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Esmagado pelo PS, ameaçado pelo Chega, atingido pela Iniciativa Liberal, numa crise de resultados que terá mais de estrutural do que conjuntural. Mesmo depois de ter engolido o CDS, o PSD parece estar numa camisa de forças: acantonado a Norte, pressionado no litoral e junto à fronteira; perdeu os pensionistas para os socialistas; está a perder os menos qualificados para o Chega; e os mais jovens para a Iniciativa Liberal. O PSD está condenado a transformar-se num partido médio ou existe margem para sair do labirinto?
“A missão histórica do PSD está acabada”, sentencia José Miguel Júdice. “Qualquer líder que venha a ser eleito terá pela frente uma luta inglória”, diz ao Observador o advogado e comentador, ex-militante social-democrata e um dos grandes dinamizadores da Nova Esperança que conspirou contra Francisco Pinto Balsemão e o governo do Bloco Central.
Derrotado por números copiosos nas europeias e legislativas de 2019, a recuperação indesmentível nas eleições autárquicas, que a reconquista de Lisboa insuflou, fez sonhar com uma inversão de ciclo. As eleições seguintes atiraram o PSD para uns traumáticos 27,67%, em linha com o score de 2019 e com os piores resultados da história do partido.
Estará o partido numa agoniante marcha lenta que o vai atirar para a segunda liga dos partidos políticos, entregando ao PS a chave de pivô permanente do regime? Nem todos concordam com o fatalismo de José Miguel Júdice, naturalmente. Mas a perceção do risco é um diagnóstico partilhado por muitos dos que se habituaram a pensar a direita e o PSD, em particular, como força dominante desse espaço, verdadeira e única alternativa aos socialistas.
“O PSD tem um conjunto grande de riscos pela frente e o primeiro é precisamente esse: o de se transformar num partido médio”, concede Luís Marques Mendes. “O PSD pode passar a ser um partido perfeitamente insignificante”, alinha Carlos Carreiras. “Se subsistir numa indefinição ideológica face ao PS, este vai-se manter no poder. E o PSD vai ter problemas sérios com o seu eleitorado”, antevê Jaime Nogueira Pinto.
Paulo Rangel recusa visões determinísticas sobre o futuro do partido, mas não deixa de reconhecer as dificuldades e, sobretudo, de alertar para os sérios desafios que se colocam no horizonte do partido. “O PSD não é um partido médio. Não é. Agora, há o risco de estancar o seu crescimento. É um risco que existiu sempre. Que seja um grande incentivo para se trabalhar de outra maneira.” E para neutralizar as ameaças.
Um partido sem base?
Mais do que uma intuição, há sinais objetivos que revelam o caminho estreito que se apresenta à frente do PSD, bem refletidos no estudo pós-eleitoral divulgado pelo ICS/ISCTE, que junta investigadores como Marina Costa Lobo ou Pedro Magalhães e que apresenta quatro grandes tendências.
A primeira, que é já um facto assumido por todos no partido, é que o PSD não consegue entrar no eleitorado mais velho e menos qualificado, sobretudo pensionistas, segmentos em que perde por larga diferença para os socialistas. A herança da troika parece ter delapidado uma base eleitoral que Aníbal Cavaco Silva se esforçou por seduzir durante os anos 80 e que, de 2015 a esta parte, parece irremediavelmente afastada.
“A perda de votos dos idosos é um problema. O PSD dificilmente ganhará eleições se não conseguir ultrapassar esta questão”, avalia Marques Mendes. “Essa tendência já se vinha a acentuar. O memorando da troika, que o PSD teve de implementar, mesmo com todos os esforços para afetar menos aqueles que estavam mais desprotegidos, precipitou o resto. O partido ficou aí muito afetado”, concorda Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais.
