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Uma mesa com dois bolos de aniversário e vários doces. No fundo, um retrato do aniversariante, rodeado de duas metralhadoras e as palavras “plata” e “plomo” e vários balões coloridos. No centro, José Adolfo Macías, mais conhecido por Fito. Era ele o aniversariante naquele dia de novembro de 2021, mas a fotografia não foi tirada na sua casa — foi tirada na prisão onde estava à altura, a Regional, em Guayaquil (Equador). “Fito”, porém, já era um dos mais poderosos narcotraficantes do país e controlava a vida naquela prisão, razão pela qual podia fazer uma festa de aniversário à altura.
Cómo que Fito tiene un escudo de Laliguita en su mural JAJAJAJAAJ pic.twitter.com/94tqtHsFjd
— Jhony???????? (@JAndres1616) November 13, 2021
Mais de dois anos depois, o paradeiro de Fito é incerto. Nas últimas semanas, conseguiu evadir-se da prisão e lançar o caos no Equador, com o seu gangue — Los Choneros — e outros a lançarem uma onda de violência por todo o país. O Presidente, Daniel Noboa, decretou o “estado de conflito interno” e enviou os militares para as ruas. Centenas de membros do crime organizado foram entretanto detidos, mas ninguém sabe onde está Fito.
O cerco, porém, aperta-se. Na noite desta quinta-feira, uma mega-operação policial transfronteiriça deteve a mulher e três dos filhos de Fito. Estavam numa casa no bairro de luxo Country del Golf, em Córdoba, na Argentina, para onde se mudaram alguns dias antes da fuga de Fito da prisão. Os investigadores equatorianos e argentinos suspeitam que a mudança faria parte de um plano para o capo da máfia se juntar à família depois da fuga. Agora, os media latinoamericanos fervilham com suspeitas de que possa estar a tentar fugir para a Colômbia ou para o Peru, em alternativa.
Enquanto José Adolfo Macías continua em fuga, o Equador continua a ferro e fogo, em particular na cidade de Guayaquil, onde o porto é controlado por vários gangues que o usam para o tráfico de droga internacional. Nas prisões do país — onde os gangues também assumiram o controlo ao longo dos últimos dias — a situação parece estar já mais controlada pelas autoridades. Mas o homem de 44 anos que é classificado como “o mais violento do Equador” continua desaparecido.
De taxista a chefe de Los Choneros, depois da morte do chefe
Atualmente a cumprir uma pena de 34 anos de prisão por vários crimes, entre os quais se inclui tráfico de droga e homicídio, José Adolfo Macías foi, em tempos, um simples taxista na cidade de Manta, segundo conta o El Espectador.
Algures no caminho, contudo, ter-se-á juntado ao gangue Los Choneros, com ligações ao Cartel de Sinaloa, no México. À altura, os Choneros eram liderados por Jorge Luís Zambrano, conhecido como Rasquiña. Fito terá subido rapidamente e tornou-se num dos braços direitos do líder.
Assim se explica que, quando Rasquiña foi assassinado a tiro num centro comercial, em 2020, Fito teve a sua oportunidade. “Quando ele morreu, toda a gente veio ter comigo a perguntar ‘O que fazemos? Por onde devemos ir?’. Até as autoridades vieram falar comigo”, contou o próprio ao jornal equatoriano La Posta, em tempos. “Então falei com o meu amigo e disse-lhe ‘Vamos fazer as coisas melhor, sem violência.”
O “amigo” de que José Adolfo falava era Junior Roldán (conhecido como JR). Os dois tomaram o controlo do grupo — mas a violência, porém, continuou a ser marca de água. De tal forma que, em maio de 2023, JR foi assassinado na Colômbia. Quatro meses depois, o seu cadáver foi roubado do cemitério colombiano onde se encontrava, não sendo ainda claro quem terá feito a exumação ilegal.
O papel de Fito no homicídio de um candidato à presidência
Mesmo com Fito a cumprir uma pena na prisão, foi gerindo o grupo à distância sem dificuldades, ao mesmo tempo que tirou o curso de Direito. De acordo com a organização Insight Crime, citada pelo El Mundo, os Choneros terão entre 12 a 20 mil membros e dedicam-se ao tráfico de cocaína internacional, ao tráfico interno, a extorsão e a sequestros.
