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Só entre 2016 e 2020 foram publicados, 1200 livros sobre Donald Trump, de acordo com uma contagem de 2021 pelo The New York Times, enquanto The Guardian, provavelmente empregando critérios diversos, estimava que só os livros publicados entre 2016 e 2018 ascenderiam a 4500. Uma busca na Amazon.com na rubrica “livros” e usando as palavras “Donald Trump” produz cerca de 20.000 resultados – um número impressionante, mesmo tendo em conta que parte deles dirão respeito a reimpressões, reedições e traduções de um mesmo título. É certo que nos EUA os livros sobre os presidentes do país são, há muito, um florescente segmento editorial, mas uma busca na Amazon.com com “Ronald Reagan” gera 5000 resultados, com “Barack Obama” gera 7000 resultados e com “Abraham Lincoln” gera 10.000 resultados; só George Washington, com 20.000 resultados, se equipara a Trump. O 45.º presidente dos EUA tem vindo a comparar-se muito favoravelmente com quem o precedeu no cargo, não hesitando em colocar-se ao lado de Washington e Lincoln – e se os livros publicados sobre os presidentes fossem uma métrica credível de grandeza histórica, Trump mereceria, como apoiantes seus têm sugerido, ter o seu rosto esculpido no Mount Rushmore.

“O altar da democracia”, Mount Rushmore, South Dakota: da esquerda para a direita: George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln. Escultura realizada em 1927-41 e concebida e supervisionada por Gutzon Borglum e Lincoln Borglum

O próprio Donald J. Trump é um autor prolífico, ou melhor, existem no mercado 21 livros que o creditam como autor – e que tratam o seu tema favorito: ele mesmo – mas as más-línguas insinuam que é provável que tais obras tenham resultado essencialmente do labor de “ghost writers”.

Se pairam dúvidas sobre a real autoria dos livros que creditados a Trump, não oferece dúvida que a produção torrencial de “posts” nas redes sociais, quase sempre no formato “tudo em maiúsculas” (o equivalente a gritar na cara do interlocutor), seja da sua autoria, já que exibem marcas inequívocas da sua combativa e volátil personalidade.

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Por outro lado, Trump tem mantido actividade intensa no que respeita a comícios: na campanha eleitoral de 2016 foram 323, 186 nas eleições primárias e 137 após ter obtido a nomeação como candidato do Partido Republicano. A cadência baixou após ter sido eleito presidente, mas regressou à estrada nas eleições intercalares para o Congresso, em 2018, e na campanha para as eleições presidenciais de 2020 protagonizou 150 comícios. Em Janeiro de 2023 realizou o seu primeiro comício da campanha eleitoral de 2024. O ritmo desta tem sido menos frenético do que o das campanhas para as eleições de 2016 e de 2020 – até porque Trump tem sido forçado a passar muitos dias em salas de tribunal e em diligências judiciais, devido aos vários processos que correm contra si – e no ano de 2024 foram contabilizados, até meados de Agosto, “apenas” 37 comícios.

Aos comícios de campanha, há que adicionar os inúmeros eventos públicos em que tem discursado na qualidade de convidado. O número de entrevistas protagonizadas por Trump é também astronómico, embora seja difícil contabilizá-lo, já que, a par de entrevistas formais e planeadas em órgãos informativos de referência, há que considerar as entrevistas conduzidas por YouTubers e influencers digitais, sob a forma de vídeos e podcasts.

Se somarmos a isto as conferências de imprensa, as sessões de perguntas e respostas com cidadãos comuns (“town hall meeting”, “town hall forum” ou, na gíria política americana, simplesmente “town hall”), as intervenções telefónicas em programas televisivos (durante alguns períodos, Trump teve, por este meio, presença quase diária na Fox News) e as declarações prestadas aos media na qualidade de presidente dos EUA, de candidato presidencial, ou de empresário, conclui-se que, quem queira saber o que Trump pensa e queira construir uma imagem do seu carácter e das suas capacidades, poderá facilmente sentir-se assoberbado com excesso de informação, ou melhor, com o que na língua inglesa se designa por “embarrassment of riches”.

A selecção de textos que se segue pretende ser uma amostra representativa do pensamento de Trump, ao mesmo tempo que põe em relevo a sua mestria na oratória pública – da craveira de um Cícero ou de um Demóstenes – e na prosa – de uma inovação e liberdade que só têm rival em Shakespeare e Joyce. A tradução deste humilde escriba dificilmente poderá estar à altura do vocabulário luxuriante e meticulosamente escolhido e da sintaxe elegante e fluida do original, mas espera-se que, ao menos, possa fazer justiça à meridiana clareza de exposição, à agilidade de raciocínio, à coerência da argumentação, à solidez dos princípios, à vasta e profunda erudição e ao escrupuloso rigor factual que são apanágio de Donald J. Trump.

“Trump Rushmore”, por Jon McNaughton, um pintor alinhado com a ala direita do Partido Republicano e que, a partir da segunda década do século XXI, se tem dedicado à “pintura política”

O Messias

● Entrevista com Gene Bailey, programa FlashPoint, Victory Channel, 24.04.2023

Bailey: “A fé é muito importante para si, tem dito isso publicamente. O que significa ela para Donald Trump, como homem?”

Trump: “Bem, significa muitas coisas, mas mais, talvez, para o seu público e para as pessoas que vêem este programa. E é um grande grupo de pessoas. Por exemplo, fui o único presidente a ir àquela grande manifestação que há em Washington, todos os anos [Trump não especifica, mas talvez se refira à March for Life, uma manifestação contra o aborto que se realiza anualmente desde 1974]. Fui o único a ir como presidente em exercício… pela vida. As pessoas ficaram chocadas. Nem sequer Ronald Reagan quis dar esse passo. […] Mas eu fui e orgulho-me muito disso.”

[…]

“[Em criança] ia à catequese, que foi boa e que era expectável, toda a gente ia à catequese, e quando se pensa nisso, o mundo é tão diferente. Hoje a catequese não está, provavelmente, na lista de coisas indispensáveis de todos, mas nesse tempo era algo muito importante, lembro-me tão bem, sentava-me e aprendia todas as diferentes… sabe, seguia-se a Bíblia, basicamente, o maior livro. […] Cresci nesta atmosfera e isso tornou mais fácil para mim fazer o que estou a fazer agora, mas eu tenha sido muito, muito pró… não apenas cristianismo, mas religião, religião, tem recebido duros golpes. Posso dizer que acredito que o cristianismo tem sido muito mais maltratado do que qualquer outra religião, é incrível, quando se olha para o que se tem passado no Congresso e vemos, há 15 anos isto teria sido impossível de acontecer. Eles estão a ser muito discriminatórios contra os cristãos, em favor de certas outras religiões, sabe isso muito bem.”

Nota: O canal de TV por cabo Victory Channel é propriedade do tele-evangelista e milionário Kenneth Copeland, pregador do Evangelho da Prosperidade. Copeland fez parte do conselho consultivo evangélico da campanha de Trump em 2016 e advertiu os eleitores cristãos que não votar Trump equivalia a ser culpado de assassínio, uma vez que tal permitiria a vitória de Hillary Clinton, uma defensora do aborto. Desde 2022, ano de lançamento do programa FlashPoint, Trump já foi entrevistado nele por seis vezes. Gene Bailey, o apresentador de FlashPoint, tem usado o programa para, repetidamente, apoiar a campanha de Trump e denunciar os processos judiciais contra Trump como sendo “contrários às intenções de Deus” e como “uma batalha entre o Bem e o Mal”. O programa FlashPoint funciona como órgão de propaganda do movimento New Apostolic Reformation e a sua orientação foi assim sintetizada por Gene Bailey: “Sim, temos uma agenda e ela consiste em eu ser um cristão-fascista e um nacionalista cristão”.

Os ungidos: Cartaz (impressão de alta definição sobre tela, à prova de água, resistente aos raios UV), 19.00 USD (na Amazon.com)

● Discurso na International Christian Media Convention da NRB (National Religious Broadcasters), Nashville, Tennessee, 22.02.2024

“Vamos salvar este país. Será graças a homens e mulheres como vocês, como as pessoas nesta audiência. E somos representados pelos melhores. As pessoas que fazem do trabalho de Deus, o vosso trabalho. […] Hoje, estamos em mais uma luta pela sobrevivência da nossa nação. Acredito que é o momento mais perigoso da história do nosso país. […] Desta vez, o maior perigo não vem de fora do nosso país. Creio realmente nisto: vem de dentro. As pessoas do nosso país são mais perigosas que as pessoas de fora. Somos capazes de lidar com a China. Somos capazes de lidar com a Rússia. Somos capazes de lidar com todos eles, se tivermos um líder esperto. Mas as pessoas de dentro são muito perigosas. São pessoas muito perversas, na minha opinião. Em muitos casos, são perversas. Estou aqui hoje porque sei que para alcançar a vitória nesta luta, como nas batalhas do passado, precisamos da ajuda do Senhor e da graça do Todo Poderoso. Precisamos disso. O nosso país está a ser destruído por uma classe política corrupta de esquerda radical que se tornou comunista, marxista e até fascista. Eu costumava dizer que nunca teríamos um Estado socialista e tinha razão, passámos directamente sobre o socialismo, o socialismo é uma coisa simpática comparada com o que hoje somos.”

“One nation under socialism”, por Jon McNaughton

“Para os cristãos, em particular, nada é mais importante do que derrotar este sistema maligno e regressar a uma justiça justa, igual e imparcial sob o primado da Constituição. […] Temos de começar imediatamente a restauração da lei e da justiça e para começar temos de correr com o velhaco Joe Biden a 5 de Novembro. Se não corrermos com ele, estou convencido de que o nosso país está condenado. Estou convencido de que está condenado. Como sabem, a esquerda está a tentar intimidar os cristãos. Querem intimidar-nos. Na verdade, tenho muito orgulho em ser cristão. Tenho estado ocupado na luta e, como sabem, tenho sido eu a levar com as balas e as flechas. Tenho levado com elas por vocês. Por isso, recebo-as com orgulho. Vocês não fazem ideia. Tenho sido acusado judicialmente em vosso nome, uma e outra e outra vez. […] Tenho sido acusado mais vezes do que os maiores criminosos do mundo e por nada! Por nada!”

[…]

“Temos de salvar o nosso país. Mas os cristãos não podem dar-se ao luxo de ficar de fora desta luta. Têm mesmo de sair para a rua. Têm de fazer o que deve ser feito e têm de vencer. A perseguição corrupta movida por este regime não vai ficar por mim. […] As grilhetas já estão a apertar-se em torno de todos nós. No fim de contas, a esquerda radical virá atrás de todos nós, porque sabem que não devemos fidelidade a eles, a nossa fidelidade é para com o nosso país, é para com o nosso Criador. […] Aquilo que eles não conseguem suportar é que, no fim de contas, nós não respondemos perante os burocratas de Washington. Respondemos perante Nosso Senhor que está no Céu. É isso que fazemos, respondemos perante Nosso Senhor que está no Céu. É por isso que, hoje, venho perante vós, como amigo, como aliado e como irmão na fé, para pedir a vossa ajuda e apoio e as vossas orações por este país. Precisamos das vossas orações. É o mais importante. E faço-vos uma simples promessa. No meu primeiro mandato, lutei mais arduamente pelos cristãos do que qualquer presidente antes de mim. Vocês sabem disso, vocês sabem. E lutarei ainda mais arduamente nos próximos quatro anos na Casa Branca. Fiz coisas pelos cristãos como ninguém alguma vez fez neste país. […] Sob a minha liderança fizemos mais pela liberdade religiosa do que qualquer outra administração e todos concordam com isso.”

