Nos quatro temas do primeiro debate destas eleições europeias, só um deles gerou algum consenso entre os cabeças de lista do PS, AD, Iniciativa Liberal e Livre: o alargamento da União Europeia, Ucrânia incluída. De resto, quer sobre a aposta na Defesa europeia, quer sobre o Pacto para as Migrações e, por último, no apoio a António Costa para o cargo de presidente do Conselho Europeu, Marta Temido foi a mais atacada por Sebastião Bugalho, Cotrim Figueiredo e Francisco Paupério.
Começando pelo fim, só Temido foi clara no apoio a Costa para um cargo europeu. O candidato do Livre disse desconhecer os candidatos e os cabeças de listas da AD e da IL foram claros em reafirmar que não vão apoiar o ex-primeiro ministro.
Sobre o investimento na Defesa, Francisco Paupério também não mostrou dúvidas, como candidato de um partido que sempre se assumiu europeísta: “Temos de investir na segurança e na autonomia estratégica da Europa”. Sebastião Bugalho falou da hipótese de emissão de dívida mutualizada, porque diz poder garantir que governos não tenham de escolher “entre tanques e hospitais”. Cotrim insistiu ser necessário que “o pilar europeu da NATO se fortaleça”. E Temido ficou sozinha ao mostrar alguma prudência, dizendo que “não vamos investir em armas e não investir em casas”.
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Mas o debate tinha começado logo muito quente e com muitas críticas ao PS em relação ao Pacto para as Migrações. Apesar de Marta Temido admitir que o mesmo tem “fragilidades” e “foi o compromisso possível entre perspetivas muito diferentes”, Sebastião Bugalho lembrou que o pacto permite que um Estado-membro possa recusar receber migrantes mediante o pagamento de uma compensação e disse que “o PS entregou a política de imigração a redes de tráfico humano”. Cotrim foi na dobra, falou nas “lacunas” e na “irresponsabilidade do PS” pela “extinção do SEF”. E quando Temido se tentou defender e assumiu os “riscos”, Paupério não poupou no ataque: “Então, porque é que o aprovaram?”
O próximo debate será na quarta-feira, dia 15, na RTP, e vai colocar frente a frente Catarina Martins (Bloco), Fidalgo Marques (PAN), Tângêr Correia (Chega) e Francisco Paupério (Livre). Pode ver os dias e os canais de todos os debates aqui.
Quem ganhou o debate? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos e explicar porquê. A soma surge a cada dia, no gráfico inicial onde pode ver a classificação geral e saber quem tem estado melhor e quem lidera.
Quem ganhou o debate: Temido, Bugalho, Cotrim ou Paupério?
Alexandra Machado — O primeiro debate a quatro. Um debate civilizado (confesso que umas picardias qb em debate até animam) e com temas relevantes para a Europa. Ainda assim, é refrescante ver um debate sem os mesmos ataques, embora Francisco Paupério tenha acabado por cair neles quando disse que a IL nega a emergência climática. Acabou a pedir desculpa pela quebra de raciocínio de João Cotrim de Figueiredo. O candidato da IL, em determinados momentos do debate, conseguiu ser mais arrogante que Sebastião Bugalho que teve a preocupação (e bem) de explicar mais e atacar menos… correu-lhe mal os convites para participarem em reuniões aos países candidatos. Esperava-se mais de Cotrim de Figueiredo e ficou muito colado a Bugalho. Mas chegaram para Marta Temido, que acabou por dizer generalidades (em particular na imigração) e a tentar puxar para o debate nacional (e por vezes para a saúde) e não conseguiu “safar-se” ao facto de ser ex-ministra do Governo de António Costa sem conseguir explicar o que se passou com o fim do SEF e a criação da AIMA. Uma palavra para Francisco Paupério, que era a maior incógnita, não esteve mal (e até foi o que falou menos tempo, o que até pode ter ajudado). Mostrou segurança nos temas, mas não é um Rui Tavares em debate (ainda que Paupério pareça ambicioso). Os dois jovens estiveram melhor face aos dois deputados. Terão subvalorizado a experiência?
