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O restaurante do resort vínico L'And Vineyards, com uma estrela conquistada por Miguel Laffan
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O restaurante do resort vínico L'And Vineyards, com uma estrela conquistada por Miguel Laffan

CARLOS VIEIRA

O restaurante do resort vínico L'And Vineyards, com uma estrela conquistada por Miguel Laffan

CARLOS VIEIRA

Quanto custa ter um restaurante com estrela Michelin?

Gastronomia à parte, são precisos milhares de euros para manter um restaurante que conste no Guia Michelin. Porque nas contas finais também entram detalhes como o serviço, a loiça e a decoração.

José Avillez, Miguel Laffan e Benoît Sinthon têm uma coisa em comum: estrelas Michelin e custos Michelin. Muito além de receitas inventadas de raiz e empratamentos originais, há um esforço financeiro que mantém aceso o lume da alta cozinha que, a cada dia que passa, requer tanta ou mais exclusividade quanto a que oferece. Mas não é só de comida que se fala: é preciso um determinado tipo de loiça, serviço e decoração. Afinal, quanto custa manter um restaurante com estrela(s) Michelin?

Estávamos em novembro de 2014 quando a gastronomia portuguesa acordou mais brilhante, com a nova edição do Guia Michelin a premiar 14 restaurantes, num total de 17 estrelas — mais duas do que no ano anterior. Foi o recorde. Uma história com um final ainda mais feliz se pensarmos que José Avillez tornou-se, então, no primeiro chef português com duas estrelas Michelin.

Foram 73 mensagens de felicitações em 40 minutos. Muitas ficaram por abrir, outras tantas por ler. Foi também a primeira reação do mundo exterior quando José Avillez recebeu a dupla distinção em pessoa, no evento de apresentação do guia realizado em Marbella, Espanha. “Devo ter recebido 250 mensagens em três horas”, acrescenta ao Observador, fazendo as contas de cabeça.

O entusiasmo não se ficou por aí: no dia seguinte, a equipa foi recebê-lo ao aeroporto — eram sete da manhã — e seguiram-se entrevistas para canais de televisão, com as habituais estações SIC, RTP e TVI a preencheram um calendário mais ocupado do que o habitual. A 20 de novembro, um dia depois de a notícia estalar, Avillez contou cerca de 200 notícias sobre o assunto só em Portugal. Ele e o Belcanto, o restaurante que reabriu em 2012 pelas suas mãos, eram tema de conversa. E que conversa.

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"Luxo não. Acho que hoje em dia não se aplica. Há restaurantes com três estrelas que não têm toalhas na mesa, que são muito descontraídos. A exclusividade, essa, diria que sim."
Chef José Avillez

“Uma estrela permite crescer à volta de 40%”, conta José Avillez ao Observador. Se numa primeira fase o cliente é mais curioso, o chef atesta que a consolidação da estrela acontece nos meses seguintes, neste caso entre fevereiro e março, altura em que os turistas começam a invadir Lisboa e o guia já se encontra melhor distribuído. A primeira distinção Michelin chegou poucos meses depois de o Belcanto abrir as portas de cara lavada e outros reconhecimentos internacionais se seguiram. E uma coisa é certa: há um ano e meio que está sempre cheio.

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Avillez não quer falar de valores (ao contrário de Miguel Laffan e de Benoît Sinthon). Em vez de números, prefere explicar a estrutura de um restaurante com estrelas Michelin, embora reconheça que não exista uma fórmula única. A dele passa por uma equipa de 25 pessoas, além de dez a 12 estagiários (15 se necessário). São sensivelmente 40 pessoas para trabalhar 40 lugares, num restaurante que fecha à segunda e ao domingo.

Apesar das folgas, no Belcanto trabalham-se 14 a 16 horas por dia e, para que tudo esteja dentro dos conformes, há uma hierarquia estabelecida na cozinha: chef executivo, chef de cozinha, subchef, chef de pastelaria e cozinheiros — além de copeiros e estagiários. “O resto é pessoal de sala”, esclarece o homem que tem a seu cargo seis restaurantes, cinco em Lisboa e um no Porto, referindo ainda o diretor de restaurante, chefe de sala e os empregados de mesa.

Na cozinha, diz, há uma espécie de ditadura militar. “Não se conversa na cozinha. Na altura do serviço é só o chef que fala e quem fala é para responder-lhe de volta”, garante, desfazendo-se, no entanto, de uma ideia de autoritarismo absoluto — à semelhança do que acontece nas cozinhas do programa de televisão Hell’s Kitchen, apresentado pelo escocês Gordon Ramsay.

Falando de comida, a carta do Belcanto aposta numa cozinha portuguesa revisitada que vai variando com frequência. Mas nem por isso Avillez se esquece dos ingredientes mais caros que vai introduzindo nos pratos de assinatura: como a trufa, cujo quilo equivale a uma despesa de quatro mil euros (ainda que só ocupe espaço no menu entre os meses de novembro e fevereiro). Acrescente-se que há pratos que levam dois a três dias a serem preparados e outros que chegam a ter 20 a 25 ingredientes.

