Quem esteve na reunião com a Direção Executiva do SNS, esta terça-feira, entrou na sala do Infarmed sem grandes expectativas de chegar ainda naquela tarde a uma solução para as urgências pediátricas na Grande Lisboa. Muito dificilmente o encontro terminaria com um plano de reorganização daqueles serviços hospitalares — ainda havia demasiadas pontas soltas.
Para isso, Fernando Araújo convocou os representantes das administrações hospitalares da região, do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica), da ARS (Administração Regional de Saúde) de Lisboa e Vale do Tejo, da Comissão Executiva para as Urgências Metropolitanas e da Unidade Técnica Operacional dos Serviços de Urgência de Pediatria Médica.
Cá fora, acreditava-se que, ao fim da tarde, a três semanas do fim do primeiro trimestre — data apontada pela Direção Executiva do SNS e pela tutela como o prazo final para substituir as medidas provisórias por planos a médio prazo, até que haja recursos humanos suficientes para que a rede funcione em pleno — poderia haver um plano de reorganização. A meio da tarde, no entanto, foi ficando mais claro que isso não seria possível. Com o passar das horas, o consenso entre quem estava sentado à mesa ficou longe de ser alcançado.
“A reunião foi um ponto de situação sobre o que já tinha sido proposto“, contou ao Observador o médico pediatra Anselmo Costa. A Direção Executiva do SNS quer uma solução que, mesmo que não seja “a desejável” e que se traduza em encerramentos de urgências pediátricas, seja “estável”. É uma questão de “previsibilidade” — o mote que o SNS tem assumido nas medidas que tem tomado desde que a Direção Executiva nasceu e Fernando Araújo tomou posse.
Neste momento, a estrutura do plano prevê a centralização de serviços em alguns hospitais, que funcionariam 24 horas por dia, e o encerramento dos restantes durante a noite — transformados, dessa maneira, em urgências de referenciação noturnas para casos emergentes nesse período. A proposta foi colocada em cima da mesa pela Unidade Técnica Operacional dos Serviços de Urgência de Pediatria Médica.
O principal obstáculo agora está em decidir que hospitais ficam a funcionar em pleno e quais encerram em determinados períodos do dia, apurou o Observador. Anselmo Costa explicou que alguns hospitais estão disponíveis para funcionar apenas no período diário, mas outros comunicaram que pretendem manter-se plenamente funcionais por terem recursos para se manterem abertos.
Mas durante quanto tempo é que terão esses recursos? Essa é a interrogação que Fernando Araújo tem colocado em busca de uma estabilidade na resposta a longo prazo, enquanto não há mais médicos para preencher as escalas. “A Direção Executiva disse que, se as pessoas assumirem o compromisso de terem uma urgência aberta, ela tem de ser firme“, explicou Anselmo Costa: “E neste momento ninguém tem recursos de reserva suficientes para poder garantir isso a longo prazo, sobretudo tendo em conta que o verão se aproxima”.
Outro ponto é a carga de trabalho que recai sobre as instituições que ficam abertas. “Qualquer solução, com urgências abertas ou fechadas, tem de tentar equilibrar os esforços feitos pelos hospitais“. “Não faz sentido que alguns hospitais tenham de fazer 700 horas extraordinárias por ano per capita para suportar as urgências, enquanto outros hospitais com quadros mais robustos fazem 50 a 150”. Isso foi mais um ponto comunicado ao diretor executivo do SNS.
O anúncio que surpreendeu alguns dos presentes na reunião
A palavra final será de Fernando Araújo, que agora vai deliberar sobre as críticas deixadas nas reuniões, sobre o impacto do plano nos cuidados de saúde na região e concluir as negociações com os hospitais que podem ou não alterar o seu modo de funcionamento. Essa decisão será tomada “com a tranquilidade, ponderação e diálogo necessários em matérias complexas e que afetam de forma profunda a vida das pessoas”, disse a Direção Executiva do SNS. Neste momento, não há nenhuma reunião agendada com os representantes dos hospitais e autoridades de saúde.
Ao Observador, alguns responsáveis que participaram na reunião à porta fechada disseram ter ficado, por isso, espantados com o facto de a Direção Executiva do SNS ter apontado publicamente que a estratégia para a reorganização no serviço de urgência para a pediatria médica seria apresentada “nos próximos dias”. É que, após cinco horas de debate entre mais de 100 profissionais de saúde, ainda havia muitas decisões a tomar.
Neste momento, a prioridade de Fernando Araújo é encontrar uma solução a longo prazo, mesmo sabendo que o fim dos problemas passa mesmo por ter mais recursos humanos. “Falta saber como é que se consegue alinhar uma forma de por as urgências a funcionar de forma que seja estável” — um plano que não esteja ultrapassado “daqui a dois meses ou três”, descreveu Anselmo Costa. Mais: “É preciso tomar um conjunto de medidas para que este não seja um problema que é preciso revisitar de dois em dois anos”.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, mesmo sem revelar abertamente o que está a ser negociado, fez esta quarta-feira no Parlamento um apelo: “Não criemos a ideia de que ter estas urgências abertas 24 horas por dia é a única forma”. Sobretudo numa altura em que há escassez de profissionais de saúde que assegurem o funcionamento permanente de todos os serviços de urgências.
É essa a explicação para a necessidade de encerrar certas urgências pediátricas, da mesma forma que, no final do verão passado e no ano ano, vários serviços de urgências de ginecologia e obstetrícia fecharam portas. Simplesmente não há médicos suficientes para garantir todas as escalas de um serviço que se pretende que esteja a funcionar em permanência.
Parte do problema começa nos cuidados primários
Mas não só. Os problemas nas urgências são assumidos por todos os responsáveis, mas parte da solução está a montante delas, nos cuidados de saúde primários: “O problema nunca se vai resolver se tivermos taxas de afluência às urgências ao nível que temos tido“, considera Anselmo Costa. Esse alerta foi deixado nas reuniões de trabalho nas últimas semanas: a reorganização das urgências pediátricas deve passar por uma reforma nos centros de saúde, para que sirvam de tampão aos casos não urgentes que dão entrada no serviço. Segundo o ministro da Saúde, esses casos são já 75% das entradas nas urgências pediátricas.
Ainda este fim de semana, em entrevista ao Público, o diretor de Pediatria do Hospital D. Estefânia (e ex-presidente da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente), Gonçalo Cordeiro Ferreira, argumentava que “a reorganização torna-se inevitável perante a carência de recursos em determinados hospitais”.
Mas também defendia a ideia de que estes encerramentos de urgências pediátricas vêm demonstrar “que, por mais pediatras que sejam formados, não conseguimos manter este nível incomportável de urgências”. E a formação destes especialistas, só por si, demora anos e não se tem feito, ao mesmo ritmo que há profissionais a optarem pelo privado, abandonando o SNS.
Esta quarta-feira, no Parlamento, confrontado com o tema, Manuel Pizarro fez referência à realidade na região do Porto, onde “havia três urgências [pediátricas], agora há só uma e funciona de forma organizada”. Ainda assim, ressalvou, o Ministério da Saúde não pretende “fazer nada que se assemelhe com o que foi feito no Porto”. “Reconhecemos que é um processo que tem de estar alicerçado a um fortalecimento dos cuidados de saúde primários”.