Das cinco empresas municipais de Lisboa, só duas ainda não trocaram de administração na sequência da passagem do executivo de Fernando Medina para Carlos Moedas. Salvo algumas exceções, as mudanças no topo da Gebalis, Lisboa Ocidental SRU e Carris mostram uma dança das cadeiras partidária: os lugares ocupados por militantes ou nomeados com ligações ao PS foram substituídos por militantes ou nomeados com ligações ao PSD. O PS tem viabilizado as escolhas porque considera normal esta prática.

Quanto às duas empresas que ainda não mudaram de administração, há duas situações distintas: para a EGEAC estão a ser preparadas alterações e os atuais administradores sabem estar a prazo, enquanto na EMEL não está prevista uma mudança para breve.

SRU. António Lamas volta a cargos de liderança sob a batuta de sociais-democratas

Cerca de um mês depois de ter aprovado a nomeação de um novo conselho de administração para a Gebalis — a primeira das cinco a sofrer mudanças — a câmara municipal aprovou a proposta do executivo de Moedas para um novo conselho de administração para a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), a empresa responsável por quase todas as obras públicas da autarquia.

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Carlos Moedas, numa escolha que admitiu ser pessoal, trouxe António Lamas de volta a cargos públicos em Lisboa, após este ter sido afastado pelo socialista João Soares do Centro Cultural de Belém e da Estrutura de Missão da Estratégia Integrada de Belém.

António Lamas entrou para substituir Inês Ucha, que esteve no cargo menos de um ano — entre janeiro e novembro de 2021–, substituindo Manuel Salgado, que, por sua vez, se tinha demitido após ser constituído arguido no processo da CUF Tejo. António Lamas tem experiência em empresas públicas, por nomeação de executivos PSD ou PSD/CDS.

Foi com o social-democrata Fernando Seara na liderança da autarquia sintrense e já com o primeiro governo de José Sócrates que António Lamas foi nomeado presidente dos Parques de Sintra, em 2006. Oito anos mais tarde, o governo de Passos Coelho chamou-o, por despacho do secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier, à presidência do CCB. Antes disso, já tinha sido presidente da Junta Autónoma de Estradas/Instituto de Estradas de Portugal entre 1998 e 2000, mas então nomeado por um ministro socialista, João  Cravinho.

O nome de António Lamas haveria de tornar-se mais conhecido dos portugueses quando se envolveu numa polémica com João Soares, que recebeu a pasta da Cultura no primeiro governo de António Costa e em pouco tempo optou por demitir Lamas do projeto que tinha sido atribuído ainda pelo governo de Passos Coelho. O governo do PSD/CDS encarregou António Lamas de criar um Distrito Cultural de Belém — no eixo Ajuda-Belém –, mas a ideia nunca chegou a ver a luz do dia, já que, depois de um braço de ferro com João Soares, António Lamas acabou mesmo por ser demitido.

Para completar o conselho de administração foi escolhido para vogal Gonçalo Costa — que passou pela Teixeira Duarte e pela sociedade de gestão da Alta de Lisboa —  assumindo o lugar de Jorge Lavaredas Francisco, antigo tesoureiro da junta de freguesia socialista de Arroios.

Há depois uma troca que existe pela inerência da função. A vereadora do PSD (responsável pela pasta da habitação) Filipa Roseta assumiu o cargo como administradora não-executiva da SRU, rendendo no cargo o socialista António Furtado. Furtado, um dos homens fortes da câmara de Lisboa nas mãos do PS, onde trabalhava há mais de 12 anos, já está ao serviço na também socialista câmara de Almada.

Carris. De empresa controlada pelo PS à maioria de sociais-democratas na administração

Na Carris, a situação não foi diferente. Com a chegada ao poder de Carlos Moedas, rapidamente se gerou na empresa de transporte a expectativa sobre a continuidade da administração, fortemente ligada ao PS, conforme o Observador noticiara em agosto. Na realidade, poucos meses depois das eleições autárquicas a administração — que sabia ter poucas possibilidades de continuar — acabou por demitir-se, tendo a nova sido viabilizada com a abstenção do PS no final de maio.

Dos “picas” nos autocarros à administração. Como o PS controla a Carris

A nova administração foi nomeada oficialmente a 25 de maio e, à semelhança do que aconteceu na Gebalis e na SRU, verifica-se a substituição de socialistas por dirigentes com ligações ao PSD. Para o lugar de Tiago Lopes Farias, para a presidência do conselho de administração entrou Pedro Bogas, com antigas e reconhecidas ligações ao PSD.

Pedro Bogas é militante do PSD e apoiou Luís Newton em 2020 na corrida interna ao PSD Lisboa, que Newton conquistou sem qualquer dificuldade. O apoio foi publicamente divulgado pelo então candidato à distrital, através das redes sociais usadas na campanha eleitoral.

Os corredores da empresa serão tudo menos desconhecidos a Pedro Bogas, que já fez parte de um conselho de administração da Carris. Em 2012 foi vogal no conselho de administração liderado por José Manuel Rodrigues. Na altura, Pedro Bogas deixou o cargo de adjunto no gabinete de Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes no segundo governo de Passos Coelho, entre 2011 e 2015.

