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O que muitos temiam em Moçambique — linchamentos de polícias e dirigentes do partido no poder — já está a acontecer. E a 19 quilómetros da quarta cidade mais importante do país: Quelimane.

Um grupo de pessoas perseguiu a polícia e figuras locais importantes da Frelimo e acabou por matar o vice-presidente da Comissão Distrital de Eleições, raptar a mulher de um outro quadro do partido, incendiar a esquadra, destruir a prisão e libertar todos os reclusos.

A administração de Mucubia, vila sede do distrito de Inhassunge, na província da Zambézia, acabou por sair toda da vila — ou porque fugiu ou por ser retirada para Quelimane por ordens superiores. E  por isso, esta quinta-feira, a localidade acordou sem tumultos: “Não há ninguém contra quem protestar” , diz ao Observador, a partir de Quelimane, Zito Ossuma, jornalista e ativista político que é de Inhassunge. Mas o comércio está fechado e as pessoas não saem à rua.

A revolta da população no primeiro dia da última fase dos protestos convocados por Venâncio Mondlane, candidato presidencial independente que contesta os resultados eleitorais oficiais, acendeu-se quando foi detido um líder comunitário que se manifestava juntamente com um grupo numa aldeia ao lado, Mussangane. Não era um líder qualquer, era um sobrevivente dos buaramwa, curandeiros ou pessoas que a população diz ter poderes míticos: foram perseguidos pela Frelimo por alegadamente preparar os corpos dos soldados da Renamo para serem impenetraveis a balas no campo de batalha.

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“Esse ato acendeu o rastilho da insatisfação que se vinha acumulando em Inhassunge por décadas”, explica o jornalista. A população da aldeia caminhou então para Mucubia, para onde foi levado o líder algemado, e “incendiou então o comando distrital da polícia, destruiu a cadeia, libertando todos os presos, não apenas o líder detido, e a viatura policial”.

Depois partiu para a casa de Luís Joaquim Salimo, um dos “principais quadros da Frelimo em Inhassunge, que ocupou cargos estratégicos dentro do partido, chegando à chefia do comité de verificação”, descreve Zito Ossumane e acabou por o matar. Assaltou a casa de um outro dirigente local da Frelimo, Nhacungo, que não estava lá. Mas a mulher sim, e foi raptada, havendo “ainda sangue no quintal”.

O comandante distrital da polícia, o administrador do distrito, e o primeiro secretário do partido Frelimo fugiram da população.

Mas o que se passou não tem apenas a ver com os resultados eleitorais, sublinha Zito Ossuma, mas com o quadro de insatisfação com o que se passa na província. “Há exploração de areias pesadas há quase uma década e o resultado desse negócio não são visíveis no prato do cidadão comum, vão para Maputo e são controlados por lá, a responsabilidade social dessas empresas não são visíveis”, afirma.

Por outro lado, continua, “este é o distrito que recebe menor bolo orçamental do governo provincial, é o distrito mais perto da capital política da Zambézia, Quelimana, mas é o mais pobre dos 22 distritos da província”.

O caso está a preocupar Quelimane, já que muitos taxistas-ciclistas são de Inhassunge, e porque na cidade se registaram confrontos com a polícia na quarta-feira: um jovem morreu e houve vários feridos.

“A reação de Inhassunge tem a ver também com o que se passou ontem [quarta-feira] em Quelimane. O motor da cidade são os taxi-ciclistas que vivem do outro lado do rio, em Inhassunge”, diz Zito Ossuma. “A polícia saiu a disparar indiscriminadamente por volta das 16h, e morreu um jovem no mercado do Brendão, mas outras ficaram feridas, houve detenções, incluindo a de dois jornalistas.”

E há outro episódio a revoltar os manifestantes: Manuel Araújo o líder do Podemos, partido que apoia Venâncio Mondlane, foi atacado com gás lacrimogéneo, enquanto protestava pacificamente em Quelimane.

A cidade hoje está a meio gás, “com muitas repartições públicas fechadas, há receio por parte das pessoas”, mas não há manifestações por enquanto, embora a polícia esteja com “receio de que até ao final do dia” o cenário possa mudar.

A revolta de Inhassunge pode repetir-se noutros locais, avisa Zito Ossuma. “Não há vontade política de o governo reconhecer a legitimidade destas reivindicações das pessoas e de compreender que o governo cometeu graves crimes contra a população”, sublinha. A “fome campeia por aqui, é uma minoria que consegue ter o básico para viver”, assinala.

O futuro é imprevisível, diz o ativista político. “Mas o rastilho já está aceso.  Mas se esta situação se mantiver neste tom de violência mais uma, ou duas semanas, não é difícil acreditar que Moçambique volta à guerra civil”. Mesmo que um lado deste conflito não tenha armas: “Na guerra colonial a maioria das pessoas também não tinha armas, só tinham azagaias e outros instrumentos, na guerra dos 16 anos também não, ” recorda.

“Na situação em que isto está em pontos estratégicos — como Nampula [ontem morreram seis pesssoas nas manifestações] a guerra em Cabo Delgado [norte], e Zambézia em cheque-mate com Quelimane e Inhassunge e Mucuba que são zonas extremamente hostis à Frelimo e um pouco do que estamos a assistir em Manica e Maputo — há condições naturais e normais para que se chegue a essa condição de guerra”, alerta Zito Ossuma.

E repete o que Quitéria Guirengane disse ao Observador no domingo ao frisar que “violência gera violência”. Antevê um cenário em que Venâncio Mondlane deixa de controlar as marchas de protesto através das redes sociais.  “Mondlane vai perder vagarosamente o controlo com grupos que se vão formando como estes de Inhassunge, para combater, reprimir ou defender-se do Estado moçambicano, mais propriamente da polícia que tem agido de forma desproporcional contra a população”.

Não tem dúvidas: “Se isto não se resolve numa ou duas semanas, estes grupos vão juntar-se não só em ações mas a organizar-se em outras geografias e a delinear estratégias para uma posição de autodefesa mas que pode resvalar rapidamente para uma guerra civil”.