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Sente que tem um livro dentro de si?

Ambiciona tornar-se escritor? Sonha ser a razão de uma longa fila para autógrafos numa feira do livro? "Cartas a um jovem escritor", de Colum McCann, é o livro que inflamará o seu potencial criativo.

Um adágio de origem incerta e difusão vasta proclama que a realização humana passa por plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Em Portugal a segunda missão tem sido descurada, pois temos uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, e a primeira tem sido cumprida com grande empenho mas escasso discernimento — atapetámos o interior do país com árvores, mas como, insensatamente, o fazemos com duas espécies altamente combustíveis, eucalipto e pinheiro-bravo, todos os verões a natureza se encarrega de repor o contador a zero. Aparentemente, pretendemos compensar estes fracassos sobre-investindo no terceiro desígnio: raros são os portugueses que dominam os rudimentos da escrita que não almejam ser escritores. E quando as editoras convencionais não bastam para escoar tão avassalador ímpeto criativo, florescem alternativas.

A universalidade da aspiração a “ser escritor” tem também feito proliferar os cursos e manuais de escrita criativa, com estes últimos a justificar já a criação de uma secção autónoma nas livrarias, apesar de, essencialmente, darem todos conselhos muito semelhantes. Nisto, os manuais de escrita criativa contrastam com os livros sobre dietas e nutrição, em que cada autor defende encarniçadamente uma teoria muito idiossincrática sobre o que é “correto”: os vegan estritos chocam com os adeptos da paleodieta, os que vêem nos hidratos de carbono o demónio digladiam-se com os que advogam dietas à base de hidratos de carbono, há quem escreva livros inteiros exaltando o pão e quem interdite o consumo de tão nefasto alimento, e assim sucessivamente.

Os manuais de escrita criativa contrastam também com os livros que pretendem oferecer, em troca de uma dúzia de euros, a fórmula para fazer milhões de euros: enquanto os segundos tendem a ser escritos por empresários, banqueiros, gestores e executivos que efectivamente triunfaram no seu ramo de actividade (ainda que, nalguns casos, temporariamente ou à custa de procedimentos pouco limpos), a maioria dos autores dos primeiros são desconhecidos mesmo para quem acompanha de perto o panorama editorial.

Não é caso de Colum McCann, cujas Cartas a um jovem escritor chegou a Portugal pela mão da Clube do Autor (com tradução de Eugénia Antunes), poucos meses após a publicação original (Letters to a young writer, na Bloomsbury). McCann (nascido em 1965), um irlandês radicado em Nova Iorque, além de ser professor de escrita criativa no “prestigiado Hunter College”, é autor de seis romances bem acolhidos pelo público e pela crítica, tendo mesmo um deles, Let the great world spin (Deixa o grande mundo girar, editado pela Civilização), sido distinguido com o National Book Award americano e o International IMPAC Dublin Literary Award.

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Neste compêndio de “conselhos práticos e inspiração diária para todos os apaixonados pela escrita”, McCann trata de mostrar que está acima da massa indistinta de manuais de escrita criativa ao reclamar inspiração num honorável antecedente: as Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke. O livro resultou da troca de correspondência mantida entre 1903 e 1908 entre Rilke e Franz Xaver Kappus, um cadete que tinha 19 anos à data do início do carteamento e que, hesitando entre as carreiras militar e literária, buscava conselho junto de um poeta que admirava. Rilke respondeu-lhe com conselhos genéricos, mas declinou emitir juízos de valor sobre os poemas de Kappus.

Rainer Maria Rilke e a mulher, a escultora Clara Westhoff (c. 1910)

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Quando McCann tenta “colar-se” a Rilke, omite uma diferença abissal entre ambos: o poeta austríaco nunca pretendeu que as opiniões expressas nas cartas se constituíssem como um “manual”, ou fossem sequer tornadas públicas — foi Kappus quem, em 1929, três anos após a morte de Rilke, tomou a iniciativa de as compilar e fazer editar.

Uma ideia inflamada de literatura

McCann empenha-se, por todos os meios, em fazer da escrita uma empresa digna de heróis e titãs. Quando dá aulas de escrita criativa, está a guiar os alunos “na direção do fogo, na esperança de que reconheçam os lugares onde irão, quase de certeza queimar-se”, sendo ele o iluminado que os vai ensinar “a lidar com o fogo e a passá-lo a outro”, de onde se depreende que concebe o professor de escrita criativa como um misto de Prometeu e instrutor de curso de bombeiros.

