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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Tancos. O que já aconteceu e o que ainda vai acontecer

Depois das detenções e da queda de Azeredo Lopes, a investigação ao caso Tancos corre, agora, em dois planos: a justiça procura os cúmplices do encobrimento, a política aperta o cerco a António Costa.

Uma investigação criminal e uma comissão parlamentar de inquérito, com meios, métodos e fins diferentes, mas o mesmo objectivo — descobrir as circunstâncias que rodearam o aparecimento das armas roubadas de Tancos. É nestes dois planos que segue agora o caso que já levou à demissão do ministro da Defesa, que pode vir a torná-lo arguido e ainda arrastar com ele, no plano político, o primeiro-ministro.

O cerco político aperta para António Costa…

Entre o debate sobre a comissão de inquérito, na quarta-feira, e a votação da proposta do CDS para a constituir, esta sexta-feira, surgiu o depoimento de Martins Pereira. E com ele uma oportunidade que a direita não perdeu para dizer publicamente que o cerco está a apertar para António Costa. É que se, como Martins Pereira revelou no interrogatório no DCIAP, o ministro sabia do memorando, então o mais certo é que António Costa também soubesse. E se o ministro da Defesa já está demitido, sobra mesmo para António Costa. É pelo menos assim que pensam os partidos da direita.

Foi isso mesmo que PSD e CDS vieram referir. Aliás, quiseram vir referir, no dia em que se conheceram as declarações do ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes. Rui Rio estava no Parlamento para uma reunião com a sua bancada parlamentar e à saída era esperado por jornalistas a quem falou do conteúdo do encontro: as propostas do PSD para o Orçamento do Estado. Depois foi questionado sobre Justiça e disse que não era para isso que ali estava, mas sim para falar de Orçamento. A pergunta seguinte foi sobre… Tancos. Mas aqui, o líder social-democrata já não hesitou.

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“Não é muito normal que, numa matéria destas, o ministro da Defesa não transmita ao senhor primeiro-ministro”
Rui Rio, presidente do PSD

Embora tenha ressalvado que as declarações do ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes estavam em segredo de justiça, e portanto nem devim estar nos jornais (uma das suas velhas causas), baseou-se nelas para apontar o dedo a António Costa. Rui Rio sugeriu que, “a ser verdade” que o ministro da Defesa teve mesmo conhecimento da operação de encobrimento das armas roubadas, estranho seria se o primeiro-ministro não tivesse sido informado.

“Não é muito normal que, numa matéria destas, o ministro da Defesa não transmita ao senhor primeiro-ministro”, disse aos jornalistas, deixando no ar que acredita na hipótese de António Costa ter mesmo sido informado atempadamente da “farsa” em torno das armas roubadas dos paióis de Tancos.

Oposição questiona se António Costa foi informado do encobrimento e admite chamar PM ao parlamento (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Também o presidente da comissão parlamentar de Defesa, o social-democrata Marco António Costa, chamou os jornalistas esta quinta-feira no final de um encontro para prestação de cumprimentos ao novo Chefe do Estado Maior do Exército (CEME), Nunes da Fonseca, para se pronunciar sobre os factos novos que conferem cada vez maior dimensão ao caso. Nas palavras de Marco António Costa, o caso de Tancos já “passou de uma farsa para um complô para esconder a farsa”. E isso entristece-o.

“A serem verdadeiras, as notícias deixam-me chocado e triste”, disse Marco António Costa, recordando que as conversas que teve com o ex-ministro da Defesa, na qualidade de presidente da comissão de Defesa, apontavam sempre para o facto de Azeredo Lopes não ter tido qualquer conhecimento do encobrimento das armas. Agora, sente-se enganado. “Eu acreditei que, mesmo que o chefe de gabinete soubesse, pudesse não ter transmitido ao ministro — mas pelos vistos estava enganado”, disse. Isso quer dizer que o presidente da comissão de Defesa também acha que António Costa sabia? “Tendo caído esta barreira de confiança [com o ministro], a partir daqui tudo é possível”.

…e para Marcelo?

