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Partido comemora 50 anos numa altura em que está há quase oito no poder
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Partido comemora 50 anos numa altura em que está há quase oito no poder

Partido comemora 50 anos numa altura em que está há quase oito no poder

Raio X ao PS. 50 anos depois, os dilemas de um partido com muitos anos de poder, "desgaste" e guerras internas à espreita

PS cumpre 50 anos desde a fundação, em 1973, com vários dilemas em mãos. Desgaste de ciclo longo no poder preocupa, assim como divisões internas. Um raio-X ao estado do partido.

Moderado, mas com diferenças e fraturas entre alas internas que não se viam desde os “primórdios” do partido. Orgulhoso das contas certas, mas acusado de ser austero e com um possível problema eleitoral em mãos. Bem visto junto dos pensionistas, mas com dificuldades em chegar aos mais novos. E com o poder nas mãos, mas sem perceber para onde irá a partir daí — e se a sucessão de António Costa tem o potencial para desencadear uma verdadeira guerra interna no PS.

Este é o retrato do estado de saúde do PS quando cumpre 50 anos — foi há cinco décadas que o partido foi oficialmente fundado, já na reta final da ditadura. O aniversário cumpre-se numa altura de desgaste e a meio de um longo ciclo de poder, com os socialistas a questionarem-se sobre o caminho que o PS trilhará a partir daqui. Com uma promessa: no dia em que o ciclo de Costa acabar, não querem “chorá-lo como o PSD chora Pedro Passos Coelho”.

Para onde vai o PS? O partido com “coluna vertebral”… onde crescem duas alas opostas

A 19 de abril de 1973, em Bad Munstereifel (Alemanha), a urgência de ter uma estrutura organizada que pudesse responder rapidamente a uma rutura do sistema em Portugal, fruto de uma conspiração militar que se dizia estar em marcha em Lisboa, fez nascer o PS. Saía do movimento Acção Socialista Portuguesa (ASP), que tinha sido integrado na Internacional Socialista no ano anterior. O “socialismo democrático” é a marca fundacional que muitos traduzem numa forma moderada de estar à esquerda, sem radicalismos. E nem mesmo a “geringonça” terá mudado isso, acredita-se no partido.

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“A base do PS é moderada”, acredita um destacado socialista que diz não ter passado de “retórica da esquerda” a aproximação do PS a essa ala política com a “geringonça”. “Não há uma diferença significativa entre o PS da ‘geringonça’ e o PS da maioria absoluta”, continua, apontando ao posicionamento mantido por António Costa sobre o entendimento do que é Estado Social ou das questões europeias. “É um partido com coluna vertebral ideológica, que se distancia em cinco segundos da esquerda em questões europeias e de Defesa e da direita no seu liberalismo económico”, reforça um dirigente.

Ainda na semana passada, na Rádio Observador, Álvaro Beleza defendia que “o PS tem de ser moderado”, numa crítica que assumiu à visão esquerdista que alguns, como o mais falado para o pós-Costismo, Pedro Nuno Santos, pretenderão imprimir ao partido. “Às vezes brinco com esta ala esquerda do PS, são um bocadinho neomarxistas, ainda acreditam no socialismo. O PS chama-se socialista, mas não é socialista; é social-democrata e é-o desde Mário Soares. Quem tirou da fome centenas de milhares de pessoas na China e na Índia não foi o comunismo nem o marxismo-leninismo, foi o capitalismo puro e duro”, disse Beleza. Que acrescentou: achar que “isto se resolve com mais Estado, num país que já tem Estado a mais desde Salazar” é “infantilidade, é juventude”.

Outro socialista está antes convencido que é mesmo “a base eleitoral e militante que tem uma proximidade muito grande à social-democracia no seu sentido mais profundo”. E aí, acredita, não existiu uma mudança significativa.

A vontade de Pedro Nuno, líder da ala esquerda, de ser o senhor que se segue não é segredo. Resta saber se consegue recuperar do caso TAP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Outros colegas de partido alinham pela mesma tese: a opção pela “estabilidade e moderação” será até uma das características que mais aproximam o PS do “português médio” e que conquistam a sua confiança na hora de votar. “O PS estabilizou totalmente na década de 80 como grande partido social-democrata europeu e do trabalhismo”, frisa um dirigente. “Quando fizemos 40 anos estávamos a discutir o esgotamento dos partidos socialistas na Europa, pelo meio tivemos um primeiro-ministro preso, uma bancarrota e a extrema-direita a aparecer… A reserva anímica do PS é a proximidade à sociedade média portuguesa”, nota outra fonte.

