O passeio marítimo ou a famosa escultura La Madama de Silgar, para não falar de algumas possíveis mesas nas imediações que justificam a passagem, com a imprensa vizinha a adiantar-se na lista de sugestões: que restaurantes visitará Juan Carlos este fim de semana? Poderíamos continuar a lista de atrações turísticas nesta localidade na costa da Galiza, mas a maior de todas, por estes dias, é mesmo o rei emérito, que voltou a Espanha cerca de dois anos depois de se ter afastado do seu país e das águas do Atlântico. A notícia do regresso entupiu os telefones da autarquia com inúmeras chamadas de “interesse e agradecimento” — de forma tão transbordante que “o presidente da câmara teve que suspender a sua agenda para dedicar-se em exclusivo aos pedidos de entrevistas”.
Esta quinta-feira, Sanxenxo, em Pontevedra, engalanou-se para dar as boas vindas a um dos ilustres que ajudou a colocar a terra no mapa. “Nunca vimos nada igual”, cita o El Mundo, registando a euforia popular e o mar de bandeirinhas que ondeavam à sua chegada, que contou com a presença da filha mais velha, a infanta Elena. Em bom rigor, Sanxenxo, onde é “mais fácil encontrar uma “loja do euro” do que uma boutique da Chanel” também é única à sua maneira.
Está longe de ser uma estreia para Juan Carlos — terá sido esta, aliás, a derradeira paragem do emérito antes de se despedir do seu país em agosto de 2020, rumo a Abu Dabi. Talvez a escala se cumpra hoje com menos brilho (mas não menos pompa), fruto dos desenvolvimentos dos últimos anos. De qual forma, recorda o La Vanguardia, ninguém lhe rouba a taça de ter inscrito a Galiza no calendário balnear. Ao rei emérito e a outros nomes sonantes como o magnata mexicano Carlos Slim, o empresário Amancio Ortega, ou figuras da política como o antigo presidente do Governo espanhol Mariano Rajoy, que se juntam à elite que converteu Sanxenxo na “Marbella do norte”.
Foi aqui que Juan Carlos se reencontrou com Pedro Campos, amigo de longa data, anfitrião leal nos momentos mais complicados (espera-se que se instale na sua vivenda Nanín), e presidente do Real Club Náutico, com quem voltará a navegar este fim de semana. “Veio mais para participar do que ver”, confirmou um porta-voz do clube, indiciando que o pai do rei Felipe VI poderá mesmo competir a bordo do seu barco, o Bribón. Juan Carlos e Pedro Campos conheceram-se em 1983, na segunda edição da Copa del Rey de Vela, apresentados por José Cusí, íntimo do então ainda rei, numa era em que já este ponto à beira mar granjeara algum estatuto. A este círculo restrito juntar-se-á o banqueiro galego Francisco Botas e o economista César Elízaga.
“Se o Mediterrâneo é o cenário estival mais cotado para famílias do jet set europeu, no Atlântico, Portugal e Galiza são outros ímanes para os famosos”, descrevia em 2018 o jornal El País, que apresentava este “discreto refúgio”. Foi ainda nos anos 70 do século XX que Sanxenxo (ou São Genjo, ou Sangenjo, já que é célebre também a discussão toponímica) despontou como polo turístico, seduzindo banhistas com as águas tranquilas da ria de Pontevedra, numa competição com a ilha de A Toxa, na ria de Arousa. Empresários poderosos, elite política e até a realeza não ficaram indiferentes aos atributos deste postal que consegue garantir, pelo menos até este esperado regresso de Juan Carlos, uma estada livre de paparazzi.
Quanto a números, não é difícil perceber que nem só de celebridades vive a localidade — estima-se que a sua população aumenta em seis vezes na época alta e os seus habituais 17.400 habitantes passam a residir naquela que se transforma a terceira cidade galega, logo a seguir a Vigo e A Coruña.
