É difícil não ficar a olhar para ele: os olhos são claros como a água e a barba empresta-lhe algum carisma. Marcos Piangers fala com vontade e ritmo, e não tem receio de partilhar a sua história enquanto conversa com o Observador num escritório situado no coração do Chiado. Pai de duas raparigas, Anita e Aurora, o brasileiro é autor do livro “O Pai é Top” (editora Planeta), o resultado de dois anos de crónicas sobre a experiência da paternidade, à venda em Portugal desde meados de fevereiro.
Além de pai a tempo inteiro, Piangers, de 36 anos, apresenta o programa de rádio “Pretinho Básico”, assina colunas de opinião em vários jornais brasileiros, dá palestras (já passou inclusive pelas conferências TEDX) e tem vídeos na internet com mais de 30 milhões de visualizações. A agenda de trabalho parece cheia, muito cheia, mas sobrou tempo para, em entrevista, falar sobre como ainda prevalece a ideia de que o homem é uma figura dura, que paga as contas e dá “tapa na bunda” dos filhos em vez de os encher de mimos. Sobre como a sociedade perpetua as desigualdades de género, coisa que os homens só “enxergam quando têm filhas ou uma mulher guerreira”. E sobre como esta é a melhor geração de pais que alguma vez existiu.
Piangers é um pai babado e otimista que, num tom divertido, fala e escreve sem papas na língua: “Acho que é bem libertador e bem importante perceber que a gente já é a melhor geração de pais, a mais esforçada e a mais preocupada. E que a melhor escola não é uma instituição, é a sua casa. O seu filho vai aprender mais com você, com seus exemplos. Quanto mais perto você estiver, melhor.”
O livro está escrito num tom divertido mas começa com um assunto muito sério, com a história da mãe que ponderou abortar quando estava grávida de si. Nunca conheceu o seu pai?
Em pequeno, a minha mãe ainda acreditava que ia reencontrar meu pai biológico e que, talvez, o meu pai biológico pudesse participar do meu crescimento. Quando eu tinha uns dois anos a gente ia muito para a praia. A gente vivia num balneário como Cascais, se chamava Florianópolis, e a minha mãe me levava muito para a praia, onde eu ia de barraca em barraca encostando nas coisas. Numa dessas caminhadas na praia — a mãe atrás para eu não cair — eu encostei num homem que era o meu pai. Eles [o pai e a mãe] não se viam há muito tempo, o meu pai já tinha mudado de cidade e a minha mãe ainda tinha esperança de que ele ficasse sensibilizado. Encostei no meu pai, ele olhou para mim — uma criancinha tão bonitinha, loirinha –, olhou para a minha mãe, reconheceu-a e voltou a olhar para mim. Viu quem eu era, viu que eu era filho dele e virou a cara, como se nada tivesse acontecido. Naquele momento a minha mãe percebeu que eu não tinha pai. Que aquele acontecimento biológico, aquela união sexual que eles tiveram, aquela aventura, não fazia parte da minha construção, da minha vida, porque ele não queria fazer parte. Naquele momento ela disse “então tá, então é comigo”. Bateu no peito e pegou em mim. As amigas contam que ela ficou muito nervosa, foi um momento muito chocante, mas a partir daí ela me passou a criar sozinha. Eu não tive ninguém me registando como pai. Depois de anos, quando ela namorou um outro homem que foi o pai da minha irmã, aí ele me registou. Mas ela assumiu a criação sozinha.
Uma amiga estava dirigindo, chovia bastante naquela terça-feira. As duas estavam nervosas, a situação, o temporal, as ruas alagadas. E a ilegalidade do que faziam. (…) Estavam há vários minutos sem conversar, em silêncio total dentro do carro. (…) A minha mãe estava indo me abortar.” (“O Pai é Top!”, pág. 17)
Chegou a saber quem ele era?
