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Getty Images, reprodução/YouTube, João Porfírio
Três papas, 12 países e muitos milhões de jovens
Uma cronologia da JMJ de Roma 1984 até Lisboa 2023
A Jornada Mundial da Juventude resulta de uma ideia que João Paulo II teve em 1984, quando o Papa polaco chamou a Roma os jovens católicos de todo o mundo para celebrarem em conjunto a Semana Santa do Ano Santo da Redenção. A iniciativa correu tão bem que foi repetida no ano seguinte — e no seguinte também. Foi a raiz da JMJ, o encontro mundial dos jovens com o Papa, que já passou por 12 países de quatro continentes, juntando quase sempre mais de um milhão de participantes.
Este ano, a JMJ chega a Lisboa, para a primeira edição portuguesa do evento, com o Papa Francisco. Nesta cronologia, o Observador conta-lhe a história daquele que é o maior acontecimento mundial promovido pela Igreja Católica.
João Paulo II
A 25 de março de 1983, o Papa João Paulo II abriu a porta santa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, para dar início ao Ano Santo da Redenção — um ano de jubileu extraordinário (ou seja, fora do habitual ritmo de 25 anos dos tradicionais anos de jubileu) destinado a assinalar os 1950 anos da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na ocasião, a partir de Roma, João Paulo II pediu que aquele ano especial servisse para fortalecer a Igreja Católica, à medida que o mundo se aproximava do terceiro milénio num clima de crescente secularização.
O Ano Santo de 1983-1984 ficou marcado por dezenas de eventos realizados em Roma e noutros pontos do universo católico, mas houve um que se destacou: João Paulo II quis realizar um encontro de jovens em Roma no Domingo de Ramos, uma semana antes da Páscoa de 1984, promovendo uma peregrinação juvenil por ocasião da Semana Santa. As expectativas dos organizadores apontavam para uma afluência de 60 mil participantes, mas foram largamente superadas. Estima-se que tenham participado naquele evento entre 250 mil e 300 mil jovens, na sua maioria italianos, mas também muitos estrangeiros.
A enorme afluência de jovens a Roma causou grandes dificuldades no alojamento, que foram superadas graças à disponibilidade de milhares de famílias romanas para abrir as portas de suas casas e acolher os peregrinos — uma marca distintiva que perduraria por toda a história da Jornada Mundial da Juventude. É, aliás, daquela semana que resultam grande parte dos elementos distintivos das várias edições da JMJ, como a Via Sacra (realizada no Coliseu de Roma naquela semana) e a Cruz peregrina (construída em 1983 por ocasião do Ano Santo e entregue aos jovens naquela Semana Santa para que a levassem por todo o mundo).
Na homilia do Domingo de Ramos de 1984, na Praça de São Pedro, João Paulo II dirigiu-se especialmente aos muitos milhares de jovens ali presentes por causa do Ano Santo, comparando o “entusiasmo messiânico” do acolhimento de Jesus em Jerusalém ao entusiasmo da juventude contemporânea e lançando algumas das questões que viriam a guiar milhões de jovens ao longo das muitas edições da JMJ nos anos seguintes: “A juventude é sinónimo de uma ‘necessidade’ particular de um modelo de humanidade: de humanidade completa, simples e transparente, de humanidade ‘exemplar’. A ‘necessidade’ de uma humanidade assim é particularmente forte nos jovens, porque é a estes que se impõe mais a interrogação: como deve ser o homem? Que tipo de homem vale a pena ser? Quem é que eu devo ser, para preencher com o conteúdo exato esta humanidade que me foi dada?”
Apesar de a JMJ ainda não ter nascido formalmente no ano de 1984, é na Semana Santa daquele ano — e muito especialmente no momento do Sábado Santo em que João Paulo II entregou à juventude católica a enorme cruz, com quase quatro metros de altura, que ao longo dos últimos 40 anos tem peregrinado por todo o globo — que podemos encontrar as raízes do maior acontecimento da Igreja Católica contemporânea.
A experiência de 1984 foi profundamente marcante para João Paulo II, que quis repeti-la. E o ano seguinte era ideal para a repetição: as Nações Unidas tinham declarado 1985 como o Ano Internacional da Juventude, numa resolução em que era reconhecida “a profunda importância de que a juventude participe diretamente na tarefa de forjar o futuro da humanidade”.
Em dezembro de 1984, o Papa João Paulo II publicou a sua tradicional mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado no primeiro dia do ano — e, dessa vez, dedicou a mensagem à juventude, desenvolvendo as perguntas que tinha lançado na Páscoa anterior. “No mundo inteiro, os jovens já começaram a interrogar-se a si próprios: que posso eu fazer? Que podemos nós fazer? Para onde é que estamos a enveredar?”, perguntava João Paulo II, para depois se dirigir especialmente aos jovens: “Não tenhais medo da vossa própria juventude, nem dos desejos profundos que experimentais de felicidade, de verdade, de beleza e de amor duradouro! Diz-se, por vezes, que a sociedade teme essas vossas aspirações ardorosas de jovens e que vós próprios tendes medo delas. Não tenhais medo! Quando olho para vós, os jovens, sinto uma profunda gratidão e uma grande esperança. O futuro de boa parte do século que se aproxima está nas vossas mãos.”
