910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Qual destes foi o verdadeiro William Shakespeare?

A 23 de abril assinalam-se os 400 anos da morte do autor inglês e muito continua ainda por saber sobre William Shakespeare — quem foi, por onde andou ou com quem se dava. Mas não faltam teorias.

    Índice

    Índice

É uma data redonda que motiva celebrações, eventos especiais, reedições e lançamentos de novos livros. William Shakespeare é recordado em todo o mundo de forma constante, é uma influência permanente na literatura e na dramaturgia e conquistou mesmo o estatuto de figura pop. Há mesmo um site que reúne as homenagens e os eventos a propósito desta efeméride.

Também por tudo isto, é fascinante perceber que passados 400 anos da sua morte (assinalados no dia 23 de abril), Shakespeare continua a ser uma das figuras mais enigmáticas da literatura. Apesar do trabalho de centenas de investigadores que, ao longo dos últimos séculos, procuraram desvendar esse grande mistério chamado Shakespeare, continuamos sem saber grande coisa sobre o que fez (além de ter escrito peças de teatro e sonetos), por onde andou ou com quem se deu. E as hipóteses de alguma vez se vir a descobrir tudo isto são francamente baixas.

Porque a informação é pouca mas o mistério tem tendência para gerar curiosidade, ao longo do tempo foram surgindo várias teorias (umas mais credíveis, outras menos) que procuraram responder de uma vez por todas à grande pergunta: quem foi William Shakespeare?

Um enigma chamado William Shakespeare

Os dados conhecidos (e confirmados) sobre a vida de William Shakespeare são muito poucos. No século XVIII, o historiador George Steevens chegou mesmo a afirmar que tudo o que se sabe a seu respeito se resume a meia dúzia de factos, uma posição que tem vindo a ser repetida desde então: nasceu na cidade inglesa de Stratford-upon-Avon, em Warwickshire, onde se casou com Anne Hathaway, foi viver para Londres, onde se tornou ator e escritor, e nos últimos anos de vida regressou à terra natal, onde fez o testamento e morreu. Um pouco vago para um escritor que deixou uma obra extensa e que, já em vida, era relativamente famoso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sobre os seus primeiros anos de vida em Stratford-upon-Avon, sabe-se apenas que foi batizado a 26 de abril de 1564 e que era filho de um tal John Shakespeare (sobre o qual também não existem muitas certezas), um homem conhecido e respeitado na sua localidade e que terá ocupado vários cargos municipais. A sua mãe era Mary Arden, filha de um lavrador e oriunda de um ramo colateral de uma família importante. Em relação à sua data de nascimento, esta permanece ainda hoje uma incógnita. Apesar de se ter estabelecido 23 de abril como o dia do seu aniversário (dia de São Jorge e dia nacional de Inglaterra), a data resulta de uma mera convenção.

Os estudos foram feitos em Startford-upon Avon, possivelmente na escola secundária King’s New School, onde estudou matemática, história, geografia, latim e grego. Sobre o início da idade adulta, sabe-se apenas que casou no final de novembro de 1582 com Anne Hathaway, de Temple Grafton, uma localidade próxima. Sobre ela, também pouco se sabe (alguns até questionam se o seu nome era mesmo Anne), a não ser que foi mãe de três filhos de Shakespeare — Susanna, Judith e Hamnet.

William Shakespeare está sepultado na Holy Trinity Church, na sua terra natal, Startford-upon-Avon

Getty Images

A partir daí, a vida de Shakespeare torna-se uma incógnita. Entre 1585 e 1592 desaparece por completo, até que surge já em Londres (acredita-se que tenha chegado à capital inglesa em 1580), onde trabalhou como ator e autor. Morreu a 23 de abril de 1616, há exatamente 400 anos, em Stratford-upon-Avon. Os seus bens foram repartidos em testamento por amigos e familiares. À sua mulher deixou apenas “a segunda melhor cama, com a guarnição”.