[“Deus fez Trump”: vídeo criado pelo Dilley Meme Team, um grupo que apoia a eleição de Trump. O vídeo, que foi divulgado em Janeiro de 2024 e apresenta Trump como um messias, foi partilhado e divulgado por Trump e pela sua campanha:]

“Vocês são as pessoas que nós queremos escutar, pastores, sacerdotes, rabis, as pessoas nesta sala são as que nós queremos escutar e merecem ter uma voz política. […] [Quando] eu lá chegar [à Casa Branca] vocês vão usar esse poder com um nível que nunca antes puderam usar. Temos de trazer de volta as pessoas que frequentam a igreja. […] Vamos trazê-las de volta. E creio que é a coisa que mais está a faltar neste país. A coisa que mais está a faltar neste país. Temos de trazer de volta a nossa religião. Temos de trazer o cristianismo de volta a este país. […] Promulguei directivas que deixam claro que a liberdade de culto não fica à porta das escolas públicas e apoiei a oração nas escolas, muito importante, a oração nas escolas, que nós decretámos. Infelizmente, foi necessário impô-la nalgumas escolas. […] Assinei uma ordem executiva para colocar conselheiros religiosos em todos os departamentos e agências federais, de forma que a vossa voz e a mundividência cristã sejam ouvidos nas instâncias do poder em Washington e em todo o mundo […]. [Em] quatro anos, transformámos completamente os tribunais federais, nomeando cerca de 300 juízes para interpretar a lei e a Constituição. […]. Fui alvo de ataques vis por ter escolhido e nomeado três juízes para o Supremo Tribunal, grandes juízes, excelentes pessoas: Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh, Amy Coney Barrett.”

[…]

“Tudo isto é uma loucura, o que está a acontecer ao nosso país. Chamemos a estes americanos aquilo que eles realmente são: cristãos perseguidos. Eles estão a ser perseguidos. […] Têm sido presos por Joe Biden e pela sua gente, gente malvada. Ele está rodeado por gente malvada. Eles estão, creio, a fazer seja o que for que lhes apeteça.”

“As tochas de Nero” (1897), por Henryk Siemiradzki: O imperador Nero (o Joe Biden do século I) prepara-se para assistir a um espectáculo sádico: a morte pelo fogo de mártires cristãos

“Acredito que não existe qualquer liderança. Joe Biden, devido à sua grosseira incompetência, é um grande perigo para a democracia, um grande perigo para a democracia. Para reverter estes monstruosos abusos de poder, assim que vencer a eleição irei nomear uma força especial para imediatamente rever todos os casos de prisioneiros políticos que tenham sido injustamente maltratados pelo regime de Biden. O Governo federal nunca mais será utilizado para perseguir crentes religiosos! Eles estão a perseguir crentes religiosos. O que eles fizeram a todos vós, a religião perdeu muito terreno durante a Covid, o vírus da China. Deixem-me ser mais rigoroso, chamei-lhe o vírus da China. Queremos ser rigorosos, tens de ser rigoroso ou és criticado, és criticado pelas fake news. Mas os americanos de fé são a alma da nação. Eles são, eles são a alma do nosso país.”

[…]

“Lembrem-se: ao longo da história, os regimes comunistas sempre tentaram extinguir as igrejas. Tal como todos os regimes fascistas tentaram aliciá-las e controlá-las. E na América, os radicais de esquerda estão a tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo. […] As coisas estão muito perigosas, andam a fazer velhacarias, querem derrubar as cruzes e cobri-las com bandeiras de justiça social, que ninguém sabe o que significam, ninguém sabe, as pessoas não sabem o que que significam. […] Mas ninguém tocará na Cruz de Cristo numa Administração Trump. Juro-vos, isso nunca acontecerá. Nunca acontecerá. […] Não vamos permitir que isso aconteça. Quando regressar à Casa Branca irei novamente defender agressivamente a liberdade de culto, como fiz no meu mandato anterior. […] Iremos proteger Deus na praça pública. […] Nunca permitirei que os Grandes Media ou os grupos de pressão esquerdistas vos silenciem, vos censurem ou vos discriminem ou, de algum modo, vos digam o que devem dizer. […] Vocês vão acreditar em Deus, porque Deus está aqui e Deus está a ver. Deus está a ver. E, provavelmente, Deus não acredita no que está a ver.”

“Dirce cristã” (1897), por Henryk Siemiradzki, dá a ver a perseguição aos cristãos no reinado de Nero: Por ordem do imperador, uma mulher romana que se convertera ao cristianismo foi, como a Dirce da mitologia greco-romana, amarrada a um touro e arrastada por este pela arena do circo

“Irei proteger os conteúdos que são pró-Deus. Iremos proteger contextos e conteúdos pró-Deus. Nesse sentido e a pedido da NRB farei a minha parte para proteger a rádio de onda média nos nossos carros. Sabem, gosto de ouvir rádio de onda média porque, sabem, estamos a ouvir, milhões de americanos apreciam ouvir os locutores cristãos. […] Este governo de loucos, que desenvolvemos mais e mais, é um governo fascista. Não podem deixar que as pessoas votem nos Democratas. Eles querem mesmo mudar todo o nosso sistema de valores.”

[…]

“Como presidente, irei novamente nomear juízes de um conservadorismo a toda a prova, na linha de Antonin Scalia e do grande Clarence Thomas, que está a fazer um trabalho fenomenal.”

“Os defensores da Constituição”, por Jon McNaughton, retrata os juízes da linha ultraconservadora do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA: Samuel Alito Jr., Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett; os três últimos foram nomeados por Trump

“Esta grande organização [a NRB] tem ajudado a espalhar a Palavra de Deus, o amor de Deus, as histórias da Bíblia Sagrada e as vozes de famosos evangelistas. Evangelistas como o falecido Pat Robertson, que era um grande cavalheiro, cheguei a conhecê-lo muito bem, um grande evangelista. E, claro Billy Graham. Que grande homem era Billy Graham. Não era? Gostaríamos muito de fazer regressar esse tempo. Impressionante. O nosso país beneficiaria muito com isso. […] Mas agora somos uma nação em declínio. Somos uma nação fracassada. Somos uma nação que perdeu a sua confiança, a sua força de vontade, a sua força. Somos uma nação que perdeu o norte. Mas não iremos permitir que este horror continue, não podemos permitir que continue. Há três anos, éramos uma grande nação e em breve seremos novamente uma grande nação. Com as vossas orações, a vossa voz e o vosso voto, iremos resgatar a governação das mãos desses horríveis tiranos. Tiraremos de lá os comunistas, os marxistas e os fascistas. […] Recolocaremos a fé e a família no centro da vida americana e devolveremos o poder ao povo. Senhoras e senhores, com a vossa ajuda e a graça de Deus, a grande ressurreição da América começa a 5 de Novembro de 2024. É uma grande ressurreição”.

Caneca “Jesus é o meu salvador, Trump é o meu presidente”, 13.99 USD (na Amazon.com)

● Entrevista, Fox News, 04.06.2024

Cain: “[lendo a pergunta de um espectador do canal]: ‘Há anos que tem de enfrentar adversidades e perseguições. Qual é a sua relação com Deus?’. A pergunta é de Sharon, no Alabama.”

Trump: “Creio que é boa. Sou popular entre os evangélicos. Adoro os evangélicos. Há tanta gente a rezar por mim que até custa a crer. E são tão empenhados e tão devotos. Dizem-me ‘Sir, não vai acontecer-lhe nada de mal. Rezo por si todas as noites’. Não posso dizer que seja toda a gente, mas quase toda a gente que encontro me diz isto. É uma coisa maravilhosa. E sabe o que também é maravilhoso? Quando se olha para tudo o que acontece de mau, eles não têm nada como referência. Não têm Deus. Não tem nada. Matam pessoas, espancam pessoas, empurram as pessoas para o metro. Ali não há nada. A religião é uma coisa tão boa. Dá uma razão para se ser bom. Queres ser bom. É muito importante. Não sei se me expliquei bem. Não sei se estou a explicar-me bem durante agora. Queres ser bom. Queres ir para o paraíso. Queres ir para o paraíso. Se não há paraíso é quase como se dissesses, ‘Qual é o motivo? Porque devo ser bom? Não vou ser bom. Que diferença faz?’.”

Ascensão dos eleitos para o Paraíso, por Hieronymus Bosch, c.1505-15

● Comício, Las Vegas, Nevada, 09.06.2024

“O que está a acontecer? Não percebo porque irá um católico votar em Joe Biden porque eles andam a perseguir os católicos a um nível que ninguém sabe o que passa com os católicos, mas eles andam a perseguir os cristãos, eles andam a perseguir os evangélicos e nós não podemos já suportar isso. Vamos lutar e vamos ganhar esta eleição porque é a eleição mais importante.”

● Discurso na Cimeira dos Crentes (Believers Summit), organizada pelo grupo conservador Turning Point Action, West Palm Beach, Florida, 17.07.2024

“Cristãos, saiam de casa e votem, só por esta vez. Não terão de fazê-lo mais nenhuma vez. Mais quatro anos, vocês sabem que mais, tudo será metido na ordem, não mais terão de votar, meus belos cristãos. […] Adoro-vos, cristãos. Eu sou um cristão. Adoro-vos. Saiam de casa, vão votar, têm de sair de casa e votar. São mais quatro anos e não mais terão de votar, nós vamos meter tudo na ordem tão bem que nunca mais terão de votar.”

● Comício, Green Bay, Wisconsin, 03.04.2024

“Que diabo passou pela cabeça de Biden quando decretou que o Domingo de Páscoa era o Dia da Visibilidade Trans? É um completo desrespeito para com os cristãos. No dia 5 de Novembro passará a ter outro nome… sabem como irá chamar-se? Dia da Visibilidade Cristã. Quando os cristãos aparecem a votar como nunca antes se viu.”

Nota: O Dia da Visibilidade Transgénero, celebrado pela primeira vez no Michigan, em 31 de Março de 2009, ganhou difusão nos EUA e no resto do mundo e foi formalizado pelo presidente Joe Biden em 2021. A Páscoa é um feriado móvel, que ocorre no primeiro domingo após a lua cheia de Páscoa e que calha entre 22 de Março e 25 de Abril. O presidente Biden não tem, evidentemente, qualquer responsabilidade no facto de, em 2024, a Páscoa ter calhado a 31 de Março.

“Separação entre o Estado e a Igreja”, por Jon McNaughton

● Entrevista com Phil McGraw, no programa Dr. Phil, 27.08.2024

“Se Jesus Cristo descesse à Terra e fizesse o apuramento dos votos, eu venceria na Califórnia, OK?”

Nota: Desde 1988 que nenhum candidato presidencial Republicano vence na Califórnia.

O estudioso das Sagradas Escrituras

● Entrevista, CNN, 03.11.2011

“Eu creio em Deus. Sou cristão. E acredito que a Bíblia é, sem sombra de dúvida, O Livro. […] Há muitas pessoas a enviarem-me Bíblias… guardamo-las num certo lugar. Um lugar muito bonito. Mas as pessoas enviam-me Bíblias. Sabe, é muito interessante. […] Seria impensável que eu fizesse algo negativo a uma Bíblia, por isso guardamos todas as Bíblias. Tenho medo de fazer algo que não seja positivo, por isso armazeno-as e guardo-as e por vezes dou-as a outras pessoas, mas recebo muitas Bíblias e gosto disso. Acho que é óptimo.”

● Entrevista à Bloomberg Politics, a 26.08.2015

BP: “Pode indicar um ou dois versículos favoritos da Bíblia?”

Trump: “Prefiro não ir por aí porque, para mim, é muito pessoal. Sabem, quando falo sobre a Bíblia é muito pessoal, por isso não quero entrar pelos versículos.”

BP: “Não há nenhum versículo que lhe diga mais, que esteja frequentemente no seu pensamento ou que cite?”

Trump: “A Bíblia significa muito para mim, mas não quero ser específico.”

BP: “Nem sequer citar um versículo de que goste?”

Trump: “Não, prefiro não o fazer.”

BP: “É mais adepto do Velho Testamento ou do Novo?”

Trump: “Provavelmente… [pausa]… ambos. Creio que é simplesmente incrível, toda a Bíblia é um livro incrível. Costumo fazer esta piada, há quem aponte The art of the deal, eu digo ‘É o meu 2.º livro favorito de todos os tempos’. Mas acho que a Bíblia é simplesmente algo muito especial.”

