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José Manuel Fernandes. O Orçamento possível, mas não aquele de que um novo país necessitaria
Há muitos anos, um dos políticos que à altura mais cargos ministeriais tinha ocupado, António Almeida Santos, disse um dia que a única lei que verdadeiramente importava, a que determinava mesmo a governação, era a Lei do Orçamento. Creio que não andaria muito longe da verdade e, se considerarmos que é assim mesmo, então este Orçamento fica não só aquém daquilo que eu desejaria como, sobretudo, longe daquilo porque julgo que uma boa parte dos portugueses votaram no passado mês de março. Digo isto porque me parece que a proposta de Orçamento desce menos os impostos do que se esperaria de um governo de centro-direita, depois de tantos anos com a carga fiscal a aumentar, e porque também me parece que este documento é pouco exigente naquilo que pressupõe de mudanças na forma de funcionar do Estado português.
Não creio que seja boa política fazer reformas fiscais à boleia de sucessivos orçamentos de Estado, e os nossos principais impostos – IRS, IRC e IVA – transformaram-se em mantas de retalho que complicam a vida aos cidadãos e às empresas, prejudicando a inovação, a concorrência e o crescimento. Mesmo esperaria um pouco mais, sobretudo no que diz respeito ao IRC, pois é hoje indiscutível que as taxas praticadas em Portugal – quer a estatutária, quer a efetiva – são das mais elevadas da OCDE. Devia haver um compromisso a médio prazo de redução deste imposto, começando porventura pelas chamadas derramas que tornam este imposto num imposto progressivo que penaliza as empresas mais eficientes e de maior dimensão e que – é um dado estatístico indiscutível – pagam salários mais elevados.
Talvez houvesse maioria à direita para pelo menos iniciar este caminho – é o que se deduz considerando os programas eleitorais da AD, da IL e até do Chega –, mas como sabemos essa ambição desapareceu por via das negociações com o Partido Socialista, que no momento em que escrevo nem sei se serão suficientes para garantir a aprovação do Orçamento.
Olhando agora para o lado da despesa, encontram-se poucos sinais de que este Governo tenha vontade de transformar o Estado que temos e que, estando cada vez mais pesado e mais caro, é objeto de queixas crescentes. Infelizmente o problema de medidas deste tipo não é apenas a escassa vontade reformista deste executivo (estou a ser gentil), mas também da ausência de um mandato dos eleitores, pois na campanha quase só se prometeu mais despesa pública, quase nunca se falou de melhor despesa pública.
Sem querer entrar na especulação sobre a aprovação ou não aprovação deste Orçamento, e mesmo não sendo o Orçamento de que um país com vontade de transformar-se necessitaria, desejo sinceramente que seja aprovado e, se possível, melhorado na especialidade (o que sei ser quase uma impossibilidade).
António Nogueira Leite. Um orçamento para a circunstância
Este Orçamento de Estado para 2025 reflete, de forma clara, a situação de fragmentação política em que nos encontramos. Estou absolutamente convencido que a proposta que o Governo apresenta não teria lugar numa situação em que este tivesse um maior apoio parlamentar ou mesmo uma maioria absoluta, sendo condicionada pela intenção de a ver aprovada em sede parlamentar. Tenta uma aproximação a posições do PS e não foge ao “consenso” do areópago de comentadores e “influencers” do centro político, sempre atento ao curto prazo e pouco disponível para pensar a implicação das ações e inações do presente no futuro.
Um bom exemplo dos maus consensos é a existência de uma taxa de IRC progressiva em função de métricas de dimensão das empresas, que se mantém, quando devíamos fomentar o crescimento das nossas empresas, permitindo alcançar maiores níveis de produtividade e rendimento. O incentivo à pequenez é muito popular entre os “tudólogos”, mas inconsistente com o discurso do ministro da economia (e porventura a vontade do ministro das Finanças noutro contexto político) que apela, e bem, ao crescimento das empresas. Toda a informação disponível mostra que a produtividade das maiores está muito mais próxima dos bons standards da Europa do que a das mais pequenas. Já no que toca ao chamado “IRS jovem”, a procura de consensos permitiu calibrar e melhorar a medida original. É o paliativo possível numa economia que não consegue reter o seu melhor talento. Já agora, desincentivar o crescimento empresarial é contraditório com a ideia de trazer de volta ou não deixar partir os nossos melhores talentos.
Trata-se de um Orçamento que aponta para um crescimento em linha com muitas das projeções atuais face às principais variáveis macro. A despesa, que crescerá bastante em 2024, terá uma evolução muito mais moderada em 2025, mantendo-se um importante crescimento das receitas e por isso mesmo, mais um superavit em 2025. Não se põe em causa o caminho da sustentabilidade de curto prazo (como tem acontecido), já o longo prazo é uma conversa que um dia vamos ter de ter.
Finalmente, vejo com satisfação o tratamento mais concreto e empenhado (parece-me) da melhoria da gestão da despesa. Há medidas concretas, há objetivos e, sobretudo, parece haver um (bom) princípio.
