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O que faz um homem genial e curioso, possivelmente esquizoide, com tanto de imaginação fértil como de frieza emocional, num mundo que já está a ser descoberto? Torna-se o arquétipo do Renascimento, uma época em que a humanidade se voltou para si mesma e aprendeu a aprender sobre tudo o que havia à sua volta.
Leonardo da Vinci foi um desses homens. Conhecemo-lo sobretudo por obras tão emblemáticas como Mona Lisa ou A Última Ceia, mas o legado deste renascentista vai para muito além da pintura.
Leonardo, um polímata, abriu cadáveres contrariando a Igreja Católica, desenhou instrumentos musicais, estudou física, criou armas de guerra e inventou cidades perfeitas cujos princípios chegaram a ser implementados em Portugal. Mas tudo isso só foi descoberto muito depois da sua morte, faz este 2 de maio 500 anos. Tudo ficou em segredo durante séculos. Porque nem tudo o que Leonardo fazia era legal. Ou moral à luz dos costumes de então.
Cientistas e especialistas de várias áreas comentam, 500 anos depois, as invenções do génio. E confirmam que muito do que inventou só agora, cinco séculos depois se confirmou ou concretizou. Mostrando como ele estava certo.
Entre o génio e o fiasco: a vida íntima de Leonardo Da Vinci e a influência nas suas obras
Medicina
Roubava cadáveres para estudar as entranhas
Quando a noite caía, Leonardo da Vinci, e provavelmente uma escola de seguidores, seguiam para a rua para roubar restos mortais nos cemitérios ou os cadáveres dos criminosos caídos nas ruas. Às escuras, levavam os corpos para um estúdio para que Leonardo passasse a noite a dissecá-los e a desenhá-los. Foi assim que, depois de desenhar exaustivamente o “homem de proporções perfeitas”, como o de Vitrúvio, Leonardo da Vinci criou dezenas de páginas sobre a complexidade do interior do corpo humano.
Foi isto que nos contou Alexandra Bettencourt Pires, professora de anatomia da Universidade Nova de Lisboa: “A caminhada de Leonardo da Vinci na anatomia é um exemplo perfeito da transdisciplinaridade entre ciência e arte. É uma característica do início do humanismo que depois evoluiu para a especialização, como ainda existe hoje, mas que está a regressar”, considera. E acrescenta: “Leonardo foi dos primeiros a estabelecer a ideia de ciência exata e rigorosa”.
Segundo ela, os anatomistas nunca puderam “prestar a justa homenagem” a Leonardo da Vinci enquanto grande contribuidor para o estudo desta ciência. Por dois motivos. Um deles é que da Vinci tendia a usar sempre a mesma tela quando fazia alguns dos esboços: “Há camadas de desenhos belíssimos sobrepostos e que vão desaparecendo. Só agora, com tecnologias mais avançadas, é que os podemos espreitar”, desvenda.
Mas a grande razão para o desconhecimento da contribuição de Leonardo da Vinci para a medicina surge porque ele escondia o que fazia e o que descobria. “As representações anatómicas e muito da arte ficaram escondidas durante séculos porque ele dissecava em segredo. O Papa proibiu a dissecação e ele foi expulso da Igreja por querer dissecar cadáveres. Boa parte do que fez está agora no Palácio de Windsor, mas nem toda pode ser consultada”, explica Alexandra Bettencourt Pires.
A proibição da Igreja não travou Leonardo da Vinci. E talvez não o tenha travado porque Miguel Ângelo, contemporâneo de Leonardo e um dos seus mais importantes rivais, tinha autorização para dissecar cadáveres. “Miguel Ângelo conseguiu tornar-se um protegido dos Medici. E acontece que o Papa era primo dos Medici, por isso concederam ao escultor a autorização para dissecar cadáveres. Leonardo da Vinci nunca teve essa vantagem”, conta a professora.
Por estar a quebrar as regras, Leonardo da Vinci nunca conseguiu tornar pública uma obra completa. E, como tal, nunca foi considerado “pai da anatomia”. Esse estatuto pertence a Versálius, que apesar de ter contribuído para o conhecimento do esqueleto humano, só é considerado pioneiro da anatomia por ter uma obra publicada. Na Idade Média, a referência era Galeno porque vendia escritos nas feiras, mas “nem sequer temos noção do que está certo e errado” nesses trabalhos, descreve Alexandra Bettencourt Pires.
