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Sergii Rudenko é jornalista e editor-chefe do canal ucraniano Espresso TV
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Sergii Rudenko é jornalista e editor-chefe do canal ucraniano Espresso TV

D.R. Rudenko

Sergii Rudenko é jornalista e editor-chefe do canal ucraniano Espresso TV

D.R. Rudenko

Sergii Rudenko. "Zelensky renasceu como Presidente"

Biógrafo ucraniano Sergii Rudenko acumula críticas ao nepotismo e impreparação para o cargo, mas garante que postura de Zelensky durante a guerra mudou tudo. "Conquistou lugar na História", diz.

Um cético tornado crente. É assim que Sergii Rudenko, jornalista ucraniano que acompanha a política nacional há 30 anos, resume a sua opinião sobre o Presidente Volodymyr Zelensky.

Até ao dia 24 de fevereiro deste ano, quando a invasão russa à Ucrânia começou, Rudenko era um crítico. No seu livro Volodymyr Zelensky — Biografia (ed. Casa das Letras), enumera os vários episódios que alimentavam a sua descrença. O nepotismo está bem presente na lista de quase três páginas de amigos e associados de Zelensky que ocupam cargos no governo ou no Parlamento sem terem formação para tal. A obsessão pela forma face ao conteúdo é evidente em episódios como o do primeiro-ministro Oleksiy Honcharuk, que chegou de trotinete elétrica ao edifício do governo, mas saiu ao fim de apenas seis meses, depois de ser apanhado a criticar o Presidente. As intrigas e discussões dentro da equipa governativa também tornam claro que Zelensky sempre teve dificuldade em gerir as relações daqueles que trabalham consigo.

O livro de Sergii Rudenko, editado pela Casa das Letras

Zelensky “estava rodeado de um grupo estranho, de pessoas que eram acusadas de receber subornos, de corrupção, de muitos escândalos. E ele era responsável por estas pessoas, que não tinham qualquer experiência na política”, admite Sergii Rudenko, em entrevista ao Observador via Zoom, com a ajuda de uma tradutora. As críticas também são diretamente feitas ao Presidente, que acusa de se ter candidato à presidência apenas à procura de mais popularidade, quando “nem ele sabia como exercer o cargo”.

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Também o passado de Zelensky, marcado por uma postura pouco crítica da Rússia, não é ignorado por Rudenko. Nascido e criado em Kryvy Rih, no leste da Ucrânia, o Presidente ucraniano sempre fez a sua carreira como comediante em torno do mundo russo — até as piadas eram geralmente dirigidas à política de Moscovo e não à de Kiev. Alguns dos seus companheiros, como os irmãos Shefir, produziram afirmações ligeiramente elogiosas sobre Vladimir Putin. E Zelensky nunca participou nem se envolveu na revolução de 2014, na Maidan.

Tudo isto, porém, pouco importa para o biógrafo agora. O Presidente que surgiu após o início da invasão é, para si, “um homem renascido”, alguém completamente diferente. “Perdeu o estilo artístico, deixou de usar aquelas pausas, aqueles gestos”, ilustra o jornalista. E está tão focado na missão de defender o país, diz, que até incorpora agora o estilo do seu antigo adversário, Petro Poroshenko: “Está a concretizar o programa do seu opositor, o lema é “Exército, Religião, Língua”. No futuro, tem uma esperança: que Zelensky não se volte a candidatar à presidência. “Já cumpriu a sua missão”.

Apesar de ter começado a pensar candidatar-se à presidência com alguma antecedência, o livro deixa claro que esse não era um objetivo para Volodymyr Zelensky há muito tempo. O que acha que fez com que ele decidisse enveredar pela política?
Aquilo que sempre foi mais importante para ele é a popularidade. Naquele momento, ele era a pessoa mais conhecida no país, o ator mais famoso, o comediante mais famoso. Não havia nada que lhe pudesse dar mais destaque do que a política, era a única forma de se destacar. Zelensky era amigo de políticos há 15 anos e creio que ele pensou que podia fazer aquilo melhor que eles. Talvez não quisesse de facto ser [eleito] Presidente, achava que ia apenas representar esse papel e abrir caminho para o seu partido. Não acho que ele quisesse de facto aquilo, creio que achava que não se ia tornar mesmo Presidente.

