Um permanente incómodo de que o PS se quer libertar rapidamente. Esta semana, Fernando Medina veio tentar pôr uma pedra sobre a polémica mais recente a envolver a TAP e insistiu repetidamente na ideia de que as exonerações feitas serão um “virar de página” na gestão da companhia aérea. Ainda assim, o PS está consciente de que a TAP é um tema que “só dá problemas” e que dificilmente ficará por aqui, podendo até condicionar o próprio futuro interno do partido. A urgência é, por tudo isto, uma: virar rapidamente a agulha para o PSD.
A estratégia passa por embaraçar os sociais-democratas a cada passo em falso. Qualquer simples referência à TAP é sempre origem de combate político nos minutos seguintes e, desta vez, não foi diferente. Na terça-feira, em declarações ao Observador, Paulo Rios de Oliveira, deputado do PSD, defendeu que a companhia não devia ser privatizada neste momento, o que provocou estupefação até no partido, historicamente a favor da privatização da TAP.
António Costa não perdeu a oportunidade. Quando confrontado com a afirmação do deputado social-democrata, o primeiro-ministro atirou: “Sou absolutamente incapaz de comentar as posições do PSD sobre a TAP tal a sua volatilidade“. O socialista faria imediatamente o histórico de decisões políticas sobre a companhia nos últimos anos, incluindo a da venda, promovida pelo Governo PSD/CDS, “já depois de aprovada a moção de censura ao seu último Governo e quando se devia inibir de praticar estes atos”.
Luís Montenegro ainda tentaria fazer a gestão de danos possível, dizendo que o seu deputado não tinha dito o que efetivamente disse, que António Costa tinha perdido a “noção do ridículo” e que o PSD defende convictamente a privatização da TAP. Para Montenegro, aliás, foi António Costa quem fez “uma inversão completa” de posição, ao defender agora a privatização que reverteu.
Na verdade, a fita do filme da TAP pode ser puxada bem mais atrás — e implica PS e PSD. As duas primeiras tentativas de privatização da companhia, pós-25 de Abril, aconteceram pela mão de governos socialistas (em 2000, durante o segundo consulado de António Guterres, e em 2007, no primeiro governo de José Sócrates). Em 2011, quando chegou ao Executivo, Pedro Passos Coelho tinha a intenção de privatizar a companhia — mas, com a crise financeira pelo meio, essas ambições caíram por terra.
O plano acabaria por ser finalmente concretizado em 2015, com Passos a lembrar que “pelo menos desde 1997 que os governos andam a ver se conseguem resolver o problema da TAP”, defendendo que era preciso deixar de “arrastar” o problema. Mas a decisão seria imediatamente atacada pelo PS, que depois nacionalizaria a companhia — e o passa-culpas continua até hoje.
“A partir de agora é apontar ao PSD”, diz um deputado do PS sobre a forma de atacar o problema nesta altura, apontando a comissão parlamentar de inquérito como uma oportunidade para isso mesmo. “Perdido por cem, perdido por mil”, acrescenta a mesma fonte. Por um lado, o PS sabe que, ao viabilizar a comissão de inquérito como um sinal de diálogo com a oposição, seria alvo de um escrutínio ainda maior — e não quer ficar sozinho nesse plano. Por outro, o dossiê queima tanto Fernando Medina — o ministro na mira da oposição, que ainda esta semana o PSD considerava “publicamente debilitado” — como Pedro Nuno Santos.
Ou seja, a questão da TAP tem o potencial de atingir dois dos nomes mais falados para uma sucessão futura de António Costa na liderança do PS. Mesmo depois de o primeiro-ministro ter defendido Medina e considerado que com a saída de Pedro Nuno o assunto está, em termos de consequências políticas, resolvido, não é de esperar que a oposição vá poupar o antigo autarca. Assim, e não conseguindo pôr fim a uma trama complexa, o PS pretende arrastar o PSD para o palco, falando na privatização lançada ainda pelo Governo PSD-CDS como a “semente do mal”.