Para a docente, Leonardo da Vinci foi o verdadeiro pai da anatomia: “Nós, como anatomistas, quando vemos as obras de arte dele, percebemos que aquela precisão só era possível obtendo um conhecimento aprofundado do corpo humano. Vendo-o por dentro. Mas também era preciso ser um visionário porque nem tudo era possível observar com a tecnologia da época. Para nós, ainda não é completamente claro se Leonardo queria aperfeiçoar a arte por meio da anatomia ou se foi pela curiosidade pela anatomia que aperfeiçoou a arte”.
Alexandra Bettencourt Pires refere-se aos desenhos de fetos dentro de úteros ou da cópula entre um homem e uma mulher — coisas que não havia tecnologia que permitisse ver com a exatidão com que Leonardo a Vinci as desenhou. Mas não só. Leonardo foi extremamente importante no estudo das válvulas cardíacas e foi o primeiro a descrever o fenómeno da asteroclerose e da cirrose hepática.
Mais: ele desenhou o sangue a fluir ao longo da artéria aorta com uma precisão que só pudemos observar verdadeiramente muito tempo depois com o surgimento dos eco-dopplers. Isso mesmo transparece no estudo “As Humanidades e as Ciências: Dois Modos de Ver o Mundo”, assinado por Alexandra Bettencourt Pires e por Laura Pires, da Universidade Católica de Lisboa.
Nesse estudo, uma figura da médica cardiologista Ana Gomes de Almeida compara um desenho da circulação pela aorta de Leonardo da Vinci com as imagens obtidas hoje em dia através de uma ultrassonografia. O desenho é precisamente igual à imagem. “Demonstram o rigor representativo de Leonardo, à luz dos conhecimentos da medicina, passados 500 anos”, considera Alexandra Bettencourt Pires.
Matemática
“Divina proporção”, número de ouro e perspetiva
Leonardo da Vinci não contribuiu com resultados significativos para estudo da matemática, mas foi um estudioso que a utilizou exaustivamente. É isso que nos explica Suzana Nápoles, professora no departamento de matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Fê-lo “na procura da perfeição, beleza e harmonia nas suas obras”: “Conceitos matemáticos como perspetiva linear, simetria e proporcionalidade influenciaram diretamente a sua arte”.
O exemplo mais imediato de Leonardo da Vinci matemática está nas seis dezenas de desenhos de formas geométricas que desenvolveu para ilustrar o livro “De Divina Proportione”, do frade franciscano Luca Pacioli: “Baseou-se nos textos e modelos de Pacioli para produzir desenhos que, pela primeira vez, representaram poliedros através do desenho das suas arestas, permitindo ver através das faces ocas a sua estrutura global”, concretiza Suzana Nápoles.
Foram esses desenhos que muitas vezes foram usados pelos matemáticos para estudar os poliedros — sólidos tridimensionais com faces planas, arestas retas e vértices pontiagudos, como os cubos ou as pirâmides. Em “De Divina Proportione”, Leonardo desenhou esses poliedros aos pares: umas faces são ocas, outras são sólidas.
Mas não só: é também com esse livro que o renascentista utiliza a proporção áurea ou número de ouro, a sucessão de Fibonacci e a perspetiva linear.
O número de ouro é uma constante algébrica irracional — não pode ser obtido pela divisão de dois números inteiros — que já devia ser usado na Antiguidade. “Na grande pirâmide de Gisé no Egipto a razão entre a altura de uma face e metade do lado da base da pirâmide é a razão de ouro”, exemplifica Suzana Nápoles.
E também há uma referência à proporção áurea no ano 300 a.C. “Os Elementos”, da autoria do matemático grego Euclides, que diz: “Um segmento de reta diz-se dividido em média e extrema razão, se a razão entre o menor e o maior dos segmentos é igual à razão entre o maior e o segmento todo”.
Ora, Leonardo da Vinci utiliza esses conceitos sobretudo em três peças: O Homem Vitruviani, Mona Lisa e Última Ceia. “Apesar das ligações entre a matemática e a arte remontarem à antiguidade, foi durante o período do Renascimento, e com artistas como Leonardo da Vinci, que elas se tornaram importantes. A razão de ouro foi muito utilizada neste período porque a sua utilização facilitava retratar a realidade com mais perfeição”, explica a professora de matemática.
O Homem Vitruviano é um desenho do “homem perfeito” de Leonardo da Vinci seguindo as indicações de Vitrúvio, o arquiteto romano que escreveu “De architectura”. Segundo ele, num humano de proporções perfeitas, “O umbigo é naturalmente colocado no centro do corpo humano e, se num homem deitado com o rosto para cima e as mãos e os pés estendidos, do umbigo como centro, se descrever um círculo, ele tocará os dedos e dedos do pé”.
