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AFP/Getty Images

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Sérgio Moro, o juiz que mandou prender Lula, virou ministro de um rival político. E agora?

Ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, Sérgio Moro beneficia das decisões que tomou, que levaram à detenção de Lula, principal rival. "O rei vai nu", acusa Dilma. O PT pede para Lula sair da cadeia.

Em 2016, Sérgio Moro disse que jamais entraria para a política, mas entrou: o juiz, que ficou conhecido por mandar prender o ex-presidente brasileiro Inácio Lula da Silva no âmbito do caso “Lava Jato”, anunciou esta quinta-feira ter aceitado o convite de Jair Bolsonaro para assumir a pasta da Justiça e da Segurança Pública. Seguiu-se uma chuva de críticas, sobretudo da parte do PT: o convite para Moro integrar o governo de Bolsonaro surgiu ainda durante a campanha presidencial, o que, para muitos, significa que as decisões por ele tomadas desde então tiveram em conta as suas ambições políticas. Ao jornal Folha de São Paulo, contudo, Sérgio Moro disse que o convite não tinha “nem uma semana”.

A nomeação de Moro para ministro poderá ter repercussões sérias no processo em que Lula da Silva é o principal réu, com vários petistas a questionarem a atuação do magistrado, que já tinham acusado de não ser imparcial. Membros do Supremo Tribunal Federal (STF) apontaram que já se começa a pôr em causa o facto de Bolsonaro ter convidado para ministro o juiz que condenou “o seu principal adversário”, frisando que o caso será certamente explorado pelo PT. Vários petistas já vieram pedir a libertação de Lula e a defesa do ex-governante admitiu que vai tomar medidas.

Nos bastidores do STF, o caso é visto com cautela, com alguns magistrados, ouvidos pelo Folha de São Paulo, a considerarem que a decisão política tomada por Sérgio Moro terá de ser tida em conta na hora de analisar os recursos das suas decisões. Há quem não ponha, porém, de lado a hipótese de tudo não passar de uma estratégia para abrilhantar a sua futura candidatura ao Supremo. Em 2020 e 2021, serão abertas pelo menos duas vagas, com as reformas de Celso de Mello e Marco Aurélio, respetivamente. Na primeira entrevista depois das eleições, Bolsonaro admitiu que gostava de ver Moro à frente do ministério da Justiça ou no Supremo. E continua a não pôr de lado a hipótese, desde que o magistrado tenha quem o substitua no ministério.

Sérgio Moro. O juiz que prendeu Lula e vai ser ministro de Bolsonaro, citava “Breaking Bad” nas aulas de Direito Penal

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O convite com “uma semana” que foi discutido durante a campanha

A sugestão já tinha sido feita no início da semana: na primeira entrevista depois das eleições, concedida à TV Record, Jair Bolsonaro admitiu que gostava de ver Sérgio Moro à frente do Ministério da Justiça ou, caso o juiz recusasse o convite para se juntar ao seu governo, do Supremo Tribunal Federal. Passados dois dias, Moro fez o anúncio: tinha aceitado “o honrado convite” para o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública, abandonando com “certo pesar” 22 anos de magistratura. A decisão foi tomada com a “perspetiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos”, explicou o juiz, garantindo que a Operação Lava Jato vai continuar em Curitiba “com os valorosos juízes locais”.

No comunicado, Moro disse que se ia afastar das próximas audiências relacionadas com o caso Lava Jato “para evitar controvérsias desnecessárias”. De pouco lhe valeu. A polémica começou com as declarações do novo vice-presidente, o general Hamilton Mourão, ao Folha de São Paulo. Segundo Mourão, o primeiro contacto com Moro foi feito “faz tempo, durante a campanha”, pelo futuro ministro da Economia, o economista Paulo Guedes, o que poderá pôr em causa a imparcialidade com foram tomadas as decisões mais recentes do magistrado. O juiz, por seu turno, afastou logo essa hipótese, garantindo que o convite “não tem uma semana” e contrariando as declarações do vice-presidente.

"A perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão."
Sérgio Moro

Questionado sobre esta questão, o presidente eleito disse desconhecer por completo em que momento a sondagem foi feita, mas admitiu que foi Guedes a fazer o primeiro contacto. “Mas isso daí não tem nada a ver. Se foi umas semanas, um dia antes da eleição, não tem nada  a ver”, disse Jair Bolsonado, citado pelo Folha de São Paulo, acrescentando que não costuma falar muito com o general Hamilton Mourão e que só agora é que está a aprofundar o contacto com ele.