Depois das confeções, a preocupação é o empratamento, que está diretamente relacionado com a loiça. Os pratos que fazem parte do louceiro do restaurante são mandados fazer por ceramistas que trabalham diretamente com a equipa do restaurante. Fora isso, recorre-se a marcas muito conhecidas no mercado, como é o caso da Vista Alegre. Apesar disso, o chef não acha que um restaurante Michelin seja sinónimo de luxo: “Luxo não. Acho que hoje em dia não se aplica. Há restaurantes com três estrelas que não têm toalhas na mesa, que são muito descontraídos. A exclusividade, essa, diria que sim.”

Atualmente, no Belcanto o preço médio de refeição anda à volta de 120 euros, sendo que o menu mais caro é 210 euros com vinhos incluídos. E o que é que as pessoas esperam quando vêm a um restaurante com esta conotação? “Acho que esperam ser surpreendidas. É bom superar as expectativas, mas não nos devemos tornar reféns disso. Não se consegue estar sempre a surpreender.”

"A cozinha é o mais importante, mas também se tem em conta a sala, a decoração, o estacionamento e a delicadeza como as coisas são feitas. É o cliente levantar-se para ir à casa de banho e o empregado trocar-lhe o guardanapo sem ele notar."
Chef Miguel Laffan

Miguel Laffan, o homem que pôs o Alentejo no mapa da constelação gastronómica

Ruído e charme, é o que o Guia Michelin trouxe ao restaurante do resort vínico de luxo L’And Vineyards, construído na pacatez de Montemor-o-Novo. “Foi quase uma bomba”, conta Miguel Laffan ao Observador do outro lado da linha do telefone. Refere-se ao efeito Michelin, que fez com que o mundo descobrisse, de repente, um chef, um resort e uma região “fantástica”. Assim que ganhou a primeira estrela — a qual ainda mantém — a faturação começou a crescer. Teve de aumentar a equipa de sala e gerir um pouco melhor as reservas. Se resultou? Miguel Laffan conta que fechou o ano de 2014 com 40% de faturação e que 30% é pura responsabilidade do cunho Michelin.

Conseguir uma estrela tem que se lhe diga, atesta Laffan: “É um conjunto de coisas. Obviamente que a cozinha é o mais importante, mas também se tem em conta a sala, a decoração, o estacionamento e a delicadeza como as coisas são feitas. É o cliente levantar-se para ir à casa de banho e o empregado trocar-lhe o guardanapo sem ele notar.” É um verdadeiro exercício de pormenores que, no final do ano, pode sair caro. Quanto? Cerca de 200 mil euros anuais em comida e vinhos e 220 mil euros, também por ano, em staff. A isso Laffan acrescenta: “Faturei um milhão de euros em 2014 e tive um lucro de 0,5%.” 

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Contam-se 20 pessoas dentro e fora da cozinha governada por Laffan: chef, subchef, chef pasteleiro, chefe de sala, escanção e empregados de mesa, entre outros. São 12 horas de trabalho diário, ainda que se tente fazer horários mais normais — “Acho que os resultados finais têm muito que ver com a frescura da mente das pessoas. E quero atingir os meus objetivos de uma forma honesta e sustentável”, garante o homem que trocou Cascais pelos montados alentejanos.

Nos mais de 200 mil euros anuais entram alguns ingredientes caros. Apesar de Laffan não ter trufas ou caviar com frequência na cozinha que dirige, diz que não se importa de gastar dinheiro em peixe e marisco… servidos no Alentejo. Refere, a título de exemplo, o lagostim, cujo quilo pode custar cerca de 40 euros, sendo que em agosto, altura em que há mais procura, chega a pedir encomendas de 15 quilos semanais.

"Não sei quanto gasto. Abri o restaurante há 17 anos e ponho dinheiro nele todos os anos. Tenho o suficiente para pagar ao banco todos os meses, bem como ao meu staff. Tenho o suficiente para fazer um bom negócio."
Emmanuel Renaut, chef cujo restaurante tem três estrelas

“Haverá negócios mais rentáveis”, confessa Miguel Laffan ao Observador. “Se olhar como um resultado isolado… Mas este tipo de restaurantes existem para credibilizar, para dar estatuto”, esclarece. Laffan queixa-se ainda da taxa de 23% referente ao Iva que, à semelhança de outros negócios no universo da restauração, representa uma fatia pesada nos custos totais. “Enquanto não retificarem esse valor, gastronomicamente falando, este país dificilmente vai muito além. A par do investimento ainda é preciso pagar 23%. É mesmo amor à camisola. E não digo só no L’And”.