Quando eu perguntava quem era meu pai, ela me dizia: “Tu não tem pai, relaxa que tu não tem”. Em 2015 ela descobriu que tinha cancro e para não, enfim, talvez para não morrer… ela me falou o nome dele. Quando ela me disse o nome aquilo foi libertador porque eu estava pensando [durante a infância] que o meu pai era o Darth Vader ou um jogador de futebol, alguém famoso ou rico, mas não. O meu pai é uma pessoa normal e no Brasil isso é super comum — no Rio de Janeiro, mais de 60% das mulheres que têm filhos pelo sistema de saúde público são mães solteiras; mais de 60% não tem homem, os filhos não são reconhecidos. Quando a minha mãe me falou o nome do cidadão, eu falei “pô… então é só um cara”. Foi libertador para mim porque eu passei muito da minha infância revoltado com isso — “Ah, a minha mãe não sabe de nada, não sabe quem é meu pai”. Eu podia ter usado essa energia durante este tempo todo pensado em minha mãe em vez do meu pai. Em vez de pensar em alguém que não existe, pensar em alguém que existe, que está do meu lado me tratando bem, que cuida de mim. Esse foi um momento decisivo, que aconteceu há dois anos, mais ou menos quando o livro foi lançado.
Foi uma grande coincidência…
Foi, porque quando eu escrevi esta abertura [a introdução do livro], eu mostrei para ela e ela estava com cancro. Ela disse “então vem cá que eu vou-te falar” e aí ela contou. Isso não está no livro mas foi isso que aconteceu. Eu não fui atrás dele, mas a minha mulher foi, sorrateiramente. Botou o nome do Facebook, descobriu quem era o cara e foi falar com ele. Ela disse que queria falar com ele e ele respondeu logo “eu sei, eu sou o pai do Marcos”. Isso só me confirma que ele sabia o tempo todo e que não me veio procurar. Não tenho problema com isso porque a minha mãe estava sempre lá. Família é afeto, família é amor. É isso que a gente não percebe muitas vezes: muita gente, por causa do livro, me vem procurar dizendo que querem encontrar seu pai biológico… Eu entendo essa necessidade de achar a origem, mas o que digo para todo o mundo é: “Você tem afeto, em algum lugar você tem afeto, na sua mulher ou nos seus filhos, isso é a sua família”. Às vezes você vai procurar seu pai e se dececiona. Todos me contam que se dececionaram — é claro, primeiro ele abandonou a sua mãe, é evidente que ele não é uma pessoa incrível; em segundo lugar, ele é um estranho, você não tem convivência com ele. É um esforço para você conhecer novamente um ser humano e, depois de tanto tempo, tentar amar aquela pessoa.
A falta de um pai fê-lo ser um pai melhor?
Acho que tem uma influência, mas todos os dias eu trocaria essa minha experiência pela de um pai presente. Eu acho que tem influência. Quando a minha mulher engravidou, eu fiquei muito feliz porque queria substituir aquela falta que tive durante toda a minha vida, com as minhas filhas. Mas se eu tivesse um pai amoroso, presente, participativo e carinhoso, eu teria também essa felicidade de ter um filho e teria, além de tudo, um referencial, de poder perguntar para o meu pai: “Pai, o que é que eu faço?”. Não acho que o abandono é uma coisa boa na minha história, acho que é uma coisa ruim que a gente conseguiu reverter, que com a ajuda da minha mãe, das minhas filhas e da minha mulher, a gente conseguiu dizer “não”. Agora não vai ter mais abandono na minha família, vou dizer às minhas filhas para escolherem um cara legal.
Há falta de representatividade dos pais homens na paternidade? E este é um tema tabu?
