Além de conselheiro nacional e deputado, Carlos Eduardo Reis não ocupa formalmente qualquer outro cargo nas estruturas do PSD. Ainda assim, é um dos homens mais influentes do partido, em particular no distrito de Braga. Foi ele, em 2019, que ajudou a travar a tentativa de impeachment de Rui Rio e a frustrar as aspirações de Luís Montenegro. Conseguiu sair do último congresso com terceira lista mais votada para o Conselho Nacional do PSD, órgão máximo entre congressos. E terá sempre uma palavra a dizer na definição do próximo líder social-democrata.
Numa altura em que se antecipa uma possível candidatura de Paulo Rangel depois das autárquicas, Carlos Eduardo Reis não se compromete. Em entrevista ao Observador, o social-democrata reforça a confiança em Rui Rio (“tem condições para ser primeiro-ministro”) e recusa comentar a eventualidade de ter de escolher entre Rio e Rangel, de quem foi aluno. A continuidade do atual líder depende dos resultados nas autárquicas e na ponderação que Rio fizer, insiste. Mas Rangel daria ou não um bom líder do partido? Carlos Eduardo Reis dribla a pergunta: “Vamos evitar esse título [para a entrevista].”
Escolhido como mandatário da candidatura do PSD a Barcelos, que motivou um psicodrama nas estruturas locais do partido, entre demissões e recursos para o tribunal do partido e Tribunal Constitucional, Carlos Eduardo Reis lamenta todo o “ruído” causado por “três ou quatro”. Não foi apenas ruído: a concelhia apresentou um candidato, esse candidato foi aprovado pela distrital de Braga e chumbado pela direção; a concelhia recorreu para o tribunal do partido, que lhe deu razão; só a intervenção do Constitucional resolveu a questão. Nos corredores do PSD, comenta-se que este foi mais um reflexo da disputa por influência política com Paulo Cunha, líder da distrital do PSD/Braga. Carlos Eduardo Reis corta a eito. “Não tenho qualquer ambição de ter lutas com Paulo Cunha.”
Principal suspeito na operação Tutti Fruti, processo com mais de três anos, que investigou uma alegada teia de corrupção e motivou dezenas de buscas em todo o país, Carlos Eduardo Reis evita falar do tema, nega todos as suspeitas que lhe foram imputadas e garante que não foi sequer ouvido pelas autoridades. “Tenho pena de viver num país que tem essa forma de investigar.”
“Três ou quatro pessoas que tentaram prejudicar mais de 1800 candidatos”
A concelhia do PSD/Barcelos — ou o que restava dela — demitiu-se esta quarta-feira por discorda da escolha de Mário Constantino como candidato à autarquia. É mandatário desta candidatura. Sente-se confortável em apoiar um candidato que foi escolhido ao arrepio da vontade das estruturas do partido?
Estou muito confortável. Foram feitos dois estudos de opinião por uma distrital liderada por José Manuel Fernandes e por uma distrital liderada por Paulo Cunha [ex e atual líder do PSD/Braga]. Mário Constantino foi sempre o melhor colocado. Acresce o facto de Mário Constantino ser mais agregador porque é o único candidato que o movimento independente apoiaria. A forma como a concelhia geriu o processo não ajudou a que chegássemos a uma solução que fizesse menos ruído. Foram três ou quatro pessoas que tentaram prejudicar mais de 1800 candidatos que querem trabalhar para mais de 120 mil pessoas.
O argumento das sondagens é muitas vezes apoucado pela direção nacional e por Rui Rio. Não é uma incoerência fazer depender a escolha de candidatos de sondagens e devalorizá-las quando são más para o PSD?
Não posso falar pela Comissão Política Nacional. Não fui eu que escolhi como instrumento de trabalho as sondagens. Quem escolheu foi a distrital liderada por José Manuel Fernandes e por Paulo Cunha, e duas concelhias do PSD/Barcelos lideradas por pessoas diferentes. Trabalhei com aquilo que um conjunto de dirigentes escolheu como método. Se o resultado final não lhes agrada não pegamos na bola, vamos para casa e ninguém joga.
O Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) do PSD acabou por dar razão à concelhia…
Mais ou menos. O CJN foi ambíguo até admite que a concelhia deve Mário Constantino e que deveria ter uma intervenção na feitura das listas. Ora, isso até um bocado contra-natura. Não podemos convidar um candidato e depois impor-lhe toda a lista. Vou responder como respondeu o Tribunal Constitucional: não se deve utilizar o Tribunal Constitucional para fazer política ou resolver diferendos políticos. Tenho muita pena que nós, com um projeto tão bom, tenhamos tido um ruído que foi prejudicial.