A segunda tendência parece indiciar que o Chega está a atingir o PSD junto do eleitorado menos qualificado e de todas as idades à exceção dos mais velhos. Também consegue bater-se por aquele segmento que se diz mais insatisfeito com o estado da economia. Isto é, à direita, o voto dos que se sentem a ficar para trás está a fugir do PSD – que deveria ser a primeira alternativa aos socialistas – para o Chega.
A estas duas tendências junta-se uma outra: a Iniciativa Liberal está a roubar eleitores ao PSD, previsivelmente, entre o segmento mais jovem e mais qualificado. De resto, o mesmo estudo sugere que o PSD perdeu sobretudo votos para Iniciativa Liberal, PS e Chega, por esta ordem de grandeza.
“Muita gente não se sente hoje representada no sistema político: os mais jovens e qualificados têm vindo a ser atraídos por uma mensagem política radicalmente diferente em Portugal como a da Iniciativa Liberal. Outros desenvolvem um profundo cinismo sobre o sistema político — parte importante do eleitorado do Chega ou abstencionista encaixa aqui”, sintetiza Miguel Poiares Maduro, antigo ministro de Pedro Passos Coelho.
E estas três tendências não devem ser retiradas do contexto: acentuaram-se numa corrida altamente bipolarizada, em que se chegou a instalar a perceção política e mediática de que a derrota de António Costa estaria próxima; e numas eleições que ditaram o desaparecimento parlamentar do CDS, que era tradicionalmente o segundo partido mais votado à direita.
Este estudo indica, aliás, que o PSD conquistou mais votos junto dos que se disseram abstencionistas em 2019, dos que nessas eleições votaram nulo, em branco ou noutros partidos sem representação e ainda junto dos que votaram no CDS há dois anos.
Ou seja: o fraco resultado do PSD aconteceu mesmo quando existia um verdadeiro apelo ao voto útil à direita — algo que não existiu em 2019 — e quando o partido que sempre competiu com os sociais-democratas deixou de ter representação na Assembleia da República.
Não é de excluir, portanto, que os quase 28% do PSD em 2022 tenham sido insuflados à custa dos cerca de 4 pontos percentuais que o CDS perdeu de umas eleições para as outras. Por outras palavras: o valor real de mercado do PSD pode estar, na verdade, bem abaixo dos 28%.
Um partido regional e rural?
Utilizando o EyeData, uma ferramenta de análise de dados estatísticos criada pela Social Data Lab para a Agência Lusa, e que permite medir os resultados das últimas legislativas cruzando-os com vários indicadores (económicos, sociais, culturais ou geográficos, por exemplo), é possível perceber onde é que cada partido teve resultados considerados “altos” em relação ao score eleitoral que tiveram no dia 30 de janeiro.
O cruzamento destes dados permite concluir que o Chega e Iniciativa Liberal são especialmente fortes onde o PSD é mais fraco, o que indicia que há de facto vários segmentos do eleitorado que deixaram de se sentir representados pelos partidos do sistema (onde se inclui o PSD, naturalmente) e que estão a migrar diretamente para os partidos emergentes.
O partido de André Ventura cresce sobretudo ao longo de toda a zona raiana e nos subúrbios das grandes cidades; a Iniciativa Liberal ganha particular expressão ao longo da faixa litoral do partido; os sociais-democratas já quase só conseguem números acima da sua média nacional no Norte do país.
Se o termo de comparação for o resultado eleitoral dos socialistas, a questão torna-se ainda mais bicuda para o PSD: pela primeira vez na história, o PS venceu em todos os distritos; os sociais-democratas recuaram em número de concelhos; e os que conseguiu manter estão sobretudo em Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda.
É isso mesmo que indicia o mapa eleitoral conseguido pelo PSD em 2022 quando confrontado com o mapa eleitoral desenhado pelo partido em 2019, ano em que o partido, recorde-se, teve um dos piores resultados percentuais da história social-democrata — o que em 2019 já era péssimo em termos de representação geográfica do PSD, tornou-se ainda pior dois anos anos depois.