É uma estratégia que não espantará o PSD, que já em fevereiro acusava o PS de “descaramento” por estar a apontar culpas ainda ao Governo de Passos Coelho — isto quando foi noticiado que Passos teria validado o facto de a privatização da TAP em 2015, ganha por David Neeleman, ter sido feita com dinheiro da própria companhia.
O PS não demorou a agarrar a notícia, chamando o atual vice do PSD, Miguel Pinto Luz (secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações de Passos) a dar explicações no Parlamento. E o líder parlamentar dos socialistas, Eurico Brilhante Dias, disparou: “Não fazemos ajustes de contas. (…) Não somos cegos, não somos surdos, e aquilo que tem acontecido nas últimas semanas é que há factos não conhecidos que têm vindo a lume e que não nos podem deixar indiferentes”.
TAP “só dá chatices”, lamenta PS. E foi maior problema da campanha
Em nenhum dos lados deste combate se ignora o peso que a TAP traz e como as questões da companhia queimam todos. Tanto que na conferência de imprensa desta semana, Fernando Medina carregou na ideia de “um virar de página” e também na da “justificada indignação” que o caso de Alexandra Reis e a volumosa indemnização que recebeu para sair da TAP provocaram concretamente nos contribuintes.
Entre socialistas é frequente ouvir-se que “a TAP só dá chatices” e que ainda que do ponto de vista do interesse nacional a privatização possa não ser um sonho, “do ponto de vista do interesse do Governo é muito importante vendê-la o mais rapidamente possível”, concede um deputado do partido.
Luís Paixão Martins, o homem que Costa chamou para gerir a comunicação da sua última campanha eleitoral, admitiu, em entrevista ao Observador em janeiro, que a TAP sempre foi visto como um “ativo tóxico em termos de comunicação do Governo e do PS”. “Os portugueses detestam a TAP e é irrelevante que ela tenha resultados positivos ou não tenha ou se os aviões andam a horas ou não andam”, disse sobre a “péssima reputação” que foi criada à volta da companhia aérea.
Durante a campanha eleitoral, Paixão Martins apercebeu-se de que mais do que “José Sócrates ou qualquer outra personalidade política (…) a TAP é que era a mãe das maiores dificuldades narrativas do PS”, como confidencia no seu livro “Como perder uma eleição”. E entrou mesmo pela campanha, pela mão de Rui Rio num debate com António Costa em que o então líder do PSD embaraçou o socialista mostrando a diferença de preços entre um bilhete para São Francisco, partindo de Lisboa e partindo de Madrid.
Paixão Martins recorda que nesse debate a oposição aparecera “muito bem preparada e com argumentos de difícil oposição. A candidatura não levantou voo”, conclui sobre a frente cuja comunicação estava a orientar. Ao Observador acrescentou que se já era assim na altura, pior é um ano depois. “Na campanha eleitoral há um ano, era o elemento mais crítico que a candidatura do PS tinha. Passado um ano eu acho que é muito mais crítico ainda e que 2023 é um ano decisivo. Se o PS quer ir para as próximas eleições com a possibilidade de não entregar o poder à direita, tem de resolver este ano a questão da TAP.”
PS pede “calma”: Estado deve manter influência
A solução não é simples. O longo histórico de decisões sobre a TAP mostra a sensibilidade do tema e o incómodo político que sempre vem associado. Neste momento e com a privatização agendada “para breve”, o PS pede cautela ao Governo.
“Isso exige calma“, aponta um deputado que embora reconheça a necessidade de resolver o problema com rapidez, aponta a necessidade de o Estado português manter alguma influência na companhia, sob pena de a transformar numa empresa aérea de aviação secundária.
“O Governo deve proceder à devida alienação, mas garantindo que o centro de decisões de mantém em Portugal, bem como as slots de Lisboa e que a TAP continuará a ser a maior exportadora nacional”, acrescenta. “Há coisas mais importantes do que o dinheiro [da venda]”, avisa-se no PS.
Até porque, mesmo que o Executivo queira agora voltar a privatizar a companhia, há anos que António Costa e o seu Governo defendem a importância da TAP para a economia nacional e para a posição de Lisboa. A manutenção da influência sobre a companhia aérea de bandeira terá de ser um ponto decisivo nessa negociação.