Índice
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[Este é o quinto de oito artigos sobre a história e nomenclatura do calçado e suas marcas mais conhecidas. As marcas de sapatos desportivos repartir-se-ão por dois artigos: este tratará das marcas americanas, o segundo ocupar-se-á do resto do mundo. Os artigos anteriores podem ser lidos aqui:]
- Dos pés descalços aos reis de todos os passos: breve história das marcas de calçado (parte 1)
- O sapato desportivo e a prova dos saltos altos: breve história das marcas de calçado (parte 2)
- Pés descalços, arrependimentos e penitências: breve história das marcas de calçado (parte 3)
- Sandálias, tamancos e galochas: breve história das marcas de calçado (parte 4)
Keds
A U.S. Rubber Company, que, em 1892, fora pioneira na difusão dos sapatos de sola de borracha nos EUA, apercebeu-se, em 1916, de que tinha em mãos uma trintena de marcas de sapatos diferentes e decidiu agrupá-las sob uma única marca. A primeira escolha para nome da nova marca foi Peds (supostamente do latim “pedes” = “caminhante”), mas como este já estava registado comercialmente, optou-se por Keds.
A Keds foi a primeira marca a comercializar em massa sapatos desportivos de lona e foi também pioneira em criar linhas destes sapatos especificamente direccionadas às mulheres. Nas décadas seguintes conseguiu forte penetração quer entre as equipas desportivas profissionais, quer no desporto universitário americano, quer no mercado de massas, disputando a primazia nos EUA com a Converse. Como, na época, o mercado de sapatos desportivos não estava ainda estratificado, era possível ver os mesmos Keds nos pés de pessoas comuns e nos de estrelas como Marilyn Monroe e Audrey Hepburn.
Embora não seja muito conhecida na Europa, a marca continua hoje a ter grande aceitação nos EUA: os jovens apreciam-na pelo seu look “retro”, os mais velhos por lhes trazer à memória a sua juventude. É particularmente popular entre as mulheres, onde tem 7% de quota de mercado, o que a coloca no 5.º lugar do ranking, à frente de marcas como New Balance, Puma, Reebok e Merrell (dados de 2017).
Após sucessivas mudanças de mãos, a Keds pertence, desde 2012, à Wolverine World Wide, uma empresa fundada em 1883, como Hirth-Krause Company, e que passou a Wolverine Shoe and Tanning Company em 1921. Em 2012, a Wolverine World Wide, que já detinha as marcas de sapatos Wolverine e Hush Puppies (lançada em 1958), fabricava sapatos para as marcas Harley Davidson e Cat (do fabricante de maquinaria Caterpillar) e, desde 1997, era também proprietária da Merrell (fundada em 1981), tornou-se num colosso do sector do calçado, ao adquirir ao conglomerado Collective Brands o Performance Lifestyle Group, que, além da Keds, incluía três outras marcas históricas americanas – Saucony (fundada em 1898), Stride Rite (fundada em 1919) e Sperry Top-Sider (fundada em 1935).
Converse
O nome provém de Marquis Mills Converse (1861-1931), que, alicerçado na experiência como gestor numa fábrica de calçado, fundou em 1908 a Converse Rubber Shoe Company, em Malden, Massachusetts. A firma só descobriu a sua vocação desportiva em 1917, ao lançar o modelo de basquetebol All-Star e este só ganhou difusão quando a firma se associou ao jogador de basquetebol Charles “Chuck” Taylor, que deu sugestões para aperfeiçoar o sapato e se tornou no seu paladino.
Os Converse All-Star Chuck Taylor conquistaram o mercado do basquetebol dos EUA e atingiram o apogeu na década de 1960, quando calçavam 70-80% dos praticantes do desporto e 90% dos jogadores profissionais. Porém, a partir do início dos anos 70, os Chuck Taylor, que se tinham mantido quase inalterados desde os anos 20, começaram a enfrentar a competição de modelos mais sofisticados da Puma, da Adidas e da própria Converse, e mais tarde, também da Nike e Reebok.
As receitas da Converse assentavam sobretudo nos Chuck Taylor e quando o sapato foi definitivamente abandonado pelos basquetebolistas – a última vez que um jogador da NBA o usou foi na temporada 1979/80 – a firma parecia condenada. O que a salvou do colapso foi a implantação do Chuck Taylor como sapato “casual” pela cultura juvenil, sobretudo a ligada à música mais alternativa e contestatária.