“O país está a ser cada vez mais urbano e o PSD corre o risco de se ruralizar”, alerta Luís Marques Mendes, que analisa a vitória de Carlos Moedas, em Lisboa, como um parênteses na história recente do PSD. “Em boa medida, foi Fernando Medina quem perdeu as eleições”, sustenta, referindo-se aos mais de 26 mil votos que voaram de mãos socialistas.
Independentemente dos resultados nas autárquicas, olhando para os indicadores das legislativas de 2022, o partido parece estar cada vez mais acantonado a Norte e a recuar no litoral, no Grande Porto e no cinturão industrial, regiões que sempre alimentaram politicamente o partido.
“O PSD perdeu a sua base social de apoio. Os setores mais dinâmicos da sociedade deixaram de se rever no PSD. É um partido envelhecido que se transformou numa federação de autarquias”, aponta José Miguel Júdice.
Existe, no PSD, quem interprete este varrimento do mapa também como consequência de uma concentração anormal de funcionários públicos e de pensionistas na Grande Lisboa e arredores, segmentos eleitorais com que os sociais-democratas deixaram de conseguir comunicar e que foram sempre prioritários na governação de António Costa.
Ou seja, a conjugação de dois fatores — uma governação alegadamente eleitoralista do PS e a incapacidade de o PSD em ter um discurso mobilizador para o conjunto do país — está a tornar o partido cada vez mais pequeno, incapaz de seduzir os que favorecem o statu quo e convencer os que anseiam por algo diferente, disruptivo.
Miguel Poiares Maduro denuncia isso mesmo: “O PS tem abordado esta nova estrutura do eleitorado através da micro política da aritmética eleitoral — tem um conjunto de propostas muito específicas para cada um dos grupos eleitorais necessários a uma soma vitoriosa. Não acredito que o PSD consiga competir com sucesso com isso, nem acho que sirva o país”, argumenta o antigo ministro de Pedro Passos Coelho.
Um partido sem quadros?
Com ou sem a tal “micro política da aritmética eleitoral” de que fala Poiares Maduro, a verdade é que, em condições normais, o PSD ficará arredado do poder mais de uma década. Em 2026, ano em que previsivelmente António Costa terminará o seu mandato, o PSD contará apenas com sete dos últimos 30 anos de poder — e isso deixa marcas profundas na regeneração do PSD.
Sem poder para distribuir, o partido habituou-se a lutar internamente pelas sobras, o que aumentou o poder das estruturas locais e a influência dos líderes concelhios e distritais, da troca de favores, das nomeações para o lugar X e para a candidatura Y, dos jogos de bastidores e do caciquismo como modo de ganhar eleições.
A incapacidade para atrair novos quadros é apontada simultaneamente como causa e consequência da crise que o partido parece atravessar. “O PSD corre o risco de se transformar num partido cada vez mais desertificado de quadros”, nota Luís Marques Mendes, recordando outros tempos em que o partido era não só a primeira escolha de muita gente qualificada que se queria envolver politicamente como era ele próprio capaz de descobrir e formar novos talentos.
“Houve uma mudança brutal em relação ao que acontecia nos anos 80 e 90, em que o PSD de Aníbal Cavaco Silva era de longe o partido que tinha melhores quadros nacionais e locais”, argumenta o antigo líder social-democrata. “O PSD deixou de ser um partido politicamente atrativo.”
Ou, como chegou a sugerir José Eduardo Martins, “o principal problema do PSD é que precisa de aparecer com um conjunto de pessoas com mais estudos e preparação, com mais coisas para dizer aos portugueses” se quiser um dia voltar a oferecer uma alternativa ao país.
A responsabilidade dessa erosão de quadros dependerá sempre de quem olha para para o problema. Há quem o entenda como um fenómeno progressivo, que se acentuou durante a liderança de Pedro Passos Coelho e com o período difícil de governação do país — ora por responsabilidade do próprio (muitos dos ministros-chave não eram sequer do PSD; dos seus seis vice-presidentes no partido, apenas Moreira da Silva continua politicamente ativo), ora pelo rótulo pesado com que ficou o partido.