É uma ideia empolada e dramática do que é escrever e dar cursos de escrita criativa, mas o pior é que na frase seguinte se fica a duvidar da competência de McCann para os ministrar, pois desliza para a metáfora da escrita como transposição de uma “parede em chamas” e, desajeitadamente, para a transposição de uma parede tout court: o escritor “munido apenas das virtudes da energia, do desejo e da perseverança (…) acaba por transpor a parede: alguns cavam túneis, outros trepam-na, outros, ainda, demolem-na”.

Os cursos de escrita criativa da escola anglo-saxónica metem na cabeça dos seus formandos a ideia (já de si tola) de que um texto será tanto mais “literário” quanto mais for ornamentado com metáforas, comparações e símiles, mas esquecem-se de os alertar para o risco de misturar metáforas. A “metáfora mista” — exemplo, “subiu a fasquia no braço de ferro” — é uma das pragas do romance de hoje, mas McCann não inclui uma advertência contra ele no seu manual, pela simples razão que ele próprio nela incorre sem disso se dar conta. Mais à frente, exortará o jovem escritor a transformar-se numa máquina fotográfica, prometendo que se perseverar, “escutará a voz certa” (há aparelhos mais apropriados para ouvir vozes do que a máquina fotográfica, embora os smartphones combinem as duas funcionalidades).

No seu arrebatamento e no seu delírio hiperbólico, McCann proclama que “a primeira frase [do romance] deverá abrir a sua caixa torácica. Deverá entrar-lhe pelo peito adentro e virar-lhe o coração de pantanas. Deverá insinuar que o mundo nunca mais será o mesmo”.

McCann trata de mostrar que está acima da massa indistinta de manuais de escrita criativa ao reclamar inspiração num honorável antecedente: as "Cartas a um jovem poeta", de Rainer Maria Rilke.

O jovem escritor mais timorato ou que desmaie quando vê sangue não deverá assarapantar-se com a grandiloquência de McCann: a maior parte das frases de abertura dos romances não envolvem cirurgias de tórax aberto nem remoção de vísceras — na verdade muitas parecem mais unhas encravadas e não é por isso que recebem críticas menos entusiásticas. Aliás, percebe-se que a metáfora da literatura como cirurgia ao estilo de Jack, o Estripador está ali só para dar cor, pois, umas linhas abaixo já McCann a esqueceu e agora compara a escrita a caminhar sobre um arame esticado a quatrocentos metros do chão. Mais umas linhas e escrever passa ser renunciar à “zona de conforto” (já cá faltava este cliché): “Saia da sua pele. Arrisque-se (…), um escritor é um explorador. Sabe que quer chegar algures, mas não sabe se o algures existe sequer. Ainda está para ser criado. É um arquipélago das Galápagos”. McCann sofre, obviamente, de incontinência metafórica, doença para a qual a ciência ainda não descobriu cura.

Ao longo de todo o livro, McCann repisará a ideia da escrita como superação heróica e fonte de excruciante sofrimento: custa “esforço e dor. Irá arrepelar os cabelos. Cerrar os dentes. Arrancar o coração vezes sem conta”. Noutro trecho avisa que produzir “boa escrita deixá-lo-á de rastos. Muito poucas pessoas falam acerca disso, mas os escritores precisam de ter a energia de um atleta de alto rendimento. A exaustão provocada por horas a fio sentado. O esgotamento mental”. E repete: “Deverá estar exausto quando terminar a sua história. Deverá sentir-se como se tivesse aberto o peito em dois e não tivesse mais nada para dar”. Ou ainda: “Escrever concede-nos a ilusão da dor, obrigando-nos a crescer e a reconhecer os nossos próprios demónios. Tocamos na electricidade do sofrimento, mas podemos, um dia, recuperar”.

Se escrever um romance é uma viagem ao arquipélago das Galápagos, isto será um festival literário?