Esta voga não bastou para impedir a falência da Converse, que acabou por ser comprada em 2003 pela Nike. Esta manteve a Converse como marca autónoma e não mexeu no design clássico das Chuck Taylor (embora tenha lançado também umas Chuck Taylor II), o que criou uma situação embaraçosa para os muitos que calçam Chuck Taylor como manifestação de rebeldia juvenil e como contraposição à Nike, vista como símbolo das multinacionais imperialistas, do capitalismo global e da exploração de trabalho infantil no Sudeste Asiático. Para agravar o paradoxo, o “culto” em torno das Chuck Taylor levou também à multiplicação de “edições especiais”, com preços bem acima dos modelos-padrão e apontadas ao mercado do coleccionismo.
A estratégia tem funcionado, uma vez que em 2021, a Converse ocupou o 5.º lugar das marcas de sapatos desportivos, com 1600 milhões de dólares de receitas.
Nike
Em Portugal costuma pronunciar-se “naique”, mas no país de origem da marca – os EUA – e nos restantes países anglófonos, pronuncia-se “naiki”. Os gregos deveriam ter uma palavra a dizer sobre isto, pois o nome provém de Nike, a deusa grega da vitória, que se pronuncia aproximadamente como “niqué” (com um “e” longo).
Costuma dizer-se que as derrotas são órfãs mas as vitórias têm muitos pais e mães e, com efeito, a mitologia grega propõe duas ascendências diferentes para Nike: segundo Hesíodo seria filha do titã Palas e da oceânide Estige (Styx), e irmã de Kratos (poder), Bia (força) e Zelus (zelo, ardor ou rivalidade); segundo um hino atribuído a Homero, seria filha de Ares, deus da guerra (o Marte dos romanos). Nike terá tomado partido por Zeus e os outros deuses olímpicos na guerra que estes travaram com os titãs e, como recompensa, Zeus ter-lhe-á confiado a condução do seu carro de combate. Nike ficou associada à vitória, quer no domínio militar quer no desportivo, e foi figurada amiúde na arte grega, sobretudo após a vitória sobre os persas na Batalha de Maratona, em 490 a.C. Conta-se que, nesta ocasião, o estafeta grego Fidípides correu os cerca de 40 Km entre Maratona e Atenas sem parar, para dar notícia do desfecho do embate e, antes de desfalecer perante os magistrados atenienses, só teve forças para dizer “Nikomen!”, ou seja, “Vencemos!”, episódio que, com alguns ajustes, poderia dar um formidável anúncio para a marca de sapatos.
A marca desportiva Nike teve origem numa empresa fundada em 1964, na Universidade do Oregon, em Eugene, como Blue Ribbon Sports, por um atleta (Phil Knight) e o seu treinador (Bill Bowerman) e o seu propósito inicial era modesto: importar e comercializar nos EUA, em pequena escala, sapatos desportivos da firma japonesa Onitsuka Tiger, que tinham boa qualidade mas fraca divulgação e que a Blue Ribbon apresentava como alternativa num mercado dominado pela Adidas e pela Puma.
O facto de o americano médio ser mais alto e pesado do que o japonês médio que a Onitsuka tinha como padrão, levou a que Bowerman tentasse adaptar os modelos japoneses ao mercado americano – estes primeiros modelos originais, concebidos por Bowerman, foram fabricados pela firma japonesa Nippon Rubber, mas por esta altura as relações com a Onitsuka estavam a tornar-se tensas e, ao mesmo tempo, a situação financeira da Blue Ribbon estava, apesar do crescimento sustentado das vendas de ténis Tiger, a ficar insustentável, devido à dificuldade em obter financiamento para a expansão do negócio.
Após passar por momentos de aflição, em 1971 Knight e Bowerman autonomizaram-se da Onitsuka, passaram a comercializar apenas os seus próprios sapatos e mudaram de nome de Blue Ribbon Sports para Nike. O crescimento da Nike foi explosivo: nove anos depois já representava 50% do mercado de sapatos desportivos dos EUA e na década de 1980 foi diversificando a actividade por todos os ramos de equipamento desportivo. Em 1990 instalou a sua sede em Beaverton, na área metropolitana de Portland.
A Nike ocupa hoje o lugar 83 na lista de 500 maiores empresas americanas da revista Forbes e é, por larga margem, a empresa n.º 1 do ramo do calçado a nível mundial, em termos de volume de negócios – 46.000 milhões de dólares em 2022, bem acima dos 24.000 milhões da Adidas, a 2.ª classificada (28.000 milhões e 13.400 milhões, respectivamente, se nos cingirmos ao negócio dos sapatos).
