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Em criança, eu era fascinada pelo “Fora de Casa” que passava na RTP ao fim da tarde. O “Fora de Casa”, numa altura em que não havia cá isso da internet, não era mais do que uma lista das peças de teatro e filmes em exibição por todo o país. Se não me falha a memória, tinha uma guitarrada dos Dire Straits como som de fundo. Ficava hipnotizada pelas pequenas letras bancas fugidias do “Fora de Casa” – mas, ironicamente, era uma criança pouco dada a sair, muito mais fã das atividades do recato do lar.

Pois que chegámos a uma altura na qual a Susana que queria era estar em frente à televisão se torna numa hipster com razão antes do tempo. Agora, especialmente nestes dias em que temos dois deveres — o de auto proteção e o de proteger os outros — o Dentro de Casa é o novo Fora de Casa. E 38 anos de algum sedentarismo ensinaram-me que há muita coisa boa para ver no aconchego da nossa mansão. Entre séries, documentários e especiais de stand up, seguem algumas recomendações disponíveis em plataformas de streaming a operar em Portugal.

Cobra Kai

Youtube Originals (série, comédia/drama)

34 anos depois do filme “Karaté Kid” ter marcado uma geração, o Youtube estreou-se no conteúdo original de ficção produzidos pelos próprios com uma espécie de sequela. Estreada em maio de 2018 no YouTube Premium (sim, aquele upgrade que o Youtube nos está sempre a chatear para fazer), narra a a reabertura do dojo de karaté Cobra Kai e o reacender da chama da rivalidade entre Johnny Lawrence e a Daniel LaRusso.

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Casa do Cais

RTP Play (série, comédia)

Provavelmente o maior caso de sucesso do RTP Lab, a “Casa do Cais” chegou recentemente à sua segunda temporada. Desbocada, rebelde e muito divertida, esta série relata as aventuras de um grupo de amigos a viver numa casa no Cais do Sodré, no centro de Lisboa. O facto de falar desbragadamente de drogas ou da comunidade LGBT garantiu-lhe alguma dose de hate, mas trata-se de um dos projetos mais livres e originais a serem feitos em Portugal.

Os Boys

RTP Play (série, comédia)

Originalmente exibida pela RTP em 2016, “Os Boys” remete para os bastidores da trama política – mas feita com doses cavalares de chico espertice. Vagamente baseado em alguns factos e bordões reais da atualidade portuguesa que o público irá reconhecer, “Os Boys” tem um complicado efeito secundário: por causa do genérico, vai ficar a cantar o one hit wonder de Sabrina com o mesmo nome.

Os Maias

RTP Play (drama)

Ficar em casa é uma ótima desculpa para ler, mas se o liceu ainda o deixou injustamente traumatizado com Eça de Queirós, pode começar por aqui. Baseado na obra prima de um dos maiores e mais mordazes escritores portugueses de sempre, “Os Maias” estreou-se em sala de cinema, mas aqui deu origem a quatro episódios assinados por João Botelho.

O Meu Sangue

RTP Lab (documentário)

Uma das últimas estreias da plataforma, trata-se de uma série de três curtos episódios documentais para acabar de vez com o pudor sobre a menstruação. Feito de modo honesto mas sem descurar o lado estético.

Curb Your Enthusiasm

HBO (série, comédia)

Numa altura em que o aconselhável é ter pouco contacto social, nada como tirar umas dicas com talvez a personagem mais anti-social e com menos jeito para lidar com pessoas de sempre. Larry David, um dos criadores de “Seinfeld”, estreou recentemente a décima temporada de “Curb Your Enthusiasm” e continua tão deliciosamente antipático como sempre.

Last Week Tonight

HBO (humor de atualidade)

John Oliver foi talvez o maior responsável por um novo género de comédia: o humor de investigação. Todas as semanas usa a sátira para desmontar e explicar temas complexos, sempre apoiado em factos– mas sem nunca deixar de ser um dos maiores humoristas da atualidade. Alguns dos episódios são mais centrados na realidade norte-americana, mas há espaço para temas globais – sim, como o corona vírus.

Succession

HBO (série, drama)

Se acha que ficar confinado ao mesmo espaço com a sua família mais próxima pode causar alguns focos de tensão, então é uma boa altura para conhecer os Roy. Esta família de multimilionários, dona de um gigante grupo de media e entretenimento, odeia-se com um requinte de malvadez que deixa qualquer um com vontade de fazer binge watching.