Se o ministro da Defesa foi informado do encobrimento, e isso faz do primeiro-ministro um provável conhecedor da mesma informação, então também o Presidente da República pode vir a ser apanhado nesta mesma teia de informação. Ainda para mais tratando-se ele do comandante supremo das Forças Armadas. Marcelo Rebelo de Sousa, contudo, já garantiu, mais do que uma vez, não ter tido qualquer conhecimento do caso.

Presidente da República garante que nunca foi informado de qualquer encobrimento (PAULO NOVAIS/EPA)

PAULO NOVAIS/EPA

Ainda esta quinta-feira, numa visita ao DCIAP, o Presidente da República foi confrontado pelos jornalistas com o depoimento de Martins Pereira e voltou a recusar ter tido alguma informação sobre o encobrimento. “Não sabia e não sei quem furtou, não sabia e não sei o que foi e o que não foi, não sabia e não sei com que destino… Não sabia e não sei”, reafirmou. “É evidente que se tivesse sabido alguma coisa sobre estes factos tê-lo-ia comunicado na oportunidade que tive para o fazer quando falei com a Procuradora-Geral da República ou com o Governo”, completou.

De manhã, Rui Rio já tinha dito que, quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, não há motivos para duvidar de que não soubesse mesmo dos factos. “O Presidente da República dá as explicações que entende, temos de acreditar que não conhecia, independentemente de ser chefe das Forças Armadas ou não ser”, disse.

Bloqueio ao centro a uma audição de Costa (de que já se fala)

Então isto significa que o PSD acha que António Costa deve ser chamado ao Parlamento para explicar se sabia? Não propriamente. Rui Rio não quer ir “atrás de foguetes”. “Não me lembro de um primeiro-ministro vir a uma comissão parlamentar, pode vir ao plenário, que é a sede própria para se explicar aos deputados, mas devemos manter o respeito institucional e o sentido de Estado”. Ou seja, o PSD até acha que António Costa deve explicar o que é que sabia, mas não na comissão de inquérito, nem sequer por escrito — como está previsto no regimento.

“A cada dia que passa é mais evidente a necessidade de chamar o primeiro-ministro”
Nuno Magalhães, CDS

Quando caiu o pano sobre as declarações de Rio, logo subiu do outro lado do corredor parlamentar, Nuno Magalhães, onde o líder da bancada do CDS, já se preparava para uma declaração. Câmaras televisivas posicionadas e Magalhães dispara que o “CDS sabe bem distinguir aquilo que é da justiça, e deve permanecer nos tribunais, e o que compete ao Parlamento, que é o que vamos fazer na comissão de inquérito que propomos”. As declarações que para nós serão relevantes são as que quer o chefe de gabinete do ministro, quer o ministro, possam fazer quando confrontados e depois de chamados” à comissão de inquérito, coisa que o CDS fará.

E depois disso, os centristas admitem poder chamar o primeiro-ministro. “A cada dia que passa é mais evidente a necessidade de chamar o primeiro-ministro”, atirou Nuno Magalhães depois de Rui Rio ter acabado de dizer que era contra essa audição numa comissão de inquérito. O centrista não só é da opinião oposta, como diz que “o que é dito numa comissão de inquérito pode ser carreado como meio de prova para o próprio inquérito judicial. E isso já aconteceu, no passado, muitas vezes”. Uma coisa ficou clara, nas declarações de Magalhães, antes de Costa é preciso ir a Martins Pereira e a Azeredo Lopes. Ou seja, “não vamos começar a casa pelo telhado. Há muitos alicerce para serem ouvidos neste momento”.

Tancos. Rio suspeita de que Costa sabia, mas recusa chamá-lo à comissão de inquérito

Mas no PS, pouco tempo depois, Carlos César avisou logo o carácter “excecional” de pedir a um primeiro-ministro para ir ao Parlamento. Já aconteceu com um primeiro-ministro socialista, há não tantos anos assim, quando José Sócrates foi chamado a depor por escrito no inquérito ao negócio PT/TVI. Ainda assim, os socialistas consideram que isso não deve ser a regra e até criticam que “partidos com determinada responsabilidade histórica no funcionamento do Parlamento” façam “propostas dessa natureza“.