A terra onde “os homens mais ricos do mundo jogam dominó numa mesa coxa”
Rajoy é conhecido pelo seu apartamento na primeira linha de praia de Silgar, onde se instalava mais na condição de ministro ou líder da oposição. Como presidente do Governo, preferia o interior, fixando-se a 20 quilómetros de distância, em Ribadumia, onde se tornaram famosas as suas longas caminhadas. A mudança prendeu-se primeiro que tudo com uma questão de segurança. Mas a sua relação com Sanxenxo perde-se afinal no tempo. Natural de Santiago de Compostela, os verões de juventude foram passados nestes areais, ainda distantes do estrelato turístico que haveriam de acusar mais tarde, contava o El Mundo em 2017, quando voltou a passar férias na casa que comprou antes de se casar — a última vez fora em 2012. Para esse então retomar de hábitos, narrava o mesmo jornal, terá contribuído o facto de o Partido Popular ter recuperado a câmara municipal. Razões políticas à margem, a verdade é que Mariano Rajoy parecia cumprir rotinas neste destino com a religiosidade de quem se levantava para ir para o seu escritório na Moncloa: acordar cedo, calçar os ténis, e caminhar, atividade que cultivou na companhia de José Benito Suárez Costa, marido da então presidente do Congresso, Ana Pastor, e presidente da Autoridade Portuária de Marín e Ría de Pontevedra.
Apesar do desejo de tranquilidade, de acordo com o El Mundo não se furtava a um pedido dos vizinhos para uma foto, a um aperitivo no Club Naútico de Sanxenxo, do qual é associado, a um passeio de barco com os amigos, a uma passagem pela praia de Canelas, à saída da localidade, onde o seu irmão tem casa, e, claro, aos manjares gastronómicos das rias, com o polvo à cabeça. Em 2020, em mais um verão passado na Galiza, rendia-se às selfies durante uma visita à Cervejaria Aviador.
Sanxenxo consegue ser peculiar. O cenário conquistou também pelo menos dois multimilionários sul americanos, incluindo aquele que foi por várias conhecido como homem mais rico do mundo, Carlos Slim, dono da Telmex, a maior operadora de telecomunicações do México, e cujas raízes espanholas o terão levado a tornar-se assíduo das temporadas de verão na Galiza. É aqui que costuma ficar, em casa do também mexicano com origens galegas Olegario Vázquez Raña, dono do Grupo Ángeles e proprietário de uma autêntica fortaleza à prova de curiosos na pequena localidade de Avión, a um passo da fronteira com Pontevedra. Por um lado, a garantia de discrição absoluta, por outro, rezam algumas imagens, os momentos em que o magnata Slim abandona as mordomias pelo inesperado convívio com populares em ambiente rural chegando mesmo a descer à aldeia para uma tarde bem passada Em julho de 2018, o El Mundo escrevia sobre este micro-universo onde “os homens mais ricos do mundo jogam dominó numa mesa coxa” — e que em vez de mudarem de pouso decidiram consertá-la com as suas próprias mãos. Imagine o dia em que duas das maiores contas bancárias do mundo entraram na loja de ferramentas mais próxima em busca de material para resolver o problema.
Há mais fortunas conhecidas pela zona, caso do banqueiro de origem venezuelana, Juan Carlos Escotet, presidente do grupo Abanca e habitué nas noites de Sanxenxo — o seu iate descansa quase sempre nas proximidades do de Amancio Ortega, que em novembro de 2021 punha à venda o Drizzle por 75 milhões. O patrão da Zara agilizaria assim a encomenda de um novo colosso dos mares, mantendo como porto base Sanxenxo. De resto, como bom galego que é, o fundador do grupo Inditex nunca fica desprevenido, esteja no norte de Espanha ou em pleno Mediterrâneo. Segundo a Vanitatis, mantém uma das embarcações na Galiza e outra em St. Tropez.O número cada vez mais expressivo de embarcações de topo transformou a paisagem da marina, que já em 2019, traçava o Voz da Galicia, mais parecia as Caraíbas ou Monte Carlo.
Segundo a Vanitatis, o homem mais rico de Espanha possui uma casa senhorial do século XVII construída sobre um terreno de 4.500 metros quadrados. Fica numa zona tranquila, com campos de golf, hotéis… e bancos de areia que impedem barcos de grande porte de atracarem por aqui, razão para a escolha da alternativa Sanxenxo. Fora detalhes como estes, não será fácil avistar Amancio Ortega, já que os eventos sociais, como é público, não são o seu forte. O Club Náutico, reza a Vanity Fair espanhola, é o local mais provável para se cruzar com o bilionário, sendo que o mais certo é passar despercebido.
