Twitter. Na verdade, era mais consumidor do que produtor, lendo vorazmente todo o tipo de informações que lhe passavam pela frente. No meio de tudo o que por lá encontrou (incluindo uma acusação de os manifestantes da Marcha das Mulheres serem pagos pelo milionário George Soros que o enfureceu particularmente), deu de caras com uma nova iniciativa: o Indivisible Guide.

Fundado por cinco antigos funcionários de congressistas democratas — e que, por isso, conhecem os meandros da política norte-americana —, esta iniciativa consiste num guia de 27 páginas onde cada cidadão pode aprender a exercer pressão sobre os representantes em Washington D.C., independentemente do seu partido. A inspiração, além de óbvia, é assumida: o movimento Tea Party. Isso mesmo, o movimento que surgiu dentro do Partido Republicano e que, a partir de 2009, conseguiu transformar a retórica daquela força política, puxando-o cada vez mais para a direita por oposição a um Presidente que consideravam ser radicalmente liberal nos costumes e demasiado estatista na economia. Em suma, um pilar essencial para a subida de Donald Trump ao mainstream da política norte-americana e, mais à frente, à Casa Branca.

"Juntos, nós temos o poder para resistir e temos o poder para ganhar. Nós sabemos isto porque já o vimos a acontecer (...). Nós vimos estes ativistas a atacarem um presidente popular com um mandato para criar uma mudança e uma super-maioria no Congresso. Nós vimos como eles se organizaram localmente e convenceram os seus congressistas a rejeitarem a agenda do Presidente Obama."
Excerto do Indivisible Guide

“Juntos, nós temos o poder para resistir e temos o poder para ganhar. Nós sabemos isto porque já o vimos a acontecer”, lê-se na introdução do guia desta iniciativa. “Nós vimos estes ativistas a atacarem um presidente popular com um mandato para criar uma mudança e uma super-maioria no Congresso. Nós vimos como eles se organizaram a nível local e convenceram os seus congressistas a rejeitarem a agenda do Presidente Obama.”

Da mesma forma que o Tea Party levou os seus apoiantes de base a tomar controlo de reuniões com representantes locais, agora o Indivisible Guide quer fazer o mesmo. Idem para as manifestações constantes, por menor que seja a sua dimensão. Idem para as cartas enviadas aos congressistas. Idem para os telefonemas que entopem as linhas de telefone em Washington D.C. e enchem as caixas de voice-mail. Tudo isto já foi feito, por isso escapam poucos pormenores ao guia.

Por exemplo, nas reuniões com representantes políticos, o Indivisible Guide diz aos ativistas para se juntarem antes do encontro no parque de estacionamento, onde devem combinar as perguntas que querem fazer durante a sessão. Já dentro da sala, devem sentar-se “em grupos de dois” um pouco por toda a sala, mas sem estarem muito juntos. “Isto vai ajudar a reforçar a impressão de um consenso alargado”, explica o guia. Quando chegar a altura de fazer perguntas, os ativistas devem “parecer simpáticos ou neutros”, para que a equipa do deputado lhes dê o microfone — e, como tal, levar um cartaz é uma má ideia porque pode afugentá-los. E, feita a pergunta, fica esta dica importante: “Não abram mão do microfone enquanto não estiverem satisfeitos com a resposta”. Enquanto isso não acontecer, “os outros membros do grupo em toda a sala devem fazer barulho, tanto apupando o congressista ou a aplaudirem” quem faz a pergunta.

Já ao telefone, a simplicidade é a melhor arma. “Você e o seu grupo devem combinar para ligarem todos sobre um determinado assunto num dia específico”, aconselha o Indivisible Guide. “A pergunta deve ser sobre um assunto que está na ordem do dia, como uma votação que está perto de acontecer.” Este gesto deve ser repetido “no dia ou na semana seguinte”, com um novo tema. Sempre que possível, o ativista deve tentar falar com as pessoas que estão mais acima na hierarquia ou com as que tratam diretamente do tema da questão — imigração, saúde, educação, etc.. “Geralmente, o funcionário que atende o telefone será um estagiário, um assistente ou uma pessoa com muito pouca experiência no gabinete daquele congressista”, adverte o guia. Para chegar a pessoas com maiores responsabilidades, devem perguntar-lhes o nome, endereço de e-mail e pedir para falar com eles ao telefone. Mesmo que não tenham resposta, sempre lhes podem entupir a caixa de entrada e o voice-mail.