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Se se tomar McCann a sério, escrever um romance é uma espécie de super-decatlo, com provas que incluem escalar o Everest (sem oxigénio nem carregadores nepaleses), engolir fogo, circum-navegar o mundo na armada de Fernão de Magalhães, fazer frente ao exército persa nas Termópilas e ser torturado pelos Apaches.

O terror da página em branco

“O terror da página em branco” é um capítulo do livro de McCann e é tema incontornável em qualquer manual de escrita criativa. É um terror muito difundido e resulta de haver muitos aspirantes a escritor que não têm nada para dizer, paradoxo em que McCann e os seus colegas de mister têm pesada responsabilidade.

O ensinamento fundamental dos cursos de escrita criativa é: o candidato a escritor não deve deixar-se desalentar pelo vazio de ideias, pois, desde que as personagens sejam postas em movimento e iniciem o seu vão gesticular e a sua inconsequente tagarelice, o romance escreve-se por si, e quando menos se espera têm-se nas mãos 300 páginas para entregar ao agente a tempo da Feira de Frankfurt e, quem sabe, conquistar um Booker, um Goncourt ou, pelo menos, um Femina. “Insista na sua persistência. As palavras surgirão. (…) Dê luta, uma e outra vez. Se lutar o tempo suficiente, a palavra certa aparecerá (…)”, promete McCann. O que é preciso é deixar “estar o rabo na cadeira. O rabo na cadeira. O rabo na cadeira”.

Quando McCann põe o jovem escritor de sobreaviso quanto à dureza do ofício da escrita, acaba, involuntariamente por revelar o equívoco que anima a compulsão graforreica quando menciona “o gesto mil vezes repetido de lançar o balde a um poço quase vazio”. Mas, quando a mente é um poço quase vazio, será sensato alimentar o sonho de construir um parque de diversões aquáticas? Todavia, a maioria dos gurus da escrita criativa estão com McCann — John Crowley, professor de escrita criativa na Universidade de Yale, num artigo da Harper’s Magazine (novembro de 2014) garantia que “a maneira de escrever é (…) apenas escrever. Não rumine demasiado, não se questione, ponha tudo cá fora, despeje o que há para despejar, gere uma grande massa seja do que for”.

McCann não aborda explicitamente o tema do “enchimento de chouriços”, técnica muito útil para dar a uma novela raquítica o corpo de um robusto romance (os livros de lombada fina estão condenados a passar despercebidos nas estantes das livrarias), mas proporciona vários exemplos práticos.

As entrevistas a jovens escritores mostram que assimilaram bem a crença de que a persistência vale mais do que o talento — tome-se como exemplo uma jovem promessa (ou já certeza?) das letras portuguesas, Afonso Reis Cabral (Prémio Leya 2014), que revelava ao Expresso (Actual) de 22 de novembro de 1914 que, antes do romance premiado, O meu irmão, “houve vários projetos que ficaram pelos primeiros capítulos, pelas primeiras páginas. O que falhava era sempre a história. Precisava de uma boa história a que me agarrar, mas não a encontrava”. Reis Cabral propunha-se, pois, escrever romances sem ter nada para dizer, esperando que o próprio ato de alinhavar frases umas atrás das outras acabasse por gerar qualquer coisa.

Não é de estranhar que tantos dos romances que são publicados dêem a impressão de que alguém verteu no papel “uma grande massa seja do que for”, que exala frequentemente um odor suspeito. É no que dá passar demasiado tempo com “o rabo na cadeira”. Por vezes é preciso dar ouvidos às nossas vísceras e levar o rabo até outra divisão da casa.

Sobre a arte de encher chouriços

O capítulo “Pontuação: não é uma coisa despicienda (vírgula)”, começa assim: “A pontuação, manda a verdade que se diga, não é coisa despicienda. A pontuação a bem da verdade não é coisa despicienda”, a que se seguem duas páginas de banalidades sobre pontuação.

O capítulo intitulado “Traga consigo um bloco de notas” consiste numa página preenchida com variações pueris sobre a recomendação do título.

O capítulo “Fracasse, fracasse, fracasse” tem uma epígrafe (muito puída pelo uso) de Samuel Beckett — “Não importa. Tente outra vez. Fracasse de novo. Fracasse melhor” — e tem por frase de abertura “Beckett disse-o magistralmente, e o seu conselho merece ser repetido à exaustão: ‘Não importa. Tente outra vez. Fracasse de novo. Fracasse melhor’”.

