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Ricardo Sá Fernandes cumpriu três mandatos no Conselho de Jurisdição do Livre
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Ricardo Sá Fernandes cumpriu três mandatos no Conselho de Jurisdição do Livre

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ricardo Sá Fernandes cumpriu três mandatos no Conselho de Jurisdição do Livre

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ricardo Sá Fernandes: "Temos de acautelar risco de interferências de uma seita que se queira aproveitar do Livre"

Em entrevista, Ricardo Sá Fernandes admite que modelo de primárias abertas no Livre permite "chapeladas". Francisco Paupério é excelente candidato, mas ainda tem resistências internas, diz.

Não é a primeira vez que Ricardo Sá Fernandes se vê envolvido num conflito interno do partido, graças ao seu papel no Conselho de Jurisdição, pelo qual recebeu um louvor no arranque do congresso do Livre. Desta vez, a propósito da polémica com a escolha de Francisco Paupério como cabeça de lista às europeias, garante que não houve qualquer viciação no processo. O que houve, explica, foi quem ficasse surpreendido com a campanha que o “excelente” candidato conseguiu fazer, e que motiva ainda “resistências pessoais” dentro do partido. Apesar de tudo, Sá Fernandes está convicto de que Paupério será capaz de “ganhar” o Livre.

Em entrevista ao Observador, a partir do XIV Congresso do Livre, que se realiza este fim de semana na Costa da Caparica, Sá Fernandes reconhece que o modelo de escolha através de primárias abertas permite “chapeladas” e interferências de organizações como “seitas”, pelo que será preciso corrigi-lo.

O advogado admite que a melhor solução poderá passar por um “voto ponderado” que dê mais peso à escolha dos militantes do que às pessoas de fora. E avisa para os riscos de “implosão” nos partidos pequenos que se focam em demasia nas questões internas.

Sá Fernandes já se tinha oferecido para “mediar” o conflito do partido com Joacine Katar Moreira e agora, reconhecendo que ambos os lados cometeram erros no processo, espera que estas polémicas sirvam para o partido aprender a “articular-se” melhor com os candidatos e eleitos. Nesta entrevista, explica ainda o papel do Livre como uma esquerda nova, que não quer ser satélite do PS, e que deve liderar a discussão sobre reparações históricas.

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[Ouça aqui a entrevista a Ricardo Sá Fernandes]

Ricardo Sá Fernandes: “O Livre não é um partido satélite”

“As primárias abertas podem ter um problema. Os partidos não podem ser ingénuos”

Recebeu esta manhã um voto de louvor e deixa os órgãos de Jurisdição do partido depois de três mandatos. Vai preocupado, tendo em conta as últimas semanas, ou descansado, acreditando que o partido vai saber lidar com estas dores de crescimento?
Vou descansado, mas vou ficar atento. Porque a vida de um partido, como a vida em sociedade, tem sempre pontos de conflito. E nem sempre o bom senso permite solucionar esses conflitos — há muitos que podem ser solucionados com bom senso, com espírito de equilíbrio, o que às vezes falta. Conseguimos, no Conselho de Jurisdição, manter a cabeça fria. Acho que a jurisprudência que se fixou veio para ficar. A pedagogia que estes mandatos puderam fazer vai permitir que o partido, do ponto de vista da jurisdição, funcione de acordo com os princípios e sem grandes oscilações. Portanto, estou descansado. Ainda que naturalmente tenhamos todos que estar atentos, porque a vida é conflitual e às vezes as pessoas têm comportamentos que não são os mais adequados, e que podem ser lesivos para o partido.