O Indivisible Guide inspira-se nos métodos do Tea Party, que transformou a política à direita nos EUA nos primeiros anos de Barack Obama

Brendan Smialowski/Getty Images

“Só quem não trabalhou no Congresso no verão de 2009 é que não tem ideia do volume de chamadas [que chegavam]”, disse Sarah Dohl, uma das fundadores do Indivisible Guide, ao The Guardian, que na altura fazia parte da equipa de comunicação do congressista democrata Lloyd Doggett, do Texas. As chamadas de partidários do Tea Party caíam em cascata — e isso, no mínimo, deixou-os atrapalhados. “Uma pessoa tenta fazer o seu trabalho normal de todos os dias — briefings, [escrever] discursos — e é forçada a atender estas chamadas e responder a e-mails e a escrever cartas”, recorda. “É por isso que o Tea Party teve tanto sucesso: praticamente travou a produção de leis federais.”

Para levar tudo isto avante com Donald Trump, o Indivisible Guide prevê ser tão inflexível com ele quanto o Tea Party foi com Barack Obama — e, em vez de procurarem ser construtivos no debate, querem destruir todas as propostas ou políticas que tenham a mínima sombra do atual Presidente e das suas ideias. “Ao mesmo tempo que os ativistas do Tea Party estavam unidos por um núcleo duro de ideais partilhados, eles evitavam ativamente desenvolverem qualquer agenda política”, recordam naquele guia. “Em vez disso, eles tinham uma extraordinária clareza nos seus propósitos, que era a oposição ao Presidente Obama. Eles não aceitavam nenhuma concessão e tratavam os republicanos fracos como traidores.”

“Quando se carrega no retweet, é quase catártico!”

Peter leu o documento do Indivisible Guide de uma assentada. “Quando vi o documento na internet fiquei vidrado”, recorda. “Pensei logo: ‘ora aqui está algo que é estruturado, uma coisa que realmente explica o que é a árdua tarefa da democracia’.” Após uma breve pesquisa online, viu que já existia um grupo do Indivisible Guide no seu distrito eleitoral, em Rochester. Entrou em contacto com eles e, agora, é responsável pela gestão da conta de Twitter daquele grupo.

“Quando se carrega no retweet, é quase catártico!”, diz ao Observador, referindo-se à função que permite a partilha de tweets escritos por outras pessoas.

Este entusiasmo — ou, noutros termos, militância — também já é visível na postura dos vários senadores democratas.

Um exemplo disso foi o processo de confirmação de Betsy DeVos, o nome escolhido por Donald Trump para liderar a política de educação nos próximos quatro anos. A oposição dos democratas, que alegavam que Betsy DeVos não tinha nem o perfil nem a experiência para o cargo, levou a que, pela primeira vez, a votação tivesse de ser desempatada pelo voto do vice-Presidente, Mike Pence, que é também presidente do Senado.

Outro foi a confirmação de Jeff Sessions, igualmente demorada, obrigando o Governo de Donald Trump a funcionar com um procurador-geral interino — isto depois de o Presidente dos EUA ter demitido a procuradora-geral interina que desafiou a ordem executiva para o fecho das fronteiras a refugiados e a cidadãos de sete países de maioria muçulmana. No processo de confirmação, vários senadores democratas puseram em causa o seu passado relativamente aos direitos civis dos afro-americanos, nomeadamente quando foi procurador no estado sulista do Alabama.

Na penúltima sessão, a senadora democrata Elizabeth Warren leu uma carta escrita em 1986 pela viúva de Martin Luther King Jr., onde esta dizia que Jeff Sessions tinha usado “o enorme poder do seu cargo para impedir os cidadãos negros do livre exercício do voto”. Esse gesto valeu-lhe uma expulsão da câmara, patrocinada pelo líder dos republicanos no senado, Mitch McConnell, por ter “impugnado as motivações e a conduta” de Jeff Sessions, também ele senador. “Ela foi avisada, ela recebeu uma explicação. Mesmo assim, ela persistiu”, queixou-se o líder dos republicanos no Senado. No dia seguinte, Jeff Sessions foi aprovado para ser procurador-geral.

"Há algum tempo que tenho algumas discussões cordiais sobre política com um cliente meu que votou no Trump. Mas não lhe posso estar a dizer que nas horas vagas sou um radical ativista anti-Trump."
Peter Bianco, empresário

Do outro lado da linha telefónica, Peter fala com um entusiasmo notório. Porém, não é esta a postura que adota diariamente quando o tema é política. Muitos dos seus clientes são republicanos e votaram em Donald Trump — e, como tal, atendendo ao clima de tensão política vivido nos EUA, costuma conter-se. “Há algum tempo que tenho algumas discussões cordiais sobre política com um cliente meu que votou no Trump”, diz. “Mas não lhe posso estar a dizer que nas horas vagas sou um radical ativista anti-Trump”, explica, ironicamente.