BP: “Alguma vez leu o Corão?”

Trump: “Não li.”

BP: “Qual é a sua perspectiva sobre essa importante peça da história mundial?”

Trump: “Bem, é certamente uma peça da história mundial e estão a acontecer muitas coisas, mas não é algo em que eu tenha grande interesse. Gostaria de saber o que está a passar-se, porque há tanto ódio, quero dizer, olha-se para o que vai pelo mundo, e é uma maravilha poder dizer-se, ei, não olhemos para a Suécia, não olhemos para a Noruega, não olhemos para diferentes lugares, mas olhemos para o que está a passar-se com o Corão e é uma coisa mesmo assustadora.”

● Em Março de 2024, foi colocada à venda, sob o auspício de Donald Trump, a God Bless the USA Bible (informalmente conhecida como Trump Bible), uma edição que além da Bíblia propriamente dita (na King James Version), traz como extras a Declaração de Independência dos EUA, a Constituição dos EUA, a Bill of Rights, a Pledge of Allegiance (um texto tradicionalmente declamado frente à bandeira americana) e a letra de “God Bless the USA”, uma canção de Lee Greenwood. Foi Greenwood quem, em 2021, lançou originalmente a God Bless the USA Bible, agora reeditada por um dos braços do império empresarial Trump com o mesmo título e conteúdo e um preço de 59.99 dólares. O livro – “a única Bíblia patrocinada por Trump” alega o website que a comercializa – tem causado controvérsia: um pastor da North Carolina denunciou a iniciativa como “blasfema” e “repugnante” e muitos apontaram que o preço de retalho é exorbitante, sobretudo quando se considera que o seu conteúdo faz parte no domínio público.

God Bless the USA Bible

● Trump em vídeo promocional da “God Bless the USA Bible”, divulgado a 26.03.2024:

“[The God Bless the USA Bible] é muito importante, é muito importante para mim. Muitas pessoas já a têm. Você também tem de a ter, pelo seu coração, pela sua alma. […] Todo o americano deve ter uma Bíblia no seu lar e eu tenho muitas. É o meu livro favorito. É o livro favorito de muitas pessoas. Esta Bíblia serve para nos lembrar que a coisa maior que temos de devolver à América, para fazer a América grande outra vez, é a nossa religião. […] Os cristãos estão sitiados, mas têm de proteger os conteúdos que são pró-Deus. Nós amamos Deus e temos de proteger tudo o que seja pró-Deus. Temos de defender Deus na praça pública e não permitir que os media ou os grupos de esquerda nos silenciem, censurem ou discriminem. Temos de recolocar o cristianismo nas nossas vidas e naquilo que voltará a ser uma grande nação.”

“One nation under God”, por Jon McNaughton

O apaziguador

● Um dos 77 (setenta e sete) posts de Trump na rede social Truth Social, no Domingo de Páscoa, 31.03.2024:

“Uma Páscoa feliz para todos, incluindo os procuradores e juízes desonestos e corruptos que estão a fazer tudo o que é possível para interferir na eleição presidencial de 2024 e meter-me na prisão, incluindo todas as muitas pessoas que eu desprezo total e completamente porque querem destruir a América, hoje uma nação falhada. Como o ‘desvairado’ Jack Smith [procurador responsável pelas investigações do envolvimento de Trump no ataque ao Capitólio e no desvio de documentos classificados], que é malvado e ‘vicioso’; e a Sr.ª Fani ‘Fauni’ Wade, que disse que praticamente não conhecia o procurador especial, para depois se descobrir que era sua amante há anos, ainda antes da perseguição do presidente Trump na Georgia, e, portanto, fazendo com que o processo contra mim seja nulo, sem efeito e ilegal! E Alvin Bragg, permissivo com o crime violento mas que, com os bandidos do Departamento de Justiça do Joe velhaco […], me acusaram, ilegalmente, num processo que ele nunca quis abrir e que praticamente todos os peritos legais dizem que nunca deveria ter sido aberto, que está a infringir a lei ao fazê-lo, foi rejeitado por todas as outras instâncias legais e não é um crime. Uma Páscoa feliz para todos!”.

Nota: Este post será impenetrável para quem não tenha acompanhado os vários processos em que Trump está envolvido: a “Sr.ª Fani ‘Fauni’ Wade” é Fani Willis, a procuradora responsável pelas investigações das tentativas de Trump para alterar os resultados das eleições presidenciais de 2020 no estado da Georgia; Fani Willis manteve uma relação amorosa com Nathan Wade, o procurador que nomeou para liderar a investigação a Trump; quando esta relação foi divulgada, um juiz determinou que um dos procuradores, Willis ou Wade, deveria abandonar o caso – Wade renunciou ao cargo poucas horas depois. Alvin Bragg é o procurador do condado de Nova Iorque, responsável pela investigação às actividades da Trump Organization.

O mártir

● Comício, Clive, Iowa, 16.10.2023:

“Eles crêem que a única forma de parar-me é impedir-me de falar. Querem privar-me de voz e uma juíza decretou hoje uma ordem de silêncio [gag order]. Ouviram isto? Estou certo de que isto é completamente inconstitucional. A juíza impôs uma ordem de silêncio, uma juíza que não gosta lá muito de mim. Toda a sua vida consiste em detestar-me, mas emitiu uma ordem de silêncio. Sabem o que é uma ordem de silêncio? Não podes falar do teu adversário. Mas estas são as armas a que recorrem porque Joe Biden está a perder por muito, mas mesmo muito, para mim, nas sondagens. Está a perder por muito. Mas o que eles não compreendem é que estou disposto a ir para a prisão se isso for necessário para que este país vença e volte a ser uma democracia”.

Nota: Trump foi, com efeito, alvo de várias ordens de silêncio impostas por juízes, em diferentes processos, mas essas restrições não limitam em nada o que tenha a dizer sobre os seus adversários nas eleições ou sobre política em geral, nem sequer o impedem de fazer considerações pejorativas sobre os juízes – como fez amiúde. Dizem respeito a comentários de Trump que visem intimidar e denegrir figuras-chave do processo judicial (ver Juiz impõe nova ordem de silêncio a Donald Trump no julgamento em Nova Iorque).

● Comício, Derry, New Hampshire, 23.10.2023:

“Não me importo de ser Nelson Mandela porque estou a fazê-lo por um motivo. Temos de salvar o nosso país desses fascistas. […] [Os procuradores] só perseguem as pessoas que contestam os resultados das eleições. Não perseguem os que fizeram trapaça. Essas pessoas estão em liberdade. Essas pessoas não têm problemas. Se quiseres contestar o resultado da eleição, eles soltam-te os cães.”

● Post na rede Truth Social, 19.02.2024:

“A súbita morte de Aleksey Navalny tornou-me mais consciente do que está a acontecer no nosso país. É um avanço lento e firme, com políticos, procuradores e juízes velhacos, de esquerda radical, a conduzir-nos pela via da destruição. Fronteiras abertas, eleições fraudulentas e decisões judiciais grosseiramente injustas estão a destruir a América. Somos uma nação em declínio, uma nação falhada!.”

● Town hall da Fox News, moderado por Laura Ingraham, Greenville, South Carolina, 20.02.2024:

“[A súbita morte de Aleksey Navalny] é uma coisa horrível. Mas também está a acontecer no nosso país. Estamos, sob muitas formas, a transformar-nos num país comunista. E se olharmos para isto, eu sou o candidato que lidera [as sondagens] e fui acusado quatro vezes. Tenho pela frente oito ou nove julgamentos, apenas pelo facto de estar… a fazer política. É uma forma de Navalny. É uma forma de comunismo ou fascismo.”

● Discurso na International Christian Media Convention da NRB (National Religious Broadcasters), Nashville, Tennessee, 22.02.2024:

“De cada vez que os Democratas da esquerda radical, os marxistas e os fascistas me acusam judicialmente eu considero isso uma medalha de honra. Considero mesmo. É uma loucura. Tenho de ter algo um bocadinho diferente aqui em cima, mas eu tenho porque estou a ser acusado por vós. Nunca esqueçam, os nossos inimigos querem privar-me de liberdade porque eu nunca deixarei que eles vos privem de liberdade. No fim de contas, eles não estão a perseguir-me. Estão a perseguir-vos. Acontece simplesmente que eu estou no caminho deles.”

Sábado Santo, 30.03.2024: Donald Trump colocou na sua conta da rede Truth Social, um link para “A crucificação de Donald Trump”, um artigo de Tim Constantine, publicado no jornal Washington Times dois dias antes. No artigo, Donald Trump é comparado com Jesus, particularmente no que se refere aos agravos, injustiças e perseguições de que ambos terão sido vítimas, e os juízes e procuradores envolvidos nos processos em que Trump é acusado são comparados com Pôncio Pilatos.

Cristo perante Pilatos, por Mihály Munkácsy, 1881

● Comício, Grand Rapids, Michigan, 20.07.2024 (o primeiro de Trump após a tentativa de  assassinato na Pennsylvania, uma semana antes):

“Estão sempre a dizer, ‘Ele é um perigo para a democracia’. E eu digo, ‘Que diabo fiz eu à democracia?’. A semana passada levei com uma bala pela democracia.”

“Intervenção angelical”, por Jon McNaughton. A pintura reproduz uma foto de duas bandeiras americanas ensarilhadas, no recinto do comício em que Trump foi alvo de uma tentativa de assassinato. A imagem, que circulou intensamente entre os apoiantes de Trump nos dias que se seguiram ao atentado, é por estes interpretada como sinal de que um anjo desviou as balas de Trump, o ungido de Deus

O patriota

● Intervenção no Family Leadership Summit, Ames, Iowa, 18.07.2015:

“[John McCain] não foi um herói de guerra. Foi um herói de guerra porque foi capturado. Gosto das pessoas que não são capturadas”.

[…]

“Penso que John McCain fez muito pouco pelos veteranos. Estou muito desapontado com John McCain”.

Nota: O senador John McCain (1936-2018) lutou na Guerra do Vietnam, na qualidade de piloto da Marinha, foi abatido e sofreu ferimentos graves, que lhe deixaram incapacidades físicas permanentes; passou sete anos como prisioneiro dos norte-vietnamitas (1967-1973), durante os quais foi repetidamente torturado; ainda assim, quando lhe foi dada oportunidade de ser libertado antes de prisioneiros de guerra americanos que estavam em cativeiro há mais tempo, recusou passar-lhes à frente. Foi candidato presidencial Republicano nas eleições de 2008 e foi dos poucos líderes Republicanos que, em 2015-16, se opuseram ao apoio do partido a Trump. Em privado, Trump costumava referir-se a McCain como “falhado” (loser), termo que também empregava para se referir a George H.W. Bush (1924-2018, 41.º presidente dos EUA), que fora piloto da Marinha na II Guerra Mundial e também fora abatido (pelos japoneses), escapando com vida por um triz.

● Aparte para o seu chefe de gabinete, o general John F. Kelly, perante as campas dos militares caídos no Afeganistão e no Iraque, no Arlington National Cemetery, Virginia, nas cerimónias do Memorial Day (feriado em que se presta homenagem aos militares americanos mortos em combate), 2017

“Não percebo. O que é que eles tinham a ganhar?”

Arlington National Cemetery, Virginia

● Discutindo com o general John F. Kelly, o seu chefe de gabinete, a organização da parada comemorativa do Dia da Independência (4 de Julho) de 2017:

“Escute, não quero nenhuns fulanos [veteranos] mutilados na parada. Não é bom para a minha imagem.”

Nota: Em 1964-68, Trump apresentou quatro requerimentos para adiamento da prestação de serviço militar e  em 1972 acabou por ser declarado inapto devido a “esporões ósseos” (condreostomas).

● Argumento apresentado por Trump a membros da sua equipa numa visita oficial a França, em 2018, pararecusar visitar o Cemitério Militar de Aisne-Marne (conhecido pelos franceses como Cimitière Américain du Bois Belleau), onde estão sepultados soldados americanos tombados na I Guerra Mundial:

“Porque haveria de ir a esse cemitério? Está cheio de falhados [losers].”