Comedian Zelensky Wins Elections With 73 Percent In Exti Polls

Zelensky na noite eleitoral em que foi eleito Presidente

NurPhoto via Getty Images

Foi antes uma manobra para aumentar a sua popularidade. E uma lógica de “pior do que já foi não pode ser”?
É preciso lembrar que em setembro de 2018 a taxa de popularidade dele para o cargo presidencial era de 8%, não era o suficiente para ganhar uma eleição. Mas nessa altura duas pessoas começaram a trabalhar nisto: Svyatoslav Vakarchuck, da banda Okean Elzy, e o próprio Volodymyr Zelensky. Acho que para ele era importante tentar isto. Em março de 2019, havia dois candidatos à eleição presidencial, Petro Poroshenko e Yulia Tymoshenko. Volodymyr Zelensky era o terceiro. E as pessoas queriam um rosto novo na política ucraniana e foi o que aconteceu: um comediante, sem qualquer experiência política, tornou-se Presidente. Na altura, creio que nem ele sabia como exercer o cargo. Foi uma lotaria e ele tinha o bilhete premiado.

A ideia de que ele não estava preparado é clara quando vemos a quantidade de pessoas que despediu desde então, os problemas de comunicação, os escândalos… Era uma equipa que estava mais focada na embalagem do que no conteúdo, no trabalho duro de fazer política? Talvez com a guerra isso tenha mudado, porque é uma situação em que a mensagem e o simbolismo são particularmente importantes.
Desde que foi eleito e até ao dia 24 de fevereiro, quando a guerra começou, Zelensky foi um certo Presidente. Um Presidente que não estava seguro do poder que tinha. Estava rodeado de um grupo estranho, de pessoas que eram acusadas de receber subornos, de corrupção, de muitos escândalos. E ele era responsável por estas pessoas, que não tinham qualquer experiência na política. Quando a guerra começou, vimos surgir outro tipo de líder ucraniano. Assim que os mísseis atingiram as nossas cidades, surgiu outro Presidente. No primeiro vídeo que gravou já era claro que era outra pessoa, outro Presidente. Ele renasceu. Era assim que ele devia ter sido desde que foi eleito. Perdeu o estilo artístico, deixou de usar aquelas pausas, aqueles gestos… E já não queria ser amado por todos, já não precisava disso. Tornou-se o líder de uma nação que está a lutar pela sua liberdade, pelo seu direito a existir, pela sua vida. E ele assume a responsabilidade por todo o país.

"Ele é um Presidente renascido, um homem renascido. Mesmo com uma equipa pequena, estão a assumir a responsabilidade de reconstruir o velho sistema e criar uma nova forma de fazer política."

Creio que podemos dividir o seu mandato em três períodos: o primeiro, quando ele assumiu a presidência, com duração de quase um ano; o segundo é ele a tentar compreender todos os recursos, organização, instituições e como lidar com o sistema; e o terceiro é agora, em que ele é um Presidente renascido, um homem renascido. Mesmo com uma equipa pequena, estão a assumir a responsabilidade de reconstruir o velho sistema e criar uma nova forma de fazer política.

Parece que, para Zelensky, a equipa é algo muito importante. Há muitos casos de nepotismo em torno dele, de pessoas que não são as mais qualificadas, mas ficam com os lugares por ele já as conhecer. E, ao mesmo tempo, acabam muitas vezes por se zangar. Como acha que essa situação está neste momento, em plena guerra? Houve o caso do negociador que apareceu morto por alegadamente ter passado informação à Rússia…
Para mim, um caso clássico é o do antigo chefe de gabinete da presidência, Andriy Bohdan. Na verdade chamo-lhe vice-presidente, embora o cargo não exista na Ucrânia, porque ele esteve sempre com Zelensky e foi o seu número dois, mesmo que não tivesse os direitos e responsabilidades correspondentes. Bohdan estava no estrangeiro, na Áustria, e escreveu no Facebook que podia lá ficar, porque tem três ou quatro filhos e tem responsabilidades para com a família. Ele podia ter ficado, mas decidiu regressar à Ucrânia e disse que todos aqueles mal-entendidos devem ser postos de lado, porque não é altura para isso.

President of Ukraine Volodymyr Zelensky (L) and the Head of

Zelensky e o seu ex-chefe de gabinete, Andriy Bohdan, com quem se incompatibilizou

SOPA Images/LightRocket via Gett

Aconteceu o mesmo com Geo Leros, que sempre falou das suas dificuldades na relação com o Presidente Zelensky e com Andriy Yermak, o atual chefe de gabinete. Há meio ano, ele estava a mostrar o dedo do meio a Zelensky e, agora, nos primeiros dias da guerra, escreveu-lhe a dizer “Tu és fixe”. Portanto, entende que este não é o momento de discutir a relação deles, porque estamos em guerra e a vida de 40 milhões de ucranianos é mais importante. Ainda não sabemos o que pensa Zelensky sobre isto, mas creio que, ao fim de 77 dias de guerra, ele entende que este não é o momento para discussões e mal-entendidos. Espero que quando vencermos a guerra estes desentendimentos tenham acabado. Só ajudam a Rússia e [Vladimir] Putin, fazem de nós pequeninos.