Tem sido muito falado este processo de escolha da lista para as eleições europeias. Houve bom senso nesse processo? Supostamente surgiram “fortes suspeitas de viciação” do processo, que depois o Conselho de Jurisdição não confirmou.
De facto, não há suspeitas nenhumas concretas. As pessoas estranharam haver uma percentagem grande de votos de não inscritos a votar no Francisco Paupério. Mas isso é o resultado da dinâmica da campanha dele. E o partido tem de perceber que o modelo das primárias abertas tem riscos. Se o quer manter ou quer alterar, isso é uma matéria de reflexão. Neste caso concreto as pessoas ficaram um pouco espantadas, mas o que é certo é que não havia nenhum indício, nenhuma demonstração concreta de que o Francisco Paupério, ou alguém por ele, tenha pervertido as regras no jogo. Por isso, o bom senso acabou por prevalecer. A decisão da Comissão Eleitoral foi um bocadinho fruto de uma primeira impressão. Mas depois a Comissão de Jurisdição decidiu por unanimidade — isso é muito importante que se diga. Foi uma decisão que vimos que não tinha alternativa, independente do que pensássemos do Paupério ou não. Não havia alternativa, de acordo com as nossas regras.

A ideia de mudar de regras a meio do jogo era impossível.
Ainda houve a seguir quem não tivesse logo aceitado muito bem isto, mas depois tudo acabou por entrar nos carris.

Mas ficam sinais de alerta para evitar situações dúbias como esta, e como no passado já existiu, por exemplo, com a Joacine Katar Moreira?
A questão da Joacine não foi um problema de primárias abertas, porque a direção do partido apoiou-a. Portanto, não é um problema desta natureza — o partido votou esmagadoramente nela. Agora, as primárias abertas podem ter um problema. Os partidos não podem ser ingénuos. No caso do Paupério não houve nenhum golpe, não houve nada de abusivo. Temos um bom candidato.

Mas acha que o partido está convencido que tem um bom candidato? Que tem esse apoio mesmo assegurado? Porque até a votação da lista na Assembleia foi muito partida.
Foi. Acho que ainda houve um momento de resistência. Aliás, eu pela primeira vez — nunca o fiz durante estes mandatos — dirigi-me a título pessoal à Assembleia a dizer que não há alternativa a essa solução. Ainda houve alguma resistência, mas acho que esse problema está ultrapassado. Há sempre resistências pessoais que vão ficando, mas julgo que o Paupério vai conquistar essas pessoas. É um excelente candidato e podemos fazer um brilharete com ele nestas eleições. Desta vez as primárias abertas foram boas para o partido, permitiram um rejuvenescimento e encontrar um candidato jovem que vai ser um excelente candidato. Agora, no futuro, não sei. Ainda por cima, depois de ter havido este incidente, a tentação de poder haver aqui uma interferência de uma seita, de uma coisa qualquer que se queira aproveitar disto, é um risco. E por isso temos que ter um processo de reflexão de forma a evitar esse risco. No caso do Paupério não aconteceu.

Com o crescimento do partido pode haver a tentação de pôr fim a este formato de primárias? E a decisão passar a ser tida apenas nos órgãos do partido.
Não, as primárias abertas fazem parte do ADN do partido. Elas não vão deixar de existir. E quanto mais o partido crescer, menos esse risco existe. Porque esses riscos existem em estruturas muito pequenas. É preciso lembrarmos que as primárias abertas se fazem no Partido Democrata, no Republicano, americanos. Quando os partidos são muito grandes, não há hipóteses práticas de interferir. Temos de acautelar riscos de interferências de uma seita que se queira aproveitar.

E como é que isso se faz? 
Eu próprio tenho refletido sobre isto. Se deve ser um voto ponderado, enfim, não sei.. Eu sei é que esse risco existe. E como existe, temos que o acautelar.

Ou seja, poderiam dar um bocadinho mais de peso ao voto das pessoas que são do partido.
Exatamente. Admitir que os votos de fora não contam mais do que um determinado limite. Permitir uma interferência importante de votos de fora, mas não decisiva. É a solução que à partida me parece mais razoável. Mas no caso do Paupério não houve nenhum aproveitamento, de nenhuma seita, de nenhum grupo malévolo. Não. Foi o fruto da campanha que ele fez e que apanhou os outros desprevenidos. Mas ele utilizou as armas que tinha, os instrumentos que tinha, e foi por isso que ele ganhou. Não foi porque houve nenhum sindicato de voto, nenhuma chapelada. Não houve chapelada. Agora, este modelo pode permitir chapeladas. Acredito que o Paupério vai ser um bom candidato, ainda pode haver algumas resistências mas ele vai ganhar o partido para o acompanhar neste combate.