Já falou duas vezes em Paulo Cunha, líder da distrital do PSD/Braga. É ele o responsável por este braço de ferro?
Paulo Cunha tem um entendimento daquilo que uma distrital deve fazer na relação com as concelhias e nas escolhas de candidatos passivo, quase notarial. Eu tenho outro entendimento. As distritais devem ajudar a encontrar soluções de forma agregadora, serena e não instigadora. A Comissão Política Nacional, embora tenha tomado uma posição muito corajosa, não teve a ajuda da concelhia, nem da distrital.
No partido, comenta-se que este foi mais um episódio da luta pelo poder do PSD em Braga, entre si e Paulo Cunha.
No meu caso, é uma luta pelo poder em Barcelos para fazer coisas por Barcelos.
Só isso?
Só isso. Não tenho qualquer ambição de ter lutas com Paulo Cunha.
A mesma concelhia demissionária acusa-o de ter agido em benefício próprio e de ter violado de forma grave e grosseira os Estatutos Nacionais do PSD.
É um comunicado que, para não dizer que é mentiroso, é bastante impreciso. Como disse: é apenas fogo fátuo de três ou quatro que querem prejudicar 1800 candidatos que querem trabalhar para mais de 120 mil.
Depois de um processo tão conturbado como este o PSD não tem agora mais pressão para ganhar a Câmara? Acredita que pode conquistar a autarquia?
Perante os projetos que já apresentámos, o debate que já fizemos e que vamos continuar a fazer, perante os protagonistas que escolhemos, acho que sim, acho que temos possibilidades de disputar a Câmara para ganhar.
“Precisamos de um número significativo de mais votos em relação a 2017”
Olhando para o PSD nacional. Em janeiro de 2019, os seus votos foram essenciais para travar o impeachment de Rui Rio, quando Luís Montenegro tentou derrubar a atual liderança pela primeira vez. Com os dados que tem, arrepende-se de ter apoiado Rio?
Não. Vamos recuar a esse tempo. Rui Rio é eleito a dizer que não tem problemas em fazer acordos com PS. Tinha um projeto para implantar no partido e no país. Se passado pouco tempo, menos de um ano, não lhe vamos dar o mandato de que ele precisa vamos estar a trair o voto dessas pessoas. Não é por ter estado do outro lado, que devo ter um entendimento de claque dentro do Conselho Nacional. Tivemos um voto responsável.
O partido terá eleições diretas das autárquicas, saiu do último Congresso com a terceira maior lista no Conselho Nacional, tem uma palavra a dizer. Entende que chegou o momento para o partido repensar a sua liderança?
Rui Rio já antecipou essa disputa e esse cenário. Ao colocar uma séria de premissas em relação às eleições autárquicas ele melhor do que ninguém sabe que serão umas eleições diretas em que se afirmarão posições dissonantes. O que também é essência do PSD, não é nenhuma novidade. O repensar a liderança no PSD é quase um ato de militância.
Acredita que Rui Rio vai a votos?
Não quero fazer essa análise tão a priori. É um exercício de adivinhação para o qual não estou capacitado. Sei que há muita gente que exerce isso com frequência, mas não estou capacitado para isso. Depois, se esse posicionamento depende do score autárquico como disse o líder do partido, só ele poderá fazer essa ponderação. Rui Rio deu um pendor muito grande às eleições autárquicas e é natural que o sucesso ou o insucesso dessas eleições façam parte da sua ponderação.
O que seria um sucesso nessas eleições autárquicas? O Porto parece impossível de conquistar, Lisboa idem, Coimbra também não é garantido que o PSD consiga derrotar o PS…
Em 2001 as coisas correram como correram… Há duas coisas que eu não faço: antecipar o voto dos portugueses e colocar-me nos sapatos de Rui Rio.
Mas o que é exatamente um bom resultado? Mais dez câmaras? Vinte…?
É difícil quantificar isso até porque as câmaras não são todas iguais. Lisboa é diferente de todas…
José Silvano, coordenador autárquico, chegou a sugerir que se o PSD conquistasse Lisboa os outros desafios quase nem teriam significado.
Teremos de medir o número de mandatos conquistados. Se ganharmos mais dez câmaras mas isso só significar um avanço de poucos milhares de votos, isso não é significativo. Se ganharmos mais dez câmaras e aumentarmos em 10, 15 ou 20% o número total número de votos já seria significativo. E claro: números de câmaras. Se tivermos muitos mais votos, mas perdemos várias câmaras por pouco isso também não é bom. Precisamos de um número significativo de mais votos em relação a 2017 com câmaras.
E se Rui Rio falhar esse objetivo?