Acho que melhora a cada dia. Quantos mais livros e blogues houver sobre pais participativos, mais a gente quebra essa escravidão do homem macho e pagador de contas — é uma escravidão que não só atrapalha a mulher por causa do machismo, que a diminui, como é ruim para a criança, que muitas vezes tem um pai distante e só ganha tapa na bunda, e também é bom para o homem. Há cerca de duas semanas estava falando numa conferência sobre a importância de a gente [pais homens] estar mais próximo dos filhos, quando um senhor se levantou, começou a chorar à frente de toda a gente — havia mais de mil pessoas no auditório — e disse que queria ter ouvido isso antes, que passou a vida toda achando que o padrão de pai é esse durão. Ele disse que trocaria todo o tempo que ficou trabalhando para ficar mais tempo com os seus filhos. Se for quebrado, este preconceito vai ser muito libertador para a mulher, para a criança e para o próprio homem. Muitos homens querem participar na paternidade mas não têm esse referencial, esse exemplo, ficam achando que o homem que participa é efeminado, que é a mulher que manda nele. No momento em que se envolve, ele percebe a realização de ser um pai participativo. Quando você passa por momentos complicados — trocar a fralda, levar na escola, cuidar quando tem febre –, você é um herói. E lá na frente, quando você vê esse filho caminhando ou falando alguma coisa bonita, você chora porque você fez aquilo, você participou naquele processo.
Somos a geração pró-educação e construtivista, a geração que mais disse eu te amo para seus filhos. Por Deus! Somos a geração que se preocupa com a quantidade de sódio na água mineral! Nossos pais nos davam água da torneira pra beber! Somos os melhores pais da história, com certeza!” (“O Pai é Top!”, pág. 35)
Escreve que somos a geração de pais com mais culpa e, ao mesmo tempo, que somos os melhores pais do mundo. Como assim?
A gente saiu de uma geração que era mais distante. O objetivo dos nossos pais era colocar-nos na universidade. Normalmente nosso avô foi muito simples, nosso pai trabalhou para caramba para a gente ter um bom estudo e aí a gente já tem tudo isso: estamos numa classe social legal, estamos estudando e, agora, a gente tem filho. O filho já não tem aquela utilidade que tinha há cem anos, quando trabalhava para a gente na venda, na roça ou na empresa. Então, agora a gente tem filho porquê? É meramente uma questão emocional. A gente tem filho como realização, a gente tem um filho de forma otimista, a gente diz: “O meu filho vai ser melhor do que eu, o mundo dele vai ser melhor que o meu”. Essa geração de pais — mais as mães, mas os pais homens também — é a geração preocupada: será que a escola do meu filho é perfeita, será que a alimentação do meu filho é boa, será que estou dizendo sim, dizendo não, será que cedo nas coisas certas, será que estou dando os livros corretos? É uma culpa… mas desapega, meu! Porque você só vai aprender a ser pai do seu filho. Quanto mais tempo você gastar com o seu filho, mais você vai poder ser um melhor pai para aquele filho — isso é essencial para seu filho ficar mais seguro, para a sociedade melhorar e para a sua mulher ter mais espaço na sua vida profissional. Acho que é bem libertador e bem importante perceber que a gente já é a melhor geração de pais, a mais esforçada e a mais preocupada. E que a melhor escola não é uma instituição, é a sua casa. O seu filho vai aprender mais com você, com seus exemplos, do que com a escola e com os amigos. Quanto mais perto você estiver, melhor.
Mas só somos melhores graças aos nossos pais e aos pais deles, não concorda?
Acredito que é uma evolução. A gente tinha pais muito rígidos que, com o tempo, foram percebendo que não tem porquê ser assim. Tem alguns pais que foram virando avós e foram percebendo isso, que agora dizem: “Porque é que eu perdi tanto tempo sendo grosseiro, ríspido e distante?”. Uma vez me disseram que a gente só aprende a ser filho quando é pai. Isso é um facto, isso aconteceu comigo. Depois que eu fui pai, eu percebi: a minha mãe me falava tanta coisa, “não faz isso, não faz aquilo” e eu pensava “ah, ela não sabe de nada”. Agora eu entendo a minha mãe. Me disseram também que a gente só aprende a ser pai quando é avô, porque quando você é avô, você não tem mais a pressão da educação, da culpa, da comida, do dinheiro… Os maiores arrependimentos das pessoas no leito de morte são: “deveria ter passado mais tempo com a minha família”, “deveria ter valorizado a minha mulher”, “deveria ter visto os meus filhos crescerem”. Nunca é “deveria ter preenchido mais relatórios e ter ido a mais reuniões”.