Também Emmanuel Renaut, o francês cujo restaurante tem três estrelas Michelin, fala sobre rentabilidade. Ao Observador, o dono do Flocons de Sel, em França, conta que acha que tem um dos melhores restaurantes com estrelas Michelin no que a despesas diz respeito. Mas apesar de usar ingredientes locais e pouco dispendiosos, diz que, em última análise, ganha menos do que se tivesse uma tradicional brasserie. “Não sei quanto gasto. Abri o restaurante há 17 anos e ponho dinheiro nele todos os anos. Tenho o suficiente para pagar ao banco todos os meses, bem como ao meu staff. Tenho o suficiente para fazer um bom negócio.”

De regresso a Portugal, perguntamos se Laffan ambiciona uma segunda estrela. “Era ótimo recebê-la no próximo ano. Se realmente quisesse apressar um pouco, tenho a certeza que ganhava. Mas ia-se gastar um pouco mais de dinheiro e acho que os negócios têm de ser realistas e devem ser construídos com bases sólidas”, responde, metendo  o dedo na ferida: “Tenho a certeza que muitos colegas meus chegariam lá [à estrela Michelin] se tivessem o investimento que eu tive.” O investimento de que fala foi feito pela família Sousa Cunhal, dona do L’And Vineyards, e só a cozinha representou, à data, cerca de 100 mil euros.

Também há estrela na Madeira

“Um restaurante que tem estrela Michelin depende de muita coisa. Da matéria-prima de excelente qualidade e de uma equipa com muita motivação e experiência na área.” Quem o diz é Benoît Sinthon, o francês que trouxe para a ilha da Madeira a primeira e única estrela até ao momento. Falamos do chef executivo do Il Gallo d’Oro, o restaurante sediado no hotel The Cliff Bay que está abençoado pelo brilho Michelin há sete anos.

Sinthon está há dez anos na ilha e ainda hoje procura transformar os ingredientes que lhe chegam às mãos — faz parte da sua assinatura revolucionar o que à partida seria tradicional (como o bolo de caco com tinta de choco). Ao Observador conta que trabalha com produtores próprios e que, volta e meia, faz chegar à ementa raridades gastronómicas — como o bife Wagyu do Japão que, diz o cozinheiro, existe em menos de 1% dos restaurantes em Portugal. “É caro”, afirma, sem revelar valores exatos.

“Quando se ganha a estrela é como uma equipa que joga na segunda divisão e, de repente, passa para a primeira. Logo, tem de se ir buscar jogadores para aí se manter.” A ligação entre comida e futebol tem razão de ser, sobretudo quando o francês reclama que um chef de cozinha é como um treinador de futebol — “Tem de ir buscar os melhores jogadores para rematarem no dia-a-dia.”

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Os remates, ao que consta, têm sido certeiros e contam-se muitos golos, em parte devido à equipa. Quando perguntamos quantas pessoas trabalham na cozinha, Sinthon enumera nomes, em vez de números. Sabe perfeitamente quem é quem e qual a função de cada jogador em campo. E sabe também qual a despesa aí envolvida: considerando 20 pessoas no total (sendo que dez estão na sala), há um gasto de 20 a 25 mil euros mensais. E em comida? Cerca de 15 a 20 mil euros por mês, sem contar com os vinhos, cuja garrafeira tem algumas raridades, não fosse um dos administradores do hotel pertencer à família Blandy’s, como colheitas de 1870 e 1890 cujo copo pode ascender aos 40 euros.

Sinthon fala tanto de pessoas como de comida e explica a importância do serviço no restaurante que gere. No Il Gallo D’Oro a pessoa é atendida, assim que entra, por alguém que dá apoio ao chefe de sala. Ao longo da refeição, há um chefe de turno que controla a velocidade do serviço tendo em conta quanto tempo o cliente demora a comer — o chefe de turno controla, neste caso, dois empregados de mesa e estes, por sua vez, têm cerca de dez clientes debaixo de olho. O restaurante consegue sentar 45 a 50 pessoas.

E uma vez sentado, diz Sinthon, o cliente não tem como não reparar nos detalhes. “Ele vai olhar para os pormenores, o conforto das cadeiras, a toalha que está em cima da mesa e os copos de vinho.” Os copos são das melhores referências no setor, com a marca Riedel incluída, e o mesmo acontece com a loiça: “Trabalhamos com quatro grandes referências de porcelana portuguesa, espanhola, francesa e alemã.”

Detalhes e minúcia podem ser a razão por que o francês repete o feito há sete anos, isto é, mantém a estrela em solo madeirense. A receita de sucesso? O apoio da administração financeira, responde Sinthon sem hesitar. “Porque é preciso injetar dinheiro para acreditar num projeto destes. Ter um grande rigor na escolha do pessoal, bem como na matéria-prima. Todos sabem o que é uma estrela Michelin para poder, todos os dias, estar a 100%”, esclarece. E conclui: “Até hoje tenho uma administração que acredita muito no meu trabalho.”

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