Também na sua família, explica, há ainda reservas em falar sobre Donald Trump. Um cunhado e a mulher dele votaram no 45.º Presidente dos EUA. “Eles odiavam a Hillary Clinton, diziam que era corrupta, que era o diabo com saias, que era horrível. Para eles só dava Trump, Trump, Trump!”, conta. Porém, nos sucessivos jantares de família que se seguiram às eleições, tem reparado que ambos têm vindo a defender o Presidente dos EUA com menos entusiasmo. “Aos poucos, noto que eles se arrependem da sua escolha”, diz. “Para já, não lhes vou dizer nada, até porque a minha mulher me pede encarecidamente para não me meter com eles.”

Peter acredita que, aos poucos, o “centro moderado”, onde ele insiste em colocar-se, vai insurgir-se contra Donald Trump mais cedo ou mais tarde. A Marcha das Mulheres — que, juntando todas os desfiles que decorreram em várias cidades para além de Washington D.C., pode ter sido a maior manifestação de sempre nos EUA — marcou para este empresário um ponto de viragem. “Acabou-se a complacência e a apatia”, diz. E, depois, repete uma frase que foi ouvida vezes sem conta nos círculos mais à direita dos EUA, desde o Tea Party até Donald Trump: “As pessoas querem o seu país de volta”. Isto mesmo, quando Donald Trump não conta nem três semanas no poder.

Ensinar aos outros o bê-á-bá do ativismo

“Até Barack Obama, todos os presidentes tinham um interesse genuíno, enquanto representantes políticos, de governar de acordo com a vontade da maioria das pessoas, mais que não fosse para manter as taxas de aprovação altas”, diz ao Observador Danielle, numa entrevista por Skype. “O nosso Governo agora é o completo oposto disto. Estão mais interessados em atirar-nos areia para os olhos e a obrigar-nos a sermos ignorantes e obedientes.”

Danielle levou algum tempo até aceitar o facto de Donald Trump ser o 45.º Presidente dos EUA, em vez de Hillary Clinton, por quem fez campanha depois de ter estado a favor de Bernie Sanders. Na verdade, ainda não se habituou muito bem. “Acho que isto vai levar bastante tempo para todos processarmos bem o que temos pela frente”, diz. Mesmo assim, Danielle achou que esta era uma boa altura para, mais do que nunca, arregaçar as mangas e vestir o fato de ativista. Por isso, no dia 17 de fevereiro, lançou um podcast. À falta de um nome mais criativo, chamou-lhe The Resist Podcast.

Danielle Muscato (à esquerda) criou um podcast onde vai entrevistar vários ativistas. Um deles, é Margaret L. Huang (à direita), diretora executiva da Amnistia Internacional dos EUA

A ideia de Danielle, que foi porta-voz da American Atheists, foi a de partilhar os seus conhecimentos e também o dos seus entrevistados sobre como fazer ativismo a favor de uma causa ou contra algo ou alguém. “O meu foco é dizer quais são os passos concretos que as pessoas podem dar para lutar contra Donald Trump, contra o fascismo, contra a supremacia branca…”, diz, perdendo-se na enumeração de rótulos que cola sem hesitação ao novo Governo norte-americano. Entre os seus entrevistados, está Margaret L. Huang, diretora executiva da Amnistia Internacional dos EUA. “É uma espécie de tutorial”, resume Danielle, como se estivesse a pensar em Peter e em tantos outros que agora chegaram ao admirável mundo novo do ativismo.

“O importante agora é ensinar formas de combate às pessoas que têm os recursos, o tempo e o interesse para se envolverem no movimento contra Trump, mas que não sabem exatamente o que fazer ou como começar isso”, explica. “As pessoas que, como eu, têm estado envolvidas no ativismo ao longo dos últimos anos, sentem agora um desespero maior do que nunca para fazer algo e trazer mais pessoas para o nosso lado, porque não basta sermos poucos para enfrentarmos os desafios que hoje temos.”

Para Danielle, o “desespero” também assume proporções pessoais. Depois de ter trabalhado como porta-voz da American Atheists, foi despedida depois de uma restruturação daquela organização, que acreditava já não precisar de alguém para aquele cargo. Corria o mês de maio de 2015 e, desde então, a vida de Danielle — que iniciou este ano o processo de mudança de sexo; antes chamava-se Dave — começou a descambar. À falta de emprego, juntou-se a escassez de dinheiro. Por cima disto, apareceram problemas cardíacos. Hoje, não tem casa. Já viveu no carro e até há pouco tempo, antes de uma amiga a deixar dormir no chão da sala, esteve num albergue para sem-abrigo em St. Louis, no Missouri.