Nota: Noutra ocasião, Trump referiu-se a estes militares americanos como ‘papalvos’ (suckers).

“Losers” e “suckers” a perder de vista, no Cemitério Militar de Aisne-Marne

● Comício, Schnecksville, Pennsylvania, 14.04.2024:

“Gettysburg, que batalha incrível foi essa. A Batalha de Gettysburg. Que incrível… quer dizer, foi demasiado, foi tão interessante e tão má e horrível e tão bela de tantas maneiras diferentes. Representou uma grande parte do sucesso deste país. Gettysburg, uau! Vou a Gettysburg, na Pennsylvania, e olho e vejo. E aquela frase de Robert E. Lee, que já não goza de apreço. Já repararam nisso? Já não goza de apreço. ‘Nunca lutem colina acima, rapazes [Never fight uphill, me boys], nunca lutem colina acima’, disse ele. Uau, isso foi um grande erro. Ele perdeu o seu grande general. ‘Nunca lutem colina acima’. Mas era tarde demais.”

Campo de batalha, Gettysburg, 4 a 7 de Julho de 1863. Foto de Timothy H. Sullivan, com o título “Incidents of the war: A harvest of death”

Nota: A Batalha de Gettysburg teve lugar a 1-3 de Julho de 1863, pelo que 14 de Abril de 2024 não corresponde a qualquer efeméride. Por outro lado, a distância entre Gettysburg e Schnecksville é de 166 km em linha recta, 200 km por estrada. O único ponto comum entre Gettysburg e Schnecksville é situarem-se no estado da Pennsylvania.

Os três dias de combate entre as tropas da União e da Confederação, em Gettysburg, terão causado um total de c.50.000 baixas, o que faz desta batalha a mais sangrenta da Guerra Civil Americana – e da história dos EUA. As baixas repartiram-se equitativamente entre os dois lados, mas a batalha foi uma derrota para os confederados, que fracassaram no assalto às posições da União em Culp’s Hill e Cemetery Hill e foram obrigadas a bater em retirada para a Virginia – um custoso processo em que sofreriam mais 5000 baixas. A Batalha de Gettysburg é vista como um momento decisivo na Guerra Civil Americana, uma vez que, depois dela, o exército confederado não mais foi capaz de lançar ofensivas de relevo, embora o conflito se tivesse arrastado durante mais dois anos. A batalha representou também o término da reputação de invencibilidade associada ao general confederado Robert E. Lee. Este assumiu a responsabilidade da derrota em Gettysburg, e, na ocasião, terá dito ao general Cadmus Wilcox, um dos seus subordinados, que comandara a carga em Cemetery Hill: “Não tem importância, general, tudo isto foi culpa minha; fui eu quem perdeu esta batalha e a si cabe-lhe ajudar-me a sair desta situação o melhor que puder”; não há registo de que tenha dito “Never fight uphill, me boys”, frase que a ele foi atribuída pela primeira vez por Trump, neste comício.

“Respeitai a bandeira”, por Jon McNaughton

O paladino da liberdade

● Debate Donald Trump-Joe Biden, moderado por Chris Wallace, campanha para as eleições presidenciais, Case Western Reserve University, Cleveland, 29.09.2020

Wallace: “Está disposto, esta noite, a condenar os supremacistas brancos e as milícias e dizer-lhes que devem recuar, em vez de contribuírem para a violência em várias cidades, como vimos em Kenosha e como vimos em Portland?”

Trump: “Claro que estou disposto a fazê-lo…”

Wallace: “Então diga-o…”

Trump: “…mas devo dizer que quase tudo o que vi é da esquerda, não é da direita.”

Wallace: “Então, o que diz?”

Trump: “Estou disposto a dizer qualquer coisa… Quero ver paz…”

Wallace: “Então, diga-o…”

Biden: “Diga-o…”

Trump: “Quer chamar-lhes… Que nome quer dar-lhes? Dê-me um nome! Dê-me um nome! Quem é que pretende que eu condene?”

Wallace: “Os supremacistas brancos…”

Biden: “Os Proud Boys…”

Trump: “Proud Boys, não avancem e fiquem de prontidão [Stand back and stand by]. Mas vou dizer-lhe, vou dizer-lhe, alguém tem de fazer algo em relação aos antifa e à esquerda, porque isto não é um problema da direita, isto é um problema da esquerda.”

Nota: Os membros do grupo neofascista Proud Boys manifestaram-se de imediato nas redes sociais, regozijando-se com a resposta de Trump e classificando-a como “histórica”; num canal privado dos Proud Boys na rede Telegram, houve membros a interpretar a resposta de Trump como uma aprovação tácita das suas acções violentas.

Logótipo alternativo dos Proud Boys, criado após o debate de 29.09.2020 e adoptando como palavra de ordem o “recado” passado por Trump

● Comunicação oficial, na qualidade de presidente dos EUA em exercício, sobre o ataque ao Capitólio, 07.01.2021:

“Quero começar por abordar o abominável ataque ao Capitólio dos EUA. Como todos os americanos, sinto-me indignado pela violência, pela desobediência à lei e pelo caos. Ordenei de imediato que a Guarda Nacional e as forças da ordem federais retomassem o controlo do edifício e expulsassem os invasores. A América é e sempre será uma nação de lei e ordem. Os manifestantes que entraram no Capitólio profanaram a sede da democracia americana. A todos os que se envolveram em actos de violência, digo-vos que não representam o nosso país. E a todos os que infringiram a lei, que irão pagar por isso.

Acabámos de sair de umas eleições intensas e as emoções estão exaltadas. Mas, agora, há que acalmar os ânimos e restaurar a tranquilidade. A América tem de retomar os seus afazeres. A minha campanha tem recorrido com determinação a todos os meios legais para contestar os resultados das eleições. O meu único objectivo é garantir a integridade do processo eleitoral. Ao fazê-lo, estava a defender a democracia americana. Continuo a crer firmemente que precisamos de reformar as nossas leis eleitorais de forma a verificar a identidade e a elegibilidade de todos os votantes e para assegurar a fé e a confiança em todas as eleições futuras.”

Ataque ao Capitólio por partidários de Trump, 06.01.2021

● Comício, Las Vegas, Nevada, 09.06.2024:

“Os guerreiros do J6 – eles são guerreiros – eles foram realmente, mais do que qualquer outra coisa, eles foram vítimas do que aconteceu. Eles estavam apenas a protestar contra uma eleição viciada. Era o que estavam a fazer. E então a polícia diz, ‘Entrem, entrem, entrem, entrem’. Então e o Joe do cadafalso? O fulano no cadafalso. Ou aquele fulano grandalhão do FBI ou lá de onde ele era? ‘Entrem, entrem, entrem, entrem’. Foi uma grande armadilha, lá isso foi. Que coisa horrível, horrível, e funciona para os dois lados. Funciona para os dois lados, creiam em mim, e nós não queremos que ninguém faça alguma coisa, mas o que eles fizeram a algumas dessas pessoas. Eles apanharam, ontem, uma avó de 72 anos que estava a rezar. Ela estava a rezar e eles prenderam-na por, julgo, quatro anos ou qualquer coisa assim, certo? Deram-lhe quatro anos de prisão”.

Nota: “J6”passou a designar, informalmente, o ataque ao Capitólio a 6 de Janeiro de 2021

O “6MWE” na t-shirt deste Proud Boy significa “Seis milhões não foi suficiente” e alude ao número de judeus que pereceram no Holocausto. No mundo da alt-right americana, é possível que Trump, que tem um genro judeu e tem tido (como empresário e como 45.º presidente dos EUA) judeus como colaboradores de confiança, seja apoiado por grupos que perfilham ideologias anti-semitas

● Comício, Des Moines Area Community College, Newton, Iowa, 06.01.2024:

“Quando se fala de insurreição, o que eles estão a fazer é que é a sério. É o que é a sério. Nem patrioticamente nem pacificamente – pacificamente e patrioticamente.”

Nota: Este trecho é mais hermético do que é usual em Trump, pelo que necessita de elucidação: Trump pretende fazer ver que é “o que eles estão a fazer”, i.e. a permitir ou incentivar a imigração ilegal, não o ataque ao Capitólio a 6 de Janeiro, que é a verdadeira “insurreição” que os EUA enfrentam.

● Comício, Clinton Middle School, Clinton, Iowa, 06.01.2024:

“Temos de libertar os reféns do J6. Chamo-lhes reféns. Há pessoas que lhes chamam presos, eu chamo-lhes reféns. Já sofreram quanto baste. Liberta os reféns do J6, Joe. Liberta-os, Joe. É mesmo fácil para ti, Joe.”

“Prisão solitária”, uma homenagem de Jon McNaughton aos “reféns do J6”

O guardião da pureza do sangue americano

● Anúncio da candidatura às eleições presidenciais de 2016, Trump Tower, Nova Iorque, 16.06.2015:

“Quando o México nos envia as suas pessoas, não envia as melhores. […] Enviam pessoas que têm imensos problemas e que trazem os seus problemas consigo. Trazem drogas. Trazem crime. São violadores. E algumas, presumo, são boas pessoas.”

● Entrevista com Chris Wallace, Fox News, 06.08.2015:

“Os nossos líderes são estúpidos, os nossos políticos são estúpidos e o Governo mexicano é muito mais esperto, muito mais astuto, muito mais manhoso, e envia-nos os maus elementos porque não querem pagar por eles, não querem cuidar deles.”

● Comício em Manchester, New Hampshire, 27.04.2023:

“Há esta história recente sobre um psicólogo, ou um psiquiatra, acho que era um psicólogo. Trabalhava em manicómios na América do Sul. Dizia ele, ‘Trabalhava 24…’, um homem honesto, trabalhava 24 horas por dia a cuidar de doentes mentais. E lá estava ele, a ler o jornal e perguntaram-lhe o que estava a fazer. Ele disse, ‘Já não tenho trabalho. Todos os pacientes foram para os EUA’. Não é incrível? É isto que eles estão a fazer.”

● Entrevista ao website The National Pulse, Setembro 2023:

“Ninguém faz ideia de onde vem esta gente. Nós sabemos que vêm de prisões. Vêm de manicómios, ilhas [?], sabemos que são terroristas. Nunca ninguém assistiu àquilo a que estamos a assistir agora. É uma coisa muito triste para o nosso país. Está a envenenar o sangue do nosso país. É muito mau e há pessoas que trazem doenças. As pessoas trazem tudo aquilo que possam imaginar.”

San Diego, 13.03.2018: Donald Trump aprecia diferentes protótipos do tipo de muro a erguer na fronteira EUA-México

● Comício, Durham, New Hampshire, 17.12.2023:

“Quando eles deixam entrar – creio que o número real é 15, 16 milhões de pessoas – no nosso país, isso dá-nos imenso trabalho. Estão a envenenar o sangue do nosso país, é o que têm estado a fazer. Eles envenenam manicómios e prisões por todo o mundo, não é só a América do Sul, não apenas os três ou quatro países que julgávamos, mas de todo o mundo. Estão a vir para o nosso país de África, da Ásia, de todo o mundo.”