Nessa ocasião também chegou à Carris pela mão do Governo PSD/CDS: o executivo de Passos Coelho foi recrutá-lo à Refer, onde desempenhava o cargo de diretor-geral desde 2009. A experiência de Pedro Bogas em empresas públicas de transportes não se resume apenas à Carris e à Refer, já que antes de integrar a Refer Pedro Bogas foi também vogal do conselho de administração do Metropolitano Lisboa entre 2006 e 2009.

Para os lugares de vice-presidência da Carris foram nomeadas Ana Cristina Coelho e Maria de Albuquerque Duarte. Ana Cristina Coelho estava há 25 anos na CP e assume agora um lugar de destaque na Carris, tal como Sara Maria Nascimento, a vogal que também deixa a CP 31 anos depois para rumar à Carris. Já a outra vice-presidente, Maria de Albuquerque Duarte também tem experiência de direção em executivos PSD/CDS.

Com licenciatura em engenharia civil e mestrado, especializada em planeamento do território, entre 2006 e 2007 foi assistente de investigação no Laboratório de Transportes da Secção de Planeamento, Transportes e Ambiente na Universidade do Porto. Depois, até em 2013 ter sido chamada para um cargo no governo, trabalhou numa consultora de transportes — a TRENMO — onde foi responsável pela coordenação de projetos relacionados com a otimização e organização no sector dos transportes.

Em fevereiro de 2013 foi nomeada técnica especialista, na área dos transportes, para o gabinete do secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, Paulo Guilherme da Silva Lemos, que trabalhava na dependência do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território de Assunção Cristas.

Com a vereação Novos Tempos a ser composta também pelo PSD e CDS, muitos dos que ascendem agora aos conselhos de administração de empresas municipais têm experiência de gestão anterior em governos liderados pelas mesmas forças políticas.

Há ainda quem, sem experiência governativa, tenha sido deputado na bancada social-democrata. Fernando Pedro Moutinho — que será vogal não executivo e não remunerado — ocupou um lugar na bancada do PSD na VII e na IX legislaturas. Se na primeira o governo era socialista, com António Guterres a chefiar o executivo, a IX legislatura ficou marcada pela saída do então primeiro-ministro Durão Barroso e a posterior nomeação de Santana Lopes.

Gebalis: saem militantes do PS, entram militantes do PSD

Uma das primeiras transições a ser conhecida foi a da Gebalis, pouco mais de dois meses depois das eleições autárquicas. O executivo de Carlos Moedas nomeou para a administração da empresa que gere os bairros municipais uma maioria de militantes do PSD, em substituição de uma maioria de militantes do PS. À frente da empresa que gere os bairros municipais em Lisboa está desde dezembro Fernando Angleu, um antigo conselheiro nacional do PSD, e um dos vogais executivos é um antigo candidato social-democrata à Assembleia Municipal de Lisboa, Gonçalo Sampaio.

Executivo de Moedas troca militantes do PS por militantes do PSD na gestão da Gebalis

O terceiro membro da administração da Gebalis, Ana Paula Cunha, não tem qualquer ligação partidária conhecida e é técnica da autarquia.

Fernando Angleu é técnico superior de Línguas e Literaturas da Câmara Municipal de Lisboa, embora tenha pedido várias licenças sem vencimento – a  última publicada em 2019 –, mas desempenhou também vários cargos de confiança política com Santana Lopes, quando foi autarca em Lisboa.

Na sequência das eleições diretas de 2018, Fernando Angleu foi eleito conselheiro nacional – numa lista de consenso feita entre Rui Rio e Santana Lopes –, tendo feito parte dos nomes que votaram o “impeachment” (falhado) de Rui Rio depois de desafiado por Luís Montenegro.

Também o vogal do conselho de administração, Gonçalo Sampaio, teve cargos de confiança política entre os sociais-democratas, mas nos últimos aos esteve mais ligado à atividade privada, como advogado – sendo o presidente para Portugal da Associação Internacional da Propriedade Intelectual. Antes, foi durante quatro anos adjunto do ministro da Defesa do governo de Passos Coelho, José Pedro Aguiar Branco. Em 2017, foi candidato à Assembleia Municipal de Lisboa.

Ficam apenas a faltar trocas em duas das cinco empresas municipais. Na EGEAC, onde Joana Gomes Cardoso lidera o conselho de administração desde 2014, também haverá mudanças. A diretora da empresa municipal responsável pela programação cultural na cidade de Lisboa está de saída, o que levará a que necessariamente Carlos Moedas faça a sua substituição, tal como o executivo confirmou à Visão garantindo que Joana Gomes Cardoso está a prazo na presidência do conselho de administração.

Do que está, para já, planeado, apenas a EMEL deverá manter Natal Marques, que chegou à presidência do conselho de administração em fevereiro de 2015, vindo diretamente da Gebalis, para substituir António Júlio de Almeida, que tinha sido demitido por António Costa. Na altura, o então presidente da autarquia justificou a decisão com uma “divergência insanável” entre a sua posição e a do acionista (o município) “relativamente a um conjunto de despedimentos” na empresa.

*Artigo atualizado com a passagem de António Lamas pela Junta Autónoma de Estradas/Instituto de Estradas de Portugal por escolha do então ministro socialista João Gomes Cravinho