E prossegue: “Não é só por um círculo que o corpo humano é assim circunscrito, como pode ser visto colocando-o dentro de um quadrado. Para medir dos pés ao topo da cabeça, e depois através dos braços totalmente estendidos, achamos a última medida igual à anterior; de modo que as linhas perpendiculares entre si, envolvendo a figura, formarão um quadrado”.
Estas descrições colocadas na prática representam todas o número de ouro. É que “Vitrúvio já havia tentado encaixar as proporções do corpo humano dentro da figura de um quadrado e uma circunferência, mas as suas tentativas ficaram imperfeitas”, conta-nos Suzana Nápoles: “Foi apenas com Leonardo que o encaixe saiu perfeito dentro dos padrões matemáticos esperados”.
É também com o intuito de encontrar a perfeição que Leonardo da Vinci usou o número de ouro em Mona Lisa: “Mais do que retratar uma figura feminina, representou uma jovem que engloba os cânones de beleza feminina obtidos através de proporções áureas”, acrescenta a professora. Por exemplo, a face da Mona Lisa pode ser enquadrada num retângulo de ouro que é dividido
pela linha dos olhos num quadrado e noutro retângulo de ouro — algo que até pode contribuir para a ilusão de que a figura retratada está sempre a observar-nos, seja de que ângulo fôr. O que não passa de um mito.
Essa divisão constante obedece a outro conceito matemática: a sucessão de Fibonacci. Segundo a docente da Universidade de Lisboa, “trata-se de uma sucessão de números inteiros, em que os dois primeiros termos são iguais a 1 e, a partir do terceiro, cada termo é obtido pela soma dos dois termos anteriores”.
“Dividindo cada termo da sucessão pelo seu antecedente obtém-se uma nova sucessão cujo limite é o número de ouro. E justapondo quadrados em que a medida do lado coincide com os termos da sucessão de Fibonacci constrói-se a espiral de Fibonacci”. E é dentro dessa espiral que se enquadra toda a figura feminina de Mona Lisa.
Quanto à Última Ceia, nessa obra Leonardo da Vinci mostra-nos a perspetiva linear. “Usou os princípios matemáticos da perspetiva linear, a ‘construzione legitima’, cujos elementos são linhas paralelas, a linha do horizonte e o ponto de fuga”, explica Suzana. Mas também desenhou linhas alicerçadas no comportamento da luz sobre os objetos e nas características óticas dos mesmos: “A ilusão de profundidade é obtida através de um esbatimento das formas”, concretiza.
Música
Era músico antes mesmo de ser pintor
Há dois Leonardo da Vinci, o músico, explica-nos Slawomir Zubrzycki, o pianista polaco que trouxe de novo à vida uma das invenções instrumentais do renascentista italiano — a viola organista: “Leonardo da Vinci começou por se apresentar como músico quando chegou a Milão. A influência dele nesta área artística faz-se primeiro como intérprete, mas sobretudo como um investigador que desenvolveu instrumentos musicais e estudou a acústica”.
Ou seja, há mais de 500 anos, Leonardo da Vinci estreou-se no mundo das artes como intérprete e professor de música. A obra “Codice del Anonimo Gaddiano”, um livro escrito entre 1506 e 1532, confirma que “Leonardo era um orador eloquente e um excelente músico da lira”. “De Lorenzo, o Magnífico [Medici], foi enviado ao Duque de Milão [Lodovico il Moro, da família Sforza], para lhe apresentar, junto com Atalante Migliorotti, uma lira, já que ele era o único a tocar este instrumento“, desvenda.
Isto significa que Leonardo da Vinci era exímio a tocar um dos instrumentos mais importantes da época, principalmente em Itália: “A lira da braccio tornou-se uma das ferramentas características para o Renascimento pretendido da antiga tradição dos rapsodos. O uso da lira da braccio permaneceu limitado à Itália com pouquíssimas exceções, todas envolvendo formas tardias e maiores do instrumento”, conta Emanuel Winternitz, que em 1982 escreveu o livro “Leonardo da Vinci as a Musician”.
Segundo ele, esta faceta do artista é pouco conhecida porque “nenhuma composição escrita dele chegou até nós e, com toda a probabilidade, nunca existiu”: “Ele era improvisador. E não era costume dos improvisadores do tempo de Leonardo confiar as suas músicas ao papel. Por isso não é de surpreender que os historiadores musicais modernos tenham pouco interesse na rica e subtil cultura da improvisação”.