● Comício, Reno, Nevada, 17.12.2023:

“Eles estão a vir às dezenas de… eles estão a vir. Creio que quando o mandato desta administração terminar, serão pelo menos 15 ou 16 milhões de pessoas. Vêm de prisões. Vêm de instituições psiquiátricas e manicómios. Muitos são terroristas. […] De facto, apertei a mão a tantos polícias e agentes da autoridade. Esta mão. Eles costumam ter mãos muito fortes e quando apertas a mão a centenas deles, eles têm mãos extremamente fortes. ‘Sir, muito obrigado’. ‘Muito obrigado, Sir’. Os dedos de um fulano, pareciam salsichas. ‘Sir, importa-se que lhe dê um aperto de mão?’. ‘Claro que não’. E ele está a chorar um bocadinho porque está feliz. Não chora desde que tinha para aí um mês de idade. ‘Sir, posso dar-lhe um aperto de mão? Tem de salvar o nosso país. Posso dar-lhe um aperto de mão?’. ‘Sim’. Mas está certo. Nós fazemo-lo. Fazemo-lo pelo nosso país. E o nosso país irá pagar um preço alto por esta loucura se não fizermos o que tem de ser feito. Temos de limpar o nosso país. Temos de apanhar todos os criminosos. Temos tantos criminosos a serem despejados no nosso país. […] Li um artigo recentemente, num jornal. É um jornal de fake news, mas presumo que o artigo era verdadeiro. A maioria são-no, desgraçadamente. […] Era por um homem e era sobre um homem que dirige um asilo de doentes mentais na América do Sul. Por falar nisso, eles vêm de todo lado, de África, da Ásia, de toda a parte, mas isto aconteceu na América do Sul e ele estava sentado a ler um jornal, tipo descansadamente, e perguntaram-lhe, ‘O que está a fazer?’. ‘Estive sempre ocupado toda a vida. Tinha muito orgulho. Trabalhava 24 horas por dia. Estava sempre ocupado. Mas agora estou neste asilo para doentes mentais’. É onde tem estado há anos. ‘E estive numa instituição para doentes mentais e trabalhava arduamente com os meus pacientes, mas agora não tenho nem um paciente. Foram todos levados para os EUA’. É isto o que está a acontecer. É isto o que está a acontecer. E eu leio isso. E vocês podem multiplicar isso por centenas e até milhares de lugares diferentes no mundo. […] Nos últimos três anos, o velhaco do Joe Biden e a esquerda ultra-radical extremista Democrata no Congresso tornou a América num porto de abrigo para criminosos sedentos de sangue, bandos selvagens de gangs como o MS-13. […] Nós batemos recordes a devolver os do MS-13 de volta. Aos milhares. Devolvemo-los à procedência. Agora ficam cá em condições extremamente luxuosas. Ficam cá em melhores condições do que os nossos veteranos. Os nossos veteranos não são bem tratados, mas o MS-13… E eles enviam os prisioneiros perigosos vindos das prisões esvaziadas. Saem das prisões […], saem dos manicómios, por todo o mundo, e instituições para doentes mentais. Um manicómio é uma instituição para doentes mentais que tomou esteróides. É o Hannibal Lecter. Hannibal Lecter. Já ouviram falar dele? É isso que agora temos. The silence of the lamb [The silence of the lambs]. É o que temos. Ele vem aí e isto não é bom. É como uma explosão à espera de acontecer.”

Nota: O MS-13 é uma organização criminosa internacional originada a partir de um gang destinado a proteger os imigrantes salvadorenhos em Los Angeles contra outros gangs daquela cidade.

Fronteira EUA-México, perto de Yuma, Arizona, 23.06.2020: Donald Trump junto a placa que assinala a 200.ª milha de novo muro, erguido durante a sua administração

● Post na rede Truth Social, Dezembro 2023:

“A imigração ilegal está a envenenar o sangue da nossa nação. Eles vêm de prisões, de instituições para doentes mentais – de todo o mundo.”

● Comício, New Hampshire, Janeiro de 2024:

“Eles vêm de instituições para doentes mentais e manicómios. É o Hannibal Lecter, já ouviram falar de Hannibal Lecter? Estão a ser largados no nosso país, o Hannibal Lecter vem aí, montes deles!.”

● Discurso na International Christian Media Convention da NRB (National Religious Broadcasters), Nashville, Tennessee, 22.02.2024:

“Os imigrantes vêm aos milhares e nós deixamos eles virem […] Estão a tirar os parques às crianças, já não há campos de baseball, nem campos de futebol, já não há nada. […] Estão a ser mais bem tratados do que quem é cidadão americano de longa data e estão a ser mais bem tratados do que os nossos soldados e os nossos veteranos são tratados. Estão a ser hospedados em hotéis de classe mundial.”

[…]

“Assim que eu assumir o meu cargo acabarei com a política de fronteiras abertas da Administração Biden e daremos início à maior operação doméstica de deportação da história americana, porque não temos alternativa”.

● Comício, Grand Rapids, Michigan, 02.04.2024:

“Os Democratas dizem, ‘Por favor, não chamem animais [aos imigrantes]. Eles são humanos’. Eu disse, ‘Não, eles não são humanos, não são humanos, são animais’.”

“Emergência nacional”, por Jon McNaughton. Enquanto as figuras de proa do Partido Democrata exibem as bandeiras de potências rivais dos EUA, em fundo, hordas de imigrantes invadem os EUA

● Comício, Wildwood, New Jersey, 11.05.2024

“Por todo o mundo, estão a esvaziar as suas prisões nos EUA. Estão a esvaziar as suas instituições para doentes mentais nos EUA, o nosso belo país. E agora as populações prisionais de todo o mundo estão em baixo, eles não querem dar essa notícia, as populações das instituições para doentes mentais estão em baixo, porque estão a trazer pessoas dos manicómios e das instituições para doentes mentais, sabem qual é a diferença, não é? Um manicómio é uma instituições para doentes mentais em esteróides. Silence of the lamb [The silence of the lambs], alguém viu Silence of the lamb? O grande e já falecido Hannibal Lecter, é um homem maravilhoso, muitas vezes tinha um amigo ao jantar [“have a friend for dinner” significa, ao mesmo tempo, receber um amigo para jantar e ter por jantar um amigo]. Lembram-se da última cena? ‘Peço desculpa, estou à espera de um amigo para jantar’. Era o coitado de um médico. ‘Estou à espera de um amigo para jantar’, mas Hannibal Lecter, parabéns, o grande e já falecido Hannibal Lecter, temos pessoas que estão a ser libertadas no nosso país que nós não queremos no nosso país e estão a entrar sem controlo algum, sem investigar antecedentes, e não podemos deixar isto acontecer, estão a destruir o nosso país e nós ficamos sentados e é mesmo melhor que eu vença esta eleição, senão este país estará condenado.”

O negociador nato

Trump: The art of the deal, livro com Tony Schwartz, 1987:

“Não consegues ludibriar as pessoas, pelo menos no longo prazo. Podes criar excitação, podes fazer uma campanha promocional maravilhosa e ter todo o tipo de cobertura e podes adicionar uma hiperbolezinha. Mas se o produto não é bom, as pessoas acabarão por perceber.”

[…]

“Li centenas de livros sobre a China ao longo das décadas. Conheço os chineses. Fiz muito dinheiro com os chineses. Compreendo a mente chinesa.”

[…]

“Uma das chaves para pensar em grande é a concentração absoluta. Penso nela quase como uma neurose controlada. Tenho-a visto em muitos empresários de grande sucesso. São obsessivos, implacáveis, têm uma ideia fixa e, por vezes, são quase maníacos, mas está tudo focado no seu trabalho. Enquanto há pessoas que ficam paralisadas pela neurose, estas pessoas de que falo são, na verdade, favorecidas por ela.”

[…]

“Gosto de pensar em grande. Sempre gostei. Para mim, é muito simples: se vais pensar nalguma coisa, então é melhor pensares em grande. A maioria das pessoas pensa pequeno, porque a maioria das pessoas receia o sucesso , receia tomar decisões, receia vencer. E isso dá a pessoas como eu uma grande vantagem.”

[…]

“A última peça essencial na forma como faço promoção é a gabarolice. Eu atiço as fantasias das pessoas. As pessoas podem não pensar ‘em grande’ por elas mesmas, mas são capazes de excitar-se imenso com quem o faz. É por isso que uma hiperbolezinha nunca faz mal. As pessoas querem acreditar em qualquer coisa que é a maior e a mais espectacular. Eu chamo-lhe ‘hipérbole honesta’ [truthful hyperbole]. É uma forma inocente de exagero – e uma forma muito eficaz de autopromoção.”

[…]

“Boa publicidade é melhor do que má publicidade, mas […], por vezes, má publicidade é melhor do que publicidade alguma. Em resumo: a controvérsia vende.”

[…]

“Sou o primeiro a admitir que sou muito competitivo e que farei praticamente tudo dentro dos limites legais para vencer. Às vezes, uma parte do processo é denegrir os teus competidores.”

[…]

“A pior coisa que podes fazer num negócio é dares a impressão de que estás desesperado para o fechar. Isso faz o outro fulano cheirar sangue e tu estás arrumado.”

Trump Tower, vista da Quinta Avenida, Nova Iorque

O ás da geopolítica

● Entrevista ao The Wall Street Journal, Julho de 2017; trechos omitidos pelo WSJ na versão publicada mas divulgados na versão integral pelo jornal Politico:

Trump: “Negoceio com países estrangeiros sobre política internacional e, apesar do que poderão ter lido, tenho excelentes relações com todos os líderes estrangeiros. Eles gostam de mim. Eu gosto deles. Sabem, é fantástico. Ligo a um país, tipo, importante, um país importante, e trato com o primeiro-ministro ou o presidente. E então digo, ‘Como vão?’, ‘Oh, não sei, não sei, nada bem, Sr. presidente’. Eu digo, ‘Então, qual é o problema?’, ‘Oh, PIB 9%, nada bem’. E eu digo para mim mesmo, ‘Aqui estamos nós para aí com 1%, a morrer, e eles estão com 9% e não estão satisfeitos’. E, sabem, isto são países, tipo, sabem, bem grandes, tipo 300 milhões de pessoas. Sabem, muita gente diz, eles dizem, bem, os EUA são grandes. E então ligamos para lugares como a Malásia ou a Indonésia e vocês sabem quantos habitantes eles têm? É impressionante o número de pessoas que eles têm. Por isso a China vai chegar aos 7 ou 8% e eles têm 1500 milhões [de habitantes], certo? Portanto, vamos ter um bom desempenho […]”

WSJ: “Fez um tweet esta manhã sobre as negociações comerciais com a Grã-Bretanha.”

Trump: “Sim.”

WSJ: “Pode dizer-nos algo mais sobre isso?”

Trump: “Não, mas posso dizer que vamos estar muito envolvidos com o Reino Unido. Quero dizer, já não ouço o termo ‘Grã-Bretanha’. É curioso. É tipo, não.”

[segue-se peroração de Trump em que se mesclam as aspirações independentistas da Escócia, torneios de golfe e a excelência dos campos de golfe que possui no Reino Unido, até que Gerard Baker, o editor-chefe do WSJ, tenta fazer Trump regressar ao tema]

Baker: “Seja como for, tem perspectivas de fazer um acordo de comércio com o Reino Unido?”

Trump: “Sim. Temos um excelente relacionamento.”

WSJ: “A questão é que, com o Brexit, o tempo está a escoar-se.”

Trump: “Temos um excelente relacionamento. Tenho um excelente relacionamento com a primeira-ministra. E estamos mesmo prontos a fazer um grande acordo de comércio.”

WSJ: “A ideia será fazer o acordo de comércio entrar em vigor assim que o Brexit aconteça?”

Trump: “Assim que for apropriado entra em funcionamento, sem dúvida. Será um grande acordo de comércio. Muito, muito mais negócios do que os que fazemos actualmente, muitas, muitas vezes mais.”

WSJ: “Há áreas nele que serão mais importantes? Poderia destacar partes específicas?”

Trump: “Vai haver algumas áreas. Não é, vai haver algumas áreas. Quer dizer, uma das coisas é que tenho um excelente relacionamento com as pessoas da União Europeia e tudo, mas eles são muito, muito proteccionistas.”

Baker: “Portanto incluirá a agricultura no acordo com o Reino Unido?”

Trump: “Bem, vou contar-vos, sabem, eu fiz uma coisa sobre a qual ninguém escreveu – ainda que vocês tenham escrito. Quando me reuni com o presidente Xi, com quem tenho um excelente relacionamento, disse-lhe, ‘Faça-me um favor. Pode, por favor, deixar entrar o gado?’. Estive a noite passada na West Virginia e os agricultores vinham ter comigo e abraçar-me e beijar-me por causa disso do gado. Na verdade, eles não eram da West Virginia, eram de outros lados. Mas, sabem, eram os escoteiros, portanto vinham de todo o país.”