“Durante anos, o grupo dos Choneros foi a estrutura criminosa dominante no Equador, trabalhando para grupos na Colômbia, México e Europa com o envio de carregamentos de cocaína. Apesar disso, a fragmentação do grupo levou ao surgimento do seu principal rival, Los Lobos, que agora disputam o poder”, escreve a Insight Crime.
A última vez que Fito foi visto em público foi em agosto do ano passado. Visivelmente mais gordo, com cabelo comprido e barba, surgiu com uma imagem diferente da que lhe era conhecida desde então. Mas não havia já dúvidas do seu papel como chefe do narcotráfico: estava precisamente a ser transferido para La Roca, a prisão de maior segurança em Guayaquil, acompanhado por um contingente de 3.600 polícias.
A decisão foi tomada depois do homicídio do candidato presidencial Fernando Villavicencio. As autoridades do Equador suspeitam que o assassinato terá sido ordenado pelos Choneros. Dias antes de morrer, o candidato e antigo jornalista — que várias vezes tinha denunciado o papel do crime organizado no Equador — deu uma entrevista onde garantiu ter sido ameaçado pelo grupo. “É a última vez que o teu candidato toca no nome do Fito”, disseram a um dos seus conselheiros. Para além disso, o próprio candidato recebeu ameaças por escrito a partir de um número de telefone indonésio — cuja imagem de perfil era a de Fito.
As ligações familiares do “chefe e patrão” que podem ser o seu calcanhar de Aquiles
Fito já tinha estado preso em La Roca. Em 2013, até fez parte de uma fuga dessa prisão com outros presos, apesar de ter voltado a ser capturado. Em La Roca, voltou a gozar dos mesmos privilégios que tinha na Regional. O que não surpreende, se tivermos em conta como o crime organizado controla a maioria das prisões no Equador, com os criminosos a terem até as chaves das celas, como havia dito ao Observador o jurista Daniel Caballero.
Para provar que dominava a prisão, onde quer que estivesse, Fito fez mais do que divulgar fotos de uma festa de aniversário na prisão. Pouco depois de ser transferido para La Roca, o grupo Mariachi Bravo divulgou um narcocorrido (estilo musical tradicionalmente mexicano associado ao narcotráfico) sobre José Adolfo Macías. Intitulado “El Corrido del León”, contava com imagens do próprio Fito dentro da prisão, a conviver com amigos e a dar festas em galinhas. A letra contava parte da sua vida e assegurava que é “muito boa pessoa”. “Esse é o chefe e patrões, senhores”, diziam.
Os Mariachi Bravo gravaram a canção com Queen Michelle. Trata-se não de uma cantora conhecida, mas sim de uma das próprias filhas do traficante. E não é a primeira vez que Michelle Macías, de 23 anos, aparece nas notícias: em 2021, foi sequestrada, juntamente com uma amiga, quando saíam de um curso de cosmetologia na cidade de Manta.
A polícia conseguiu salvar as duas jovens, tendo o próprio Fito agradecido às autoridades a partir da prisão. Outro dos filhos do capo, Jair Macías Peñarrieta, também foi alvo de um atentado, quando foram atirados explosivos para o carro onde seguia, em dezembro de 2022. E ambos os incidentes são referidos em “El Corrido del León”, onde se agradece a Deus pelo resgate de Michelle e a São Judas Tadeu por não terem conseguido matar Jair.
Apesar destes incidentes, que muitos interpretam como sendo prováveis vinganças de grupos rivais dos Choneros, a mãe do narcotraficante garante que o filho está inocente. “Acusam-no de vender drogas, de roubar carros, até de roubar galinhas”, disse Marisol Villamar numa entrevista em 2017. “Querem responsabilizá-lo de tudo o que acontece em Manta.”
E cada palavra dita por alguém próximo de Fito é seguida neste momento com toda a atenção por parte das autoridades equatorianas. Fontes policiais avançaram ao jornal El Tiempo, por exemplo, que estão agora a monitorizar o movimento de duas mulheres próximas do traficante, caso ele as venha a contactar — e obter assim pistas sobre o seu paradeiro.
José Adolfo manterá relações com Inda Peñarrieta Tuárez e Verónica Briones Zambrano, que o visitavam de forma regular na prisão. Verónica chegou até a ser apanhada no meio de uma rebelião na Regional e a tentar fugir com a farda de um guarda prisional. Estaria há uma semana na prisão com Fito, o traficante que pôs um país a ferro e fogo e que, até então, fazia da prisão a sua casa.