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AFP/Getty Images

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Serena Williams e os dilemas da maternidade de alta competição

Ganhou o Australia Open no primeiro trimestre de gravidez e chegou à final de Wimbledon dez meses depois do nascimento da filha. Agora, a tenista quer ganhar a luta pelos direitos das mães atletas.

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No dia 28 de Janeiro de 2017, Serena Williams ganhou a final do Australia Open aos 36 anos. Nada de extraordinário, apesar de ter sido a sétima vez que o fez, um recorde para o próprio torneio. Nada de especial, ainda que tenha chegado e vencido a final sem perder um único set. Nada de surpreendente, ainda que isso a tenha deixado a um torneio de bater a marca das 24 competições singulares em Grand Slam de Margaret Court. Tudo normal, portanto, mas apenas porque é Serena Williams, porque ela estabeleceu o seu próprio padrão de excelência, fazendo o mundo acreditar que até é fácil, que é quase uma inevitabilidade.

Ganhar mais um torneio do Grand Slam pode parecer só mais um dia na vida de Williams, mas não é. O que ficou ainda mais claro nas semanas após o torneio, quando se percebeu, a posteriori, que a atleta feminina mais influente do mundo (segundo a revista Forbes, que poderia ter passado sem a marca do género para dar conta da dimensão de Williams no mundo do desporto) estabeleceu uma outra marca ao ganhar aquele Australia Open em particular – quando o fez, estava no primeiro trimestre de gravidez da sua primeira filha, Olympia.

Algum tempo depois da vitória, a meio de Abril de 2017, e apenas uma semana antes de renovar oficialmente o seu título enquanto N.º1 do mundo, Serena Williams publicou uma imagem nas redes sociais vestida com um fato-de-banho amarelo, o perfil a revelar uma barriga proeminente e a legenda: “20 semanas”. Contas feitas (e apesar de a atleta ter retirado a foto entretanto), o mundo do ténis entrou em alvoroço.

A foto que Serena Williams publicou no Snapchat

Nas redes sociais, algumas pessoas aproveitaram para fazer provocações directas: “Serena ganhou o AO grávida e Novak [Djokovic] desistiu de um jogo por estar com a garganta inflamada… e Novak defende que os homens devem ganhar mais do que as mulheres”. Os amigos famosos optaram por brincar com a situação: enquanto a tenista Caroline Wozniacki confessou que lhe ia soar bem ser chamada de “tia Caro”, Brooklyn Decker, mulher do ex-tenista Andy Roddick, disse que enquanto Serena “ganhou um grand slam grávida, eu, às quatro semanas, precisava que o Andy me vestisse e me carregasse até à casa de banho”.

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Mas entre espanto, admiração, análises de impacto (além da vitória em estado de graça, no mínimo Williams não competiria em Roland Garros, o torneio seguinte no circuito, e certamente perderia o seu lugar no ranking por parar de competir), começaram a surgir também as questões que muitas vezes se evitam e que uma atleta desta dimensão obriga a enfrentar: o desporto de alta competição sabe lidar com a maternidade? E, além das habituais diferenças salariais entre homens e mulheres, perante isto há alguma possibilidade de falar em igualdade de género quando se fala de desporto?

Uma final em Wimbledon “para todas as mães”

Agora é altura de voltar a 2018. Há poucas semanas, e apenas dez meses depois do nascimento da filha e de um parto complicado seguido de uma cirurgia de emergência, Serena Williams chegou à final do torneio de Wimbledon. Não ganhou, mas a luta que protagonizou contra o seu próprio corpo para chegar àquele nível de rendimento físico tão depressa – sob pena de cair ainda mais na classificação (com a pausa, passou de número 1 a número 453 no ranking) e de comprometer a sua entrada directa em torneios futuros – manteve o debate acesso sobre a melhor forma de lidar com o pós-parto de uma atleta.

