Discurso de Rui Moreira
“Com este lema iniciámos, em 2013, este caminho que nunca teve agenda partidária, nem nunca respondeu a diretórios. Como muito bem sabem, sempre nos focamos num Porto independente das ideologias, independente dos protagonistas partidários e independente das agendas centralistas que recorrentemente nos querem impor.”
Rui Moreira arrancou o seu discurso de recandidatura com a uma referência às origens. A referência ao facto de nunca ter respondido a “partidos”, a “diretórios” ou a “protagonistas partidárias” tem uma razão de ser: além do natural puxar dos galões, é um facto de que a primeira candidatura de Rui Moreira, que teve em 2013, foi promovida ativamente por Rui Rio, contra Luís Filipe Menezes. Os dois — Moreira e Rio — romperam pouco tempo depois. E, desde aí, o independente nunca esqueceu o adversário: em 2017, no discurso de vitória na noite eleitoral, chegou mesmo a dizer que os grandes derrotados daquela noite tinham sido Paulo Rangel e… Rui Rio. A defesa da sua independência, aliás, já tinha sido nota dominante do discurso de recandidatura em 2017.
“Este caminho incomodou muito gente, principalmente aqueles que (como se diz no Porto) “não têm noção” e continuam a trocar o Porto pelo Terreiro do Paço, ao ponto de não terem descansado enquanto não criaram uma lei para nos impedir de voltar a usar o lema ‘O Nosso Partido é o Porto’.”
Nova referência implícita a Rui Rio e ao facto de o PSD ter tentado alterar as regras das candidaturas independentes às autarquias, impedindo, precisamente, que os movimentos usassem referências como “partido” nas suas candidaturas. O caso provocou um braço de ferro entre autarcas independentes, PS e PSD, Moreira chegou a ameaçar criar um novo partido, os socialistas recuaram e os sociais-democratas acabaram por ficar isolados na contenda. Numa tentantiva de chegar a um acordo, os dois partidos desenharam um novo diploma, aprovaram a nova lei no Parlamento, mas esta esbarrou no Tribubal Constitucional. Acabaria por ser retomada já com muitas alterações. Mais uma vez, o caso já tinha animado a campanha de 2017, com o PSD a recorrer aos tribunais para que impugnasse a candidatura de Moreira — que deu razão ao atual autarca.
“Conseguimos também resolver problemas e projetos que estavam encalhados há décadas, como foi esta emblemática obra em que nos encontramos aqui hoje, o Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota; mas também o nosso Mercado do Bolhão, ou ainda o crucial Terminal Intermodal de Campanhã. Tudo estaria pronto não fosse a pandemia. Podemos, ainda, juntar o arranque do projeto do Cinema Batalha, do Matadouro, da Biblioteca Pública Municipal pela mão de Eduardo Souto Moura e ainda a nova ponte sobre o Douro.”
Este terá sido o grande argumento de Rui Moreira para continuar. Durante muito tempo, foi discutida a possibilidade de o atual autarca não se candidatar a um terceiro mandato. Ainda assim, a não conclusão de quatro obras emblemáticas para Moreira — o Matadouro, o Cinema Batalha, o Mercado do Bolhão e o Intermodal de Campanhã –, que sempre acompanharam os mandatos do portuense terá sido decisiva para motivar Moreira a enfrentar mais quatro anos de presidência.
“E estes projetos são também um espelho ‘das contas à moda do Porto’, pois é preciso não esquecer que em 2019 terminámos o ano com Zero de dívida da CMP. Aliás, a agilidade do Porto no combate à pandemia e de que todos foram testemunha, só foi possível porque ‘nós fomos uma formiga e não uma cigarra’, nós trabalhámos para ter boas contas e assim conseguiremos fazer frente a este ‘inverno pandémico’ que todos atravessamos.”
A referência à pandemia e à forma como a atual presidência da Câmara do Porto lidou com a crise sanitária, social e económica será, certamente, um dos temas da campanha eleitoral. Moreira vai tentar fazer valer os seus méritos neste processo — depois de uma fase inicial delicada, a cidade do Porto conseguiu estabilizar os números e dar uma resposta assertiva e relativamente consensual nesse plano. O candidato independente fará de tudo para explorar um capital político que entende gozar.
“Mas, todos sabem que o meu projeto preferido sempre foi o Matadouro (que retirámos da lista de património a alienar). E que penou pelos labirintos do Tribunal de Contas. É um projeto que irá criar uma nova centralidade, revitalizando Campanhã e toda zona oriental, tal como aconteceu com a zona da Expo, em Lisboa, mas com uma grande diferença: lá foi com dinheiro do Poder Central, aqui tivemos o engenho de motivar os privados”
Uma de muitas referências de Rui Moreira ao Estado Central e à ‘corte de Lisboa’ que manda no país a partir da capital. Não é um dado novo no discurso do autarca, que sempre explorou um certo espírito bairrista que é comum ao eleitorado portuense. Curiosamente, a crítica ao Tribunal de Contas é partilhada com Fernando Medina: os dois chegaram a enfrentar publicamente aquela entidade por criar obstáculos à aprovação de obras que ambos consideram essenciais para as respetivas cidades. De resto, o Governo chegou a tentar um novo regime de Parcerias Público Privadas (PPP), que excecionava as autarquias e permitia a prossecução destas grandes obras, mas foi chumbado no Parlamento com o voto decisivo do… PSD de Rui Rio.
“Estamos preparados para nos próximos meses ir para a rua defender os altos valores que nos unem (…) Sabem que podem contar sempre com a minha voz e a minha força na defesa intransigente do Porto, por mais que me traga perseguições e dissabores.”
Rui Moreira sabe que vai encontrar uma campanha dura pela frente. Com o caso Selminho às costas — o autarca vai mesmo a julgamento –, com Rui Rio ativamente empenhado em conseguir um bom resultado na cidade, com um PS movido por uma candidatura bem mais musculada — Eduardo Pinheiro, próximo de Moreira, desistiu de avançar; Tiago Barbosa Ribeiro sempre foi da ala do partido que mais críticas fez ao autarca desde a rutura na anterior campanha — e com a oposição de sempre e sempre vocal de Bloco de Esquerda e PCP, a campanha será tudo menos fácil para o independente.
“Para tal gostava que esta campanha continuasse a ser diferente das outras, por isso quero endereçar um convite a toda a cidade e a todos os portuenses, pois o futuro passa por cada um de nós. Estou certo de que a política rasteira e infame nunca chegará do Porto, mas sim zumbirá de outros poleiros”
A referência aos “outros poleiros” fora do Porto sugere que outros, não necessariamente envolvidos diretamente na corrida eleitoral, estarão empenhados em derrotar Moreira. Esta sugestão cabe pode ser vista como uma nova indireta a Rui Rio e à campanha “rasteira e infame” que aí vem. Rui Moreira sabe que os sociais-democratas não se cansarão de explorar o Caso Selminho — e outras polémicas que venham a surgir.