Índice
Índice
“Na quarta-feira logo de manhã poderemos ver o presidente do Benfica? Tenho interesse em juntar vocês os dois. Acho que será muito importante”. No verão de 2013, quando Bruno de Carvalho estava a enfrentar a primeira janela de mercado, chocou com uma série de factos que viria a apelidar de “a pior parte do futebol”. Um deles tinha a ver com alguns empresários que se tentaram aproximar, logo à cabeça Nélio Lucas, o CEO da Doyen, que enviava várias SMS ao líder do Sporting. Queria que se juntassem. Ao almoço, ao jantar, até num pequeno-almoço. O presidente verde e branco fugia – relações normais eram apenas isso. “Faz mal, acho que não perde nada em ouvir. As duas partes têm bastante a ganhar com uma boa relação”, insistiu Nélio. “Não”, repetiu Bruno.
Luís Filipe Vieira vai no 14.º ano como presidente do Benfica e, desde 2003, já se cruzou com cinco presidentes do Sporting. Com quatro, os primeiros, conseguiu pelo menos sentar-se uma vez à mesa. Houve sempre aquelas trocas de palavras mais bruscas, mas a certo ponto falaram, estiveram no mesmo espaço em privado, estabilizaram as relações; com Bruno de Carvalho foi ao contrário – mesmo num cenário de situação normalizada, o líder verde e branco recusou sempre grandes confianças com o homólogo encarnado. Estávamos em 2013. Em 2015, houve o corte de relações institucionais; hoje, nem se podem ver e fazem queixas uns dos outros por tudo e por nada. Como diz a música, numa versão adaptada, “só eu sei porque almoço em casa”.
Luís Filipe Vieira, Dias da Cunha e o almoço no Ritz
Ainda era apenas responsável pelo futebol do Benfica e já andava em bate-bocas com o presidente do Sporting: decorria o ano de 2001 quando Dias da Cunha, líder dos leões, começou a falar do “sistema” – ainda sem proferir essa palavra que mais tarde tanto seria usada –, dizendo que os encontros da Primeira Liga eram “fabricados na secretaria”, ao que Vieira respondeu de forma curta e grossa: “Se não apresentar provas, tem de demitir-se do cargo que ocupa”. Foi o início de uma troca dura de palavras. Hoje são amigos e chegam a almoçar juntos.
“O senhor Luís Filipe Vieira é sócio do Sporting e tem dez meses de quotas em atraso. Se falou como associado, não pode levar o assunto a Assembleia Geral enquanto não pagar as quotas; se não o fez como sócio, não tem legitimidade – eu não me meto na vida dos outros clubes”, disse Dias da Cunha. “Só fui sócio num determinado período crítico da minha vida, em que precisei das piscinas do clube para fazer determinados exercícios respiratórios. Mas se soubesse da baixeza desse senhor nunca me teria servido das piscinas do Sporting. É muito baixo não respeitar os sentimentos de cada um”, exclamou Vieira.
O Sporting até tentava aproximar-se do Benfica, sendo o principal apoiante da ideia do Estádio Municipal como existe em Milão, por exemplo. Ao ponto de Dias da Cunha se ter juntado, mais do que uma vez, à mesa com o homólogo encarnado, Manuel Vilarinho. Eram as chamadas “Operações Guincho”, que tinham como mediador Gilberto Madaíl, na altura presidente da Federação. O plano não avançou, cada um seguiu com o seu projeto e o segundo título em três anos dos leões (com a melhor equipa do século, paga a peso de ouro, com Jardel, João Pinto, André Cruz, Quaresma, Hugo Viana, Pedro Barbosa, etc.) acabou por corroer as relações pacíficas, com Vieira a dizer que o “sistema” era o que levava o conjunto verde e branco às vitórias e Dias da Cunha a defender que os encarnados estavam no lado errado da barricada, perto do FC Porto. Em 2004, o dérbi de Alvalade acabou com uma tentativa de invasão do relvado por parte das claques do Sporting.
Com o tempo, e sobretudo desde que Vieira assumiu a presidência das águias, as relações foram normalizando e tornaram-se até boas ao ponto de ambos se sentarem lado a lado na tribuna de Alvalade a verem um dérbi em 2005, tal como já acontecia com Manuel Vilarinho. Não que tenha sido sempre pacífico – houve sempre bocas de parte a parte, quase sempre envolvendo arbitragens. Nessa semana, Dias da Cunha e Vieira tinham estado juntos a almoçar no hotel Ritz, juntamente com o ex-presidente do Belenenses Sequeira Nunes, ainda a propósito de um “Manifesto” a bem do futebol português. Não tinha sido o primeiro, acabaria por ser um dos últimos: poucos meses depois, o presidente do Sporting acompanhou o técnico José Peseiro e pediu a demissão.