À inexistência de dados biográficos, juntam-se ainda outras dúvidas. Por exemplo, não se sabe qual era a verdadeira aparência de William Shakespeare. Até aos nossos dias, chegaram apenas três retratos originais, a partir dos quais todos os outros foram feitos — o chamado Retrato de Chandos, que se encontra atualmente na National Portrait Gallery, em Londres, a gravura de cobre que aparece na folha de rosto do First Folio (a primeira edição das peças do escritor, publicada em 1623), feita pelo gravador Martin Droeshout já depois da morte do autor, e a estátua pintada que se encontra no monumento ao autor na Holy Trinity Church, em Stratford-upon-Avon. Esta última já foi alvo de tantos restauros que se desconhece qual era o seu aspeto original. Mark Twain descreveu a estátua de Shakespeare da Holy Trinity Church como um indivíduo com “a profunda e subtil expressão de uma bexiga”.

O mais surpreendente de tudo é que, como refere Bill Bryson, escritor, investigador, historiador e autor de Shakespeare: O mundo, um palco, reeditado este mês pela editora Bertrand, “conhecemos de imediato uma imagem de Shakespeare assim que a vemos, mas no entanto ninguém sabe como é que ele realmente era”.

Não se sabe qual era a verdadeira aparência de William Shakespeare. Até aos nossos dias, chegaram apenas três retratos originais, a partir dos quais todos os outros foram feitos.

Outra coisa que ainda está por descobrir é a maneira certa de escrever o seu nome porque, ao que parece, nem ele próprio sabia. Nas seis assinaturas que se conhecem, o seu nome aparece sempre escrito como “Willm Shaksp”, “William Shakespe”, “Wm Shakspe”, “William Shakspere”, “Willm Shakspere” e ainda como “William Shakspeare”, um reflexo da instabilidade da grafia do seu tempo. Curiosamente, nenhuma das variantes usadas por Shakespeare corresponde à que acabou por se tornar popular (nem corresponde à que foi adotada pela primeira edição do Oxford English Dictionary, que optou por “Shakspere”).

À procura de uma resposta

A falta de informação sobre Shakespeare levou a que, nos últimos dois séculos, muitos estudiosos defendessem a tese de que as peças do dramaturgo inglês não teriam sido escritas por ele. De acordo com Bill Bryson, o número de livros publicados que insistem neste ponto é superior a cinco mil (e, por este altura, o número deve ser muito superior, uma vez que a biografia de Bryson foi originalmente publicada em 2007).

De um modo geral, os argumentos têm-se baseado no facto de as peças de Shakespeare relevarem um número demasiado elevado e variado de conhecimentos, que vão desde o direto à medicina, passando pela vida na corte e pelos assuntos militares. Por esse motivo, muitos acreditam que é impossível que as obras tenham sido escritas por uma só pessoa e, ainda por cima, um provinciano com pouca instrução (que, na verdade, não era assim tão pouca quanto isso).

Isso levou a que muitos autores afirmassem que William Shakespeare não passaria de um simpático ator que terá emprestado o seu nome a outra pessoa que, por algum motivo, não podia ser identificada publicamente. As teorias são imensas, e vão das mais absurdas às mais elaboradas. Alguns acreditam que Shakespeare terá sido Edward de Vere, 17º conde de Oxford, outros Walter Raleigh ou o também poeta John Donne. Há até quem tenha defendido que Shakespeare era a rainha Isabel I disfarçada, usando como prova a famosa gravura de Droeshout.

Apesar das dúvidas que existem sobre a autoria das peças de Shakespeare, a questão só veio à baila em meados do século XIX. Até aí, nunca ninguém tinha posto em causa a genialidade do dramaturgo inglês. Como frisou Jonathan Bate, especialista em Shakespeare, ninguém “durante a vida de Shakespeare ou no decurso dos primeiros duzentos anos após a sua morte levantou a mais pequena dúvida quanto à sua autoria”.

Há quem pense que a rainha Isabel I, que governou Inglaterra no tempo de Shakespeare, terá sido a verdadeira autora das peças do dramaturgo

AFP/Getty Images

Então, como é que começaram a surgir as primeiras dúvidas? Tudo se deve a Delia Bacon, uma norte-americana nascida em 1812 e proveniente de uma família pobre e numerosa do Ohio. Dizem os relatos da época que Delia era muito inteligente e, ao que parece, também muito bonita. Mas o que tinha em elegância e sabedoria faltava-lhe em estabilidade emocional.