Mas há, sobretudo, quem assaque responsabilidades a Rui Rio. “Ao ser tão errática e ao não convocar todos, a liderança de Rui Rio acabou por colocar o PSD nesta posição em que arrisca vir para baixo dos 20%. O PSD não teve um líder; teve um mau chefe de fação. Não podia ter acontecido pior”, critica Carlos Carreiras, há muito um crítico assumido de Rui Rio e um dos seus maiores adversários internos.
Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais e ex-candidato à liderança do PSD, pôs as coisas nestes termos: “Ninguém quer vir para o PSD porque já sabe que os lugares estão todos distribuídos por aqueles que estão lá há dezenas de anos. O PSD não é um partido meritocrático, não dá espaço a vozes diferentes.”
Olhando para as últimas três disputas internas, Pinto Luz não andará muito longe da verdade. A geração que esteve com Durão Barroso tomou conta do partido com Rui Rio, como já antes tinha tomado com Manuela Ferreira Leite, atirando borda fora Pedro Santana Lopes, também ele dessa mesma geração.
Depois, a linha maioritária do partido rejeitou a primeira OPA da geração que nasceu com o passismo e derrotou sem mácula Luís Montenegro. Com idêntica clareza, o partido rejeitou também Paulo Rangel, que tinha o apoio de praticamente todos os quadros politicamente reconhecidos para lá dos que compunham o rioísmo.
Agora, terá inevitavelmente de escolher entre duas figuras — Montenegro e Jorge Moreira da Silva — que apareceram na primeira liga pela mão de Pedro Passos Coelho há quase uma década, e que são apoiados, mais coisa menos coisa, pelos mesmo que tentaram derrotar Rio através de Santana (2017), Montenegro (2019) e Rangel (2021), e dos que, estando órfãos de Rio, terão de escolher agora um lado.
Durante este período, que vai da queda de Pedro Passos Coelho à eleição do sucessor de Rui Rio, os líderes regionais e concelhios foram ganhando ou perdendo poder mediante o resultado que o respetivo candidato a líder ou a autarca conseguisse, e os protagonistas nacionais são, tirando um ou outro, exatamente os mesmos. Pouco ou nada mudou.
Um partido cercado?
Apesar de todas as comparações internacionais inspirarem cautelas — contextos, protagonistas e regimes políticos diferentes produzem resultados diferentes –, a verdade é que muitos dos partidos-irmãos do PSD enfrentaram crises (Partido Popular, em Espanha), deixaram de ser relevantes (Os Republicanos, em França) ou praticamente desapareceram do mapa eleitoral (Força, Itália!) quando se viram confrontados com concorrência feroz no seu espaço político.
Fenómeno importado ou não, a fragmentação política à direita acabou por ser realidade também em Portugal durante a liderança de Rui Rio. “A tal procura estéril pela pureza ideológica de Rui Rio levou-nos à primeira grande purga: à criação da IL, do Chega e da Aliança. Depois, como não fomos capazes de apresentar um projeto mobilizador houve uma segunda purga: nem o nosso eleitorado mais de base se reviu em Rui Rio”, dizia há dias Miguel Pinto Luz, numa entrevista ao Observador.
Ou, como põe agora Luís Marques Mendes, “a fragmentação à direita foi o pior legado que Rui Rio deixou ao PSD”. “E veio para ficar — não me parece que o Chega e a Iniciativa Liberal venham a desaparecer. Esse espaço já não é recuperável”, argumenta o antigo líder social-democrata e comentador.
A questão, mais uma vez, é o que fazer perante o cerco. Fazer dele uma força ou uma fraqueza? Procurar copiar a concorrência, tentar combatê-la ou crescer com ela? Esperar que morra de morte natural ou absorvê-la e torná-la, a médio prazo, parte integrante do sistema na esperança que um envernizamento de regime devolva esses segmentos do eleitorado à casa-mãe?