“Gostava que as regras fossem revistas. Já é esforço suficiente aquele que uma mulher tem de fazer, física e emocionalmente, para voltar a competir”, disse Maria Sharapova numa conferência do Italian Open.

Usando o seu estatuto no desporto mundial, invulgar para uma mulher, a tenista aproveitou como pôde a ocasião. Ainda no centro do campo, logo depois de perder o título para Angelique Kerber, Serena Williams falou ao microfone com toda a assertividade do seu lendário primeiro serviço: “A todas as mães que me estão a ouvir, hoje joguei por todas nós, e tentei mesmo ganhar.” Mais tarde, na conferência de imprensa, continuou:

“Depois da longa luta que tive de travar para conseguir voltar a jogar a este nível, que foi muito dura, tenho mesmo vontade de dizer às mães que, se é isso que querem, é sempre possível voltar a trabalhar”.

Não é apenas no ténis, ou noutros desportos de alta competição, que a maternidade pode comprometer uma carreira. Mas em Maio deste ano, quando Serena Williams tentou voltar ao seu primeiro grand slam depois de ser mãe (Roland Garros), ficou ainda mais claro que as regras da Women’s Tennis Association não foram feitas a pensar na maternidade.

É que apesar de ser um torneio que a tenista já venceu três vezes, e de ela ter saído para a sua licença estando em primeiro lugar, a Federação Francesa de Ténis recusou-se a dar-lhe um “seed”, ou seja, garantir-lhe a posição privilegiada no calendário do torneio que se reserva aos atletas no topo da classificação. Mais uma vez, o regresso de Williams teve de ser conquistado a pulso, como quem começa do zero.

Legislação vs. Biologia

Serena Williams falava há muito, sobretudo em entrevistas, que queria ser mãe, há estes motivos todos para toda a gente ter deduzido que ela iria esperar pelo fim da carreira (que, pelos vistos, ainda não está à vista). Isto quando há outras estrelas do ténis, como Novak Djokovic ou Roger Federer, que têm mais do que um filho sem que isso tenha alguma vez afectado a sua actividade de alta competição ou, obviamente, a sua condição física.

A biologia é como é, mas a pressão da tenista não tem intenção de mudar isso: o objectivo é obrigar as regras do jogo a adaptarem-se à realidade feminina, e não o contrário, como tem acontecido. A causa já despertou a solidariedade de outras atletas – entre elas, algumas rivais histórias de Williams, como Maria Sharapova: “Gostava que as regras fossem revistas. Já é esforço suficiente aquele que uma mulher tem de fazer, física e emocionalmente, para voltar a competir”, disse numa conferência do Italian Open ainda sobre a questão de Roland Garros, e mesmo antes de saber a decisão final da organização do torneio.

Indo além do ténis, foi também apenas este ano que a FIFA autorizou, pela primeira vez, que uma mulher árbitro se apresentasse numa competição internacional de futebol acompanhada pelo marido e o bebé de ambos, para poder continuar a amamentar a criança durante aquele período. De acordo com o que Anna Kessel, membro da associação Women in Football, escreveu no jornal The Guardian, é na legislação que está tudo por fazer, com uma consequência dupla – a discrepância entre o número de atletas profissionais femininos e masculinos, e a baixa taxa de natalidade entre mulheres que são atletas profissionais:

“Apenas 1% das jogadoras da Women’s Super League são mães, de acordo com os dados da Fifpro, e apenas 3% dos clubes das divisões de topo em todo o mundo têm creche. Tendo em conta que a maternidade tem actualmente tanto impacto na evolução da carreira das jogadoras, não é de admirar que as mulheres estejam tão sub-representadas no desporto – 1,8% dos conteúdos dos jornais desportivos são escritos por mulheres, e apenas 2% dos artigos são sobre mulheres desportistas. Nos quadros do futebol profissional, apenas 7% das pessoas são mulheres, e a diferença salarial entre géneros é mais profunda do que na política ou na medicina – segundo os dados mais recentes, as mulheres recebem ¼ do que recebem os seus pares nos clubes de futebol, ou 16% do que ganham os homens se tirarmos da equação os salários da Premier League.”