Mas a veia esquerdista está a latejar há muito, ainda que muitos tenham notado, no rescaldo das últimas legislativas com a conquista da maioria absoluta, que perdeu gás. “Venceu a linha da autonomia estratégica do PS”, descreve um socialista, que acredita que nessa noite “falhou” a aposta de Pedro Nuno num PS integrado numa frente de esquerda.

Olhando para o futuro mais ou menos próximo, há quem tema que possa vir aí uma batalha ideológica interna, sublinhando-se que “não acontece desde os primórdios” ter “potenciais candidatos à liderança com linha mais distintiva do que é normal no PS”. O PS, exemplifica a mesma fonte, nunca fechou portas a acordos com a direita – aliás, Costa promoveu-os com o PSD de Rui Rio (na descentralização e fundos europeus) em plena “geringonça”, mesmo depois de ter enxotado a expressão dos partidos do “arco da governação”. Curiosamente, na sala desse acordo e aperto de mão Costa/Rio, lá atrás, olhava com indisfarçável desinteresse o nome do socialista que lidera essa frente mais à esquerda, Pedro Nuno Santos.

Mesmo que essas duas alas “convivam bem com a economia de mercado”, como nota um socialista, uma quer cooperar com ela – e outra, a tal ala esquerda — prefere “lutar com ela” (pelo menos teoricamente) “para marcar a sua identidade”.

A teoria defendida entre os pedronunistas é, de resto, que a maioria absoluta foi uma absoluta exceção e que daqui em diante o PS terá de polarizar à esquerda para vencer eleições, num espetro partidário tendencialmente cada vez mais partido por blocos. Uma estratégia bem diferente da ala do partido que prefere a moderação e a caracterização do PS como partido “esteio” e “charneira”. No futuro – e com os protagonistas futuros – se verá qual das teses vinga.

Contas certas são trunfo? O partido da “austeridade humanista”

Se há menos de dez anos alguém dissesse ao PS que a grande marca com que seria identificado seria o foco nas contas certas e a boa gestão pública, os próprios socialistas poderiam estranhar – estávamos então a viver a ressaca dos governos de José Sócrates e em pleno resgate da troika, e o PS a viver com a fama do despesismo colada à pele. E, no entanto, a imagem com que o partido deixa para trás esse capítulo amargo da sua História é a do partido que gere com mão de ferro as contas do país – e é atacado pela oposição em bloco (PSD incluído) por ser até austero e fazer “cortes” ou, pelo menos, cativar despesas. “Austeridade humanista”, prefere chamar-lhe um socialista.

A lição foi aprendida e executada com empenho por António Costa e pelos seus ministros das Finanças, com destaque para Mário Centeno. Rapidamente os socialistas começaram a congratular-se pela “credibilidade” e “confiança” conquistadas junto da Europa e dos mercados. E rapidamente começaram a justificar as cativações e outras medidas – como a não atualização das pensões seguindo a fórmula prevista na lei – como uma forma de acautelar as contas públicas e, expressão constantemente repetida por António Costa, “não dar um passo maior do que a perna”. O PS vestia orgulhosamente o fato de um partido cauteloso e agarrado à calculadora.

O ministro das Finanças, Fernando Medina (D), ladeado pelo governador do Banco de Portugal, Mário Centeno (D), à chegada para a cerimónia de apresentação pública dos novos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal, no salão nobre do Ministério das Finanças, em Lisboa, 29 de novembro de 2022. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Fernando Medina é o herdeiro da política de contas certas de Mário Centeno

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Entre socialistas, a prioridade que o partido escolheu dar nos últimos anos a essa bandeira é um dado adquirido – só há dúvidas sobre os seus efeitos. Pelo menos, quando os tempos não forem de bonança. “E se o temor de uma crise financeira for esquecido?”, questiona um socialista quando confrontado com a possibilidade desta narrativa ser um trunfo eleitoral.

É verdade que, mesmo depois de um Governo com uma linha austeritária como foi o de Passos Coelho, os portugueses deram a vitória eleitoral ao PSD. “Os portugueses ficaram mais sensíveis ao cuidado com as contas públicas”, acredita um socialista que, ainda assim, tem dúvidas que esta ideia das contas certas possa ter validade eleitoral vitalícia. .