“Os diferentes segmentos do eleitorado tradicional do PSD têm vindo a ser conquistados por diferentes partidos. A tentação natural do partido pode ser reagir a isso tentando responder separadamente a cada um desses desafios, mas isso traduz-se numa mensagem pouco coerente ou então tão vaga que não consegue ser mobilizadora”, começa por argumentar Miguel Poiares Maduro. “O PSD tem de ser o partido do sistema que expõe os problema do sistema político e o quer reformar.”
Mesmo partilhando os princípios da tese de Poiares Maduro, há quem questione o seu caráter prático: só poderia ser possível tornar o PSD (de novo) um partido reformista, se a linha dominante, aquela que elege líderes e determina orientações, tivesse essa vontade — e não tem, insiste José Miguel Júdice.
“A elite do PSD revê-se muito mais em Rui Rio do que se pensa. O partido tornou-se conservador, avesso a reformas. O que eles querem é ser um bocadinho mais aguados do que o PS; querem ser sucedâneos. O mais provável é que acabe vítima das suas contradições“, defende o advogado e comentador.
Além disso, o ressurgimento em força do PSD dificilmente existirá num cenário de variáveis constantes. Se é possível, como aposta muita gente à direita, que Chega e Iniciativa Liberal caiam aos trambolhões vítimas das próprias dores de crescimento (o que não seria um exclusivo português), também se pode dar o cenário inverso: o PSD continuará a ser vítima dos próprios erros e, em vez de engordar, emagrecer por mérito alheio.
“Tenho como objetivo a prazo a tripartidarização do regime em que existiriam três partidos médios entre 20-35% (PS, PSD, IL) sendo o resto do eleitorado dividido pelos extremos. Isto decorrerá de um desgaste a prazo do PS por motivos naturais e por esgotamento de poder”, assume Carlos Guimarães Pinto, antigo líder da Iniciativa Liberal, mesmo salvaguardando que o principal adversário do partido são os socialistas e não os sociais-democratas.
No Chega, o discurso, que tem tanto de cénico como de tático, é outro. “O partido traçou como grande objetivo para os próximos anos, para esta legislatura conseguir ultrapassar o PSD como principal partido da oposição, que se vê completamente desorientado e completamente desorganizado, em lutas internas e em disputas de território interno”, dizia André Ventura, ainda no início de abril.
De resto, cada um à sua maneira, os dois partidos têm feito um esforço (assumido ou não) para se tornarem eleitoralmente mais abrangentes. A Iniciativa Liberal deixou de falar quase exclusivamente sobre redução de impostos e quer chegar a mais temas; e o Chega fala cada vez mais de (e para) polícias, enfermeiros, médicos, professores, funcionários públicos e pensionistas, num discurso populista e progressivamente protecionista — na economia e sobre o Estado Social — que nada tem que ver com o primeiro programa eleitoral com que se apresentou a votos.
E isso coloca um problema a quem quer que venha a suceder a Rui Rio no PSD: por muito que os vários protagonistas à direita concordem que a concorrência entre os três partidos beneficiará no fim de linha o PS, essa concorrência é e será natural. A médio prazo, a direita continuará autofágica e o PSD a primeira vítima desse instinto primário eleitoral; e, desprovida de um partido dominante, será a própria direita a servir de seguro de vida aos socialistas.
É isso mesmo que argumenta Adolfo Mesquita Nunes, mesmo recusando falar concretamente do PSD. “Falta um líder, uma equipa e um projeto. Sem líder não há ambição nem direção. Sem equipa não há credibilização nem mobilização. Sem projeto não há como ocupar e condicionar o espaço político”, começa por dizer.
“Não temos nada disso neste momento e a falta de liderança política tem sempre o mesmo resultado: segmentação, polarização e uma agenda política dominada pela populista polémica do dia”, remata o ex-secretário de Estado, antigo vice-presidente do CDS, entretanto desfiliado do partido.