Bolsonaro revelou ainda que esteve pela primeira vez com Moro há seis meses, num aeroporto. Na altura, os dois limitaram-se a apertar a mão e pouco falaram, mas o juiz ligou-lhe “15 dias depois” para lhe explicar que tinha de ter um “comportamento como aquele mesmo, porque afinidade com política poderia dar margem para críticas futuras”. Depois disso, o presidente eleito garante que só voltaram a conversar quando se colocou a hipótese de o magistrado ocupar o cargo de ministro. “Tenho profundo respeito por ele, o que me fez, acabando as eleições, convidá-lo para a gente bater um papo e, quem sabe, acertar a vinda dele para a Justiça, o que ele aceitou. Assim como estava aberta a questão do Supremo [Tribunal Federal], no futuro”, afirmou. Sobre as críticas do PT, disse: “Se eles estão reclamando, é porque fiz a coisa certa”.

Sérgio Moro deixa uma carreira de 22 anos na magistratura para assumir o cargo de ministro da Justiça

SEBASTIAO MOREIRA/EPA

PT diz que ficou provado “aos olhos do Brasil e do mundo” que Moro “sempre foi um juiz parcial”

Não têm de facto faltado reclamações do PT e da esquerda brasileira. Em comunicado, o partido defendeu que Sérgio Moro “sempre foi um juiz parcial, sempre agiu com intenções políticas”, e que isso “fica evidenciado aos olhos do Brasil e do mundo, quando ele assume um cargo no governo que ajudou a eleger com suas decisões contra Lula e a campanha de difamação do PT que ele alimentou, em cumplicidade com a maior parte” da comunicação social. A presidente do grupo partidário, Gleisi Hoffmann, chamou à nomeação do juiz “a fraude do século”, acusando-o de ajudar a eleger Bolsonaro. Hoffman denunciou também “a sua politização” ao levar ao afastamento de Dilma e ao divulgar a delação do ex-ministro da Fazenda “antes das eleições”.

Dilma Rousseff também comentou a nomeação, escrevendo no Twitter: “O juiz Moro anuncia que largará a magistratura para ser ministro do governo que viabilizou a eleição com suas decisões”. “O rei está nu”, afirmou. Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores no governo de Lula da Silva, descreveu a decisão de Sérgio Moro como espantosa e o seu comportamento como duvidoso. “Apenas confirma todas as suspeitas de que o juiz Sérgio Moro tenha partido e outros objetivos”, afirmou. Uma opinião partilhada por outro ex-ministro, Tarso Genro, que disse ao Folha de São Paulo que esta situação ”apenas confirma as suspeitas sobre a sua isenção, como juiz, nos processos lawfare [abuso e mau uso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política] encetados contra Lula”.

"O juiz Moro anuncia que largará a magistratura para ser ministro do governo que viabilizou a eleição com suas decisões,. O rei está nu."
Dilma Rousseff

Wadih Damous, antigo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, também mostrou o seu descontentamento face à nomeação do juiz, que se irá assim tornar “num pilar do estado policial-fascista brasileiro”. “Carregará para sempre a pecha de juiz parcial e sem isenção. Ele tem que se afastar ou ser afastado imediatamente dos processos da Lava Jato, em particular os que envolvem o ex-presidente Lula”, escreveu no Twitter. O candidato presidencial do PT, Fernando Haddad — que perdeu as eleições com 44,87% dos votos contra os 55,23% de Bolsonaro — considerou que a elite do Brasil não entende o conceito de república e que o verdadeiro significado da nomeação só vai compreendido pela comunicação social e pelos “fóruns internacionais”. Carlos Siqueira, presidente do Partido Socialista Brasileiro, salientou, por seu turno, que a nomeação “deixa clara uma tendência política que ele sempre exerceu e que nós também respeitamos”.

Fora do PT, têm surgido algumas mensagens de apoio. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Jayme Oliveira, elogiou a carreira do juiz, “exemplar e respeitado”, e considerou a sua ida para o Ministério da Justiça como “um reconhecimento à Magistratura brasileira”. Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, considerou-o um “excelente nome”. “Imprimirá no Ministério da Justiça a sua marca indelével no combate à corrupção (…). A sua escolha foi a que a sociedade brasileira faria se consultada. É um juiz símbolo da probidade e da competência. Escolha por genuína meritocracia.” O ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso descreveu Moro como “homem sério” e mostrou-se esperançoso de que o magistrado combata a “corrupção que arruína a política e o Brasil”.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, manteve uma posição mais neutra, defendendo que as escolhas para os ministérios devem ser sempre técnicas. Para o presidente, quem trabalha na Justiça não pode ter vínculos a partidos ou ideologias, sendo por isso “recomendável que esses agentes tenham conduta que reforce o caráter técnico e isento de suas ações no desempenho da função pública”. “A OAB defende que as indicações para os cargos de ministro de Estado sejam feitas com base na competência técnica e não em critérios de troca de favores políticos, como tem sido a praxe das últimas décadas”, afirmou Claudio Lamachia em comunicado, citado pelo Folha de São Paulo. “A lei brasileira é clara ao permitir que integrantes da magistratura e do Ministério Público exerçam a função de ministro de Estado desde que a deixem a carreira”, disse, citado pelo Folha de São Paulo.