Silicon Valley

HBO (série, comédia)

Chegou recentemente ao fim a saga da start up de tecnologia Pied Pipper. Durante seis anos, a série sobre o grupo de programadores que quer mudar a internet foi tão divertida como credível. Apesar de ser fácil de acompanhar pelo comum mortal, nunca evitou o jargão técnico e nunca teve a tentação de nos apresentar cenários tecnologicamente impossíveis. Agora que a tecnologia nos vai fazer tanta companhia, esta saga ainda faz mais sentido.

I Love You, Now Die

HBO (documentário, crime)

Michelle Carter e Conrad Roy eram o clássico casal de namorados adolescentes que não se largava. Até que em Julho de 2014 Conrad comete suicídio no seu carro. Dias depois, Michelle é presa por homicídio involuntário, acusada de ter pressionado o namorado a matar-se. O caso, como sempre sucede nestes documentários de crimes reais, não é tão simples como inicialmente parece.

One Night Stand: Flight Of The Conchords

HBO (especial de stand up)

Alguns anos antes da série que lhes deu fama planetária, os neo-zelandeses fizeram um especial para a HBO onde usavam o seu mix muito peculiar de humor e música. Se não forem fãs dos autores de “Foux du Fafa” existem na plataforma One Night Stand com outros comediantes, como Ellen Degeneres ou Martin Lawrence (todos eles já com um ar bastante vintage).

The Newsroom

HBO (série, drama)

Tem sido difícil fugir da vertigem de notícias, diretos e manchetes de última hora. Então, porque não escapar para a ficção mas vendo a ebulição de uma redação de um canal noticioso? “The Newsroom” é já de 2012 (acabou em 2014), mas continua atual. Criação de Aaron Sorkin, um dos mais respeitados guionistas de Hollywood, tem as suas características personagens cheias de dinamismo, sarcasmo e resposta pronta.

The Marvellous Mrs Maisel

Amazon Prime (série, comédia/drama)

Miriam “Midge” Maisel é a protagonista de uma série que se revelou na primeira aposta certeira da Amazon Prime. “The Marvelous Mrs. Maisel”, que recentemente estreou a sua terceira temporada, relata a história de uma mulher despachada, de uma clássica família judia. O marido, um cómico frustrado que não vai a lado nenhum e se limita a recontar anedotas, deixa-a depois do vexame de um espectáculo particularmente mau. Desarmada, Midge serve a sua vingança em palco, onde se torna num fenómeno nos clubes nova-iorquinos. Uma espécie de símbolo feminista sem um plano ativista, uma miúda que retira genuíno prazer em desconstruir o mundo pela comédia sem refletir muito nas consequências.

Fleabag

Amazon Prime (série, comédia/drama)

A criação de Phoebe Waller-Bridge é nada menos do que brilhante. Escrita com detalhe, acutilância e frescura e representada por atores tão certos para aqueles papeis que tornam impossível um remake com quaisquer outras pessoas na face do planeta. É extremamente divertida sem deixar de ser também extremamente triste. É altamente relacionável sem deixar de ser altamente surpreendente. Parte menos boa: são só 12 episódios ao todo e despacha-se em pouco mais de uma tarde.

Marc Maron Endtimes Fun

Netflix (especial de stand up)

Em tempos como estes, apetece-nos ver um especial de stand up sobre o fim do mundo? Apetece-me, porque relativizar e rir traz sanidade mental. Marc Maron é o responsável por aquele que é talvez o maior podcast do mundo (WTF With Marc Maron), mas a sua carreira de comediante tem já décadas. Este especial, acabado de sair, mostra-o em pico de forma.

Trevor Noah: Son Of Patricia

Netflix (especial de stand up)

Nascido e criado numa África do Sul a braços com o pós-Apartheid (Noah tinha cinco anos quando Mandela saiu da prisão), o apresentador do “Daily Show” tem a sua mãe como figura de proa na sua vida.  “Son Of Patricia” ganha este nome por causa de uma lição dada pela sua mãe, que o ensinou a redirecionar a energia negativa cuspida pelos racistas. As questões de raça e emigração continuam assim muito presentes neste especial, que também aborda temas mais ligeiros como a comida étnica ou a trap music (um tipo específico de rap, muito em voga).

Explained

Netflix (documentário em episódios)

Esta série documental aborda temas amplamente díspares, do comércio de diamantes aos pontos de exclamação, passando pelo consumo de drogas e o porquê das dietas falharem. E garanto-lhe: todos são interessantes. Cada episódio tem cerca de 15 minutos e é narrado por uma celebridade diferente.

The Good Place

Netflix (série, comédia)

É impossível explicar os encantos de “The Good Place” sem estragar a história e os seus twists a quem nunca viu. Isto terá de chegar: esta sitcom sobre a vida depois da morte mistura bobagem da mais tola com conceitos de filosofia dos mais complexos. Um grupo de quatro indivíduos vai parar ao Lugar Bom, uma espécie de paraíso ao qual se acede com base numa pontuação terrestre. E mais não posso mesmo dizer. Só que Ted Danson é um dos grandes, a personagem Janet é uma das melhores de sempre e agora consigo citar Schopenhauer com precisão. Vai um frozen yoghurt?