Os vazios ocupam-se e os dois partidos — Iniciativa Liberal e Chega — quererão ocupar o vazio deixado (até ver) pelos sociais-democratas. No futuro, a simbiose entre os três partidos dependerá da utilidade que o PSD ainda tiver e do peso relativo que conseguirem.
“Cada um à sua maneira, complicam a vida do PSD. O Chega complica pelas razões óbvias; e a Iniciativa Liberal também: será muito mais difícil negociar um acordo de Governo do que era negociar com o CDS”, exemplifica Luís Marques Mendes.
José Miguel Júdice vai mais longe: “A Iniciativa Liberal e o Chega não quererão sequer ouvir falar do PSD. São dois partidos expansionistas e não querem aliar-se a um partido envelhecido“. O advogado e comentador acrescenta ainda um outro fator: se de facto o Parlamento conseguir aprovar uma reforma eleitoral que torne o sistema mais proporcional, as dificuldades do PSD tornar-se-ão mais gritantes.
Basta olhar para os números: nas últimas eleições, cerca de 670 mil votos, sobretudo depositados em círculos eleitorais que elegem poucos deputados, foram desperdiçados e não foram convertidos em mandatos; feitas as contas, os mais prejudicados, ou seja, subrepresentados face ao total de votos conseguidos, foram Bloco, Chega, CDU, CDS e Iniciativa Liberal, por esta ordem de grandeza.
Ora, se a grande força dos sociais-democratas reside, neste momento, nos distritos que elegem menos parlamentares, se o sistema se tornar mais proporcional, a concorrência vai tornar a missão do PSD ainda mais exigente. “Uma reforma eleitoral que permita um sistema de restos, mais proporcional, vai matar a única hipótese que o PSD tem de voltar a ser dominante”, remata José Miguel Júdice.
Um partido sem futuro?
Existe, mesmo assim, quem à direita e no PSD entenda que, mais do que uma crise estrutural, o partido enfrenta uma conjuntura particularmente difícil mas que, por ser cíclica, terá um momento de inversão. De resto, os socialistas são exemplo disso mesmo: o PS esteve arredado do poder durante uma década e não desapareceu do mapa.
Além disso, o próprio regime político português produz esta anomalia de o segundo partido mais votado estar na casa dos 28%, quando, em muitos países europeus, uma votação dessa ordem de grandeza serviria para governar o país. Basta olhar para os exemplos espanhol, em que o PSOE teve 28,7%, ou o alemão, em que o SPD teve 25,7%.
A tendência natural pode ser essa mesma: mais do que existirem dois grandes partidos a dominarem o regime, Portugal pode evoluir para um sistema em que coabitam duas ou três forças médias que vão negociando entre si e com os restantes partidos soluções de governo.
Mais a mais, existem ciclos políticos próprios. “Os eleitorados não são estanques e há uma faixa do eleitorado do PS que pode vir facilmente a votar PSD se sentir que isso faz a diferença ou estando zangado com o PS (ou simplesmente por questões estéticas como acontece muitas vezes). Isso aconteceu, por exemplo, em 2011″, recorda Carlos Guimarães Pinto.
O deputado e antigo líder da Iniciativa Liberal olha também para a renovação sociológica do próprio eleitorado. “Todos os anos, por motivos naturais, há uma renovação de eleitorado, algo que favorece IL e PSD. Estamos a falar de 100 mil novos eleitores e 100 mil antigos que desaparecem. Ao fim de quatro anos, estamos a falar numa mudança significativa: 400 mil novos que entram e 400 mil antigos que saem. Dadas as diferenças habituais antes de 2019, são números que podem ajudar a virar tendências”, antecipa.