No top 10 dos modelos de sapatos desportivos mais vendidos em 2021, os cinco primeiros lugares foram da Nike: 1.º Nike Air Max 270, 2.º Nike Air Force 1 Low, 3.º Nike Air Max Excee, 4.º Nike Air Max 90, 5.º Nike Revolution 5. Nos restantes cinco lugares, a Adidas conseguiu colocar o modelo NMD R1 em 6.º e a Brooks conseguiu colocar as Adrenaline GTS 21 em 8.º, e os restantes três lugares foram também da Nike ou da sua subsidiária Jordan (7.º Air Jordan 1 Mid, 9.º Nike Court Vision Low, 10.º Nike Air Vapormax Plus).
A Nike é também, por larga margem, a 1.ª marca do seu ramo no ranking das 100 Marcas Globais Mais Valiosas, elaborado pela BrandZ, que leva em consideração não só a componente financeira como a imagem que os consumidores têm da marca. A Nike ocupa o 13.º lugar do ranking de marcas mais valiosas elaborada pela Forbes, enquanto a sua eterna rival Adidas só surge no 51.º lugar – e não há outra marca de calçado desportivo no top 100.
Para o prestígio que rodeia a Nike em todo o mundo contribuem certamente os rios de dinheiro que investe em publicidade: a estimativa foi de 3750 milhões de dólares em 2019 e, após quebra em 2020-21 devido à covid-19, estima-se que tenha sido de 3850 milhões de dólares em 2022.
Antes de a Nike de Beaverton ter tomado conta do imaginário mundial, a Nike mais famosa era a Nike de Samotrácia, uma estátua de mármore grega do século II a.C., que estaria, originalmente, instalada num pedestal que reproduzia a proa de um navio, num complexo de templos na ilha grega de Samotrácia. Isto e o facto de os panejamentos da estátua sugerirem uma ventania vigorosa levou os historiadores de arte a sugerir que a estátua foi criada para comemorar uma batalha naval. Entre as várias batalhas que têm sido sugeridas, as mais populares são a vitória, em Salamina (Chipre), de Demétrio Poliorcetes, filho de Antígono I Monophthalmus, sobre Ptolemeu I, num dos muitos conflitos que opuseram os lugar-tenentes de Alexandre o Grande após a morte deste; e a Batalha de Actium, em que Octaviano (futuro imperador Augusto) derrotou as frotas conjuntas de Marco António (seu rival na luta pelo poder em Roma) e Cleópatra.
A estátua foi descoberta em 1863 pelo cônsul francês em Adrianópolis (hoje Edime, na Turquia) e foi enviada para Paris, onde ocupa, desde 1884, posição de destaque no Museu do Louvre. Os seus braços e cabeça nunca foram encontrados. Consta que a designer Carolyn Davidson, que em 1971 criou o famoso logótipo da Nike (e que recebeu pelo serviço 35 dólares, i.e. 200 dólares a preços actuais) se terá inspirado nas asas da Nike de Samotrácia, mas fica-se com suspeita de que isto é uma história inventada a posteriori para conferir uma aura de respeitabilidade à Nike de Beaverton.
Está por apurar qual é a marca de sapatos desportivos mais popular entre os helenistas, mas entre os maratonistas a preferência tem ido inequivocamente para a Nike, sobretudo a partir de 2017, com o lançamento do modelo Nike ZoomX Vaporfly, cuja tecnologia sofisticada, envolvendo uma placa de fibra de carbono na sola, permitiu melhoramentos no rendimento tão óbvios que as Vaporfly (e as suas evoluções) passaram a dominar os lugares cimeiros de todas as competições atléticas de fundo. O domínio das Vaporfly na maratona foi tão esmagador que o sapato foi acusado de ser uma forma de “doping tecnológico” e a entidade internacional que supervisiona o atletismo viu-se obrigada a regulamentar o seu uso. Quem sabe, se o pobre Fidípides tivesse umas Nike Vaporfly nos pés, talvez não tivesse sucumbido ao esforço de correr sem parar entre Maratona e Atenas…
Vans
A história da Vans não é de molde a incentivar os miúdos a queimar as pestanas com trigonometria, divisões de orações, a estrutura do átomo ou o sistema digestivo da vaca, nem a gastar os seus melhores anos de vida em licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Paul Van Doren (n.1930) deixou a escola aos 14 anos, quando estava no 8.º ano de escolaridade e passou a gastar o tempo deambulando pelas corridas de cavalos, até que a mãe, enervada com esta ociosidade, fê-lo empregar-se na fábrica de sapatos Randolph Rubber Company, em Randolph, Massachusetts, a uma vintena de quilómetros de Boston. Van Doren começou a varrer e lavar o chão, mas foi subindo degraus na hierarquia, até chegar, aos 34 anos, a vice-presidente da empresa, que, entretanto, lançara em 1950 a marca de sapatos desportivos Randy e se tornara numa das grandes empresas deste segmento.