Significa isto que o PS roubou o discurso à direita? “As boas contas têm de ser um desígnio de qualquer partido, seja de esquerda ou de direita”, defende um dirigente – numa teoria partilhada por muitos outros socialistas. “A tentativa de direita se apropriar da boa gestão pública é um equívoco”, reforça outro dirigente socialista. “A forma como lá chegamos é que pode e deve ser discutida, mas a sustentabilidade não”. Chegar com contas “fracas” e sem “resistência” a uma nova crise é que nem pensar.

“Isso tem um nome: austeridade. Pode é ser mais ou menos humanista”, admite um socialista, puxando o PS para o lado do humanismo – e empurrando a direita para o outro. Mas a ideia geral de um “PS refém das contas certas” é lida como “redutora” e fabricada pelo Bloco de Esquerda.

Certo é que nesta legislatura o PS já teve de ver, na rua, cartazes do PSD a atacar a “austeridade socialista” e o “corte nas pensões” (mais uma vez, uma imagem difícil de imaginar noutros tempos). E, à esquerda, é acusado de estar obcecado com o défice e de não tomar decisões muito diferentes das que um Governo de direita tomaria, mesmo em tempos de dificuldade no bolso das famílias. Os socialistas vão tentando justificar as opções financeiras com o objetivo de reduzir a dívida pública e assim conseguir investir mais e melhor – mas numa altura em que grande parte da população passa dificuldades é difícil justificar os “brilharetes” orçamentais.

Para quem fala o PS? O catch-all que olha para os reformados (e tem um problema com os jovens)

Um catch-all party é, por definição, um partido que toca faixas de eleitorados muito diferentes – mas o PS tem, naturalmente, grupos em que se foca mais e grupos com cuja fidelidade conta mais na hora de ir às urnas. Mário Soares chegou a definir as bases sociais de apoio do partido assim: “Os mais desfavorecidos, os mais pobres, os excluídos, desempregados, imigrantes, mas também com as chamadas classes médias em vias de crescente empobrecimento e desesperança, com os jovens, os idealistas e os intelectuais”.

Hoje, há quem no PS identifique o alvo a que o partido quer chegar – a tal classe média – e constate: “Falhámos o alvo”. “Talvez consigamos voltar a conquistar o centro”, comenta outro socialista. Ou seja, o partido concentra-se particularmente nos “mais desfavorecidos, nos trabalhadores por conta de outrem, nos pensionistas”, mas corre o risco de deixar a descoberto uma classe média muito desgastada pelas sucessivas crises – e tem noção de que este é um fator de preocupação.

Se tradicionalmente se diria que os professores compõem uma parte muito relevante da base social de apoio do partido, há quem aponte que essa relação já se vem degradando pelo menos desde os tempos do primeiro Governo de José Sócrates, quando Maria de Lurdes Rodrigues liderava o ministério da Educação e os professores saíram em massa à rua para protestos históricos.

Um historial que é importante recordar numa altura em que professores – há semanas nas ruas e a anunciar novas greves – e Governo mantêm um braço de ferro sem fim à vista, com os primeiros a manterem a reivindicação de recuperar todo o tempo de serviço congelado na crise (e o segundo a negá-la, lembrando a necessidade de manter as contas certas e acautelar o futuro).

“José Sócrates radicalizou os professores e Pedro Passos Coelho radicalizou os pensionistas”, resume um socialista, notando as diferenças que se foram registando nessas bases de apoio. Não que os pensionistas sejam um alvo novo do PS, mas os cortes do período da troika foram particularmente traumáticos e o partido sabe que tem de estar bem atento a esta faixa para não perder um apoio que, até agora, tem vindo sempre a correr para os seus braços – e a fugir do PSD.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Descida do Chiado, em Lisboa, do Partido Socialista, António Costa, secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 28 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Eleitores com mais de 54 anos são maior faixa de eleitorado do PS

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em entrevista ao Observador, o estratega de António Costa nas últimas legislativas e atualmente a trabalhar com o PS, Luís Paixão Martins, sublinhava o divórcio entre os pensionistas e o PSD, depois dos cortes da stroika. “Hoje o que encontramos e qualquer estudo eleitoral diz isso é que há um certo equilíbrio entre a direita e a esquerda até aos 65 anos, a partir daí as pessoas tendem a votar à esquerda, no PS. Porque estão preocupadas com as suas pensões e ainda amarguradas com o que aconteceu no Governo de Passos Coelho”, disse nessa entrevista.