Jaime Nogueira Pinto tende a discordar e coloca a questão como sendo estrutural e não apenas um fenónemo circunscrito no tempo ou um pequeno ajustamento do sistema político português. “A contraposição dos valores é hoje entre nação, identidade, solidariedade social e liberalismo no sentido puramente económico-globalista e radical de costumes tipo ‘woke'”, começa por argumentar.
“O PS de António Costa”, continua o politólogo, “ocupou o centro-esquerda, pagando barato enquanto deles precisou, aos seus aliados comunistas; e caro aos bloquistas, a quem cedeu nas questões dos usos e costumes da vida e da morte e instituições relacionadas – casamento, família, aborto, eutanásia”.
“O PSD, em vez de traçar a linha vermelha nessas causas, apresentou-se com uma direção que, além de se dizer também de ‘centro-esquerda’, votou nessas matérias com a esquerda. Mas o tempo e o modo ‘europeus’, para bem e para mal, acabam sempre por chegar. Com a esquerda ‘clássica’ e ‘social’ a desaparecer na Europa e a esquerda ‘woke’ a dominar as elites liberais, mas a irritar o povo, o PSD vai ter problemas sérios com o seu eleitorado.”
“Todos os caminhos são maus”, concede José Miguel Júdice. “Há precipícios em todas as direções e quando assim é geralmente as pessoas param. O PSD vai ficar parado no seu labirinto. E é por isso que Marcelo Rebelo de Sousa se está a agarrar desesperadamente à maioria absoluta porque todas as alternativas são piores”, provoca o advogado e comentador.
Mesmo reconhecendo que o PSD tem pela frente um longo e doloroso caminho das pedras, Carlos Carreiras entende que o partido pode ter margem para recuperar se souber encontrar um “projeto para o país”, que tenha “ambição” e “rutura”, que seja uma verdadeira alternativa para o “pós-pandemia e o pós-guerra”.
“O PSD só tem uma grande causa distintiva em relação ao PS: a dimensão do nosso desenvolvimento no plano económico e social”, completa Luís Marques Mendes. Para o comentador e antigo líder do PSD, o partido precisa urgentemente de denunciar os atrasos estruturais do país e oferecer uma via verdadeiramente alternativa ao país que permita interromper a marcha fúnebre rumo à “cauda da Europa“.
Mas há um sempre um mas, salvaguarda Marques Mendes. “Não devíamos partir do particular para o geral, mas não se passa assim: as políticas são definidas pelas pessoas“, reconhece. O que é o mesmo que dizer que sem um líder forte e reconhecido, que seja capaz de se rodear de quadros com talento e provas dadas, ninguém olhará para o partido.
“Se de repente o próximo líder conseguir dotar o PSD de novos protagonistas nas área da Economia, da Educação, na Saúde, no Ambiente… esses quadros novos vão influenciar o partido a todos os níveis. Mas essa é uma tarefa da liderança: ou é o líder que trata de ir pescar à linha em vários sítios ou então ninguém o vai fazer por ele”, alerta.
Miguel Poiares Maduro pede isso mesmo: uma “liderança que seja capaz de conjugar empatia emocional e credibilidade racional”, capaz de “gerar a confiança emocional e autoridade intelectual necessária a que as pessoas acreditem num tal projeto e se mobilizem em redor dele”.
“É este tipo de liderança carismática que é necessária para unir em torno de uma mensagem mobilizadora nesta fase em vez de meramente agregar interesses dispersos. Para que essa mensagem seja eficaz e diferenciadora (não vaga ou incoerente) tem de ser construída de forma sólida e com tempo. Isso exige reunir massa crítica dentro do partido e comunicar de forma progressiva e consistente no tempo essa mensagem”, nota.
Se estas duas condições — equipa de qualidade e projeto mobilizador — forem cumpridas –, Paulo Rangel acredita que é possível devolver o PSD à sua posição histórica. “Não acho que não se possa aspirar a ser um partido de vocação maioritária como é no seu ADN. Não é uma fatalidade”, diz. Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva têm agora a palavra.