Pai novo, fiz tudo aquilo que me diziam, do apartamento maior ao carro quatro portas, depois dos quais precisei trabalhar mais para poder dar conta das prestações. (…) Comprar a fralda mais barata significava amar menos meu filho. Roupa de brechó, nem pensar. De brinquedos caros está o nosso armário cheio. De culpa também, por ter que passar muito tempo no trabalho.” (“O Pai é Top!”, pág. 23
Quando soube que ia ser pai, disseram-lhe que precisava de ter um carro e uma casa maior, que tinha de trabalhar mais. Será que se confunde a possibilidade económica de dar o melhor às crianças com o amor?
Claro que sim, o tempo todo. A gente, esta geração com culpa, que não tem tempo para nada, terceiriza tudo. A gente terceiriza afeto com presentes, a educação com a escola, a alegria com Netflix e os tablets. E se você olhar, não é você que está criando seu filho, é esse monte de outras coisas. Se essa é a sua opção de vida, OK. Vejo que muitos pais empurram assim os filhos, mas a minha opção, e acho que a de vários pais, é a de degustar esse momento, de entender que os próximos 20 anos vão ser passados do lado destas pessoas. Eu vou aproveitar isso. Podem ser 20 anos mágicos da sua vida que, às vezes, você perde porque está nessa correria. Eu prefiro trabalhar menos — disse não para vários empregos que me pagavam muito bem — para poder estar mais tempo com as minhas filhas. Não tem que ver com dinheiro.
Quando o homem que é treinado para ser o pagador de contas descobre que a mulher está grávida, a primeira coisa que pensa é: “vou ter de trocar de apartamento, de carro e vou ter de trabalhar mais”. Quando recebi a notícia pensei exatamente isso, e me lembro que depois que a minha filha nasceu percebi que não é tão mais caro ter filhos, é um pouquinho mais caro. Você não precisa de comprar a fralda ou a papinha mais cara. A possibilidade de o pai estar por perto é melhor para todo o mundo. Hoje em dia vejo muito pai que fica depois do expediente no computador porque ele não quer estar em casa, ele quer fugir daquela vida familiar. Ele fica no banheiro horas porque ele quer fugir, tem medo, ele não foi treinado para a paternidade e ele está inseguro. O que o livro tenta fazer é dizer “Mano, calma. Vai dar tudo certo, é divertido e legal. Dá trabalho, mas é legal, é porreiro”.
Escreve que todo o pai é otimista. Porquê?
Hm, hm. Não existe nenhum outro motivo para ter filho hoje. Os nossos filhos não vão trabalhar para a gente, eles vão gastar dinheiro e, muito provavelmente, não vão trazer esse retorno — a não ser que sejam um Cristiano Ronaldo. Mas no geral você tem filho por algo que é maior do que você, você tem filho porque você acredita que pode ser incrível. Um filho é a capacidade que você tem de ser eterno, de passar as suas ideias para uma pessoa. Para que isso se perpetue você precisa cuidar da ecologia, você precisa que o seu filho seja melhor, mais bondoso, mais humano. Então o pai se torna num otimista. Hoje tenho medo que aconteça uma hecatombe ecológica por causa das minhas filhas, é por isso que eu quero que o mundo seja melhor.
Por um lado, ser-se pai é um ato de fé. Por outro, a partir do momento em que se é pai nunca mais se deixa de ter medo.