Como inventor, Leonardo da Vinci também se dedicou a imaginar novos instrumentos e a melhorar os que já existiam. Exemplo disso é a viola organista, o instrumento que o músico polaco construiu com base nas ideias de Leonardo.
Segundo Slawomir Zubrzycki, a viola organista é “dos mais complicados” instrumentos que Leonardo da Vinci inventou, tanto que o artista dedicou pelo menos dez folhas de apontamentos a desenvolver essa ideia. “O que Leonardo da Vinci pretendia fazer com a viola organista era aliar as polifonias permitidas pelos instrumentos de teclas como o órgão com o alcance sonoro dos instrumentos de corda, como a viola. Ele achava que os sons das teclas do piano eram curtos e queria prolongá-los”, conta-nos Slawomir Zubrzycki.
E conseguiu. A teoria que deixou nos esboços chegaram à prática quando Slawomir Zubrzycki lhes deu vida, após cinco mil horas de trabalho e 10 mil dólares de investimento. “Tive acesso aos esboços de Leonardo da Vinci no Codex Atlanticus, que tem mais de mil documentos dele escritos entre 1489 e 1492 e com mensagem escrita em espelho (ao contrário). O design de Leonardo é um esboço de um conceito de construção para um instrumento de cordas curvadas que, ao mesmo tempo, é um instrumento de teclado”, resume ele.
Física
O estudo das ondas sonoras
Ainda que Leonardo da Vinci fosse conhecido, pelo menos à época, como um intérprete importante, aquilo que o destacou ao longo da história foi a investigação que fez em torno da música. “Uma grande parte dos esboços de Leonardo eram dedicados a estudar a propagação do som em determinados materiais, a forma como o som se comporta em vários ambientes”, explica Slawomir Zubrzycki.
Foi a partir desses esboços que o pianista polaco se apercebeu das investigações de Leonardo da Vinci em torno dos fenómenos sonoros. Muitas das análises que o renascentista fez para estudar o som eram baseadas em comparações com outros fenómenos, como o comportamento da luz, a influência dos fluxos de água quando interagem com outros objetos ou a forma como os cheiros viajam.
De acordo com Emanuel Winternitz, os estudos do som de Leonardo da Vinci passaram sobretudo por três tópicos: “Como as linhas do fluxo penetram em todas as paredes”, “como, quando encontra um buraco, causa muitas linhas [de fluxo sonoro], cada uma mais fraca que a primeira” e “a voz do eco”.
Uma das conclusões a que chegou foi a de que “embora os sons que atravessam o ar viajem a partir das suas fontes por movimentos circulares, os círculos que são impulsionados pelas diferentes forças motoras encontram-se sem qualquer impedimento e penetram e atravessam-se, mantendo sempre as causas, assim como os centros”, pode ler-se nos apontamentos de Leonardo da Vinci. A outra foi que “a voz é como uma respiração fumegante de ar e é verdadeira quando percebida pelo senso de audição”.
Leonardo da Vinci descreveu como “todo o som é causado pelo ar que atinge um corpo denso”, escreveu ele no Codex Atlanticus: “Se é feito por dois corpos pesados um com o outro é por meio do ar que os cerca. E esse atrito desgasta os corpos que são esfregados”.
O artista também explica como o som não se propaga no vácuo: “Os céus no seu atrito, não tendo ar entre eles, não produziriam som. Se, no entanto, essa fricção realmente existisse, nos muitos séculos em que esses céus giraram, teriam sido consumidos por sua imensa velocidade de todos os dias”.
Além do sentido científico do estudo do som, Leonardo da Vinci também se dedicou ao sentido semântico. Isto é, distinguiu as palavras relacionados com as ondas sonoras — uma distinção que, de acordo com Emanuel Winternitz, não existia antes ou, pelo menos, não era completamente clara. Por exemplo, foi ele quem distinguiu os termos “voce”, “sonot” and “tono” — em português, “voz”, “som” e “tom”.
Arquitetura
Como as muralhas de da Vinci chegaram a Portugal
Leonardo da Vinci esteve envolvido na reconstrução da Catedral de Milão, já no final do século XV, cem anos depois da inauguração do edifício. Além disso, o artista também seria chamado para desenhar planos arquitetónicos para uma residência real em Romorantin, no centro de França — planos que ficaram por terminar aquando da sua morte.