Derry Girls

Netflix (série, comédia)

Irlanda do Norte, anos 90. Derry (ou Londonderry, dependendo da placa estar vandalizada por unionistas ou não) é uma cidade na fronteira que encapsula todos os atritos de um dos grandes conflitos civis da Europa no fim do século XX. Mas não é por isso que as adolescentes deixam de ser adolescentes e de estarem mais raladas com um concerto dos Take That do que com uma bomba do IRA. “Derry Girls” é (muito) divertido, subtil, impecavelmente escrito e zero condescendente. Ideal para fãs de britcom, alminhas que foram adolescentes nos 90s e interessados em História Contemporânea. A única parte má é que se vê num trago.

Crazy Ex-Girlfriend

Netflix (série, comédia)

Numa mera sinopse descontextualizada, “Crazy Ex Girlfriend” parece de fugir: a saga de uma protagonista claramente descompensada que muda a sua vida de Nova Iorque para o minúsculo subúrbio californiano de West Covina para tentar reatar com um ex-namorado da adolescência. Ah, e é um musical. Mas descansem, que não é para recomendar àquela ex-colega de secundário que só lê Nicholas Sparks e ainda vê o “Coyote Bar” quando dá na SIC. “Crazy Ex Girlfriend” tem crueza, tem demência, tem honestidade e tem muita, muita piada. Temas como a depressão (com a qual a própria Bloom se debate) ou o aborto são abordados como uma normalidade rara. Ah, e as sacanas das músicas são tão divertidas como orelhudas.

American Crime Story: O Caso de OJ

Netflix (série, drama)

Autêntica cápsula do tempo dos anos 90, a série que acompanha o julgamento da estrela do desporto mais querida dos Estados Unidos (pensem em “e se o Cristiano Ronaldo fosse suspeito de matar a Nereida, ou lá como se chama esta agora”) é também um tratado sobre a tensão racial nos Estados Unidos. Estreada em 2016, um ano marcado pelo início mais visível da ascensão da alt-right e por casos de brutalidade policial, “American Crime Story” é essencial para perceber os contornos desta tensão.

Wild Wild Country

Netflix (documentário em episódios)

É sobre a ida para os Estados Unidos do guru Bhagwan Shree Rajneesh — um indiano que nos anos 60 criou um culto que viria a ser infame pelos seus Rolls Royce e pelo ataque químico para envenenar a população de uma pequena cidade em Oregon que se debruça o documentário em seis partes “Wild Wild Country”.  Com uma comitiva dos seus devotos mais próximos (encabeçada pela verdadeira protagonista da saga, a sua secretária Ma Anand Sheela), Rajneesh compra uma herdade junto à pequena povoação de Antelope em 1981. Na primeira metade da década aqueles hectares viriam-se a tornar na cidade complexa de Rajneeshpuran, com aeroporto e uma espécie de força armada. Um documentário com uma história mais rebuscada e inesperada que muita ficção.

Os Brinquedos da Nossa Infância

Netflix (documentário em episódios)

Para quem se sente mais feliz e confortável com uma boa dose de nostalgia, as duas temporadas de “Os Brinquedos da Nossa Infância” podem ser um bálsamo. Além do tema nos falar ao coração (há Meu Pequeno Pónei, Tartarugas Ninja e Transformers) é feito com muito sentido de humor e atenção ao detalhe.

The Morning Show

Apple TV+ (série, drama)

Reza a lenda (desmentida por um dos produtores) que este drama de dez episódios de uma hora tem um orçamento de 15 milhões de dólares por episódio. Percebe-se para onde vão passando os olhos pelo elenco: Jennifer Aniston, Steve Carell, Reese Witherspoon, Billy Crudup. A premissa é atual, sumarenta e claramente baseada no caso real de Matt Lauer, corrido da NBC em 2017. Aqui, Mitch Kessler (Carell) é despedido da co-apresentação do maior programa matinal de informação ao ser investigado por abuso sexual a funcionárias, deixando desprotegida a sua parceira de mesa de estúdio, Alex Levy (Anniston). A série tem momentos de representação memoráveis (nomeadamente desta dupla), bons nacos de diálogo (sobretudo do administrador, desempenhado por Crudup) e uma realização que enche o olho. E vai em crescendo, tornando-se melhor a cada episódio que passa (não desmoralize logo se achar algumas coisas no piloto um pouco palermas).