Fará a sua ponderação e depois perguntará aos militantes o que é que eles acham. Estou convencido que António Costa superará esta pandemia e perderá as próximas eleições. Aconteceu a Churchill e poderá a acontecer àquele que dizem ser — eu não digo — o Churchill português.
“Rui Rio tem condições para ser primeiro-ministro”
Independente desse score eleitoral tem instrumentos para fazer uma avaliação dos mandatos de Rui Rio. Têm sido positivos? Tem condições para chegar a primeiro-ministro?
Há uma coisa de que não se podem queixar: Rui Rio nunca mentiu aos militantes. Aquilo que disse que ia fazer é aquilo que tem feito, um programa [de reformas] em várias áreas, apresentar candidatos autárquicos até 31 de março e que tentaria acordos com o PS em matérias fundamentais, como a Justiça ou os fundos europeus. Fez isso tudo. Também percebo que há momentos em que os portugueses esperavam uma oposição mais dura, mais acutilante, mais a rasgar. Muitas vezes eu também esperava. Mas isso tem a ver com o estilo de Rui Rio. E ele não enganou ninguém, tem feito exatamente aquilo que disse que ia fazer. Se me pergunta: gostava de estar à frente do PS nas sondagens? Gostava. Vamos trabalhar para isso. Vamos estar em condições de ser poder quando chegarem as próximas legislativas? Eu acho que sim.
Com Rui Rio?
Com Rui Rio, provavelmente. O debate que vamos fazer é se temos um militante mais preparado e mais qualificado para ombrear com António Costa. Esse é que é o debate importante e vou fazê-lo depois das autárquicas. Não quer antecipar essa disputa, mas se me pergunta se Rui Rio tem condições para ser primeiro-ministro, tem. Porque qualquer líder do PSD tem condições para ser primeiro-ministro.
Isso é uma resposta chapa cinco. Diz que Rui Rio fez tudo aquilo que prometeu internamente, mas a estratégia está a ser compreendida pelos portugueses? Como é que se explica que o PSD esteja consistentemente, em todas as sondagens, a léguas de distância do PS se a estratégia está a ser assim tão bem conseguida?
Não parto do princípio que o PSD é maioritário em Portugal. Há companheiros meus que partem do princípio que vivemos no tempo do Professor Cavaco Silva. O PS passou a linha vermelha que nunca tinha passado e o PSD viu nascer à sua direita três partidos, o Chega, de um militante nosso, a Iniciativa Liberal, de gente que tinha colaborado no Governo de Passos Coelho, e a Aliança, um partido formado por ex-presidente do PSD e militante muito querido pelas bases do PSD que é Pedro Santana Lopes. E o nosso parceiro natural de coligação, o CDS, vive momentos difíceis. Perante este cenário, o PSD manter-se nestes números não é uma catástrofe. Se poderíamos estar com uma melhor performance nas sondagens? Provavelmente poderíamos. Mas se Rui Rio tiver um resultado nas autárquicas dentro daquilo que indicou e que se conseguirmos passar a mensagem nos vários pontos do país onde temos candidatos com possibilidades de ganhar, se ele criar de novo essa ligação ao povo português, acho que temos muitas hipóteses de encontrar o PS nas sondagens.
O PSD não precisa de mudar nada para recuperar a distância que tem para o PS? Os portugueses eventualmente compreenderão a mensagem?
Há coisas que temos de mudar. Em termos comunicacionais, quanto mais Rui Rio for o porta-voz das nossas propostas, mais eficácia teremos. Temos muitas propostas e muitas vezes isso não chega às pessoas.
Falou na questão da comunicação. Como é que explica que Rui Rio insista na necessidade de fazer acordos com o PS quando António Costa já provou que manifestamente não está interessado?
Rui Rio já fez uma inflexão em relação a isso.
Apresentou uma proposta de revisão constitucional que obrigará, em teoria, a entendimentos com o PS.
Tem o mérito de dar um sinal de que o PS não está aberto a mudar nada porque é o partido mais situacionista em Portugal e é o partido do sistema. Agora, não acho que tenhamos de mudar apenas a nossa comunicação. Rui Rio vai inflectir a sua estratégia e vai endurecer o seu discurso. Vimos nas legislativas que quando Rui Rio endureceu o seu discurso teve a adesão dos portugueses. Vamos ver o que é que dá essa inflexão, o que é que diz depois das autárquicas, o que tem a dizer aos militantes.
Apoio a Rio ou a Rangel? “Não posso responder a isso”
Portanto, presumo que se Paulo Rangel avançar com uma candidatura nas próximas eleições internas, vai estar estar do lado de Rui Rio?