“Dias da Cunha é um homem que fará falta ao futebol. Teve sempre aquilo que posso dizer ter sido um comportamento transparente e frontal. Mas o futebol é isto: emoção e paixão. As pessoas às vezes só pensam assim mas há outros valores que têm de ser defendidos por quem lidera a instituição”, lamentou Luís Filipe Vieira após a saída. Acabou a ligação, manteve-se “a profunda amizade”. E ainda hoje se encontram ao almoço, com outros ex-dirigentes à mesa. Ao contrário do que acontece com Bruno de Carvalho: Dias da Cunha já ameaçou mais do que uma vez colocar um processo ao atual presidente do Sporting e nem o pode ver à frente.
Luís Filipe Vieira, Soares Franco e o almoço em Paço de Arcos
Se Vieira era um homem que levava muitos anos de futebol, Soares Franco, sucessor de Dias da Cunha, nem por isso. Mas ambos foram agindo de forma calculada para conseguirem resultados para Benfica e Sporting. O que levou, de forma inevitável, a períodos de guerra aberta e tempos de total pacificação. Por isso, em menos de seis meses, já estavam publicamente a enviar recados.
“Se querem ser presidentes do Sporting é melhor não andarem a envolver o nome do Benfica porque não queremos promover ninguém. Ele que torne as contas do Sporting públicas, devia fazer isso. E se tiver problemas em fazer uma Assembleia Geral por não ter pavilhão, pode fazer num dos nossos. Nem tem de gastar dinheiro porque nós cedemos”, atirou Vieira, em resposta a uma intervenção de Soares Franco que destacou a dívida inferior que os leões tinham em comparação com as águias. “É por estas reações intempestivas que acabou o Manifesto entre os dois clubes. Não tenho culpa que o Sporting não tenha de andar com a casa às costas para treinar há três anos como outros, temos a nossa Academia. Insultou o Sporting e os sportinguistas”, disse o líder leonino.
Mais tarde, no final de 2007, passou-se do oito ao 80: Soares Franco e Luís Filipe Vieira aceitaram tirar uma fotografia num almoço mantido em Paço de Arcos e fizeram capa do jornal A Bola a brindarem com um copo de vinho tinto. “O Sporting paga a fatura de ter levantado o problema do sistema e da arbitragem”, queixou-se o presidente do Sporting. “Benfica e Sporting têm sido gravemente prejudicados pela arbitragem em benefício de outra equipa”, reforçou o líder do Benfica. Queriam, “juntos a uma só voz”, “mudar as pessoas do futebol”. Antes, tinham pousado no local do primeiro dérbi, 100 anos antes, numa conversa entre um salmonete com brócolos e um robalo.
Foi sol de pouca dura: numa fase onde a rivalidade entre adeptos estava mais acesa do que nunca, com vários casos de violência fora dos estádios do futebol, o Sporting aproximou-se do FC Porto e chegou mesmo a juntar os dois líderes lado a lado em tribunas presidenciais, algo que não acontecia com Vieira. Isto numa fase em que o futebol português era dominado pelo tema Apito Dourado. As guerras e insinuações entre Soares Franco e Pinto da Costa acabaram com um almoço na Quinta dos Cónegos, que teve José Maria Ricciardi como ponte.
Soares Franco sairia do Sporting em 2009, mas a final da Taça da Liga um ano antes fez com que a relação com o Benfica (foi casado com a filha de Borges Coutinho, um dos maiores presidentes dos encarnados) e com Vieira nunca mais fossem as mesmas: a clara influência de Lucílio Baptista no desfecho da partida deixou os leões em fúria, algo que piorou quando João Gabriel, diretor de comunicação das águias, deu uma conferência com o troféu na sua mesa. Mais tarde, em 2011, o antigo líder leonino quis avançar para a presidência da Federação, tendo o apoio (não assumido) do FC Porto e esperando a aceitação do Sporting, mas acabou por não ir a jogo contra o nome apoiado pelo Benfica depois da hipótese Fernando Seara ter caído: Fernando Gomes. Mais tarde, e numa das raras declarações públicas, disse em 2015 que nunca cortaria relações com o Benfica. Não tem relação com Bruno de Carvalho, que apresentou uma auditoria de gestão nada “meiga” na parte do património no seu período.