A violência é muito grande no Brasil e eu tenho muito medo de perder as meninas. Esse é o meu maior medo. Mas talvez o medo que eu também tenho é que as minhas filhas não explorem as suas potencialidades. Ou porque elas se sentem intimidadas, ou porque a sociedade é muito machista e, por vezes, diminui as mulheres. Esse é o meu medo. Eu realmente acredito num futuro melhor. A tecnologia e o conhecimento estão espalhados — hoje a minha filha pega no celular e aprende a falar francês, ela lê coisas a que eu não tinha acesso. Quanto mais informação ela tiver, com alguém dizendo “vai por aqui, vai por ali”, e quanto mais pessoas dessa idade crescerem com essa informação abundante, mais elas vão poder usar isso para o bem. Claro que tenho esses medos, mas da perspetiva de que a nossa vida é tão curta — 70 ou 80 anos não é nada, passa assim [Marcos estala os dados] –, prefiro acreditar num futuro brilhante.
Cansei de levar minha filha na creche, de vê-la chorando e dizendo que não queria entrar na creche, uma menininha gordinha de dois anos implorando ‘só hoje, papai. Buááááá. Não quero ir pra escola, papai”, e trazê-la de volta pra casa pra que a minha mulher faça o trabalho. Minha mulher é muito melhor em entregá-la na escola.” (“O Pai é Top!”, pág. 31)
Fala muito na questão das igualdades de género. Se tivesse tido filhos em vez de filhas também destacaria estes tópicos?
É uma preocupação muito egoísta da minha parte porque o homem não consegue enxergar as diferenças de género. Quando alguém me dizia “a mulher faz o mesmo trabalho que o homem e ganha menos”, eu respondia “será que é verdade?”. O homem não enxerga, ele é cego para essa questão. Quando eu tive duas meninas eu comecei a perceber. As meninas são mais inteligentes do que os homens nas escolas — elas aprendem a ler antes, sabem matemática melhor, falam, se levantam e a letra é mais bonita — então, porque é que as meninas, que na escola são brilhantes, chegam ao mercado de trabalho e passam a ser piores ou ganham menos? Isso passa pelo conceito de “não, não te vou contratar, você vai engravidar”. Aí você começa a ver. Cara, tem sim um problema de género e isso é duro porque o homem só enxerga quando tem filha ou quando tem mulher que é muito guerreira, caso contrário ele não percebe. Cegueira completa. A gente não consegue enxergar o quanto a sociedade é machista. Falo disso com culpa porque precisei de duas meninas para entender que há algo de errado.
Em Portugal, o conceito “licença parental” foi instaurado em 2009, contrariando o conceito de licença de maternidade. Como é no Brasil e qual é a sua posição sobre o assunto?
É uma briga minha, para que tenha mais licença de paternidade. É muito estranho que a mulher possa ficar, no Brasil, cinco meses em casa e o homem apenas três dias — algumas empresas dão 20, mas por lei são três dias. É muito estranho porque assim se está dizendo ao homem que ele não precisa de participar, que ele fez o filho e que, agora, só precisa de o registar e de voltar para o trabalho. É um recado muito ruim para o homem. Aí eu defendo que o homem deveria ter uma licença de paternidade grande. Um amigo meu me disse “Mas Piangers, se houver uma licença de paternidade grande, o meu chefe vai-me olhar e achar que tive filhos só para ficar de licença e não me vai dar a promoção depois que eu voltar”. E eu falei para ele “assim você está provando tudo o que as mulheres passam quando engravidam”. Quando você se coloca no lugar da mulher, você começa a ver. Isto é injusto há muito tempo para a mulher.
Quais foram as maiores mentiras que já lhe contaram sobre como é ser-se pai?