"A sua escolha foi a que a sociedade brasileira o faria se consultada. É um juiz símbolo da probidade e da competência. Escolha por genuína meritocracia."
Luiz Fux, Supremo Tribunal Federal (STF)

Defesa de Lula responde com pedido de habeas corpus

A página oficial de Lula da Silva no Twitter partilhou a entrevista de Sérgio Moro ao O Estado de S. Paulo em 2016 em que afirmou que “jamais entraria para a política”. Gleisi Hoffmann visitou o ex-presidente na prisão e revelou aos jornalistas que Lula está muito descontente com a situação, tendo comentado com a presidente nacional do PT que Moro, “ao invés de apresentar prova” contra si, aceitou “ser ministro”. Hoffmann pediu que se averiguasse quando é que de facto Moro aceitou fazer parte do governo de Bolsonaro, revelando que a defesa de Lula irá tomar medidas em resposta à nomeação.

Esta informação foi confirmada mais tarde pelo advogado de Lula da Silva, numa nota enviada às redações na quinta-feira. “A decisão de Moro prova definitivamente o que sempre afirmámos: Lula foi processado, condenado e encarcerado sem que tenha cometido crime, com o claro objetivo de interditá-lo politicamente”, afirmou Cristiano Zanin Martins, adiantando que a defesa vai tomar “as medidas cabíveis no plano nacional e internacional para reforçar o direito de Lula a um julgamento justo, imparcial e independente”.

Lula da Silva está preso desde abril. Defesa vai aproveitar nomeação de Moro para pedir libertação do ex-presidente

Sebastiao Moreira/EPA

De acordo com O Estado de S. Paulo, que ouviu fontes próximas do processo, o advogado do ex-presidente do Brasil está a preparar um pedido de habeas corpus (de libertação) baseado no facto de o juiz responsável pelo processo em que Lula é o principal réu ter aceitado ser ministro num governo formado pelo partido da oposição. Para a defesa, a ida de Moro para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública comprova a tese da falta de imparcialidade, já que o magistrado terá tomado certas decisões motivado pelas suas ambições políticas.

Além das declarações do general Hamilton Mourão de que Moro foi convidado para o governo de Bolsonaro ainda durante a campanha presidencial, a defesa de Lula da Silva irá usar as últimas decisões tomadas pelo juiz para fundamentar o pedido de libertação do ex-presidente brasileiro, nomeadamente a divulgação da delação — isto é, do acordo firmado com o Ministério Público — do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci a 1 de outubro. Nos excertos partilhados, Palocci revelou que as campanhas presidenciais do PT de 2010 e 2014, que elegeram Dilma Rouseff, custaram até quatro vezes mais do que o valor que foi na altura declarado à Justiça Eleitoral.

A decisão de Sérgio Moro, tomada a apenas seis dias da primeira volta destas eleições, foi e é muito criticada pelos petistas, que alertaram para o impacto que a divulgação de excertos da delação de Palocci podia ter na votação. No Twitter, Rousseff atribuiu à divulgação da delação os maus resultados obtidos pela sua candidatura ao Senado de Minas Gerais e pela de Fernando Haddad à presidência brasileira. Moro, por seu turno, afirmou que esta era necessária para garantir a ampla defesa de todos os acusados, uma vez que o depoimento do ex-ministro poderia ser usado para cimentar a sentença, refere o Folha de S. Paulo. Era por isso necessário informar todas as defesas, disse na altura o juiz.

Também segundo O Estado de S. Paulo, a defesa de Lula terá já usado a mesma argumentação nas alegações finais do segundo processo em que o antigo governante será julgado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, apresentadas na noite de 31 de outubro, antes da reunião de Moro com Bolsonaro, à Justiça Federal. No documento, a que o jornal teve acesso, o advogado de Lula da Silva voltou a defender que o ex-presidente tem sido alvo de perseguição política “e que não cometeu os ilícitos que lhe foram atribuídos pelo Ministério Público Federal”. Pedindo a anulação do processo, Cristiano Zanin Martin defendeu que a “prática de atos por este Juízo, antes e após o oferecimento da denúncia, que indicam a impossibilidade de o defendente obter julgamento justo, imparcial e independente”. Por outras palavras: Lula está inocente e deve ser libertado.

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