Fazer desporto sem perder a barriga (e até é possível correr os 800 metros)

Apesar de tudo isto, Serena Williams está longe de ser a única mulher a enfrentar os desafios da gravidez e da maternidade no desporto de alta competição. A sua visibilidade mediática deu um novo impulso ao debate, mas há outras mulheres a caminharem de barriga erguida no meio deste mundo (predominantemente) dos homens.

Lisa Rashid, a inglesa que tem feito carreira na arbitragem e que apita também em competições internacionais da FIFA, teve a filha Isla e conseguiu voltar aos relvados pouco depois, mas com muito esforço: “A minha filha tem agora sete meses e eu queria voltar depressa. Já estava a treinar duas semanas e meia depois do parto, e ao fim de 13 semanas consegui passar no teste físico internacional. Em 17 semanas estava de volta às ligas masculinas”, contou ao iNews.

Kim Clijsters ganhou o US Open em 2009 apenas 18 meses depois de ser mãe. Como ela, outras conseguiram regressar ao alto rendimento, como a maratonista Paula Radcliffe, a corredora olímpica Jessica Ennis-Hill e até, muito recentemente e tendo sido prejudicada na sua convocação à selecção nacional, a futebolista Katie Chapman. 

Os testes de aptidão física referidos são outra regra que tem sido difícil conseguir adaptar às realidades da maternidade – costumam ser marcados numa data fixa, para depois terem efeito por toda a época desportiva seguinte. Recentemente, tornaram-se mais flexíveis para casos como os de mulheres que ainda estão em licença de maternidade quando chega o dia de fazer as provas.

Já em Maio deste ano, Emma Heyes, a treinadora da equipa feminina do Chelsea, passou uma imagem mediática forte ao celebrar duas vitórias muito importantes grávida de oito meses – a FA Cup e o primeiro lugar no campeonato da Women’s Super League. Logo quando se soube que estava grávida de gémeos, aproveitou para abordar a questão: “O apoio que as atletas têm quando são mães é uma vergonha. E o mais irónico é que tenho vindo a descobrir que se tornam melhores quando têm filhos, produzem mais oxigénio no sangue e conseguem correr durante mais tempo”, disse ao The Telegraph.

Há mais casos inspiradores de atletas que conseguiram voltar a competir depois da gravidez. Nem é preciso sair do ténis, já que Kim Clijsters ganhou o US Open em 2009 apenas 18 meses depois de ser mãe. Como ela, outras conseguiram regressar ao alto rendimento, como a maratonista Paula Radcliffe, a corredora olímpica Jessica Ennis-Hill e até, muito recentemente e tendo sido prejudicada na sua convocação à selecção nacional, a futebolista Katie Chapman. Mas o caso mais simbólico é mesmo o da americana Alysia Montaño, que em 2014 correu os 800 metros, numa competição oficial, grávida de 34 semanas, com o objectivo de se manter competitiva.

[o final da corrida de Alysia Montaño:]

É uma imagem difícil de esquecer, até porque Montaño terminou a corrida mantendo sempre o ritmo (afinal, até aí já tinha sido cinco vezes campeã nacional), e fez um tempo de 2 minutos e 32 segundos, sendo muito celebrada pelo público ao atravessar a meta – apesar de não ganhar. Foi, aliás, muito encorajada pelos médicos, como confirmou na altura ao The Guardian:

“Isso anulou qualquer receio que eu poderia ter em relação ao que o resto do mundo ir pensar por ver uma mulher grávida a correr. Simplesmente continuei a fazer as coisas que sempre fiz, só que agora grávida. Este ano, isso para mim é o meu estado normal.”

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