“Trump shrugged”, por Jon McNaughton. O título é uma alusão ao livro Atlas shrugged, de Ayn Rand (1905-1982), escritora que perfilhava ideários libertários com pontos de contacto com os que são hoje perfilhados pela alt-right

● Discurso na CPAC (Conservative Political Action Conference), Fort Washington, Maryland, 04.03.2023:

“Eles diziam, ‘Trump está a dar demasiado à Rússia’. A sério? Na verdade, o que Putin me disse foi, ‘Se fores meu amigo, eu detestaria como tudo ter-te como inimigo’.”

[…]

“[Putin pensou] ‘Uau, Trump foi-se embora, é a altura certa para invadir a Ucrânia’. Certo?”

[…]

“Fui o único presidente [dos EUA] em décadas que não começou uma guerra, mas terminei guerras que [outros] tinham começado. Fui também o único presidente em que a Rússia não invadiu um país durante o meu mandato. […] Dava-me muito bem com Vladimir Putin. Disse-lhe, ‘Vladimir, não o faças. Tu sabes, tu e eu temos amigos, não invadas outros países, senão Moscovo leva forte. Bem, disse-lhe coisas. Ele talvez não tenha acreditado nelas, mas, sabem que mais, acreditou em 10% e o presidente Xi também acreditou quando lhe falei de Pequim. Provavelmente pensou, ‘Não acredito nele, mas há 10% de probabilidade de não fazermos nada’. É verdade, é verdade, não fazem ideia destas conversações. Tomara que tivessem sido gravadas, efectivamente, as pessoas iriam ter-me em grande conta.”

Cimeira Rússia-EUA, Helsínquia, 16.06.2018

● Comício, Claremont, New Hampshire, 11.11.2023:

“O líder da Hungria, um fulano bem duro, forte, Viktor Orbán, ouviram falar dele? Provavelmente. Sabem, é considerado muito poderoso, muito poderoso no seu país e fora do seu país, não é propriamente muito amado por algumas nações europeias, porque ele fez esta coisa: ele não permitiu que milhões de pessoas invadissem o seu país. Ele não permitiu que ninguém invadisse, zero, zero. Não aceitou ninguém. É por isso que não tem crime e não tem os problemas que eles têm noutros países onde milhões de pessoas são autorizadas a entrar. Mas estavam a entrevistá-lo há umas duas semanas e disseram-lhe, ‘Que conselhos daria ao presidente Obama? O mundo inteiro parece estar a explodir e a implodir’. E ele disse, ‘É muito simples. Ele deveria demitir-se imediatamente e deveria dar lugar ao presidente Trump, que manteve o mundo seguro’.”

Nota: Quando menciona “Obama”, Trump quer, obviamente, dizer “Biden”.

● Entrevista com Elon Musk, rede social X, 13.08.2024

“Dava-me muito bem com Putin e ele respeitava-me. Falávamos sobre a Ucrânia. Era a menina dos olhos dele. Mas eu disse-lhe, ‘Não o faças. Não podes fazê-lo, Vladimir. Se o fizeres, vai ser um dia mau. Não podes fazê-lo’. E disse-lhe o que faria. E ele disse, ‘Nem pensar’, e eu disse ‘Pensar’.”

Nota: A parte final deste trecho é intraduzível, devido ao entendimento muito livre que Trump tem da língua inglesa: o trecho original é “And he said, ‘No way’, and I said, ‘Way’.”

Cimeira Rússia-EUA, Helsínquia, 16.06.2018: Putin oferece a Trump uma bola oficial do Campeonato Mundial de Futebol que, por aquela data, estava a decorrer na Rússia

● Em conversa com Michael Cohen, citado em Disloyal, a memoir: The true story of the former personal attorney to President Donald J. Trump (2020):

“Diz-me o nome de um país governado por um negro que não seja um ‘shithole’.”

O ambientalista

● Discurso no National Republican Congressional Committee, 04.04.2019

“Hillary [Clinton] queria apostar no vento. No vento. Se tiveres uma turbina eólica perto da tua casa, parabéns: o valor da tua casa já caiu 75%. E dizem que o ruído [da turbina] provoca cancro, que me dizem disto?”

● Discurso no Turning Point USA Student Action Summit, Florida, West Palm Beach, 23.12.2019:

“Sabem? Sei muito sobre turbinas eólicas. Estudei-as melhor do que qualquer pessoa que eu saiba. […] São muito caras. São fabricadas quase todas na China e na Alemanha – aqui fabricamos poucas ou nenhuma. Mas são fabricadas tremendamente, fumos tremendos. São vomitados gases para a atmosfera. Sabem que temos um mundo, certo? Portanto, o mundo é pequenino comparado com o universo. Fala-se da pegada de carbono. Os fumos são vomitados para a atmosfera, certo? Vomitados. Seja na China ou na Alemanha, vão para o ar. É o nosso ar, o ar deles, tudo, certo? […] Fabricam essas coisas e põem-nas por aí. E se tens uma casa no campo de visão de um desses monstros, a tua casa vale metade do que valia. […] São barulhentas. Matam as aves. Querem ver um cemitério de aves? Vão lá. Dêem uma olhadela. Um cemitério de aves. Um dia, vão ver debaixo de uma turbina eólica. Vão ver mais aves do que alguma vez viram na vida. […] Sabem, na Califórnia, estavam a matar uma águia-careca. Se dás um tiro numa águia-careca metem-te na prisão por dez anos. Uma turbina eólica pode matar muitas águias-carecas. É verdade. E sabem que mais? A partir de um certo número, obrigam-te a desligar a turbina eólica. É assim, obrigam-te desligar depois de tu…, e no entanto, se mataste uma, põem-te na cadeia. Está certo. Mas está certo que essas turbinas eólicas destruam a população de aves? E é o que estão a fazer.”

Don Quijote arremete contra moinho de vento, gravura por G.A. Harker, 1910

● Conferência de imprensa sobre fogos florestais, McClellan Park, Califórnia, 14.09.2020, na sequência de devastadores fogos florestais naquele estado:

Wade Crowfoot (secretário da Agência para os Recursos Naturais da Califórnia): “A gestão da vegetação é uma área prioritária, mas é necessário reconhecer a realidade das alterações climáticas e o que isso significa para as nossas florestas […].”

Trump: “O tempo vai arrefecer.”

WC: “Quem nos dera…”

Trump: “Vão ver.”

WC: “Gostaria que a ciência lhe desse razão.”

Trump: “Acho que, na verdade, a ciência não sabe nada.”

● Cacharolete de declarações sobre ambiente enquanto presidente dos EUA:

“A minha administração vai pôr termo à guerra ao carvão. Podemos ter carvão limpo. Carvão verdadeiramente limpo.”

“Os nossos números sobre ambiente são muito, muito bons, os nossos números ambientais, os nossos números da água são…, os nossos números sobre ar são… tremendos!”

“[Sou] o presidente n.º 1 em termos de ambiente, a seguir a Teddy Roosevelt [pioneiro da conservação da natureza e criador dos Serviços Florestais dos EUA e de cinco parques nacionais]. Quem diria? Trump é o grande ambientalista!.”

“Eu sou um ambientalista. Há muitas pessoas que não percebem isso. Eu fiz mais declarações de impacte ambiental, provavelmente, do que qualquer pessoa que tenha sido presidente ou vice-presidente ou qualquer coisa próxima de presidente.”

Nota: As declarações de impacte ambiental (Environmental Impact Statement ou EIS) não são “feitas” pelo presidente dos EUA, nem este tem qualquer influência na sua elaboração. São documentos requeridos por lei desde 1969 e destinam-se a informar a tomada de decisão do Estado federal sobre a realização de projectos, de iniciativa pública ou privada, susceptíveis de “afectar significativamente o ambiente humano”.

● Discurso na CPAC (Conservative Political Action Conference), Fort Washington, Maryland, 04.03.2023:

“Temos petróleo e gás, mas não queremos carros a petróleo e gás. Mas queremos tudo, incluindo carros eléctricos. Mas também queremos gasolina para os carros irem mais longe e há muitas pessoas que os preferem. Não queremos viagens curtas que são interrompidas durante duas horas e meia. É um logro de 1.º de Abril. Querem que os fornos todos do país sejam eléctricos, mas não temos energia eléctrica para tal. Queremos fornos eléctricos, mas também queremos fornos a gás. É um logro de 1.º de Abril. Porque querem eles isso?”.

“Keep on trumpin’”, por Jon McNaughton. Os partidários de Trump troçam da mobilidade suave e são devotos da mobilidade musculada

● Comício, Summerville, South Carolina, 25.09.2023

“As turbinas eólicas estão a causar a morte de baleias em números nunca antes vistos. Ninguém faz nada. Estão a dar à costa, vi que esta semana foram três. Dantes não era nem uma por ano, agora surgem num ritmo semanal. As turbinas eólicas estão a fazê-las enlouquecer, estão a fazer com que as baleias fiquem um bocadinho chalupas. E estão a dar à costa em níveis nunca antes vistos.”

● Discurso no Congresso do Povo, do grupo conservador Turning Point Action, Detroit, Michigan, 15.06.2024:

“Li hoje que eles não querem que haja água na vossa máquina de lavar loiça, de forma que a vossa máquina de lavar loiça não vai funcionar e eles acham que isso é bom e vocês deixam aquilo ligado e vai trabalhando, trabalhando, e a conta da electricidade é dez vezes maior do que a da água. E isto são áreas onde têm tanta água que não sabem o que fazer com ela, estão a ficar inundados […] Alguma vez foram a uma casa nova e há um chuveiro em que não sai água do chuveiro. Puseram-lhe um redutor de caudal. Eu arranco todos os redutores de caudal, arranco-os. […] Já passei pela experiência, tomo um duche e quero que a minha bela cabeleira fique bela e molhada, quero que ela fique magnificamente ensaboada e compro o melhor produto que há no mercado e despejo o frasco todo e depois abro a torneira e a água só goteja e não consigo tirar aquela coisa do meu cabelo, é uma coisa horrível. Abre-se a pia e a torneira, abre-se e não sai água, não sai praticamente água alguma. Portanto, temos de lá deixar as mãos. Estamos a ver se apanhamos a água. Pois bem, eu revoguei tudo isso, mas eles voltaram a pô-lo. Não é terrível?”

Nota para os menos familiarizados com os discursos de Trump: A (alegada) falta de pressão na rede pública de abastecimento de água dos EUA é um tema tão recorrente quanto as turbinas eólicas; Trump vê na (alegada) pressão insuficiente da água um sinal inequívoco do declínio civilizacional dos EUA e atribui a responsabilidade por esta calamidade às administrações Democratas.

● Entrevista à Fox News, Junho de 2024:

“Quando eles dizem que os mares irão subir 3 milímetros nos próximos 400 anos, isso quer dizer, basicamente, que iremos ter um pouco mais de área nos lotes à beira-mar, certo?”

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Mar-a-Lago, a mansão de Trump em Palm Beach, Florida; Este estreito e frágil cordão dunar sobrecarregado com urbanizações e resorts turísticos está entre as vítimas potenciais da subida do nível dos oceanos

● Conferência de imprensa, 15.08.2024:

“O vento [i.e., as turbinas eólicas] está a dar cabo de tudo, a matar as nossas aves, destruindo os campos, todos aqueles belíssimos campos, há turbinas eólicas por todo o lado e temos as aves. Se querem ver um cemitério de aves, vão ver debaixo de uma turbina eólica, são milhares de aves mortas. A águia-careca, se matarem uma águia-careca, apanham anos de prisão. No entanto, as turbinas eólicas abatem-nas como… nada.”

Águia-careca (Haliaeetus leucocephalus), símbolo nacional dos EUA

O pai extremoso

● Programa de rádio Howard Stern Show, 2003:

“Ela é uma das grandes beldades deste mundo, é o que diz toda a gente. E eu ajudei a criá-la. Ivanka. […] Tem um metro e oitenta e um corpo espectacular. Tem feito muito dinheiro como modelo, uma pipa de massa.”