O capítulo “Faça uma pausa” resume-se a uma epígrafe e um parágrafo de cinco linhas que repisam o titulo. Não é o único capítulo que se resume a um parágrafo e há um que só tem uma linha.

Colum McCann, autor de "Cartas a um jovem escritor", é escritor e professor de escrita criativa no “prestigiado Hunter College”

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McCann não aborda explicitamente o tema do “enchimento de chouriços”, técnica muito útil para dar a uma novela raquítica o corpo de um robusto romance (os livros de lombada fina estão condenados a passar despercebidos nas estantes das livrarias), mas proporciona vários exemplos práticos. E compreende-se que Cartas a um jovem escritor abunde em espaços em branco e recorra a uma font grada e a um generoso espaçamento entre linhas — é que há muitos aspirantes a escritores que não possuem hábitos de leitura e poderiam ser intimidados por uma mancha tipográfica compacta.

A busca da originalidade

McCann exorta o jovem escritor a ousar ser original, juntando “palavras que jamais alguém atamancou”, a tornar a sua escrita “incontornavelmente pessoal”. E como paradigma de originalidade elege Raymond Carver — “Só Carver podia escrever como Carver” — uma escolha infeliz, já que é público que o estilo enxuto e despojado do escritor americano não foi obra sua mas dos cortes radicais introduzidos pelo seu editor, Gordon Lish.

A edição em 2010 das Collected stories de Carver na versão pré-Lish, mostrou que quase tudo aquilo por que Carver tem sido elogiado era obra do seu editor e que o Carver não-podado tem, por vezes “a intensidade sem peso de uma telenovela em que as personagens difundem as suas emoções de umas para as outras em itálicos estentóricos” (Gilles Harvey, na New York Review of Books). Segundo Harvey, “Carver põe em campo todo o arsenal, enquanto Lish mostra que tudo o que é necessário é um franco-atirador na posição certa”.

Advertências válidas

O capítulo “Quem o quê onde quando como e porquê” aborda um assunto crucial, mas que, infelizmente, McCann trata com displicência: “Quem é que está a contar a história? Esta é provavelmente a mais fácil de todas”.

Não, não é fácil e há muitos escritores consagrados que são incapazes de manter uma voz narrativa consistente, fazendo irromper num relato que até aí se mantivera seco, objecivo e distanciado, comentários que revelam envolvimento emocional e opiniões próprias, ou que fazem um narrador omnisciente perder subitamente essa qualidade, ou, que um narrador parcelar e subjetivo se torne subitamente omnisciente, situações que levam o leitor a interrogar-se “quem disse isto?” ou “de onde veio esta voz?”. Não se trata, claro da narração polifónica cultivada por William Faulkner em O som e a fúria, por Virginia Woolf em As ondas, ou por António Lobo Antunes — é apenas incompetência e descontrolo.

O conselho “Não fique sentado a olhar para dentro de si. Que aborrecido. Vendo bem, o seu umbigo contém apenas cotão” também faz sentido. Infelizmente, também os crânios de muitos “jovens escritores” contêm frequentemente recheio similar, pelo que não lhes resta senão falar da única coisa que conhecem, que são eles mesmos. É alarmante constatar o crescimento do número de personagens de romances que são escritores em bloqueio criativo e professores de literatura e de enredos que decorrem no ambiente climatizado das faculdades de letras.

E se há escritores que aceitam a recomendação de McCann para sair da sua rotina e ir correr mundo, outros crêem que a World Wide Web permite substituir o conhecimento direto e simular familiaridade com culturas e geografias exóticas. Há uns tempos, gabava-se um escritor português que situara um romance em Nova Iorque sem nunca ter posto pé nos EUA, de que “com o Google Maps é como se lá tivesse estado”. Admirável ingenuidade! O capítulo “Investigação: O Google não chega”, não se destacando da toada superficial dominante no livro, contém, pois, advertências que mereceriam ser ponderadas.

Ao discorrer sobre o seu mister como professor de escrita criativa, McCann entra no jogo da falsa modéstia: afirma que ele não é muito importante, que são os alunos que têm de superar-se.