Primeiro, a mentira de que o dia do parto é o dia mais bonito da nossa vida e que é amor à primeira vista. Não é. Outra mentira que as redes sociais nos contam, é a beleza de um bebé dormindo: as fotos no Instagram são sempre lindas, ninguém posta um bebé cheio de cocó ou de vómito porque não fica bem na foto. É uma mentira. Você tem de estar preparado para os piores dias, e existem dias muito difíceis. E tem essa mentira crónica de que ter filho é muito caro e você tem de trabalhar muito para conseguir ter um carro e uma casa. Acho que isso é uma mentira tremenda. Tem muita gente muito feliz com muito pouco. Tem muita criança feliz em escola pública. É uma mentira que nos contam, de que temos de ganhar horrores para sermos bons pais.
Uma das mentiras enunciadas vai de encontro à ideia de que a maternidade não é assim tão cor de rosa.
E não é. É muito trabalhoso, mas porque é trabalhoso é que a gente se apaixona. Porque se fosse fácil alguma coisa estava errada; se fosse fácil você nem valorizava o seu filho. Ter filho é muito cansativo e isso não nos dizem.
Ao longo do livro fala dos privilégios de ser pai. Como vê as pessoas que não querem ser pais por opção?
São sortudos [risos]. Acho que quando você não tem filhos, a sua vida é muito mais fácil. É muito mais fácil não ter filhos. É uma experiência que eu tive a sorte de ter, porque me sinto um sortudo. Depois de você ter filhos, você não imagina uma vida sem. Mas eu não acho que uma pessoa que tem filho seja melhor do que a que não tem. Acho que você pode ser gentil, bondoso, desapegado, fazer bem para o próximo. Nesse sentido acho que sou uma pessoa pior porque eu precisei de ter filhos para me tornar uma pessoa melhor, e precisei de filhas para perceber a questão de género. Algumas pessoas são incríveis e maravilhosas sem filhos, só que sinto uma certa pena porque é uma experiência incrível, muito deslumbrante.
Estava empolgado com a caça aos ovos de chocolate este ano, mas anunciaram lá em casa que não vai ter chocolate. Faremos uma caça aos ovos de quinoa. Ouvi dizer que é moda entre os pais mais modernos e nossas filhas poderão devorar este belo regulador intestinal enquanto tomam um delicioso suco verde de couve. Será uma Páscoa divertida. (…) Minhas páscoas eram um horror. Tenho nove primos e todos nos reuníamos na sala enquanto os tios espalhavam chocolate pela casa do vô.” (“O Pai é Top!”, pág. 42 e 43)
No livro escreve que não entende porque é errado infantilizar as crianças. Acha que há quem leve a paternidade demasiado a sério?
Talvez [risos]. Tem uma frase — eu não me lembro de quem é a frase –, mas ele diz mais ou menos assim: “Eu não respeito ninguém que não leve o humor a sério e eu adoro pessoas que tratam coisas sérias com humor”. Ou seja, a única coisa séria no mundo é o humor, é a diversão. Sempre se disse à criança para ficar quieta. Eu já vejo o outro lado: acho que é deslumbrante o que aprendemos com as crianças. As crianças são muito divertidas. Você fala com um adulto e ele sempre se resume: “O que é que você faz? Sou engenheiro”. Você é muito mais. Se perguntar isso a uma criança, ela vai dizer que é o Batman. O mundo infantil não se leva a sério, aí tudo é bonito e divertido.
O que de mais importante aprendeu com as suas filhas?
Aprendi a perguntar sempre porquê, a me questionar. A criança está sempre perguntando “porquê”. Dizemos “vai para a escola” e ela responde “porquê?”, e assim sucessivamente. E quando você faz essas perguntas, você começa a pensar: “É verdade… Porquê?! Porque preciso de um diploma se nunca me pediram um diploma? Porque é que eu tenho de ir para a faculdade se os empregos do futuro ainda não existem? Porque é que tenho de ficar tanto tempo na escola se já me esqueci de tudo?” Acho muito importante quando a gente se começa a questionar. Quando você pergunta “porquê” a si mesmo, você encontra a sua principal motivação na vida. Aprendo o tempo todo com o universo infantil. Às vezes os nossos filhos só nos estão dando dicas de como a nossa vida pode ser mais legal.