● Programa de rádio Howard Stern Show, 2004:

Trump: “A minha Ivanka é uma beldade…”

Stern: “Já que fala nisso, a sua filha…”

Trump: “É uma beldade…”

Stern: “…não sei se posso dizer isto: um belo naco?”

Trump: “Sim.”

● Perfil de Trump na revista New York Magazine, 2004:

“Ivanka é mesmo uma tremenda beldade. Todos os fulanos do país gostariam de andar com ela. Mas ela tem um namorado.”

● Programa de rádio Howard Stern Show, 2006:

Stern: “A sua filha fez implantes mamários?”

Trump: “Não, não fez. Quero dizer, se tivesse feito eu saberia. A resposta é não. Mas porque pergunta, ela parece-lhe mais cheiinha?”

Stern: “Ela está mais voluptuosa do que nunca.”

Trump: “Não, não fez. Ela sempre foi muito voluptuosa. É alta, um metro e oitenta, e é de uma beleza deslumbrante.”

Ivanka e Donald Trump nos jardins de Mar-a-Lago, em 1996, quando Ivanka tinha 15 anos

● Entrevista na revista The View, 2006:

“Não creio que Ivanka fizesse isso [posar para a revista Playboy], ainda que ela tenha uma bela figura. Já tenho dito que, se Ivanka não fosse minha filha, talvez a tivesse como namorada. Isto é uma coisa horrível de se dizer? Quão horrível? É mesmo horrível?”

● Entrevista com Trump e Ivanka no programa televisivo Wendy Williams Show, 2013

Williams: “Ivanka, qual a sua favorita entre as coisas que tem em comum com o seu pai?”

Ivanka: “Imobiliário ou golfe.”

Trump: “Bem, eu ia dizer “sexo”, mas não posso associar isso a ela.”

● Entrevista na Rolling Stone, 2015

“[Ivanka] é mesmo fora-de-série, uma verdadeira beldade, essa rapariga. Se eu não tivesse um casamento feliz e não fosse pai dela…”

Retrato oficial de Ivanka Trump, na qualidade de elemento da Administração Trump

O profeta do apocalipse

● Discurso na CPAC (Conservative Political Action Conference), Fort Washington, Maryland, 04.03.2023:

“Sou o único candidato que pode fazer esta promessa. Evitarei a III Guerra Mundial, com toda a facilidade. É que vamos ter a III Guerra Mundial, se não acontecer alguma coisa rapidamente, vamos ter a III Guerra Mundial”.

[…]

Este é o momento mais perigoso da história do nosso país e Joe Biden está a conduzir-nos para o olvido. Está a conduzir-nos para o olvido”.

● Comício, Grand Rapids, Michigan, 02.04.2024:

“Se não ganharmos em 5 de Novembro, creio que o nosso país irá acabar. Poderá ser a última eleição que alguma vez teremos. É mesmo o que penso. [Se] não ganharmos, esta será a última eleição que alguma vez teremos. É para onde o nosso país se encaminha.”

● Discurso na Cimeira dos Crentes (Believers Summit), organizada pelo grupo conservador Turning Point Action, West Palm Beach, Florida, 17.07.2024:

“Se Kamala Harris entrar [na Casa Branca], será a presidente mais radical e extremista da história da América.”

“It’s a mad mad mad America”, por Jon McNaughton

O anjo vingador

● Discurso na CPAC (Conservative Political Action Conference), Fort Washington, Maryland, 04.03.2023:

“Em 2016, declarei ‘Eu sou a vossa voz’, hoje acrescento: sou o vosso guerreiro, sou a vossa justiça. E, para aqueles entre vós que foram injustiçados e traídos, sou a vossa desforra.”

[…]

“Ao longo de sete anos, tenho estado envolvido num combate épico para salvar o nosso país das pessoas que o odeiam e querem destruí-lo completamente. As forças sinistras que pretendem assassinar a América têm feito tudo para me deter, para vos silenciar e para tornar este país num vazadouro de criminosos, drogados, marxistas, bandidos, radicais e refugiados perigosos que nenhum outro país quer. Nenhum outro país os quer. Se os que se opõem a nós triunfarem, os nossos EUA, em tempos tão belos, serão um país falhado que nem sequer será reconhecível. Um pesadelo comunista, sem lei, de fronteiras abertas, infestado de crime e imundo.”

[…]

“Hoje vivemos num estado de espírito marxista. Somos numa nação em declínio. Os nossos inimigos estão desesperados para nos parar, pois sabem que nós somos os únicos capazes de os parar. Eles sabem que esta sala é importante, as pessoas nesta sala. Eles sabem que nós somos capazes de os derrotar. Mas o alvo deles não sou eu, o alvo deles são vocês e eu apenas estou no caminho deles. E é por isso que estou hoje aqui. É por isso que estou hoje convosco, porque temos de acabar aquilo que começámos. Começámos algo que era a América. Temos de completar essa missão. Temos de levar esta batalha até à vitória final. Vamos fazer a América grande outra vez. Convosco a meu lado, iremos demolir o Deep State. Expulsaremos os fomentadores de guerras. Há pessoas que não percebem, ainda que, nalguns casos, percebam. Percebem-no através das suas carteiras, mas não podemos fazer isso. Não podemos permitir que tal aconteça. Escorraçaremos os globalistas, ver-nos-emos livres dos comunistas. Desenvencilhar-nos-emos da classe política que odeia o seu país. É que eles odeiam mesmo o nosso país. Nem muros, nem fronteiras, eleições viciadas, eleitores sem identificação. Bateremos os democratas. Esmagaremos os media que produzem fake news. Denunciaremos e daremos tratamento adequado aos RINOs” [Republicans In Name Only (Republicanos apenas no nome), designação pejorativa usada pelos Republicanos radicais para designar os Republicanos moderados]. Correremos com Joe Biden da Casa Branca. E libertaremos a América desses vilões e dessa escumalha de uma vez por todas.”

“Trick or treat”, por Jon McNaughton, é uma galeria dos vampiros, bruxas, zombies e súcubos que, a seu ver, ameaçam a América. Curiosamente, a galeria incluiu Jeffrey Epstein (à esquerda de Bill Clinton), um milionário que foi detido por abuso sexual de menores; Trump frequentou as suas festas, viajou no seu jacto privado viajou, convidou-o para Mar-a-Lago e disse dele, em 2022, “Conheço-o há 15 anos. É um gajo fantástico. Estar com ele é imensamente divertido. Até se diz que gosta tanto de mulheres bonitas como eu, muitas delas ainda muito novinhas”

● Post na rede Truth Social, 06.06.2023

“Nomearei um procurador especial para perseguir o presidente mais corrupto da história dos EUA, Joe Biden, e toda a criminosa família Biden e todos os que estão envolvidos na destruição das nossas eleições, das fronteiras e do próprio país.”

● Comício, Claremont, New Hampshire, 11.11.2023:

“Em honra dos nossos grandes veteranos, neste Dia dos Veteranos, juramos que iremos erradicar os comunistas, os marxistas, fascistas e bandidos da esquerda radical que vivem como vérmina pelos quatro cantos da nossa nação, mentindo, roubando, falsificando eleições e fazendo tudo o que é possível para, por meios legais e ilegais, destruir a América e o Sonho Americano. As ameaças externas são muito menos sinistras, perigosas e graves do que o perigo interno. Apesar do ódio e da raiva dos lunáticos da esquerda radical que querem destruir o nosso país, faremos a América grande outra vez!.”

● Entrevista, Newsmax, 05.06.2024

[Sobre as suas recentes condenações em processos judiciais:] “Sabem, é um caminho terrível, terrível, aquele para que eles [os Democratas] estão a conduzir-nos e é bem possível que isso vá acontecer-lhes a eles. Significa que o próximo presidente [i.e., Trump] lhes fará isso? [i.e., persegui-los com processos judiciais] Essa é que a questão”.

Documentos classificados trazidos por Trump da Casa Branca e amontoados numa das casas de banho da sua mansão de Mar-a-Lago. Esta apropriação de documentos sensíveis e a recusa terminante em devolvê-los, após pedidos insistentes das autoridades competentes, está na origem de um dos processos judiciais contra Trump que correm nos tribunais dos EUA

● Entrevista com Sean Hannity, Fox News, 06.06.2024

“Quando esta eleição estiver concluída, atendendo ao que eles [os Democratas] fizeram [a mim], teria todo o direito a persegui-los. E seria fácil, porque se trata de Joe Biden e vê-se toda a criminalidade, todo o dinheiro que vai para a sua família e para ele, todo este dinheiro vindo da China e da Rússia e da Ucrânia.”

● Entrevista com Phil McGraw, no programa Dr. Phil, 07.06.2024

“A vingança precisa de tempo. E, por vezes, a vingança é justificada, Phil, para dizer a verdade. Por vezes pode ser justificada.”

O déspota esclarecido

● Vídeo/post nas redes sociais Rumble e Twitter, Março de 2023:

“Eis o meu plano para desmantelar o Deep State e resgatar a democracia das mãos da corrupção em Washington – e é de corrupção que se trata.

Em primeiro lugar, voltarei a promulgar a minha ordem executiva de 2020 para devolver poderes ao presidente e remover os burocratas velhacos. E farei uso desses poderes de forma muito agressiva.

Em segundo lugar, iremos erradicar os elementos corruptos do aparelho nacional de segurança e informações e garanto-vos que são mesmo muitos. Os departamentos e agências [estatais] que têm sido instrumentalizados serão inteiramente reformulados, de forma a que os burocratas sem rosto nunca mais sejam capazes de importunar e perseguir os conservadores, os cristãos, ou os inimigos políticos da esquerda, que é algo que eles estão hoje a fazer a um nível que ninguém julgaria possível.

Em terceiro lugar, iremos reformular integralmente os tribunais FISA, que são tão corruptos que os juízes não querem saber se são ou não aldrabados nos pedidos de autorização [“warrants”]; não têm conta os juízes que têm sido confrontados com pedidos que eles sabem que contêm falsidades – ou, pelo menos, deviam saber; mas eles não fazem nada e são enganados.”

[Nota: O Foreign Intelligence Surveillance Court (FISC), informalmente conhecido como FISA Court, é o tribunal federal responsável pela aplicação do Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA), de 1978, que define os procedimentos para vigilância e recolha de informação pela parte das agências do Governo federal, de forma a evitar que o Governo abuse das suas prerrogativas no combate à espionagem e ao terrorismo; por outras palavras, confere ao Congresso e ao poder judicial meios para escrutinar e controlar as acções de vigilância do Governo sobre indivíduos e entidades estrangeiras em solo americano, tentando obter um equilíbrio entre liberdade individual e segurança nacional. Cabe aos juízes do FISC validar os “FISA warrants”, i.e., os pedidos de autorização, provenientes das agências estatais (maioritariamente da NSA e do FBI), para conduzir acções de vigilância sobre estrangeiros]

“Em quarto lugar, a fim de expor as falsidades e os abusos de poder que têm vindo a dilacerar o nosso país, iremos criar uma Comissão de Verdade e Reconciliação, que irá desclassificar e publicar todos os documentos sobre a espionagem, a censura e a corrupção do Deep State – e são imensos.

Em quinto lugar, lançaremos uma vasta operação repressiva contra os que, no aparelho de Estado, promovem a fuga de informações, em conluio com as fake news, de forma a criar falsas narrativas e subverter o nosso Governo e a nossa democracia.”

“You are fake news”, por Jon McNaughton

“Em sexto lugar, tornaremos os Gabinetes do Inspector Geral independentes e fisicamente separados dos departamentos que supervisionam, de forma a não agirem como protectores do Deep State.”

[Nota: “Office of Inspector General” designa, nos EUA, a entidade de supervisão das agências estatais, federais ou estaduais, de forma a assegurar que operam de forma eficiente e dentro dos limites legais]

“Em sétimo lugar, solicitaremos ao Congresso que implemente um sistema independente de auditoria que monitorize constantemente as nossas agências de informação, de forma a garantir que não espiam os nossos cidadãos ou promovem campanhas de informação contra o povo americano ou que espiam as campanhas dos candidatos, como fizeram com a minha campanha.