Diz que pode ter um resultado surpreendente. Isso seria o quê? 
Podemos eleger dois deputados.

"Desta vez as primárias abertas foram boas para o partido, permitiram um rejuvenescimento e encontrar um candidato jovem que vai ser um excelente candidato. Agora, no futuro, não sei. A tentação de poder haver aqui uma interferência de uma seita, de uma coisa qualquer que se queira aproveitar disto, é um risco"

“Estes pequenos partidos facilmente podem implodir. Temos de estar vigilantes”

Já ouvimos o Paulo Muacho dizer já viu partidos terem grupos parlamentares, e deixarem de os ter, porque se envolvem demasiado em lutas de poder e em conflitos internos. Esse é um risco que o Livre corre neste momento?
Todos os partidos correm esse risco. O PAN já teve evoluções — ainda tem um deputado, e espero que tenha, porque é um partido que eu acho que é útil à democracia. Mas, por exemplo, houve aquele partido do Marinho e Pinto, um partido que apareceu com uma grande força e explodiu, com conflitos internos terríveis, o que eles disseram uns dos outros. O risco existe, porque as pessoas são terríveis umas com as outras. Eu tenho noção do que é a natureza humana. Mas um partido com esta luminosidade do Livre, com este espírito democrático, com esta perspetiva de discutir tudo, é um partido que tem à partida, do ponto de vista ideológico e regulamentar, condições para resistir. Mas temos que de noção de que esse risco existe. Por isso, toda a atenção para ele. A nossa transparência e a nossa democraticidade é um antídoto, mas pode ser pervertido. Estou otimista, mas devemos estar sempre vigilantes, porque estes pequenos partidos facilmente podem implodir.

Fala-se muito de um partido muito à volta de Rui Tavares. Agora existem outros protagonistas, há quatro deputados na Assembleia da República, mas depois quando surge um candidato, por exemplo o Francisco Paupério, a direção levanta algumas reservas. Há aqui uma dificuldade em abrir o partido ?
O partido nasceu de um núcleo muito em volta do Rui Tavares, mas essa fase está ultrapassada e o caso do Paupério demonstra-o. Não é do interesse do partido nem do Rui Tavares viver em torno de uma figura e o partido não tem essa perspetiva. Vão cada vez aparecer mais pessoas. A Isabel Mendes Lopes é um quadro de primeiríssima mão, Jorge Pinto, o Paupério, o Paulo Muacho. A sociedade portuguesa vai-se a perceber que o LIVRE tem excelentes quadros, e muitos jovens e outros menos jovens, tem um manancial enorme. É preciso é que as pessoas sejam reconhecidas. E aos poucos vão perceber que o Livre não é só o Rui Tavares.

Acha que não ficou nenhum trauma da situação com a situação da Joacine Katar Moreira, que também acompanhou na altura — até se ofereceu para mediar esse caso?
Tive aí também uma interferência importante, porque o assunto foi à Comissão de Ética também, deliberámos que não havia um problema disciplinar e que aquilo era uma questão política. E procurei estabelecer as pontes de diálogo, que infelizmente falharam. A Joacine tem responsabilidades, a direção do Livre também teve as suas responsabilidades, eu fiz questão de lhe dizer; mas acho que a vida prossegue, acho que o Livre tem esse histórico e tem de ter noção de que não pode facilitar na forma como escolhe as pessoas, se articula com as pessoas, se conjuga com os seus quadros. Essa experiência deve funcionar como lição importante, tendo em conta os erros que a Joacine cometeu, mas também os erros que a direção do partido cometeu.