A teoria Francis Bacon

Por razões que se desconhecem, a certa altura, Delia começou a convencer-se de que o autor de Romeu e Julieta não era Shakespeare, mas Francis Bacon. A ideia, como refere Bill Bryson, não era propriamente nova. Em 1785, James Wilmot, vigário provincial de Warwickshire, em Inglaterra, afirmou ter dúvidas quanto à autenticidade das obras do autor. Porém, essas dúvidas só vieram a público em 1932, acreditando-se, por isso, que as convicções de Delia seriam genuínas (e tiradas da sua própria cabeça).

Em 1852, com a ajuda de alguns patronos, Delia Bacon decidiu embarcar numa viagem em busca do Francis Bacon que existia em Shakespeare. Passou quatro longos anos em Inglaterra sem, porém, tentar obter informações junto de museus ou arquivos. Em vez disso, dedicou-se a procurar locais onde Bacon tinha estado e a “absorver” os ambientes. E tudo isto sem nunca trocar uma palavra com ninguém, sem nunca pedir uma opinião.

A hipótese de Bacon chegou a ser defendida por escritores como Mark Twain e Henry James, que acreditavam que as peças do dramaturgo encerravam códigos secretos.

O resultado das suas “pesquisas”, um livro de 675 páginas chamado The Philosophy of the Plays of Shakespeare Unfolded, foi publicado cinco anos depois, em 1857. Nele, Delia procurou provar a fraude que era Shakespeare sem, porém, uma única vez o nome de Francis Bacon, deixando para o leitor a tarefa de deduzir que era a ele que se queria referir. De volta ao Ohio, Delia acabou por enlouquecer, passando os últimos anos de vida internada num manicómio. Quando morreu, em 1859, estava convencida de que era o Espírito Santo.

Apesar da falta de fundamentos, a teoria avançada por Delia Bacon acabou por ganhar vários seguidores nos anos que se seguiram. A hipótese de Bacon chegou a ser defendida por escritores como Mark Twain e Henry James, que acreditavam que as peças do dramaturgo encerravam códigos secretos que, uma vez desvendados, revelavam o seu verdadeiro autor — Francis Bacon. Houve até quem chegasse ao ponto de anunciar que o cientista e filósofo não só tinha escrito as peças de Shakespeare, como também as de Christopher Marlowe, de Thomas Kyd, de John Lyly e de Robert Greene, poeta que atacou publicamente Shakespeare num panfleto conhecido por Greene’s Groat’s-Worth.

Mas as obras atribuídas a Bacon não ficam por aqui. Alguns autores acreditavam que o filósofo e cientista também teria escrito The Faerie Queene, o famoso poema de Edmund Spenser dedicado a Isabel I, o livro The Anatomy of Melancholy, uma obra quase académica onde Robert Burton tenta identificar as causas da melancolia, os ensaios do filósofo francês Michel de Montaigne e até a tradução da Bíblia do Rei Jaime.

O mais engraçado é que, ao que parece, Francis Bacon não gostava muito de teatro. Na verdade, detestava-o. Num dos seus ensaios, chegou mesmo a atacá-lo por considerá-lo um passatempo frívolo e superficial.

A teoria de Oxford

As teorias sobre a verdadeira identidade de William Shakespeare não se esgotam com Bacon. Em 1918, J. Thomas Looney, um mestre-escola da localidade de Gateshead, no nordeste de Inglaterra, publicou Shakespeare Identified, um livro em que procurava demonstrar que o verdadeiro autor de Macbeth e Hamlet teria sido Edward de Vere, 17º conde de Oxford. Na base da teoria de Looney estaria a convicção de que Shakespeare não teria os conhecimentos necessários para escrever o que escreveu. Teria de ser alguém com mais instrução e experiência da vida na corte, como de Vere.