Em oitavo lugar, prosseguiremos o esforço empreendido pela [anterior] Administração Trump para deslocar partes da imparavelmente ramificada burocracia federal para novos locais fora do pântano de Washington, tal como eu desloquei o Bureau of Land Management [agência responsável pela gestão dos terrenos que são propriedade do Estado federal americano] para o Colorado. Centenas de milhares de cargos poderão ser deslocados (e com efeito imediato) de Washington para lugares cheios de patriotas que amam a América e que amam mesmo a América

Em nono lugar, irei tomar medidas para vedar aos burocratas federais que assumam cargos em empresas por eles reguladas e com as quais eles tratam; eles tratam com estas empresas e regulam estas empresas e, depois, querem ir trabalhar nestas empresas; isto não pode funcionar assim, esta exibição pública não pode continuar e acontece a toda a hora com as grandes empresas farmacêuticas.

Finalmente, irei propor uma emenda à Constituição que imponha limites na duração dos mandatos dos membros do Congresso.

É assim que irei demolir o Deep State e repor um Governo que seja controlado pelo povo e para o povo.”

“Um legado de esperança”, por Jon McNaughton: Trump como legítimo herdeiro das grandes figuras da História dos EUA

● Town hall da Fox News, moderado por Sean Hannity, Davenport, Iowa, 05.12.2023

Hannity: “Há quem queira chamar-lhe ditador. O senhor usa as palavras ‘Eu sou a vossa desforra’. […] Quero ser muito claro nisto, ser claro. Tem, de alguma maneira, alguns planos para, se for reeleito presidente, abusar do poder, infringir a lei, usar o Governo para perseguir pessoas?”

Trump: “Quer dizer, como eles estão a usar agora [contra mim]?”

[…]

Hannity: “Quero voltar a este assunto, porque os media têm estado focados nele e o têm usado para o atacar. É capaz de prometer esta noite à América que, em circunstância alguma, irá usar do poder [caso seja eleito presidente] para se vingar de alguém?”

Trump: “Excepto no primeiro dia… [troçando de Hannity] Ah, ele está a ficar desorientado… Excepto no primeiro dia.”

Hannity: “O que significa…”

Trump: “Significa que quero fechar a fronteira e que quero perfurar, perfurar.”

Hannity: “Isso não é vingança.”

Trump: “Gosto mesmo deste gajo. Ele diz, ‘Você não quer ser um ditador?’, eu digo, ‘Não, não, não, excepto no primeiro dia’. Vamos fechar a fronteira e perfurar, perfurar, perfurar, depois disso não serei um ditador.”

Nota: “’Perfurar, perfurar, perfurar’ [‘drill, drill, drill’] significa, na gíria da alt-right, autorizar explorações de petróleo e gás natural em territórios com valores ambientais e culturais que colidem frontalmente com esse tipo de actividades e que gozam de estatuto de protecção; significa também rasgar compromissos com políticas que visem minimizar as emissões de carbono e combater as alterações climáticas.”

O polímata

O espírito fulgurante de Trump, aliado aos seus conhecimentos enciclopédicos nos mais diversos domínios, permitem-lhe perorar durante uma hora ou duas, de improviso, interligando habilmente assuntos aparentemente díspares num todo perfeitamente lógico, fluido e enfeitiçante. Eis um exemplo:

● Comício em Las Vegas, Nevada, 09.06.2024:

“O nosso país está em dificuldades. Iremos acabar com o mandato eléctrico no primeiro dia [de governação]. Querem obrigar também todos os barcos. Visitei uma empresa de barcos na Carolina do Sul e disse ‘Como vai o negócio?’. O homem disse ‘É um problema, Sir. Querem que só produzamos barcos eléctricos’. São barcos de 16 a 35 pés, aproximadamente, de pesca, de recreio, uma bela empresa da Carolina do Sul, bela. O fulano trabalha nisto há 50 anos. Vende centenas de barcos todos os meses. Quer dizer, é mesmo um fulano fora de série. Eles querem acabar com isso. Querem que tudo seja eléctrico. Ele disse, ‘O problema é que o barco é tão pesado que não flutua’. Eu disse, ‘Parece que temos um problema’. Ele disse ‘Também não podem andar depressa por causa do peso. E agora querem um raio de acção de 50 a 75 milhas. Tens de afastar-te 70 milhas até poderes arrancar com o barco e vais a dois nós”. Que é quase, basicamente, como duas milhas por hora. Digo, ‘Quanto tempo leva a chegar lá?’, ‘Muitas horas e depois podes andar por lá dez minutos, mas tens de regressar porque as baterias só duram um período de tempo limitado’. Então eu disse ‘Deixe-me fazer-lhe uma pergunta’ e ele disse ‘Nunca ninguém me tinha perguntado isso’ e deve ser por causa do MIT, a minha relação com o MIT – muito esperto. ‘O que acontece se o barco for ao fundo por causa do peso? E você está no barco e tem essa bateria tremendamente potente e a bateria está debaixo de água e há um tubarão a uns dez metros de distância? Por falar nisso, tem havido imensos ataques de tubarões, ultimamente, já repararam? Hoje ouvi uns fulanos a explicar isso, ‘Bem, não é que eles estivessem mesmo com fome. Eles arrancaram uma perna a uma rapariga, não por estarem com fome, mas porque não perceberam quem ela era’. Esta gente é doida. Ele disse que os tubarões não eram um problema: ‘Eles apenas não compreenderam que agora estivesse ali uma rapariga a nadar’. Fiquei mesmo dizimado [sic] e outras pessoas, muitos ataques de tubarões. Então, eu disse, está um tubarão a dez metros do barco, a dez metros ou aqui, serei electrocutado se o barco afundar? A água vai para cima da bateria, o barco está a afundar. Então, fico em cima do barco e sou electrocutado, ou salto para junto do tubarão e não sou electrocutado? Porque, vou contar-vos, ele não sabia a resposta. Ele disse, ‘Sabe, nunca ninguém me tinha perguntado isso’. Eu disse, ‘Acho que é uma boa pergunta’. Acho que há uma forte corrente eléctrica a vir por aquela água. Mas vocês sabem o que eu faria se houvesse um tubarão ou ser electrocutado. Escolheria a electrocussão em todas as ocasiões. Não chego nem perto do tubarão. Então é assim que isto acaba. Vamos acabar com isso para os barcos. Vamos acabar com isso para os camiões.”

[seguem-se divagações sobre camiões eléctricos e camiões a gasóleo]

“E uma pessoa diz a si mesma: ‘Quem são estas pessoas que estão a destruir o nosso país? Porque estão a destruir o nosso país? Por que razão estão a destruir o nosso país?’. Todas essas coisas vão acabar. Não vamos ter homens a jogar desportos femininos. Estive a falar com o presidente Xi. Eu disse, ‘Vocês têm um problema de drogas?’. ‘Não’. Ele nem percebeu do que estava eu a falar. Ele tem 1.400 milhões de pessoas. Eu disse, ‘Vocês têm um problema de drogas?’. Diz ele, ‘Não temos problemas de drogas’. Eu disse, ‘Como é que fazem isso?’. Basicamente, disse ele, temos a pena de morte. ‘Apanhamos’. Chamam-lhe julgamento rápido. Há um julgamento e é rápido. Por falar nisso, esta brisa, não é agradável? Sentem a brisa? Porque eu não quero que alguém se vá embora, precisamos de cada voto. Estou a borrifar-me para vocês. Só quero o vosso voto. Estou a borrifar-me. Estão a ver, agora os jornais vão pegar nisto e vão dizer, ‘Ele disse uma coisa horrível’.”

O poeta

A possibilidade de Donald Trump, o “negociador implacável”, conhecido pelo carácter pragmático e terra-a-terra, cultivar a poesia poderá parecer tão remota como a de seguir uma dieta vegan, ou de tocar viola da gamba como hobby, ou de ser um entusiástico praticante de biodanza, mas a verdade é que existe um livro intitulado The beautiful poetry of Donald Trump, publicado em 2017 pela Canongate Books.


Entre as pérolas literárias incluídas no livro está, por exemplo, o poema “I’m really rich” (“Sou mesmo rico”): “I’m very proud of my new crystal collection/ I have a Gucci store that’s worth more than Romney/ I order thousands of televisions a year/ Six people do nothing but sort my mail/ Sorry haters and losers!/ He who has the gold makes the rules” Numa tradução livre, incapaz de exprimir a verve, sonoridade e ritmo do original: “Estou muito orgulhoso da minha nova colecção de cristais/ Tenho uma loja da Gucci que vale um Mitt Romney ou mais/ Encomendo todos os anos mil televisores/ Há seis pessoas cujo único trabalho é separar o meu correio/ Azarinho, invejosos e falhados!/ Quem tem o pilim é quem define as regras”.

A poesia deste livro tem, por vezes, uma componente de penetrante análise da sociedade americana, como é o caso de “I am the least racist person there is” (“Sou a pessoa menos racista do mundo”): “I’ve always had a great relationship with the blacks/ I remained strong for Tiger Woods during his difficult period/ Oprah, I love Oprah. Oprah would always be my first choice/ Kanye West – I love him/ I think Eminem is fantastic, and most people think I wouldn’t like Eminem/ And did you know my name is in more black songs than any other name in hip-hop?/ You are the racist, not I” (“Sempre tive uma excelente relação com os negros/ Estive ao lado de Tiger Woods nos seus momentos difíceis/ Oprah, adoro a Oprah. Oprah é sempre a minha primeira escolha/ Kanye West, como eu o adoro/ Acho Eminem fantástico, embora muitos presumam que eu não gostaria dele/ E sabem que o meu nome aparece em mais canções de hip-hop do que qualquer outro nome?/ O racista és tu, não sou eu”).

Donald Trump recebe Kanye West na Casa Branca, Outubro de 2018

Como acontece com os restantes livros atribuídos a Trump, The beautiful poetry of Donald Trump resulta da união da visão e talento de Trump com o trabalho de edição e polimento de um profissional da escrita, neste caso Rob Sears. As principais diferenças para os outros livros são: 1) The beautiful poetry of Donald Trump não foi uma iniciativa de Trump nem foi submetido à sua supervisão e validação, como se depreende da menção a que se trata de uma edição “rigorosamente não-autorizada”; 2) Todas as frases que surgem no livro foram ditas ou escritas por Trump, mas não nesta ordem, ou seja, Sears fez, essencialmente uma operação de “recomposição”.

Não se sabe o que pensará Trump deste livro, mas é provável que tenha ficado agradado com a capa, que lhe conferiu o donaire de um poeta romântico. A nota editorial explica a génese desta invulgar obra: “E se houvesse uma dimensão oculta de Donald Trump, um lado sensível e poético? Impelido por esta questão, Rob Sears escrutinou as palavras de Trump em busca de poesia. O que encontrou foi uma revelação. Tomando, simplesmente, os tweets e as transcrições do 45.º presidente dos EUA, cortando-os e rearranjando-os, Sears trouxe à superfície um tesouro de belos versos que pediam para serem descobertos”.

O trabalho de Sears foi feito com grande escrúpulo e rigor, tendo o cuidado de referenciar a proveniência original dos muitos milhares de fragmentos que utilizou na manufactura desta obra. Mas o trabalho de Sears teria produzido raquíticos e insípidos frutos se não existisse uma qualidade literária inerente ao que Trump escreve e diz. Na verdade, nalguns casos quase não é necessária intervenção editorial para se chegar a algo imediatamente reconhecível como poesia. É o caso desta arrebatadora celebração do poder da palavra, extraída de um comício em Hilton Head, South Carolina, em 30.12.2015: “I’m very highly educated. I know words, I know the best words. But there’s no better word than stupid”. Não é preciso cortar e colar, basta um polimento para fazer emergir um sublime haiku:

“Tive esmerada educação
De palavras percebo eu
Tenho palavras caras à mão
Mas nenhuma bate ‘sandeu’”