Luís Filipe Vieira, José Eduardo Bettencourt e o almoço no Altis
José Eduardo Bettencourt entrou no Sporting em 2009, no mesmo ano em que Jorge Jesus chegou ao futebol do Benfica, onde estavam também o diretor desportivo Rui Costa e o diretor de comunicação João Gabriel. Poucos imaginariam que, a partir deste período, muita coisa mudaria. Num lado e noutro. Vieira falou menos e ganhou mais; os homólogos falaram mais e nunca mais voltaram a ganhar (algo que se arrastaria até à temporada 2014/15).
O sucessor de Soares Franco começou por estar mais virado para dentro a nível de discurso mas, em outubro desse ano, colocou em causa o Fundo de Jogadores que o Benfica tinha apresentado. “Foi aprovado pela CMVM, teve a gestão a cargo da ESAF/BES e mais transparência não pode existir. Responder? Tenho demasiado respeito pela instituição Sporting e pelos seus adeptos, não me preocupo com os outros clubes. Esse senhor não nos pode ensinar nada e pela boca vai morrer o peixe”, atirou Luís Filipe Vieira.
Mais tarde, em fevereiro de 2010, o tom das acusações aumentou, com o líder do Benfica a condenar uma mentira de Bettencourt: as águias defendiam que o Sporting se tinha comprometido a enviar mais bilhetes do que era normal para um encontro da Taça da Liga em Alvalade, cerca de 30% da lotação do estádio, algo que o presidente dos leões desmentiu. “Para mim a palavra é sagrada, é um contrato. Um SMS pode não ter valor jurídico mas é um compromisso que não se deve quebrar. Falam de nós como se essa fosse a única razão de vida mas nós vamos continuar a não falar de ninguém”, atirou Vieira.
Dois meses depois, Fernando Gomes, candidato à presidência da Federação, conseguiu juntar Bettencourt e Vieira à mesma mesa, no hotel Altis. Havia uma causa em comum, mas a verdade é que, depois desse momento, não voltou a haver mais choques como nos primeiros meses em que coincidiram. E também isso teve explicação: os leões enfrentavam tantos problemas internos que as águias viraram em definitivo as atenções para o outro rival, FC Porto.
Tudo correu mal a José Eduardo Bettencourt durante os quase dois anos que passou em Alvalade. No futebol, nas finanças, em tudo o que se possa pensar. E ao mesmo tempo que o Sporting se tornava uma Lei de Murphy, o rival Benfica ganhava em campo com um futebol como há muito não se via e tinha uma estrutura cada vez mais reforçada que conseguia “poupar” Vieira nas suas intervenções públicas. Ainda assim, um dado curioso: Bettencourt foi um dos responsáveis que passaram pelos leões que, após ser ouvido no âmbito da auditoria de gestão que foi feita, não teve qualquer queixa ou ação dos atuais órgãos sociais.
Luís Filipe Vieira, Godinho Lopes e o almoço no Tivoli
Godinho Lopes assumiu a presidência do Sporting em março de 2011, no seguimento do mais polémico ato eleitoral do clube. Por isso, os primeiros meses serviram mais para entregar o futebol a Luís Duque, Carlos Freitas e Domingos e procurar uma pacificação interna do que propriamente para pensar a nível de ligações externas. Que, quando começaram, tiveram uma relação estranhamente próxima com o rival Benfica.
As várias ligações profissionais e de amizade entre as estruturas diretivas estabeleceram várias pontes de ligação e contacto entre os clubes lisboetas, ao ponto de Godinho Lopes e Luís Filipe Vieira manterem reuniões entre eles para abordar o desenvolvimento do futebol português e os pontos da indústria que poderiam ser melhorados. Numa dessas ocasiões, e para passar cá para fora essa imagem de trabalho conjunto, deixaram cair para a imprensa um almoço no hotel Tivoli, que rapidamente foi “atacado” por vários repórteres fotográficos e de imagem.
No entanto, houve um ponto de viragem que constituiu quase um corte de relações institucionais sem ser assumido: o dérbi no estádio da Luz que terminou com um incêndio de visíveis proporções no setor dos visitantes e que provocou muitos estragos na zona afetada. Godinho Lopes nem tinha ido a esse jogo, depois de ter sido poucos dias antes submetido a uma pequena intervenção cirúrgica, mas a colocação da tão badalada “caixa de segurança” (ou “gaiola”, como alguns apelidaram) já tinha aquecido e muito o ambiente, com os dirigentes verde e brancos a recusarem aceitar os habituais convites para a tribuna presidencial e camarotes cedidos pelos visitados.