Também pertinente é a advertência contida no capítulo “Quebre o espelho”: “Pare de escrever sobre si mesmo. Não se inspire diretamente na vida do seu amigo. Não escreva sobre as angústias do seu pai. Não use o corpo da namorada para efeitos de cartografia literária. Não use as neuroses do namorado para espremer um parágrafo extra”. Serão conselhos a cair em saco roto, pois aos aspirantes a escritor sem cultura, imaginação e experiência de vida não resta outra solução senão vampirizar todos os que o rodeiam para injectar algum sangue nas veias do seu romance nado-morto. Para mais, uma vaga de romances de natureza autobiográfica — como a série A minha luta (Min kampf), de Karl Ove Knausgård — que se converteram em sucessos de público e crítica veio dar ainda mais popularidade à ideia de que verter na página a vidinha baça e quotidiana do autor, a cru, com cuecas sujas e pratos por lavar, é quanto basta para ganhar o Booker ou o Leya.

A vida literária

Ao discorrer sobre o seu mister como professor de escrita criativa, McCann entra no jogo da falsa modéstia: afirma que ele não é muito importante, que são os alunos que têm de superar-se. Porém, prossegue, não há-de ser por acaso que entre os seus alunos houve um que “recebeu o National Book Award. Um outro o Booker Prize. Houve [Prémios] Guggenheims. Pushcarts”. O sucesso é assunto de um capítulo de Cartas a um jovem escritor mas este é brevíssimo (dois parágrafos) e nada diz sobre uma “qualidade” que pode ser determinante para lograr o sucesso — o saber “vender-se”, com o que tal comporta de presunção e bazófia e tendo sempre presente que estas deverão ser judiciosamente ocultadas sob uma capa de humildade fingida.

O escritor norueguês Karl Ove Knausgård é conhecido pelo conjunto de romances autobiográficos intitulado "A Minha Luta" (em norueguês, "Min Kamp")

Cartas a um jovem escritor expande-se por áreas que vão para lá da escrita propriamente dita e dispensa conselhos sobre como arranjar um agente e um editor e sobre a forma de lidar com colegas, críticos e leitores. McCann sugere, por exemplo, que se convide para um café o crítico que teceu considerações menos abonatórias sobre o seu livro e depois se lhe comunique “que foi a crítica mais mal escrita que alguma vez leu”.

Consagra um capítulo à questão das “citações promocionais”, que são hoje a vaselina do mercado livreiro, não havendo livro que dispense um cortejo de frases laudatórias proferidas por outros escritores e figuras públicas, alguns dos quais não se deram ao trabalho de ler o livro. McCann reconhece que “uma citação promocional é puro empolamento. É uma forma de pornografia literária”, mas nem por isso deixa de espicaçar o jovem escritor a tentar obtê-las, através de súplicas, lisonja, o que for preciso. O esforço será compensado e, promete McCann, não tardará que o jovem escritor passe a ser solicitado para ser ele a escrever elogios a livros de outros.

É revelador confrontar o tom encorajador e eufórico que preside aos manuais e cursos de escrita criativa com o discurso do pintor italiano Cennino Cennini (c.1370-c.1440), quando, em Il libro dell’arte, delineia as perspectivas que se oferecem a quem queira seguir a carreira de pintor: “[Conta com] o mínimo de um ano até aprenderes o desenho na tabuinha; depois deves estar ao lado do mestre na oficina até saberes todas as ramificações que pertencem ao nosso ofício. Depois, começarás com a preparação das cores, aprenderás a ferver a cola, a moer o gesso, a aplicar as primeiras camadas, a trabalhá-lo em relevo, a raspá-lo, a dourá-lo e a texturá-lo bem; por seis longos anos. Depois passarás às experiências na pintura, a ornamentá-la com cordões, a praticar a sumptuosidade no vestuário e a pintura mural — mais seis anos”.

E não há melhor vacina contra a febre graforreica que hoje grassa pelo mundo do que esta frase de Christopher Hitchens: “Todas as pessoas têm um livro dentro de si e, na maior parte dos casos, é aí que deve ficar”.

Fotografias: Keystone/Hulton Archive/Getty Images, Bryan Bedder/Getty Images The New Yorker e Getty Images/iStockphoto

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