Em 1964, a administração enviou Paul Van Doren para a Califórnia, juntamente com o seu irmão James, que entrara para a empresa alguns anos depois, para tentar recolocar nos carris a outra fábrica da Randolph, em Garden Grove, que acumulava prejuízos – e em apenas oito meses a fábrica regressou aos lucros. Este sucesso terá contribuído para que Van Doren tenha decidido colocar o seu talento empresarial ao serviço de si mesmo e deixar a Randolph – em 1966, em sociedade com o irmão e um amigo, Gordon Lee, fundou a Van Doren Rubber Company, em Anaheim, na Califórnia. O logótipo foi desenhado pelo filho de James Van Doren, então com 13 anos.
Entretanto, em 1965, a Randy lançara o primeiro sapato destinado à prática de skateboard, o Randy 720, que tomava como base o mais popular modelo da Keds e dotava-o de uma sola particularmente aderente numa borracha designada como Randyprene – e foi também para a comunidade de skateboarders que a Vans orientou os seus primeiros produtos, que rapidamente ganharam forte implantação, de forma que no final da década de 70 a firma já tinha 70 lojas na Califórnia.
Tal como aconteceu com os Converse “Chuck Taylor”, os Vans acabaram por ser adoptados como sapato “casual” pela cultura juvenil, em particular a que está ligada à música alternativa, vínculo que foi reforçado a partir de 1999 pelo patrocínio da marca à Warped Tour, um festival de Verão itinerante centrado no punk e vocacionado para público adolescente. Tal como a Converse, a Vans vive de “reeditar” variantes de modelos que foram criados décadas antes de os seus actuais clientes terem nascido.
A Vans faz, desde 2004, parte da VF Corporation, um conglomerado de vestuário, calçado e mochilas que inclui a Eastpak, a Timberland e a North Face.
Outras marcas americanas
Embora a Saucony tenha uma história que remonta a 1898 e seja uma marca popular nos EUA, a sua notoriedade nas nossas paragens é muito inferior à das marcas acima, por só tardiamente ter começado a ser comercializada em Portugal. A primeira fábrica foi erguida em Kutztown, Pennsylvania, nas margens do Saucony Creek, ribeiro de onde a marca retira o nome (que se pronuncia “sócanii”) e o logótipo, que pretende evocar o fluir da água e três pedras no meio do ribeiro. Em 1968, a Saucony foi absorvida pela Hyde Athletic Industries, fundada em 1910 em Cambridge, Massachusetts, por um sapateiro judeu russo que emigrara para os EUA e adoptara o nome de Abraham Hyde, e que se convertera num relevante fabricante de sapatos desportivos. A Hyde acabou por concentrar as actividades neste segmento sob a marca Saucony, mas dificuldades financeiras levaram a que a Saucony fosse adquirida em 2005 pela Stride Rite; após vários rearranjos empresariais, a Saucony acabou, em 2012, por ser integrada na Wolverine World Wide.
Quando foi fundada, em 1906, perto de Boston, por William J. Reilly, a New Balance Arch Support Company estava focada, como o nome indica, no fabrico de suportes para o arco do pé. Só em 1938 a empresa produziu o seu primeiro sapato desportivo e só alguns anos depois centraria o nome no fabrico destes e mudaria o nome para New Balance Athletic Shoe Company. As vendas e a notoriedade da marca mantiveram-se modestas até 1972, altura em que foi comprada por Jim Davis (m.1943), que faria da New Balance um dos nomes mais respeitados do sector; o “N” seria adoptado como logótipo quatro anos depois. No ano 2000, a New Balance atingiu pela primeira vez um volume de vendas de 1000 milhões de dólares e, com a subsequente aquisição de várias outras marcas (PF Flyers, Warrier Lacrosse e Rockport, entre outras), chegou em 2021 a um volume de vendas de 4400 milhões de dólares.