Zelensky é um ucraniano que fala russo. Nunca esteve envolvido na Maidan e tem amigos que chegaram a dizer que é preciso negociar com Putin. Poroshenko chegou a retratá-lo como o próprio Putin e agora é Zelensky quem lhe está a fazer frente. Acha que as ideias dele sobre a Rússia mudaram ou ele sempre pensou assim e estava a ser mal interpretado?
É verdade que já vimos um Zelensky diferente, um Zelensky mais orientado para os ucranianos falantes de russo, que votaram nele para Presidente nas regiões mais orientais da Ucrânia. Porque antes da guerra começar havia esta ideia do voto russo. E ele não tinha atitudes claras em relação à Maidan, continuou a fazer espetáculos em territórios ocupados pelos ativistas russos. Mas tudo isso ficou no passado, hoje em dia Zelensky é outro. Lembro-me de ver um vídeo em que ele dizia que devíamos negociar com Putin e que a Rússia não iria começar qualquer guerra. Todas estas ideias da Rússia como nosso vizinha, como nosso país-irmão, desvaneceram-se quando a guerra começou. Antes, Zelensky achava que Putin não ia atacar a Ucrânia, até ao último momento ele não acreditou que pudesse acontecer.

Sergii Rudenko já publicou livros sobre outros políticos ucranianos como Viktor Yanukovich e Yulia Tymoshenko

D.R. Rudenko

Mas, dois meses depois do início desta guerra, muita coisa mudou. O mais importante para o Presidente Zelensky não é a língua, não são as negociações, é Ucrânia. É raro eu, que tenho 30 anos de experiência como analista político e que sempre fui um crítico dos políticos, dizer isto: eu era um cético, mas Zelensky impressionou-me. Está focado na Ucrânia. O seu opositor Petro Poroshenko tinha o lema “Exército, Religião, Língua”. Agora, Zelensky está a continuar com esse lema. Está a concretizar o programa do seu opositor, o lema é esse.

Era um cético que mudou de opinião, à semelhança de muitos ucranianos, que depois do início da guerra passaram a ter uma visão diferente deste Presidente. Como pode evoluir a popularidade dele depois da guerra? Depende do resultado militar?
Zelensky conquistou o seu lugar na História ucraniana e do mundo. É o único Presidente neste momento que está a enfrentar um exército agressor, sem ter fugido. Quando lhe sugeriram ser retirado, manteve-se firme na Ucrânia e, portanto, merece o seu lugar na História. Talvez até um dia venha a haver uma estátua em sua homenagem. Mas não gostaria que ele voltasse a concorrer à presidência. Acho que ele já cumpriu a sua missão, e a sua missão não era a de trazer um rosto novo para a política, era a de liderar o Estado neste momento difícil. A sua sinceridade perante os líderes mundiais é algo que nunca ninguém tinha feito antes, é algo que nenhum outro político pode fazer e que alterou o rumo desta guerra. Ele consegue dizer a verdade sem medo. Pode dizer: “A ONU não faz nada pela Ucrânia”, pode acusar a Alemanha, e, mesmo assim, os líderes mundiais sentem-se honrados por lhe chamar amigo. Ele foi o Presidente que aceitou o desafio de Putin.

"Se estivesse no lugar dele, tornar-me-ia talvez secretário-geral da ONU ou líder de uma outra instituição qualquer. Ele é reconhecido por todos e pode usar isso a seu favor."

Não gostaria, depois da guerra, de ler sobre como ele está a dividir os donativos humanitários por entre as pessoas da sua equipa e do seu partido, ou de como o dinheiro para a reconstrução do país está a ser roubado. Mas é uma decisão dele e dos ucranianos se ele continua a ser Presidente ou não. Se estivesse no lugar dele, tornar-me-ia talvez secretário-geral da ONU ou líder de uma outra instituição qualquer. Ele é reconhecido por todos e pode usar isso a seu favor. Tem a mesma popularidade de [Joe] Biden ou Boris Johnson e, mesmo na situação em que a Ucrânia está, não esteve tão bem como eles, esteve melhor. Agora cabe aos ucranianos decidirem se querem elegê-lo Presidente novamente ou não.

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