“Basicamente, como barras de proteína na maior parte das minhas refeições”, diz. Para ganhar dinheiro, escreve artigos como freelancer para publicações norte-americanas. Recentemente, chegou a escrever para a Newsweek, onde contou na primeira pessoa a história da sua “tempestade de tweets” contra Donald Trump, que acabou por lhe valer mais de 90 mil novos seguidores no Twitter, por cima dos 10 mil que já tinha.

Hoje, uma das maiores preocupações que Danielle tem em relação a Donald Trump é o desaparecimento do Affordable Care Act, a reforma da política de saúde que aumentou o número de pessoas com acesso a seguro de saúde mas que, ao mesmo tempo, aumentou os preços de uma forma geral. Uma das primeiras ordens executivas de Donald Trump ditou o início da supensão do Affordable Care Act, também conhecido como Obamacare. O objetivo do Presidente dos EUA é substituir esse programa por outro, mas ainda não é claro como pretende fazê-lo nem em que moldes.

Danielle começou a tomar os primeiros medicamentos para bloquearem a testosterona a 9 de janeiro — apenas 11 dias antes de Donald Trump assinar aquela ordem executiva. Toma-os graças ao Obamacare, mas para chegar a esta fase teve de ser acompanhada por uma equipa médica, incluindo um psiquiatra. Porém, devido ao seu problema de coração, diz que não pode tomar hormonas femininas. “Os problemas de coração que tenho não mo permitem”, diz. “Só seria possível se fosse operada ao coração e isso é algo que eu não tenho maneira nenhuma de pagar.”

Atualmente, Danielle tem um rendimento anual de 6 mil dólares (cerca de 5.600 euros), o que a deixa consideravelmente abaixo da linha da pobreza, fixada em 2015 nos 11.880 dólares anuais (11.125 euros). Todos os meses, paga 22 dólares pelo seguro de saúde, ao que se juntam outros 10 para seguro dentário. “Não é o melhor possível, mas também é melhor do que nada no caso de eu ter um acidente grande”, diz. “Mas não chega para aquilo de que eu preciso por ser transexual ou por sofrer do coração.”

Danielle acredita que o seu caso está longe de ser único e sublinha que isto é um problema que afeta muito mais do que aqueles que estão a meio do processo de mudança de sexo. “Isto afeta todos os que beneficiaram desta política e muitos estão em situações bem piores do que a minha”, diz. “A vida deles está em jogo.”

Em dezembro de 2016, Danielle saiu do anonimato quando enviou uma "tempestade de tweets" contra Donald Trump depois de este se queixar de um sketch do Saturday Night Live.

No seu novo podcast, quer dar atenção a questões como esta e “muitas outras”, ao mesmo tempo que se propõe a ensinar aos outros como reagir. “Eu quero que as pessoas pensem: ‘Eu sei que isto é mau, mas agora já sei o que fazer’.”

Que alcance tem o movimento de protesto anti-Trump?

Para Peter, o atual momento de divisão vai desaparecer à medida que o tempo avançar e, com ele, Donald Trump adotar mais medidas controversas — que, na verdade, correspondem de forma geral ao seu programa eleitoral. “Eu não acredito que, no fundo dos seus corações, pessoas como [o vice-Presidente] Mike Pence, [o líder de bancada dos republicanos no Senado] Mitch McConnell ou [o republicano e speaker da Câmara dos Representantes] Paul Ryan não se oponham às coisas que o Donald Trump anda a dizer ou a fazer”, diz. “Nós vamos precisar destes homens para pararem o avanço de Donald Trump. Enquanto eles não fizerem nada, estamos cá nós.”

Este “nós”, porém, é difícil de definir. Nem é líquido que uma crescente oposição a Donald Trump resulte automaticamente num reforço do Partido Democrata, que é hoje uma força política a braços com uma crise de identidade, sem saber ao certo se o caminho é pela esquerda ou se pela direita — lembrando hoje aquilo que se passou com o Partido Trabalhista do Reino Unido após a inesperadamente pesada derrota nas eleições de 2015 ou aquilo que atravessa atualmente o PSOE, em Espanha, após três derrotas eleitorais consecutivas.

Nem sequer é claro se a onda de protestos que agora este “nós” protagoniza um pouco pelas principais cidades do país vai conseguir passar ao resto do país. A dicotomia aqui encerrada — a das grandes cidades, cosmopolitas e democratas por um lado; e a das pequenas cidades e vilas, rurais e republicanos do outro — ainda está para ser verdadeiramente ultrapassada pelo setor anti-Trump. Por maior que seja uma multidão em Nova Iorque ou em Washington D.C., esta dificilmente será representativa da população norte-americana.