À esquerda do PS, o Bloco de Esquerda não exclui nenhuma possibilidade. Ao Observador, o deputado João Vasconcelos recorda que “a posição de princípio do Bloco é não se opor à vinda de qualquer entidade, política ou militar. Poderá justificar-se ou não”. O partido ainda não tem fechada a lista de audições que pretende fazer, até porque o inquérito ainda só será aprovado este sexta-feira pelo plenário da Assembleia da República.

César critica CDS por pedir audição que “seria excecional” (mas que já aconteceu)

A audição de António Costa torna-se, a julgar pelas palavras de Carlos César e Rui Rio, muito improvável, já que teria de ser aprovada por maioria e, por agora, o único partido que parece interessado em questionar diretamente o primeiro-ministro no inquérito parlamentar é o CDS — e sem o considerar ainda prioritário.

"A posição de princípio do Bloco é não se opor à vinda de qualquer entidade, política ou militar. Poderá justificar-se ou não"
João Vasconcelos, deputado do Bloco

Quanto ao que traz de novo a notícia do depoimento de Martins Pereira, os partidos da esquerda evitam fazer declarações, refugiando-se na máxima de não comentar questões que estão sob investigação judicial — o PSD e o CDS também o fizeram, mas acabaram por comentar na mesma, logo de seguida. Mas a acusação direta de Martins Pereira a Azeredo Lopes, que esta quinta-feira constava nas páginas dos jornais, faz com que ambos sejam audições praticamente obrigatórias e logo no arranque deste inquérito parlamentar.

A confirmação que aponta a Azeredo, depois do desmentido e da demissão

O ministro sabia. A confirmação taxativa foi feita pelo antigo chefe de gabinete de Azeredo Lopes, o general Martins Pereira, ouvido esta quarta-feira no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Segundo apurou o Observador, Martins Pereira — que é, agora, adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas — contou aos procuradores que comunicou a Azeredo Lopes, por mensagem de telemóvel (WhatsApp), a conversa que teve com o Major Vasco Brazão, na qual o porta-voz de Polícia Judiciária Militar lhe entregou um memorando com as circunstâncias em que foram encontradas as armas roubadas de Tancos. Para o provar, o ex-chefe de gabinete entregou à investigação o telemóvel pessoal, onde estarão registadas essas mensagens.

Vasco Brazão, ex-porta-voz da PJM, garantiu informou o Ministério da Defesa, através do, na altura, chefe de gabinete de Azeredo Lopes (TIAGO PETINGA/LUSA)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A revelação foi feita depois de um longo caminho de avanços e recuos, que começou ainda a 2 de outubro, quando surgiram as primeiras suspeitas sobre o conhecimento que Azeredo Lopes teria das circunstâncias concretas em que as armas foram descobertas — e que, em boa parte, acabaram por tornar insustentável a manutenção no cargo do homem que tutelava as Forças Armadas e precipitaram a demissão do ministro.

A pressão iniciou-se logo com o depoimento do major Vasco Brazão, o último arguido a ser detido na Operação Húbris, por estar numa missão, no estrangeiro, no dia em que foram feitas as buscas e detenções — incluindo a do agora ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira. Regressado a Portugal e levado perante o juiz de instrução, o antigo porta-voz da PJM largou a bomba: confessando o encobrimento, garantiu que tinha informado o Ministério da Defesa, através do, na altura, chefe de gabinete de Azeredo Lopes, a quem entregou um memorando com esses detalhes, um mês depois do aparecimento das armas.

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O ministro primeiro desmentiu e manteve-se no cargo, depois demitiu-se e manteve que não sabia. Pelo caminho, o general Martins Pereira, ia sustentando essa versão, confirmando que tinha, de facto, recebido “o Sr. coronel Luís Vieira e o Sr. Major Brazão, em novembro de 2017”, mas garantindo que o que ouviu não lhe permitiu “descortinar qualquer facto que indiciasse qualquer irregularidade ou indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos”, disse numa nota enviada à Lusa. A versão acabaria por mudar radicalmente esta quarta-feira. E, na sequência das declarações que fez, o ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes, que tinha sido chamado ao DCIAP na qualidade de arguido — por, supostamente, ter ajudado a encobrir o caso —, saiu como testemunha.

Azeredo Lopes vai ou não ser chamado ao DCIAP?

