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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Tancos. Azeredo acusa MP de tê-lo posto como uma “espécie de poste” a ouvir a “descrição de um crime”

O ex-ministro da Defesa garante que o ex-diretor da PJM lhe falou apenas do seu desagrado pela investigação estar com a PJ civil. Depois do achamento não estranhou a PJM ter recorrido a um informador.

Assim que o juiz o chamou, Azeredo Lopes levantou-se do banco dos réus onde tem passado o julgamento a tirar notas e dirigiu-se rapidamente ao centro da sala. Começou a falar quase sem lhe serem colocadas questões e deixou de lado a “arrogância, altivez e petulância”  de que foi acusado quando, há um ano e meio, prestou declarações idênticas aos deputados durante a comissão de inquérito ao caso Tancos. Desta vez, o ex-ministro da Defesa falou enquanto arguido num processo em que é acusado de abuso de poder e prevaricação. Falou também ao longo de quatro horas, como no parlamento, e manteve que não violou os seus deveres até se demitir em outubro de 2018, um ano após a recuperação do armamento de guerra furtado e Tancos.

O ex-ministro começou por falar de forma acelerada, deixando pouco espaço ao juiz Nelson Barra para lhe colocar questões. Começou por lembrar que, logo a 2 de julho de 2017, ordenou uma inspeção de segurança a todas as instalações militares do país para perceber em que condições estavam. “A minha preocupação fundamental foi muito mais do que a investigação criminal”, garantiu, o que viria a reforçar ao longo do seu depoimento.

Depois recordou um encontro que há um ano e meio não revelou no parlamento, mas que a acusação do Ministério Público viria a denunciar. Aquele, à porta da sua casa na Alta de Lisboa, em que se encontrou com Luís Vieira. Para a acusação, o então diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM) foi ter com ele para mostrar o seu desagrado com o facto de a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, ter entregado a investigação à PJ civil. Queria que o ministro revertesse a situação. “Sistematicamente a acusação procura pôr-me sozinho com o coronel Luís Vieira”, diz. Mas eram, afinal, três: ele, o general Martins Pereira e o coronel Luís Vieira. “Foi uma conversa testemunhada por motoristas”, afirma.

“Sistematicamente a acusação procura pôr-me sozinho com o coronel Luís Vieira”,
Azeredo Lopes

Luís Vieira dá-lhe, então, conta do telefonema com Joana Marques Vidal. Depois há uma “discussão breve” sobre quem tem competência para investigar o caso.

Já a 4 de julho, em Tancos, diz a acusação que o Presidente da República foi acompanhado de várias individualidades civis e militares aos Paióis Nacionais de Tancos. O ex-governante confessa que não sabe se estavam essas pessoas, se havia jornalistas e que “até rezava para aquilo acabar rapidamente”. Descreveu em tribunal um “ambiente confuso” em que houve questões concretas sobre a investigação que o coronel Vieira “travou”. Vieira defendeu, no entanto, que a investigação devia ser coordenada pela PJM, porque o crime aconteceu no interior de instalações militares.

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O ex-ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes (E), acompanhado pelo seu advogado Germano Marques (D), à saída do Tribunal de Santarém para uma pausa de almoço, onde está a ser ouvido enquanto arguido no processo de “Tancos”, em Santarém, 03 de novembro de 2020. O Processo “Tancos” tem 23 acusados, incluindo o ex-ministro da Defesa, o ex-diretor nacional da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, o ex-porta-voz da PJM, Vasco Brazão, e o ex-fuzileiro João Paulino, que segundo o Ministério Público foi o mentor do furto, os quais respondem por um conjunto de crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida. PAULO CUNHA/LUSA

O ex-ministro da Defesa a sair do Tribunal de Santarém

PAULO CUNHA/LUSA

Na resposta enviada ao tribunal sobre esse encontro, Marcelo diz que foi o próprio ministro da Defesa que lhe pediu no final que falasse com Vieira. O diretor da PJM ter-lhe-á pedido que falasse com a Procuradora-Geral e até com a tutela e ele até prometeu que o faria. Mas depois de falar com a Joana Marques Vidal não voltou a encontrar-se com Vieira, como prometera.