Helena Matos — Francisco Paupério disputava terreno a Marta Temido. Marta Temido tentou atacar Sebastião Bugalho. João Cotrim de Figueiredo e Sebastião Bugalho tentavam que os telespectadores percebessem aquilo que os separa. Nenhum deles foi bem sucedido nestes seus propósitos. Passemos então para aquilo que de facto conseguiram: Sebastião Bugalho mostrou que está bem preparado, que sabe gerir o tempo e conseguiu condicionar as intervenções dos outros presentes. Ganhou o debate. Cotrim de Figueiredo percebeu que o seu maior adversário nestas eleições vai ser Sebastião Bugalho. O candidato liberal receia, e com razão, que os votos sigam para o candidato da AD, aquele a favor de quem correm os ventos da novidade e do poder. Cotrim de Figueiredo tem provavelmente mais pensamento próprio sobre a Europa que qualquer outro dos debatentes, mas Sebastião Bugalho brilhou mais. Francisco Paupério corre na pista da simpatia. As exigências de argumentação em relação a ele são muito menores, basta-lhe dizer emergência climática e não tem de explicar mais nada. Boa parte do que diz, nomeadamente sobre o crescimento produzido pela transição energética, é puro wishful thinking. Mas com tudo isto e também por tudo isto não lhe correu mal. Marta Temido era quem chegava a este debate em pior circunstância: não tem margem para se demarcar do anterior governo (por exemplo no caso do SEF/AIMA) e acabou a ter de recorrer à Linha Saúde 24 para reforçar os seus argumentos. Não venceu nem convenceu e é a perdedora do debate. Para seu bem, Marta Temido agora candidata tem de libertar-se de Marta Temido antiga ministra.
Pedro Jorge Castro — Uma primeira má nota para todos: ainda não chegaram a Bruxelas e já são uns burocratas. Acham que estavam a falar para quem, na SIC generalista, às 9 da noite? Acham que a mensagem e os termos utilizados foram compreendidos por quantas pessoas? E não, a culpa não é da escolha dos temas, que são importantes. É da incapacidade de falar dos temas de forma a que se percebessem as diferentes propostas com clareza. Durante o cavaquismo, Portugal era o bom aluno na Europa. Esta noite, estes quatro candidatos quiseram tristemente mostrar (a quem?) que são bons alunos e podem circular pelos corredores de Bruxelas e Estrasburgo a opinar sobre defense bonds. Agora um a um: de Bugalho esperava-se muito mais eficácia, dada a sua experiência em estúdios de televisão e a sua idade no cartão de cidadão, mas nem se apercebeu da altivez e da incapacidade de falar diferente, como se só quisesse ser aceite pelos outros candidatos — quando tem muito para fazer até chegar ao povo. Temido está mal preparada, mas já não se esperava muito. Apesar de tudo, conseguiu sobreviver sem ser dizimada pelas responsabilidades socialistas e saiu do estúdio com um sorriso de alívio. Cotrim perdeu-se e irritou-se quando o miúdo do Livre lhe atirou a emergência climática, o que é algo incompreensível com tanta experiência de debates. Mesmo assim, teve a coragem da coerência e de dizer coisas bastante impopulares, que podem (ou não) vir a custar muitos votos. Do estreante verdinho e desconhecido Paupério não se esperava nada e afinal surpreendeu pela preparação e combatividade, muitas vezes isolado contra os três adversários mais experientes, mas sem se deixar afetar nada por isso.
Miguel Pinheiro — “Concordo”, disse João Cotrim Figueiredo. “Nisso concordo”, acrescentou Sebastião Bugalho. “Fico muito contente em ouvir o Sebastião dizer que…”, exclamou João Cotrim Figueiredo. “Podemos concordar?”, perguntou, tímido, Sebastião Bugalho. “Estamos todos de acordo”, proclamou, claramente satisfeita, Marta Temido. No primeiro debate das europeias, a AD, o PS e a IL não encontraram motivos suficientes para discordarem verdadeiramente em nada. E isso, claro, deixou Francisco Paupério como o único candidato à mesa com uma visão diferente sobre a União Europeia. Concorde-se ou não com ele, mostrou que o Livre não quer mais do mesmo — só por isso, Paupério merece um 7. João Cotrim Figueiredo tem um 6 por ter estado, como sempre, bem preparado. Sebastião Bugalho fica no 5 porque perdeu as estribeiras por duas vezes — uma delas com Clara de Sousa, insistindo para terminar uma ideia, e a outra, indesculpável, com Francisco Paupério, quando lhe perguntou, irritado: “Está-se a rir por alguma razão?”. Sobra o 4 de Marta Temido. Sobre isso, digamos apenas que ficou evidente porque é que o PS tentou a todo o custo evitar os frente a frente.