A dedução lógica é fácil de fazer: perante as declarações de Martins Pereira, o Ministério Público quererá, seguramente, ouvir Azeredo Lopes. Essa certeza foi, aliás, avançada pelo Diário de Notícias, esta quinta-feira, mas de imediato desmentida pela Procuradoria-Geral da República — pelo menos para já. Em resposta ao Observador, o gabinete de imprensa garantiu que “o Ministério Público do DCIAP não tem, neste momento, qualquer diligência agendada no âmbito da designada “Operação Húbris””. O esclarecimento não travou as reações. A mais forte vinda de António Costa, o primeiro-ministro que, durante semanas, recusou deixar cair o ministro da Defesa: é preciso responsabilizar os “eventuais cúmplices e encobridores, sejam quem forem”, disse ao Observador, através do seu gabinete.

António Costa resistiu a deixar cair o ministro da Defesa. Esta quarta-feira disse que é preciso responsabilizar os "cúmplices e encobridores, sejam quem forem" (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Logo depois, Azeredo Lopes foi a jogo e fez saber que já tinha contactado o DCIAP para manifestar não só “total e completa disponibilidade”, mas também “interesse em ser ouvido pela investigação deste caso”. E a essa nota, enviada à Lusa, seguiu-se a confirmação da PGR: essa manifestação de disponibilidade chegou ao DCIAP.

Fica, assim, claro que, mais dia, menos dia, Azeredo Lopes será mais um dos que têm entrado no n.º 213 da Rua Gomes Freire em Lisboa para prestarem declarações. O mais provável é que seja chamado na qualidade de testemunha. Dos argumentos que apresentar dependerá a decisão de, eventualmente, o constituir arguido, se o Ministério Público considerar que colaborou com o encobrimento.

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O que se segue no processo?

Sem diligências agendadas para os próximos dias, como indicava a resposta da Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público está, agora, a juntar todos os elementos reunidos pela investigação da Polícia Judiciária – nomeadamente os recolhidos durante as buscas e revelados pelos arguidos nos interrogatórios – e a encontrar os caminhos que hão-de levar a uma acusação ou ao arquivamento do caso. Até lá, outras pessoas podem juntar-se à lista dos, para já, nove arguidos: o ex-diretor da PJM, Luís Vieira (que está em prisão preventiva), o ex-porta-voz (em prisão domiciliária), três inspetores da mesma polícia e três militares da GNR de Loulé (todos suspensos de funções) e um civil (também em prisão preventiva), que terá estado envolvido no assalto aos Paióis Nacionais de Tancos e que, alegadamente, combinou com a PJM e a GNR a encenação para devolver as armas roubadas.

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Nesta altura, o inquérito investiga crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas. Uma parte deles poderá vir a ser imputada a Azeredo Lopes, caso o ex-ministro venha a ser constituído arguido – por exemplo, o crime de denegação de justiça e o de favorecimento pessoal.

A investigação à investigação do roubo de armas

O facto de a Operação Húbris – e o eventual envolvimento de Azeredo Lopes – ter acabado por ser apelidada de “caso Tancos” acabou por confundir dois inquéritos diferentes, parecendo que tudo está a ser investigado no mesmo processo – o do desaparecimento das armas. Na prática, a Húbris é, na verdade, uma investigação à investigação.

Quando, a 8 de junho de 2017, um sargento e uma praça, que faziam uma ronda móvel, perceberam que as fechaduras dos paióis 14 e 15 tinham sido arrombadas com violência e faltava material no interior, o caso do assalto aos Paióis Nacionais de Tancos foi entregue, como era normal, à Polícia Judiciária Militar. Alguns dias depois, porém, havendo a suspeita de que as armas poderiam ser usadas por organizações especialmente violentas e em crimes de terrorismo, a Procuradora-geral da República decidiu tirar a investigação das mãos da PJM e entregá-la à PJ civil, o que desagradou aos militares.