Paulo Ferreira. À boleia do crescimento
O Orçamento do Estado para 2025 tem algumas particularidades: foi entregue no Parlamento e apresentado aos jornalistas sem os longos atrasos habituais — arriscamos que, daqui a um ano, seja apresentado em alemão; e foi amplamente decidido e discutido nas medidas que podiam ser mais diferenciadoras ao longo dos últimos meses. Por isso, as novidades que Joaquim Miranda Sarmento tinha para contar ao país na tarde desta quinta-feira eram muito escassas. Já se sabia que o CSI vai ser reforçado, que o IVA da eletricidade será reduzido, que várias classes profissionais do Estado terão rendimentos ajustados, que algumas portagens vão ser abolidas, que o IRC será cortado em um ponto, que o IRS já foi reduzido para os rendimentos mais baixos e que os jovens terão um bónus extra neste imposto.
Faltava pegar nisto tudo, juntar as previsões de receita, polvilhar com o cenário macroeconómico e meter tudo na Bimby orçamental, programada para um ligeiro excedente orçamental. O resultado é um orçamento de continuidade, com o crescimento da receita e da despesa muito alinhado com o crescimento nominal da economia. É um orçamento que vai à boleia do contexto, sem força para o alterar.
É legítimo pensar e honesto reconhecer que este não é o Orçamento que Luís Montenegro gostaria de fazer se tivesse um contexto parlamentar que o permitisse. Foi disso que se falou exaustivamente nos últimos meses. E esse é o nosso problema de há muitos anos: os frágeis consensos — sejam eles na esquerda da geringonça, sejam ao centro na mercearia orçamental em curso — tendem sempre para o mínimo múltiplo comum e levam-nos ao imobilismo. Luís Montenegro pode ter boas ideias e uma vontade reformista. Mas quem não consegue baixar dois pontos no IRC não conseguirá certamente deixar uma marca duradoura.
Alexandra Machado. Um orçamento sem cavaleiros, mas com obstáculos
Há muitos obstáculos neste orçamento. Desde logo pela configuração do Parlamento. É de difícil aprovação. Mas o Governo fez um documento a pensar em vários cenários, numa aprovação ou num chumbo que conduz a eleições.
Vai piscando o olho a várias camadas da população — pensionistas; função pública; consumidores; empresas. Os primeiros poderão (não é concretizado) vir a ter atualizações acima do que prevê a lei. Os segundos também. Podem mas não ficam a saber se vão. Mas estas promessas ficaram no âmbito do “se”. Aos consumidores acena-se com a não atualização dos impostos — mas espera-se que consumam muito — o que é o mesmo que estar a aplicar um orçamento em duodécimos. Ou seja, as taxas não mexem em relação a 2024. O Governo não quis atravessar-se com medidas mais polémicas — já lhe chega a luta em torno do IRS Jovem e no IRC, nas quais até recuou.
O debate orçamental ficou centrado em duas medidas. Mas agora percebe-se. Pouco mais há (claro que as duas medidas são muito relevantes, mas de 1.500 milhões ficaram reduzidas a cerca de metade — 775 milhões) — Miranda Sarmento prometeu não ter normas cavaleiras (de política pública, sem cabimento orçamental). O Governo prepara terreno para o chumbo ou para a especialidade. Tudo pode acontecer. Até o PS viabilizar.
Ana Sanlez. Amanhã logo se vê
Há precisamente um ano, Luís Montenegro descrevia a proposta de Orçamento do então Governo de António Costa como “pipi, bem apresentadinho e muito betinho”. Chegou, por fim, a hora de Montenegro apresentar o seu primeiro Orçamento e cá está ele: pipi, bem apresentadinho (e controladinho, com direito a número limite de perguntas dos jornalistas) e menos betinho do que se poderia esperar de um Orçamento de um partido de centro-direita.
A bem da verdade, ninguém antecipava rasgo, criatividade ou grandes novidades na proposta do Governo para o Orçamento de 2025. As grandes medidas do Orçamento já eram conhecidas. E nisso, Miranda Sarmento cumpriu. Entregou o que pôde. O Governo está numa camisa de forças, como se viu na negociação falhada com o Partido Socialista. E se até saiu por cima desse processo, e com propostas melhoradas (pelo menos no IRS Jovem), ficou evidente que não há margem para mais. Cumprir o que está no Programa do Governo (como a descida de dois pontos do IRC num só ano) já é pisar o risco.
Resta ir andando, com a cabeça entre as orelhas, fazer o mínimo, com cautela para não chatear ninguém e não provocar (mais uma) crise. Luís Montenegro e o seu Governo terão vontade e ideias para fazer mais. Mas neste contexto parlamentar, conseguir cumprir as regras de Bruxelas, manter a trajetória descendente da dívida, garantir algum crescimento e um excedente orçamental mínimo já é uma vitória para o Governo. Não é uma grande vitória para o país, que espera há anos por verdadeiras reformas. O processo que se segue, na generalidade e na especialidade, será longo e previsivelmente sinuoso. Nesta altura é, sobretudo, imprevisível. Que é tudo o que não precisamos.