Com um volume de vendas de 6300 milhões de dólares (2021), a Skechers, com sede em Manhattan Beach, Califórnia, é a 3.ª maior marca de sapatos desportivos no mercado americano e a 5.ª maior no mercado mundial. A sua ascensão a este patamar foi relativamente rápida, uma vez que foi fundada em 1992. A Skechers começou por focar-se em sapatos de “streetwear”, uma designação vaga para a moda “casual” associada ao surf, ao hip hop e ao indie rock que estava então a ganhar força entre os jovens urbanos dos EUA. Só a partir de 2011 começou a apostar em sapatos vocacionados para uso desportivo (o que na gíria da indústria de calçado se designa por “performance”, por oposição ao “lifestyle”). Em 1999, a Skechers foi pioneira na moda dos “chunky sneakers” (ver capítulo “Uma oportunidade perdida” em O sapato desportivo e a prova dos saltos altos), com o modelo Energy 2250, e volta, no presente, a ser protagonista do revivalismo desta estólida tendência.
O nome da Under Armour nasceu de um mal-entendido: o seu fundador, Kevin Plank, que, em 1996, era capitão da equipa de futebol americano da Universidade de Maryland, tinha pensado baptizar a marca, cuja vocação inicial se cingia ao vestuário desportivo, como Body Armour, mas, quando o anunciou ao irmão, este percebeu Under Armour e Kevin Plank achou que lhe soava bem. Ambos os nomes seriam, provavelmente, desaconselhados pelos especialistas em marketing, mas, à data, a “empresa” de Plank resumia-se a ele próprio, pelo que o nome ficou. E a verdade é que o nome não foi obstáculo a que a Under Armour crescesse a um ritmo comparável ao da Skechers. Em 1996, Plank andava de universidade em universidade, tentando vender equipamentos desportivos que transportava na mala do seu carro; mas na viragem dos sécuos XX/XXI extravasou o mercado dos atletas profissionais e entrou no mercado de massas (graças ao destaque que lhe foi dado pelo filme Any given Sunday/Um domingo qualquer, de Oliver Stone), crescendo tão depressa que, em 2015, ultrapassou a Adidas como 2.ª marca desportiva mais vendida nos EUA e era apontada como única marca capaz de desafiar o domínio da Nike. Esta ascensão exuberante sofreu, todavia, uma quebra a partir de 2016, devido a decisões de gestão pouco acertadas (como o investimento no modernaço mas oco e estéril conceito de “connected fitness”) e a investigações decorrentes do recurso a “contabilidade criativa”, que levaram Kevin Plank a abandonar o cargo de CEO em 2020. Ainda assim, a Under Armour tem um volume de vendas de 5800 milhões de dólares (dados de 2022) e é a 6.ª maior marca no mercado mundial de sapatos desportivos.
O 5.º lugar que a Under Armour ocupava no ranking em 2021 foi-lhe arrebatado por outra marca de criação (relativamente) recente e crescimento fulgurante: a Lululemon, que gerou em 2022 receitas de 6300 milhões de dólares (contra 4400 milhões em 2021). A Lululemon foi fundada em 1998 em Vancouver, no Canadá, por Dennis “Chip” Wilson, e começou por fabricar apenas calças para yoga, uma disciplina que, não requereu qualquer vestuário especial durante séculos (as origens do yoga remontam, alegadamente, ao período védico, c.1000-500 a.C.), mas a máquina capitalista consegue sempre convencer o consumidor de que precisa de bugigangas novas para desempenhar funções velhas. O nome “Lululemon” não tem qualquer significado e teve uma génese tão frívola quanto “Under Armour”: Wilson achou que “Lululemon” não só lhe soava “engraçado” como os seus três “L” causariam grande embaraço aos japoneses que o tentassem pronunciar (a língua japonesa não contém o som “L”), mas poderia exercer sobre eles um fascínio “exótico”. Este “raciocínio” não explica que a Lululemon, que abriu a sua primeira loja em 2000, tenha hoje quase 600 lojas espalhadas pelo mundo. Além da sua “invenção”, as calças de yoga (ou “leggings de yoga”, como também são designados), a marca vende hoje variados tipos de vestuário e calçado desportivo, embora os sapatos representem uma área menor e muito recente da sua actividade.