A roer as unhas e com uma calculadora na mão. Democratas e republicanos estiveram a madrugada desta terça-feira a traçar cenários e a prever condicionantes. À medida que as horas avançavam, as dúvidas permaneciam e, ao início desta quarta-feira, tudo estava ainda em aberto. Apesar de algumas tendências já estarem definidas, matematicamente os dois partidos ainda podem ganhar o Senado e a Câmara dos Representantes.
É certo, porém, que os republicanos levam uma vantagem considerável no que diz respeito à Câmara dos Representantes. O cenário é, à partida, mais favorável para os democratas no Senado. O Congresso norte-americano poderá então ficar dividido — e essa seria a representação mais perfeita dos resultados eleitorais destas eleições intercalares.
Vitória estrondosa dos republicanos deitada por terra
As sondagens mostravam um cenário muito positivo para os republicanos, algumas fazendo crer que seria fácil para o partido conquistar as duas câmaras do Congresso. Por conta da rejeição de Joe Biden, do aumento custo de vida e de, por tradição, o partido que está na oposição à presidência conseguir ganhar mais votos, o caminho de vitória fácil e sem grande complicações estava aberto.
Ainda assim, isso não aconteceu. Era expectável que, às 00h em Washington (mais cinco horas em Lisboa), os dirigentes republicanos discursassem e proclamassem o sucesso destas eleições. Em vez disso, no quartel-general do Partido Republicano imperava o silêncio. As manifestações de apoio eram escassas e as vitórias acumuladas não davam margem suficiente para cantar vitória. Uma atrás da outra, as emissões televisivas mostravam um contraste entre sedes de campanha republicanas desertas e as sedes democratas em festejos. Exemplo mais claro foi o que aconteceu na Pensilvânia, onde a sede do republicano Mehmet Oz surgiu completamente vazia num plano e, no plano seguinte, várias dezenas de pessoas resistiam para ouvir as primeiras palavras de John Fetterman, o improvável vencedor da noite na corrida a um lugar no Senado.
Pelo lado mais negativo, os republicanos não tiveram grande sucesso em conquistar novo eleitorado. Os senadores democratas foram praticamente todos reeleitos; na Câmara dos Representantes, poucos foram os círculos eleitorais que alteraram, em quatro anos, o seu sentido de voto. Exemplo disso foi o estado de New Hampshire — que o Partido Republicano acreditava que ia ‘virar’. Não obstante, a senadora Maggie Hassan foi reeleita com 54,5% dos votos contra 43,5% do principal oponente, Donald Bolduc.
Os republicanos estavam obrigados a ir buscar votos perdidos no passado, uma vez que detinham — após as eleições intercalares de 2018 — a minoria, quer na Câmara dos Representantes quer no Senado. Neste último órgão, bastava segurar as antigas vitórias e conquistar apenas um democrata — mas a tarefa não está a ser fácil.
Em contrapartida, é verdade que atualmente existe uma tendência de maior vantagem para os republicanos, principalmente na eleição para a Câmara dos Representantes, sendo que o partido conseguiu, de facto, conquistar algum do eleitorado perdido há quatro anos.
Regionalmente, estas eleições também provam que os republicanos estão cada vez mais fortes na Flórida, já que Marco Rubio foi reeleito senador e Ron DeSantis — que tem aspirações presidenciais já para 2024 — também renovou o mandato como governador. Ter-se-á o estado convertido ao Partido Republicano?
Não é de estranhar, portanto, que Donald Trump tenha elegido a localidade de Mar-a-Lago, na Flórida, para realizar o seu “grande anúncio” no próximo dia 15 de novembro. A propósito, o ex-Presidente também deverá estar com a calculadora na mão — e a traçar cenários para o que pode ser o seu futuro já daqui a dois anos.
Democratas evitam derrota em toda a linha
Do lado dos democratas, as palavras foram escassas ao longo da noite. Mas deverá ter existido uma sensação de alívio. Vários estados decidiram continuar a confiar no Partido Democrata, apesar da conjuntura desfavorável que os próprios membros partidários admitiram existir.
Tendo em conta as sondagens, as expectativas eram baixas para o Partido Democrata, enfraquecido pelo aumento do custo de vida. Contudo, a manutenção de praticamente todas as conquistas eleitorais de 2018 deram um novo fôlego ao partido e ao próprio Joe Biden, que acompanhou estas eleições a partir da Casa Branca juntamente com os seus assessores.
A equipa que rodeia Joe Biden antevia, ao início da noite, que haveria reconfigurações na organização de cores do Congresso. Mas não via esta derrota como um cartão vermelho ao mandato do atual Presidente dos Estados Unidos, apontando à ideia de que a tal conjuntura desfavorável poderia ter impacto negativo nas contas desta noite. Além disso, os seus assessores recusaram que os resultados desta terça-feira pudessem servir como um indicador para a recandidatura provável do chefe de Estado em 2024.
Ora, o cenário alterou-se — e a reconfiguração não será certamente drástica. Interpretará Joe Biden estas eleições apenas como um cartão amarelo, e não o expectável vermelho, havendo margem suficiente para ganhar votos em 2024? Ainda não é clara a leitura que o Presidente dos EUA fará destas eleições, mas Biden parece ter margem para interpretar nos resultados uma bolsa de oxigénio para, pelo menos, os próximos dois anos.
Não obstante, Jim Clyburn — que foi eleito congressista pelos democratas num dos círculos eleitorais da Carolina do Sul — defendeu que o partido precisa de fazer uma “reflexão” sobre a sua mensagem e até liderança, principalmente se os republicanos ganharem a Câmara dos Representantes.
“Quando todos os resultados estiverem contados, penso que teremos de fazer uma boa reflexão sobre onde estamos e quem somos”, afirmou Jim Clyburn, que assinalou que é necessário “planear” as eleições “de forma diferente” em 2024. “Isso significa trazer pessoas novas? Isso significa mudar os cargos? Não sei. Eu apenas penso que as pessoas devem ser justas com as suas avaliações”, rematou.
As lições aprendidas quer pelos democratas quer pelos republicanos deverão ajudar a traçar já o resultado das próximas presidenciais em 2024. Com a certeza de que os Estados Unidos continuam divididos em dois polos — que não dão sinais de reconciliação.