Rui Pedro Antunes. Orçamento bom, é orçamento aprovado
Chegou o Orçamento pelo qual a direita esperava há quase uma década. Os últimos orçamentos apresentados pelo PSD cortaram salários, pensões e aumentaram impostos em autênticas sessões de anúncios de sofrimento coletivo. Passos Coelho no dia da entrega do Orçamento para 2012 descrevia-o como “difícil de aceitar”. Treze anos depois, Joaquim Miranda Sarmento classifica o de 2025 como um “bom orçamento”, o que, apesar de ser um autoelogio, pode ser objetivamente verdadeiro.
O facto de este não ser um orçamento de cortes, mas que permite melhorias para várias classes profissionais, desagravamento de impostos e até dá cheques a pensionistas, torna-o bom para quem dele beneficia e para quem o apresenta, na mesma medida que se torna mau para quem o quer travar. É muito mais fácil à oposição votar contra um orçamento austeritário do que um documento que aumenta rendimentos de várias classes profissionais.
O Governo garantiu, no entanto, o controlo da narrativa. Apesar de ter reduzido para metade a ambição na queda do IRC e limitado os benefícios do IRS jovem, conseguiu passar para a opinião pública duas ideias: que, se não fosse o PS, a AD tinha sido mais generosa com os jovens e teria aliviado mais as empresas.
Mas um bom orçamento, é aquele que é aprovado. E isso o Governo ainda não garantiu. Isso torna um orçamento que até é todo pipi, todo betinho, que oscila entre um lettering fofinho e um pantone azul água, num orçamento dread. Ou seja: um orçamento jovem, irreverente e com um desfecho imprevisível. E que vive para o curto prazo.
O Governo está a cumprir com o calendário, mas há neste momento dois problemas que subsistem: não sabe se vai conseguir aprovar o Orçamento do Estado e já sabe que não conseguirá arrancar com o ímpeto reformista que prometeu aos eleitores.
Miguel Santos Carrapatoso. Agora decidam-se
Por muitas voltas que se dê, não se pode dizer que um Orçamento do Estado que não reflete as duas grandes bandeiras com que a Aliança Democrática fez campanha eleitoral e foi a votos – o super-IRS Jovem e uma redução ambiciosa de IRC para todas as empresas – possa servir orgulhosamente como pin na lapela deste Governo. Por muitos argumentos que Luís Montenegro e os pesos-pesados deste Executivo possam usar, este Orçamento está relativamente longe do que fora prometido no caminho até às eleições de março.
Mas – e este é mesmo um grande mas –, isto nunca foi verdadeiramente sobre o conteúdo do Orçamento do Estado. O objetivo declarado do Governo, desde a primeira hora, era ultrapassar este cabo das tormentas e garantir (pelo menos) dois anos e meio de poder até ir de novo a votos, tentando pelo caminho retirar todos os argumentos que a oposição poderia encontrar para retirar chumbar o documento e derrubar Luís Montenegro. E não se pode dizer que o Governo não tenha levado esse exercício aos limites da criatividade.
Tudo somado, o Governo da AD conseguiu reduzir impostos (não tanto como gostaria e, seguramente, não da forma como gostaria), aumentar pensões e salários para (quase) toda a gente, manter um simpático excedente (nada de muito exagerado para não assustar ninguém), assegurar a redução da dívida pública e manter algum crescimento. Tudo no arame (o excedente é de 700 milhões e Miranda Sarmento repetiu à exaustão que não dá para tirar nem mais um cêntimo) e tudo o suficiente para agradar ao grande centrão – nem muito à direita, nem muito à esquerda, nem muito transformador, nem muito conservador.
A narrativa do Governo está criada, circula para quem a quiser ouvir e é relativamente simples de vender: André Ventura terá de explicar aos seus eleitores como chumba um Orçamento que reduz impostos; Pedro Nuno Santos terá de explicar aos seus eleitores como chumba um Orçamento que aumenta rendimentos e pensões. Um ou outro (ou ambos) terão de tomar uma decisão que poderá ser muito impopular se tudo acabar numa crise política. Desenhado o Orçamento, o Governo vai passar agora a assistir de cadeirinha e esperar que os seus adversários se decidam.
O verdadeiro sucesso desta estratégia será comprovado a 31 de outubro, altura em que o documento será votado na generalidade. E essa é apenas a primeira etapa. Depois disso, haverá um longo e tortuoso caminho até à votação final global (29 de novembro), que poderá ser um berbicacho para a AD – as votações cruzadas entre PS e Chega podem impor sucessivas derrotas ao Governo e desvirtuar por completo o documento. Se Montenegro, mesmo assim, ultrapassar estes obstáculos, poderá respirar com algum conforto. Quanto a Miranda Sarmento, o seu verdadeiro trabalho começará nesse dia: sem o fantasma de eleições antecipadas e da crise política, o Orçamento do Estado para 2026 será o primeiro a ter verdadeiramente a assinatura do atual ministro das Finanças.