Tancos. Marcelo soube pela Procuradora-Geral da encenação da PJM meses antes das detenções

Logo nesse dia, recordou Azeredo Lopes em tribunal, ficou a saber por Vieira que havia também já uma queixa, feita meses antes, que dava conta do planeamento de um assalto a instalações militares no centro do Pais. Tinha sido feita a outro “órgão de polícia criminal”. De sublinhar que Paulo Lemos, conhecido por Fechaduras, denunciou à PJ em março esta possibilidade. “Esse facto causou estupefação”, sublinhou. “Ficou a ideia de que havia quem tivesse a informação já e que não tinha transmitido a informação nem à PJM nem ao Exército sobre um risco provável de furto de material militar”, recordou depois, já em resposta aos advogados.

O juiz perguntou-lhe se não achou estranho Luís Vieira estar a falar de um processo em segredo de justiça. “Eu acho que a questão do segredo de justiça aqui é impensável. Aliás, a seguir saiu um comunicado. Era um facto que já estava nas notícias”. O juiz tentou reformular a questão. “Deve ou não referir-se em público questões de conflito de competências?”, interrogou o próprio Azeredo Lopes, refazendo a pergunta. “Fiz uma pesquisa no Google e há dezenas de entradas sobre conflitos”, afirmou, afastando qualquer “estranheza”.

Armas eram pouco letais e isso tranquilizou-o

Azeredo Lopes mostrou também alguma tranquilidade em relação ao que tinha sido furtado em Tancos. Disse que sabia da possibilidade de estas armas poderem ser usadas contra pessoas, mas garantiu que estavam já obsoletas e que só estavam naquele paiol para um exercício militar que não chegou a acontecer. “Do ponto de vista da perigosidade, estes factos para mim foram muito importantes”. “Fiquei muito contente, ainda antes do achamento, quando soube de forma fundamental que o que mais causava letalidade estava obsoleto”, reiterou. No limite, poderia causar a morte de quem manuseasse aquele armamento, explicou Azeredo.

“Fiquei muito contente ainda antes do achamento quando soube de forma fundamental que o que mais causava letalidade estava obsoleto”
Azeredo Lopes

O ex-ministro da Defesa confirmou também que a 4 de agosto de 2017, data em que já havia despacho do Ministério Público a entregar a investigação à PJ civil, com quem a PJM devia colaborar, recebeu Luís Vieira no seu gabinete. Ainda assim recusou ter qualquer ligação próxima com ele. Vieira mostrou-lhe mais uma vez o seu desagrado pela investigação ter sido entregue à PJ civil. “É uma narrativa para transmitir a ideia que nós estávamos tu cá tu lá a discutir isto. Repito, eu nunca tive o número do Luís Vieira”, diz o ex-ministro.

“Não foi uma reunião com Luís Vieira. Foi uma reunião com Luís Vieira e Martins Pereira”, reforça, lembrando que chegou a não lembrar-se desse encontro para depois dizer: “Ele disse-me que era para memória histórica”.

O dia em que Marcelo Rebelo de Sousa visitou Tancos

RUI MIGUEL PEDROSA/LUSA

Nesse encontro Vieira entregou-lhe aquilo que seria um memorando, o primeiro, e onde estaria um parecer de Rui Pereira sobre delegação de competências. Mais uma vez Azeredo atirou à redação da acusação. “Devo ter ficado em coma, porque eu entrei mudo e saí quedo da reunião”, acusando o Ministério Público de tê-lo posto como uma “espécie de poste” ao ouvir a “descrição de um crime”. Segundo o MP, Vieira descreveu o que a PJM estava a fazer, incluindo com a GNR de Loulé que estaria a obter informações sobre Fechaduras. Azeredo recusa que esta informação lhe tenha sido fornecida.

O Juiz Nelson Barra perguntou-lhe mesmo se sabia que a PJM estava com a GNR a tentar obter a localização das armas através de João Paulino — que já assumiu em tribunal ser o cérebro do assalto a Tancos. “Essa conversa é impensável com um ministro da Defesa”, afirma Azeredo Lopes. “Foi-lhe dado algum ponto de situação da investigação?”, insistiu o juiz. Foi uma reunião foi “simbólica” para Luís Vieira mostrar o seu desagrado, disse.

Não pensou em reportar a alguém a posição da PJM?, perguntou-lhe o juiz.

Nunca me passou isso pela cabeça. Para que efeito? Para tentar influenciar a sua posição?”, interrogou.

Nunca pensou em colocar paninhos quentes?

— Servi muitas vezes de intermediário, mas se eu tivesse feito isso estava a interferir na investigação criminal a tentar influenciar a procuradora

O dia A, de achamento

O ex-ministro da Defesa e professor disse mesmo que até ao dia 18 de outubro, o dia em que as armas foram recuperadas num descampado na Chamusca, nunca se tinha apercebido de qualquer problema entre as duas polícias, tirando saber que Vieira estava contra não ter a investigação. “Em nenhum momento, a não ser a 18 de outubro, percebi que algo estivesse a correr menos bem”, admitiu.