Além disso, o estilo dos protestos pode ter também um alcance duvidoso. Em Washington D.C., na Marcha das Mulheres, os cartazes foram a estrela do dia — desde os mais simples e inofensivos até aos mais elaborados e, por vezes, agressivos. Perante alguns destes, que pediam emprestada alguma linguagem de Donald Trump (com destaque para a gravação de 2005 onde ele se gabava de “agarrar” as “mulheres bonitas” pela vagina), havia quem torcesse o nariz. “Você acha bem estar com a sua filha ao mesmo tempo que segura um cartaz a dizer isso?”, perguntou Carl, um manifestante anti-Trump de 75 anos, a uma mulher de meia-idade, conforme contou ao Observador, em plena Marcha das Mulheres, em Wahington D.C.. O cartaz em questão dizia “Fuck that motherfucker!”, com a cara de Donald Trump. “Eu sei que foi ele que começou isto, mas não gosto desta linguagem”, queixou-se o septuagenário.

A 1 de fevereiro, o controverso Milo Yiannopoulos viu uma palestra sua ser cancelada na universidade de Berkeley depois de manifestações violentas contra a sua presença (Elijah Nouvelage/Getty Images)

A animosidade também já foi para lá das palavras. Em protesto contra uma sessão pública de Milo Yiannopoulos na universidade californiana de Berkeley, editor-estrela do site de extrema-direita Breitbart e apoiante de Donald Trump conhecido pelo estilo provocatório, um grupo de manifestantes quis impedi-lo de falar naquela instituição. Ao passo que uns o fizeram sem recurso à violência física, outros escolheram causar distúrbios com a polícia, além de terem partido janelas, lançado pequenos explosivos e engenhos pirotécnicos.

Milo Yiannopoulos não chegou a falar e teve de ser retirado da universidade. No final, acusou a “esquerda de estar absolutamente aterrorizada com a ideia da liberdade de expressão e está disposta a fazer literalmente qualquer coisa para impedi-la”. Donald Trump — a quem Milo Yiannopoulos gosta de dizer que chama de “papá” — saiu em sua defesa no Twitter e atacou a universidade californiana, deixando-lhe uma ameaça: “Se a U.C. Berkeley não permite a liberdade de expressão e age violentamente contra pessoas inocentes com um ponto de vista diferente — ACABA-SE O FINANCIAMENTO PÚBLICO?”.

A definição de “nós” e de quem é a maioria

Para Danielle, o “nós” que usa para descrever a oposição é, apesar do que se possa pensar, uma maioria em relação a uma minoria de eleitores e apoiantes de Donald Trump. Ao todo, são três as partes que compõem essa maioria: os eleitores de Hillary Clinton, é certo, mas também todos os que votaram nos partidos mais pequenos, como o Partido Libertário ou o Partido Verde. “Ele perdeu por 11 milhões de votos”, disse Danielle. Os 11 milhões são, aproximadamente e até por defeito, a diferença de votos entre Donald Trump (62 985 105) e aqueles que foram depositados em todos os outros candidatos (74 113 338).

A Marcha das Mulheres, à qual aderiram várias cidades norte-americanas, pode ter sido a maior manifestação da história dos EUA

Mario Tama/Getty Images

“A minha preocupação é as pessoas que estão contra Trump não se aperceberem de que são uma maioria”, diz. “Mas nós somos uma maioria.”

Danielle agarra-se a estes números para explicar que não está particularmente interessada em encontrar qualquer espécie de meio-termo no seu ativismo para que este possa ser visto com melhores olhos por parte daqueles que votaram em Donald Trump. A Marcha das Mulheres, refere, “não foi isso e ainda bem que não”. “O objetivo não é esse”, explica. “Nas ruas, nós temos os números do nosso lado e isso é para já suficiente.”

"É só o tempo melhorar um bocadinho aqui na América e logo as ruas se encherão de pessoas."
Peter Bianco, empresário

Peter acredita que esses números já são grandes e só têm por onde crescer. “É só o tempo melhorar um bocadinho aqui na América e logo as ruas se encherão de pessoas”, prevê. E, depois, pega nas palavras de Donald Trump, repetindo-as com ironia. “Ele está sempre a falar de ter criado um movimento, diz que o movimento isto, diz que o movimento aquilo… Eu respondo-lhe: ‘Pois é, amigo! Criaste um movimento do caraças e ele agora vai dar cabo de ti!”.

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