Da tal articulação que dizia…
Falhou. Pareciam duas lógicas diferentes, a Joacine a puxar para um lado, a direção do partido a puxar para o outro, aquilo rompeu. Pareciam duas escolas diferentes, duas culturas diferentes.E  houve quem tentasse cosê-las sem sucesso. Isso tem que ser preventivo, de se perceber melhor como é que estas coisas se articulam.

"Experiência com Joacine Katar Moreira deve funcionar como lição importante, tendo em conta os erros que a Joacine cometeu, mas também os erros que a direção do partido cometeu"

“O Livre não é um satélite do PS”

Entre os vários partidos da esquerda há quem diga que o Livre só conseguiu fazer aprovar várias propostas nos últimos anos porque eram sobretudo grupos de trabalho, estudos. O Livre tem que ser mais exigente com quem está no Governo para vincar mais a sua posição à esquerda?
O Livre é o primeiro partido da esquerda que não tem uma origem marxista. É o primeiro partido da esquerda que nasce depois do 25 de Abril, porque mesmo as raízes do Bloco de Esquerda vêm atrás do marxismo, do leninismo. O Livre nasce com duas referências fundamentais: é um partido profundamente europeísta — recordo-me que em 2015 havia nos partidos da esquerda uma grande resistência à Europa; o Livre criticou o excesso da Troika, mas teve uma posição sempre europeísta — e profundamente ecologista. São as traves mestras do partido, para além, naturalmente, da democracia, da referência à justiça social, à social-democracia, mas isso temos coisas em comum com os outros. Aqui, na matéria da ecologia, do europeísmo e da causa aos grupos minoritários, às minorias, à protecção das minorias, isso faz do LIVRE um partido com espaço próprio. Agora, esse espaço muitas vezes sobrepõe-se à atuação do PS. O Livre não tem de ser seguidista do PS, mas também não tem de recear de estar com o PS quando estamos no mesmo barco.

Não tem de recear ser acusado de ser satélite.
Não, o Livre não é satélite. Eu comecei a minha vida política num partido que eu me apercebi que era satélite, quando fui militante do MDP, satélite do PCP. Saí, quando me apercebi disso. Sei o que é um pequeno partido ser um partido satélite. O Livre não tem uma cultura de satélite. Tem, naturalmente, pontos de convergência com o Partido Socialista, que deve explorar, num sentido positivo, mas tem uma identidade própria que tem vindo a afirmar e vai afirmar no futuro.

Nesta questão das reparações históricas, o Livre no programa eleitoral tinha várias propostas nesse sentido, sobre a devolução de bens que estão em museus portugueses, revisão de currículos escolares populares. São propostas que devem avançar? O LIVRE deve liderar esse debate também na Assembleia, por exemplo?
Sim. É uma matéria onde é muito fácil cair em excessos. Mas não é uma matéria que possa ser ignorada. Temos de ter a noção de que temos uma história colonial, de que tivemos relações com esses povos. Relativamente aos bens, há muitos bens que estão em Portugal e que foram resultado de campanhas científicas, em que o problema da devolução não se coloca. Mas há dois tipos de situações em que o problema da devolução se pode pôr. Ou quando houve um ato de prepotência e de roubo das obras, ou obras que venham a ser — não conheço nenhuma, talvez em Angola — obras que tenham um grande valor emblemático do ponto de vista nacional, que sejam referência. O resto das obras devem permanecer com o devido enquadramento. Não há razão para pôrmos a questão da devolução à cabeça. Agora, este problema da relação com o nosso passado colonial é um problema a que o Livre é sensível. E acho que temos uma dívida relativamente aos africanos que combateram nas tropas portuguesas e que foram abandonados. Temos de revisitar o nosso passado colonial sem excessos, sem exageros, com bom senso, com perspetiva histórica, com equilíbrio e, sobretudo, guiados por uma ideia: a ideia de justiça e de reencontro com esses povos e com essas culturas.

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