O assalto foi descoberto a 8 de junho de 2017 por um sargento e uma praça que faziam uma ronda móvel (PAULO CUNHA/EPA)

PAULO NOVAIS/EPA

Passaram-se semanas sem que fosse descoberto o paradeiro do armamento, até a PJM fazer um anúncio surpreendente: na sequência de uma denúncia anónima, as armas desaparecidas do paiol de Tancos tinham sido encontradas num terreno descampado na zona da Chamusca “na prossecução das suas diligências de investigação no âmbito do combate ao tráfico e comércio ilícito de material de guerra (…) com a colaboração do núcleo de investigação criminal [NIC] da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Loulé” — e, de imediato, recolhidas no quartel de Santa Margarida, impedindo qualquer trabalho de investigação pericial na cena de crime, o tal terreno.

Mais do que perplexos, o caso deixou os inspetores da PJ civil curiosos? Que investigação era essa, a que a PJM estava a fazer com o NIC de Loulé? A pergunta acabou por levar à abertura de um novo inquérito: o primeiro continuava a investigar o assalto a Tancos, este outro procuraria apurar em que circunstâncias as armas foram encontradas, com uma desconfiança óbvia – a PJ não acreditava na história contada pela PJM.

Tancos. Como o diretor da PJ Militar terá protegido assaltante e encenado operação para passar à frente da PJ

Escutas, vigilâncias e trabalho de terreno acabaram por levar à conclusão tornada pública a 25 de setembro, quando a PJ avançou para as detenções: não houve qualquer denúncia anónima e o aparecimento das armas foi encenado – numa colaboração entre um dos assaltantes, o topo da hierarquia da PJM e elementos da GNR de Loulé. Nessa altura, fonte da Polícia Judiciária garantia ao Observador que não havia indícios de que outras pessoas tivessem colaborado no encobrimento do caso – uma convicção que caiu com o depoimento do major Vasco Brazão.

Quanto ao assalto propriamente dito, a investigação continua, apenas com uma certeza: um dos suspeitos é o civil que foi detido na Operação Húbris, mas não agiu sozinho – o que, aliás, seria impossível, tendo em conta a grande quantidade de material que foi roubado. A Polícia Judiciária continua à procura dos outros responsáveis e não avança qualquer dado sobre o estado desse outro processo.

Um cenário encenado numa luta de poder

Em qualquer inquérito, os investigadores procuram o móbil – a razão que pode ter levado um suspeito a praticar determinado crime. E, não raras vezes, acabam por concluir que foram motivos fúteis. No caso do achamento das armas de Tancos, não terá sido muito diferente. Na tese da Polícia Judiciária, despeitada por ter ficado sem a investigação ao assalto, a PJM não parou de procurar dados sobre o que aconteceu, numa investigação paralela que não lhe era permitida.

Na tese da Polícia Judiciária, a descoberta das armas roubadas de Tancos foi encenada com a intervenção direta do ex-diretor da PJM, o coronel Luís Vieira

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Quando, alegadamente, recebeu a informação, através da GNR de Loulé, de que um dos assaltantes queria devolver o material, viu a oportunidade perfeita para recuperar a honra perdida e passar à frente dos rivais da PJ. Seria uma forma de “fechar o caso”, com dividendos para a própria imagem, fragilizada por vários processos judiciais.

Tal como o Observador avançou, no dia da Operação Húbris, aquela polícia sentia-se cada vez mais “isolada”, dentro e fora do Exército. Os casos dos Comandos e do Colégio Militar tinham criado distância entre a PJM e os militares. A isso, tinha-se somado a maior “pedra no sapato”: o fracasso nas investigações ao desaparecimento de armas de guerra na Base dos Fuzileiros no Alfeite (Almada) e do Centro de Tropas Comandos da Carregueira, ambos em 2011. Por outro lado, a PJ Militar entendeu sempre que a investigação ao crime de Tancos era da sua competência. E fez tudo para a manter.

PJ Militar recupera armas roubadas em Tancos. PS chama ministro de urgência ao Parlamento

Havia, porém, um problema: a “fonte”, o homem envolvido no furto das armas, nunca poderia ser revelada, o que obrigava a encontrar uma solução alternativa. Nesse contexto, terá sido preparado um plano simples, com a intervenção direta do Coronel Luís Vieira, diretor da PJM: as duas polícias iriam articular-se, as armas seriam deixadas num local combinado, para depois serem encontradas, através de uma suposta denúncia anónima. O resto é a história que se conhece: o material desaparecido de Tancos foi descoberto, sem pistas sobre os autores, mas o alegado plano acabou por ruir.

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