Um destacado socialista lembra outro fator diferente deste e que considera mais grave: “O PS sempre foi muito forte na faixa etária intermédia, mas estes movimentaram-se para a situação de pensionistas”. Entre as duas teses, uma coisa é certa, o PS virou o ponteiro para esta faixa do eleitorado, com grande parte dos apoios que foi aprovando desde que é Governo dirigidos a pensionistas – quer mais pressionado pela esquerda, quer, mais recentemente, pressionado pelas críticas da oposição.

O outro lado desta moeda é que os jovens têm escapado entre os dedos do punho socialista, o que expõe outra potencial fraqueza do PS. Nas últimas legislativas, de acordo com o estudo sobre as bases sociais do eleitorado feito por João Cancela e Pedro Magalhães, se constatava que o PS tem a maioria absoluta também quando o parâmetro são os votantes com mais de 54 anos – o PSD conquista apenas 28%.

O partido perde terreno no eleitorado jovem (tem 27% dos eleitores com menos de 25 anos) e, na composição do seu próprio eleitorado, conta com 48% de pessoas com mais de 54 anos, contra apenas 15% na faixa dos 18 aos 34 anos.

A preocupação está presente nas cabeças socialistas, que vão recordando a prioridade dada a medidas como o IRS Jovem, a gratuitidade progressiva das creches (que começou por ser imposta pela esquerda) ou o congelamento das propinas (idem). “O aniversário é uma oportunidade para pormos o PS e a história do PS em contacto com as novas gerações”, sugere um dirigente. Pelo menos é esse o desejo do PS, enquanto vê partidos mais novos como Iniciativa Liberal, PAN e Livre (e, mais à distância, Bloco de Esquerda) a ultrapassarem-no no objetivo de captar os eleitores mais novos.

E depois de Costa? O “choro”, o desgaste e a ameaça de guerras internas

António Costa já é o líder do partido que mais anos consecutivos liderou o Governo e se chegar a outubro de 2026 (final do mandato) será o político português com mais anos seguidos à frente de um Executivo, ultrapassando Cavaco Silva. Na longevidade política e do que dela possa vir é um comparativo recorrente nas análises socialistas, que apontam para a “saturação” que esse caminho pode significar. O PS nunca esteve nesta situação: o que será depois de tantos anos seguidos no poder?

Costa não abre o jogo sobre a data da saída. Cavaco alimentou até ao fim o famoso tabu. Acabou por sair e candidatar-se a seguir a Presidenciais que perdeu, colocando em evidencia a tal saturação de tantos anos no poder. Um espelho em que muitos socialistas acreditam que Costa também se poderá ver refletido.

Já quanto ao futuro pós-Costa, dependerá do que acontecer daqui em diante. No PS são várias as vozes que reclamam que no momento do voto pesa o bem-estar (ou mal-estar) económico e social, alimentando a esperança de o ciclo socialista poder estar longe do fim – neste ponto um socialista avisa, no entanto, que nem sempre os bons resultados económicos vencem eleições (que o diga a social-democrata finlandesa, Sanna Marin). De qualquer forma, importa também ver que alternativa política estará do outro lado, à direita.

Ideologicamente, há a expectativa de que Costa deixe o PS onde o encontrou – desmente-se um reposicionamento depois da experiência parlamentar junto da esquerda mais à esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda.

Fernando Medina, Pedro Nuno Santos e Ana Catarina Mendes (aqui fotografados no último congresso do PS) são alguns dos nomes mais falados para o pós-Costa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quanto ao day after, a questão coloca-se, desde logo, dentro do PS, com as dificuldades em perceber que tipo de posicionamento assumirá no futuro, que luta interna poderá ser aberta e em que condições. Ao olhos de hoje, a perspetiva de uma tensão crescente da atual liderança com Pedro Nuno Santos traz preocupações sobre eventuais divisões e perturbações que uma fratura interna possa significar.

Há quem afaste essa possibilidade, pelo menos enquanto a maioria socialista existir: não há melhor cola do que o poder. Mas a tensão existe e está assumida, pode deixar em maus lençóis o sonho da direção de Costa em ter uma sucessão pacífica.

O consolo de alguns socialistas passa por lembrar que o PS tem boas hipóteses de se “reinventar” e que, com a quantidade de quadros apontados para o futuro do partido – a começar por Pedro Nuno Santos, mas também são mencionados Fernando Medina, Duarte Cordeiro, Ana Catarina Mendes ou Marta Temido – “o PS não ficará a chorar António Costa como o PSD chora Pedro Passos Coelho”. Mais ou menos choroso, resta saber se – correndo o risco de ser atirado para a oposição depois do longo ciclo de Costa – se manterá unido.

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