Só em 2018, Juan Carlos terá protagonizado pelo menos três escapadinhas à Galiza. “É sem dúvida um valor acrescentado para Sanxexo, se não fosse o caso não estaríamos a falar dele”, admitia nessa altura, ao El País, o presidente da câmara, Telmo Martín. “Tal como ele, outras personalidades famosas elegeram este enclave turístico para descansar e navegar, afastados dos holofotes e dos protocolos”, continuava, explicando ainda que a localidade que adquiriu o título de “pequena Marivent” [numa referência ao palácio em Palma de Maiorca onde a família real espanhola costuma instalar-se no verão] ou de “Marbella galega” ou “do norte”, afinal de contas dispensa essas muletas porque “tem identidade própria e projeção internacional”. E oferece, segundo o edil, condições únicas para quem procura umas férias descansadas, praticamente em regime de anonimato. “Penso que aquilo que o rei emérito mais valoriza, bem como todos os famosos que aqui vêm, é a discrição deste lugar. Não há protagonistas, nem nós políticos nos intrometemos, nem a Câmara publicita estas visitas, pelo contrário.”
Quando visitava com frequência a vila, atraído sobretudo pela modalidade da vela, o rei emérito fazia check-in num dos muitos hotéis cinco estrelas, um deles leva mesmo o seu nome — tal como o porto desportivo –, ou optava por uma casa mais afastada do bulício do centro. Em 2019, deixava-se fotografar em família, secundado pela rainha Sofia e pela filha Elena. De resto, nesse mesmo ano, Sanxenxo seria o fundo escolhido para o tradicional postal de Natal que o casal emérito costuma partilhar, à semelhança da maioria das casas reais europeias — Felipe e Letizia ilustravam a sua mensagem com as filhas com uma foto tirada na entrega dos prémios Princesa das Astúrias.
Em 2021, com o pai afastado de Espanha, a residir nos Emirados, a infanta Elena fez questão de assegurar a tradicional visita a Sanxenxo. Chegados à Páscoa deste ano, um dos tópicos de discussão locais envolveu o rumor de que o rei emérito teria passado pela terra. Pelo menos a acreditar no tweet de uma vizinha, que lançou uma rocambolesca teoria viral.
Microclima, oferta macro em termos de praias e….festa da espuma? Não, cebola.
No final do século XIX, Sanxenxo não passava de uma vila humilde e sem estradas, recordava em abril de 2021 o El Espanol numa viagem nostálgica pelos arquivos da zona — o número de habitantes não ia além dos 7.500. Foi nas décadas de 20 e 30, já no século seguinte, que o “ritmo frenético dos verões cheios de banhistas” se começou a sentir, já o famoso Hotel La Terraza, uma das bandeiras, a 300 metros da praia de Silgar, havia aberto as suas portas, em 5 de junho de 1915.
A sociedade do Real Club Náutico de Sanxenxo foi fundada em 8 de junho de 1951 por um grupo de turistas regulares. O plano inicial era criar um ambiente onde pudesse conviver, e que serviria para promover o caráter turístico e desportivo do estuário de Pontevedra. É aliás no final desta década que Juan Carlos começa a visitar Sanxenxo, onde ainda príncipe ingressou na Escola Naval de Marín para fazer formação militar.
Só em 1998 seria lançado o Porto Desportivo que ajudou a dar fama ao Club Náutico. Em 2005, o município registou o maior boom graças ao novo Porto Desportivo Juan Carlos I. O assédio dos VIPs terá certamente contribuído ao longo dos últimos anos para agitação do mercado imobiliário na zona. Recentemente, a localidade bateu o seu próprio recorde, assistindo à venda de um sexto andar com 200 metros quadrados com vista mar por 1.4 milhões de euros.
Influenciado por um microclima, não faltam opções para aproveitar a praia em Sanxenxo. Nem sempre a ideal, Lanzada é no entanto a maior e mais conhecida. Silgar destaca-se pela centralidade, Montalvo pelo cenário florestal em redor, e Paxariñas pela tranquilidade. Seria de esperar que a fama gradual justificasse o crescimento agressivo em altura e a explosão de serviços mais em linha com a fauna de primeira água. Mas parece que, pelo menos até à data, é conservada alguma autenticidade. “Enquanto em Ibiza, por exemplo, os clubes estão repletos de festas da espuma espetaculares, cheias DJs deslumbrantes, em Sanxenxo celebra-se o Festival da Cebola, o que é algo menos emocionante, mas que não deixa de ter seu charme.“, enquadra o El Mundo, mostrando como as lojas de luxo e outros cartões de visita mais sofisticados (ainda) não são uma realidade por aqui.