Ainda assim, no papel, ficaram outras ideias muito progressistas para a época, como a construção de uma cidade por níveis. Um esboço feito entre 1487 e 1490, que agora está em exposição na Biblioteca do Instituto de França, mostra como Leonardo da Vinci pretendia melhorar a organização urbana de Milão para evitar problemas de falta de higiene, pragas e trânsito.
“A cidade teria dois níveis, um para pedestres e outro para o tráfego e para o funcionamento dos esgotos”, descreveram o historiador de arte Vítor Serrão, professor na Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa. “Essa separação servia para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos”, acrescenta. Da Vinci também queria limitar a altura de qualquer edifício e isso permitiria novamente que o ar e a luz solar circulassem mais livremente pelas ruas.
Mas muitas das ideias arquitetónicas de Leonardo da Vinci não se ficaram pelo papel. Uma delas chegou mesmo a Portugal: “Um contributo, dos poucos que fica de Leonardo em Portugal, é a arquitetura militar dos torreões no castelo de Évora Monte. Derivaram de projetos dele”, conta-nos Vítor Serrão.
Mas não só. Margarida Valla, arquiteta do Instituto de História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa , acrescenta que no Castelo de Vila Viçosa também há sinais das projeções de Leonardo da Vinci, nomeadamente nas fortalezas quadrangulares: “Os traços militares foram trazidos por Benedetto da Ravenna, que era um engenheiro militar italiano muito famoso do princípio do século XVI. Ele é que veio com esse modelo, mas o mais provável é que os tenha visto nos desenhos de Leonardo da Vinci”.
Fora de Portugal, outro exemplo de um projeto de Leonardo da Vinci que ganhou vida é a ponte Vebjørn Sand. Leonardo da Vinci tinha proposto uma ponte de 366 metros de comprimento e 24 metros de largura que devia ser erguido em 1502 para o sultão Bayezid II de Constantinopla. O projeto ficou perdido durante 400 anos e só foi reencontrado em 1952.
Nas ideias de Leonardo da Vinci, a ponte teria também um vão que se erguia a 43 metros de altura para permitir a passagem de embarcações. Se tivesse sido construída em 1502 tal como Leonardo da Vinci a tinha imaginado seria a maior ponte do mundo à época. No entanto, só em 1996 é que começou a ser construída na Noruega, mais especificamente em Ås. Foi terminada e aberta ao público em 2001.
Engenharia
Um homem da paz que imaginava armas de guerra
Em 1482, quando saiu de Florença e se mudou para Milão, Leonardo da Vinci sabia que faria dinheiro com a engenharia militar. Segundo Claudio Giorgione, curador da exposição “A Mecânica da Genialidade” no Museu de Ciência de Londres, Leonardo da Vinci “não gostava da guerra”. Era mesmo “um homem da paz”. Mas usava o dinheiro conseguido a projetar armas de guerra para o investir em interesses pessoais — como a anatomia ou a música.
Uma das invenções mais famosas de Leonardo da Vinci nesta área é aquilo a que ele chamou “veículo blindado” e que deve ter evoluído para os tanques modernos. Nos projetos de Leonardo, o veículo blindado podia mover-se em todas as direções por ser redondo. No interior, esconderia muitas armas carregadas e protegidas por um escudo de metal. Mas suspeita-se que terá sabotado as próprias invenções para nunca chegarem a ser realmente usadas.
Mas um dos aspetos mais interessantes do pensamento de Leonardo da Vinci na engenharia militar era a consciência de que, mais do que conceber uma arma mortífera, era importante que ela parecesse mortífera aos olhos dos inimigos. Tinha de ser intimidadora. Foi com isso em mente que criou um arco gigantesco que lançaria mísseis ou munições explosivas (outra das suas invenções) para uma distância maior do que já tinha sido alcançado anteriormente.
Menos mergulhado na engenharia militar, outra das invenções mais ilustres de Leonardo da Vinci foi um objeto voador semelhante aos helicópteros modernos. Chamava-se “parafuso aéreo” nos esboços do artista e foi desenhado em 1493.
“Se este artefacto em forma de parafuso for bem construído – ou seja, feito de linho recoberto com goma e girado rapidamente, o dito artefacto em forma de parafuso vai perfurar o ar com a sua espiral e subirá alto”, descrevem os apontamentos de Leonardo da Vinci. Seria preciso esperar quase 450 anos para que algo semelhante voasse pela primeira vez.