Não vou responder a isso. Não posso responder a isso. Não sei se Paulo Rangel vai avançar, não sei se Rui Rio vai avançar, tenho estima pelos dois, sou deputado do grupo parlamentar leal à direção do partido. Só ponderarei esse cenário quando ele se puser. Deixe-me dizer outra coisa: Paulo Rangel tem sido irrepreensível na forma como tem apoiado muitos candidatos nestas autárquicas. Muitas vezes ao lado de Rui Rio…
E muitas vezes sozinho. Há quem sugira que é uma espécie de pré-campanha.
Acedendo a convites que lhe fazem, naturalmente. É natural que Rui Rio não possa ir a todas. Queria registar que Paulo Rangel tem feito esse trabalho solidário de dar uma ajuda aos candidatos, muito deles têm tarefas muito difíceis.
Não entende isso como uma espécie pré-campanha?
Não me parece. Não entendo que esteja a fazer uma pré-campanha. Paulo Rangel tem tido uma postura responsável e leal. Não nos divide.
Mas Paulo Rangel daria ou não um bom líder do PSD?
Vamos evitar esse título [para a entrevista].
Como é que se explica que um partido que está em crise…
O PSD está em crise desde 1974. Mesmo quando governava estava em crise. A crise favorita dos portugueses é a crise do PSD.
Certo, mas já teve momentos bem mais recomendáveis. Como é que explica que além da alternativa “Paulo Rangel” uma parte do partido pareça suspirar eternamente pelo regresso de Pedro Passos Coelho? É sinal que não se soube regenerar?
O PSD suspira por Passos Coelho?
Há um PSD que suspira por Pedro Passos Coelho. Há uma direita, aliás, que suspira por Pedro Passos Coelho.
Parte dessa direita já não está no PSD. O PSD já não é igual depois de 2015. Passos Coelho teve uma liderança muito dura, fez um grande esforço para nos poder tirar do buraco em que o PS nos deixou, e ainda hoje é penalizado por isso. Os militantes do PSD têm por ele muito carinho. Agora, não acho que haja falta de protagonistas, nem acho que Pedro Passos Coelho queira voltar a ser líder do PSD. Há um conjunto de pessoas que já disseram que querem ser líderes do partido: Pedro Duarte, Jorge Moreira da Silva, Miguel Pinto Luz, Luís Montenegro, que já foi candidato, Paulo Rangel, que já foi candidato… Tem cinco no PS?
A questão não é querer; é se têm condições objetivas para o serem.
Isso é outra coisa. Se há condições, veremos. Primeiro têm de se propor como candidatos, que é um ato de humildade. Não acho que tenhamos uma crise de quadros. Agora, quando um partido de poder, como é o PSD, não está no poder, é um partido inquieto, que nada lhe chega. E como nada lhe chega, está sempre à espera que venha alguém que faça uma coisa diferente.
Operação Tutti Frutti. “Já ninguém reporá o dano reputacional”
É o principal suspeito na Operação Tutti Frutti, um caso que tem quase quatro anos. Já foi ouvido pelas autoridades?
Não.
Consegue compreender esta demora?
Consigo compreender que, em Portugal, se fazem investigações com pouco critério e à la carte.
O que é quer dizer com à la carte? Foi um processo dirigido contra si?
Nunca falei a nenhum órgão de comunicação social sobre essa matéria. E não o fiz porque não tenho nenhuma qualidade jurídica nessa investigação. Quando digo à la carte estou a dizer que é contra os políticos em geral. Não estou a dizer que é contra mim. Acho que há uma politização da justiça e uma judicialização da política que não são benéficas. Não estou a acusar ninguém. No meu caso particular, aguardo serenamente. Agora, repare: já ninguém reporá o dano reputacional, financeiro e profissional que isso me causou. Enfim, são as regras do jogo, pelos vistos. Tenho pena de viver num país que tem essa forma de investigar. Sou aquilo que pior se pode ser enquanto político num processo destes: que é suspeito.
Como explica a suspeita que o Ministério Público tem sobre si de pertencer ou coordenar uma teia de tráfico de influências e de corrupção entre a sua empresa e várias autarquias do país?
É completamente infundado.
Mesmo apesar de todos os ajustes diretos feitos entre a sua empresa e autarquias lideradas por sociais-democratas?
Sempre tive mais relações com câmaras do PS do que com câmaras do PSD. Tive várias empresas, hoje estou dedicado em exclusivo à atividade política. Uma das empresas trabalhava com entidades públicas e as entidades públicas, umas geridas por executivos do PSD e outras geridas por executivos do PS. Não há nenhuma irregularidade naquilo que se fazia nessas empresas, que, infelizmente, já não têm atividade, também por causa dessas investigações.