“Em nenhum momento, a não ser a 18 de outubro, percebi que algo estivesse a correr menos bem”, admitiu.
Azeredo Lopes

Logo nesse dia, Azeredo Lopes admite ter recebido um telefonema do seu chefe de gabinete, o general Martins Pereira, sobre a recuperação de armas e de ter disso dado conhecimento ao primeiro-ministro, António Costa, logo pela manhã. Nesta altura o  juiz chega a admitir que a acusação tem “coisas curiosas”, como falar de comunicações sem trazer o seu conteúdo. “Se fossem só essas coisas curiosas”, responde com ironia o ex-ministro, suscitando risos na sala.

O ex-direto da PJM Luís Vieira

PAULO CUNHA/LUSA

A então Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, telefonou-lhe indignada por não lhe ter dado conhecimento prévio do achamento das armas de Tancos, considerando mesmo poderem estar perante um “ilícito disciplinar”. Disse que “ia ponderar” e que depois lhe comunicava a sua decisão. “É aí que eu apelo à clemência”, recordou. Nesse mesmo dia o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal promove uma reunião com a PJ civil, a PJM e a GNR para perceber os contornos da recuperação de armas. Acham estranho estarem na zona militares da PJM e da GNR de Loulé quando há uma “chamada anónima” a dar conta da localização das armas.

Dia 7 de Tancos. “É uma mentira rebuscada”, diz coronel da GNR acusado de aderir a investigação paralela

A mensagem para o deputado que a polícia lhe apreendeu no telemóvel

Às 15h51 horas do dia 18.10.2017, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro enviou uma mensagem escrita para Azeredo:

— Parabéns pela recuperação do armamento, grande alívio..! Não te quis chatear hoje

— Eu sabia, mas tive que aguentar calado o porrada que levei. Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje, respondeu.

Azeredo Lopes justificou em tribunal que estas mensagens “não são sequenciais”. São intercaladas por outras mensagens. “O vernáculo pode ser usado em mensagens!”, ressalvou. Afirmou que aguentou “calado” pela “circunstância de sistematicamente desde o inicio ser perguntado pelo andamento da investigação criminal”. Que não podia dizer que tinha esperança que tudo seria resolvido.

O deputado perguntou depois:

— Vens à AR explicar?

— Venho, mas não poderei dizer o que te estou a contar. Ainda assim, foi uma bomba

O ex-ministro conta agora que esta resposta se deveu ao facto de não poder falar do telefonema da procuradora. “Não há aqui nenhuma vontade de explicar o que quer que seja”, diz.

“Eu sabia.” Azeredo Lopes admitiu a deputado do PS que sabia do ‘achamento’

Luís Vieira volta ao gabinete do ministro

No dia seguinte Vieira e o porta-voz da PJM, que participou nessa investigação paralela, vão ao Ministério da Defesa. Esse encontro já teve várias versões. Azeredo diz mesmo que não se recorda de lhe terem ligado nesse momento, uma vez que não estava em Lisboa, mas por outro lado consegue estabelecer a conversa que manteve com Vieria quando o chefe de gabinete lhe passou o telefone. Os militares fornecem então um segundo memorando do que aconteceu na noite do achamento, falando de um informador, deixam também um fita do tempo. São dois documentos sem carimbo ou assinatura.

“Não se divulga a identidade de um informador”

“Quem manda para cima, vai mandado do rés do chão para o primeiro andar e do primeiro andar para o segundo e vai-se desresponsabilizando”, atira o ex-ministro, que diz que tem que fazer um esforço de memória para recordar a informação que lhes foi dita.

A Procuradora-Geral ameaçou avançar com processos disciplinares

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O advogado de Brazão ainda lhe perguntou se não ponderou, depois disso, e ao longo de um ano, contar aos seus colegas de Governo e mesmo ao Presidente da República que afinal aquele caso tinha tido origem num informador e não numa chamada anónima. Mas Azeredo garante “não se divulga a identidade de um informador”, alheio à base que isso implica: uma investigação mais profunda, bem diferente de uma chamada anónima.

Azeredo sobre visita de Marcelo a Tancos: “Até rezava para aquilo acabar rapidamente”

O ex-ministro continua a falar na próxima quinta-feira.

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