A verdade é que, ainda durante a sua vida, Edward de Vere chegou a ganhar alguma fama como poeta e dramaturgo. Porém, os poemas que chegaram até nós (todas as suas peças se perderam) não têm grande qualidade e estão muito longe de chegar do nível dos famosos sonetos de Shakespeare. Além disso, Looney nunca chegou a esclarecer por que motivos o conde de Oxford, conhecido por ter uma vaidade sem limites, escolheu esconder a sua verdadeira identidade. Sobre essa questão, o mestre-escola de Gateshead disse apenas: “Isso, no entanto, é um assunto dele, não nosso”.

Mas a teoria de Vere tem muitos outros problemas. De acordo com Bill Bryson, Edward de Vere morreu em 1604, numa altura em que muitas das peças de Shakespeare estavam ainda por escrever. Acrescente-se que vários dos trabalhos do dramaturgo referem, ou são inspirados, em eventos que aconteceram depois da morte do conde. Um desses acontecimentos é o naufrágio que aconteceu ao largo das Bermudas e que serviu de inspiração a The Tempest, peça que se acredita que tenha sido escrita entre 1610 e 1611. Ou seja, cinco ou seis anos após de Vere ter morrido.

Isso levou muitos defensores do mestre-escola a avançarem com a hipótese de que de Vere teria deixado uma pilha de manuscritos inéditos, que teriam sido publicados em intervalos regulares após a sua morte sob o nome de William Shakespeare. Já as referências posteriores teriam sido acrescentadas por alguém. Resta é saber por quem.

A primeira edição das peças de Shakespeare, o "First Folio", foi editado em 1623, sete anos depois da morte do autor

AFP/Getty Images

Apesar da falta de fundamentos, a teoria de Looney foi ganhando mais e mais adeptos e, atualmente, conta-se até entre as mais populares. Entre os seus defensores incluem-se o escritor Derek Jacobi, Orson Welles e até Sigmund Freud. Este último acabaria por deixar cair por terra a hipótese, substituindo-a por uma nova teoria — a de que Shakespeare seria francês e se chamaria, na verdade, Jacques Pierre.

A teoria Marlowe

Um dos candidatos mais populares à autoria das obras de Shakespeare é Christopher Marlowe. Um dos dramaturgos e poetas ingleses mais importantes do século XVI, Marlowe era apenas dois meses mais velho do que Shakespeare e teria o talento necessário para escrever as obras que lhe são atribuídas. Porém, a teoria tem um problema: Marlowe morreu em 1593, depois de uma rixa em casa de uma viúva, Eleanor Bull. Ou seja, 23 anos antes de Shakespeare.

Aqueles que defendem a teoria de Marlowe acreditam que a sua morte terá sido encenada e que o escritor terá passado os cerca de 20 anos seguintes escondido em Kent, no sul de Inglaterra, ou em Itália sob a proteção de um patrono e eventual amante, Thomas Walsingham. Terá sido durante esse tempo que o autor terá escrito uma boa parte das famosas peças de Shakespeare.

Outras teorias

Uma das teorias mais populares é a de que Shakespeare era demasiado brilhante para ser uma só pessoa e a sua obra demasiado variada e que, por isso, só poderia ser uma “espécie de associação de soberbos talentos”, como refere Bill Bryson. Nesse incluem-se Francis Bacon, a condessa de Pembroke, Philip Sidney e Walter Raleigh — ou seja, quase todos aqueles que, por uma razão ou outra, se acreditam serem os verdadeiros autores da obra shakespeariana.

Entre a lista de possíveis candidatos, encontra-se também Mary Sidney, condessa de Pembroke, o que explicaria a dedicatória aos condes de Pembroke e Montgomery, seus filhos, no "First Folio".

Entre a lista de possíveis candidatos, encontra-se também Mary Sidney, condessa de Pembroke, o que explicaria a dedicatória aos condes de Pembroke e Montgomery, seus filhos, no First Folio. Outro possível Shakespeare é William Stanley, 6º conde de Derby.

De acordo com as contas de Bill Bryson, ao todo, existem mais de 50 candidatos à verdadeira identidade de William Shakespeare. Porém, apesar dos rios de tinta que já se gastaram a tentar provar a existência ou a inexistência do dramaturgo de Stratford-upon-Avon, a questão permanece: quem foi, afinal, William Shakespeare?

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.