Enquanto o Benfica foi exigindo um pedido de desculpas ao Sporting por algo de “muita gravidade”, o líder leonino foi focando a polémica numa discussão acesa que houve à porta do balneário da equipa na Luz, onde Vieira se terá pegado com Luís Duque e outros responsáveis, conversa exaltada que teria sido gravada por alguém do staff verde e branco. “O Benfica também já teve um aldrabão durante três anos e todos sabemos como é que isso acabou”, chegou a dizer o presidente encarnado, numa indireta que comparava Godinho Lopes a Vale e Azevedo.
O mandato de Godinho Lopes seria curto, com cerca de dois anos. Quando estava mais “apertado” em termos internos, disparava contra o Benfica: as contas do rival, as atitudes antes dos dérbis, o controlo do “sistema”. Os encarnados foram-se colocando cada vez mais à margem, com Vieira a expor-se menos, sobretudo depois de rebentar o escândalo do caso Cardinal, envolvendo o vice-presidente Paulo Pereira Cristóvão. Quando esse dirigente saiu, houve até uma tentativa das águias em “dar a mão” ao rival. “Olhem aqui para o lado e vejam há quanto tempo o presidente rival está no cargo. É preciso estabilidade para ter resultados”, disse Godinho. Que acabou por não ter efeito. Mas ainda hoje Godinho Lopes é próximo de antigos dirigentes do Benfica (foi sócio do ex-presidente Manuel Damásio, por exemplo). Em relação ao Sporting, no seguimento de um processo, até foi expulso de sócio do clube…
Luís Filipe Vieira, Bruno de Carvalho e o almoço que nunca houve
Quando Bruno de Carvalho foi eleito presidente do Sporting, há quatro anos, poucos se recordam mas a verdade é que houve uma tentativa de estabilização de relações entre rivais. “Não havia nenhum corte de relações institucionais entre Sporting e Benfica. Havia questões pessoais. Já não estão as pessoas [no Sporting], ponto final. Não há nenhum motivo para que não continue a existir algo que já existia, que são relações institucionais normais. Quero que o Sporting tenha relações institucionais normais com todos, sem ser subserviente a ninguém”, disse antes do primeiro dérbi, enquanto líder dos leões, em abril de 2013. Houve até o habitual beberete entre direções na antecâmara do jogo, prova que as palavras não eram apenas teoria. Mas num instante, tudo mudou.
No final de uma partida onde o Sporting criticou duramente a arbitragem de João Capela, Jorge Jesus, então técnico do Benfica, disse que os encarnados tinham ganho “limpinho, limpinho”. Uma expressão que não passou ao lado de Bruno de Carvalho, que de quando em vez lá se ia atirando ao treinador por causa dessas declarações. Ainda assim, e porque o foco dos leões era o FC Porto (poucos meses depois houve o corte de relações institucionais com os dragões, no seguimento de uma altercação entre o líder verde e branco e Adelino Caldeira, vice dos portistas), foi havendo tentativas de aproximação por parte do Benfica ao rival. Sem sucesso. Bruno preferia estar só a “mal acompanhado”.
O fim-de-semana de 7 e 8 de fevereiro de 2015, como explicámos esta semana no Observador, foi a gota de água que fez transbordar o copo e que culminou com o corte de relações institucionais entre ambos. A partir daí, e se as coisas já não eram fáceis entre Sporting e Benfica, deixaram de existir: os leões não aceitaram a passividade com que as águias reagiram ao comportamento dos adeptos, os encarnados comentaram que não passava de “folclore”.
Quando, em outubro de 2015, Bruno de Carvalho foi ao programa Prolongamento, da TVI24, denunciar as ofertas que o Benfica fazia a todos os árbitros que dirigissem encontros da equipa A e da equipa B, naquilo que depois foi denominado de “kit Eusébio” pelo facto de a réplica da camisola do antigo avançado ser acompanhada com uma série de vouchers de refeições, os encarnados prometeram ir até às últimas consequências. E ainda hoje o tentam.
Para o Sporting, pela voz do seu presidente, o Benfica é o rosto de um novo sistema que tomou conta do futebol português e que vai dominando todas as estruturas de relevo; para o Benfica, Bruno de Carvalho é alguém a quem não se deve ligar mas não há “cartilha” que não fale dele: demagogo, populista, mentiroso, louco e monstro são algumas das formas utilizadas para falar do líder verde e branco, em emails que chegam também a Vieira. Por isso, esqueçam os principais hotéis da cidade: tão cedo não haverá um almoço entre presidentes…