A mensagem de João Paulo II aos jovens traduziu-se num novo desafio para que, mais uma vez, se juntassem ao Papa em Roma no Domingo de Ramos de 1985. Nesse dia, 31 de março, João Paulo II publicou a carta apostólica Dilecti Amici, um longo documento destinado “à juventude do mundo”, no qual o Papa polaco refletiu sobre os grandes desafios que se colocam aos jovens, incentivando-os a uma participação ativa nos destinos da sociedade. Segundo a organização da JMJ, cerca de 300 mil jovens estiveram em Roma naquele ano, para um conjunto de momentos de oração e de catequese — que terminaram com a celebração do Domingo de Ramos na Praça de São Pedro, com o Papa.
Depois daquelas duas experiências, o Papa João Paulo II decidiu instituir formalmente a Jornada Mundial da Juventude (JMJ): o dia em que, todos os anos, a Igreja Católica celebra os jovens. No anúncio, João Paulo II afirmou que “a Igreja tem de olhar para os jovens como a sua esperança”, ao mesmo tempo que a juventude tem de se sentir acompanhada pela Igreja, nas suas “ansiedades e solicitações” a nível global. A JMJ assinala-se todos os anos, no Domingo de Ramos, a nível mundial, com um tema proposto pelo Papa; a cada dois ou três anos, porém, a JMJ é levada a um país diferente, para uma celebração de grandes dimensões com a presença do Papa. Começava ali a história da JMJ, que este ano passa por Lisboa.
Depois das duas primeiras experiências em 1984 e 1985, a tradição da Jornada Mundial da Juventude arrancou formalmente em 1986. No dia 23 de março daquele ano, Domingo de Ramos, cerca de 300 mil jovens juntaram-se a João Paulo II em Roma para a primeira edição da JMJ — que foi assinalada a nível mundial, em todas as dioceses do globo, mas com os olhos postos na pequena cidade do Vaticano. O Papa polaco foi buscar ao texto bíblico da primeira carta de Pedro o tema daquela primeira JMJ, incentivando os jovens a estarem “sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça”.
“Queridos jovens amigos: hoje estais de novo aqui para começar, em Roma, na praça de São Pedro, a tradição da Jornada da Juventude”, disse João Paulo II na missa que reuniu centenas de milhares de jovens no Vaticano, lançando, a partir dos textos bíblicos fundacionais sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo, o mote para as muitas JMJ que se seguiriam: “As gerações que sempre se renovam necessitam desta esperança. Necessitam cada vez mais dela.”
A nível global, vivia-se um período complexo, a que as mensagens de João Paulo II não eram alheias: eram os últimos anos da Guerra Fria, marcados pelas políticas de abertura económica de Gorbachev na União Soviética. João Paulo II estava profundamente ligado à luta pela paz no continente europeu e ao combate aos regimes comunistas do bloco de leste, não só pela sua nacionalidade, mas também pela grande relação com as profecias de Fátima, aprofundada a partir do atentado que sofreu em maio de 1981 na praça de São Pedro.
“Em 1986 semeou-se então aquela que se tornaria a tradição da Igreja de encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa, mantida por todos os Papas que sucederam a João Paulo II”, explica a organização da JMJ, sublinhando que foi naquele ano que nasceu “um encontro multicultural, uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil”. Nos anos que se seguiram, a JMJ percorreria mais de uma dezena de países diferentes, em quatro continentes, chegando a milhões de jovens e cimentando as muitas tradições que vão ser repetidas em Lisboa este ano.
A primeira JMJ internacional aconteceu em abril de 1987 em Buenos Aires, a capital da Argentina. O Papa João Paulo II incluiu a segunda JMJ na viagem apostólica que realizou naquele mês ao Uruguai, Chile e Argentina — e que terminou no Domingo de Ramos, 12 de abril de 1987, justamente com a grande celebração da JMJ que reuniu cerca de 900 mil jovens em Buenos Aires. Embora nesta primeira fase a JMJ ainda fosse assinalada apenas num dia, sem a miríade de eventos paralelos que caracterizam o acontecimento atualmente, a edição de Buenos Aires já teve uma dimensão muito significativa.
No sábado, após uma longa viagem apostólica por aqueles três países sul-americanos, João Paulo II encontrou-se com as centenas de milhares de jovens, na sua maioria argentinos, que já estavam reunidos em Buenos Aires para a JMJ. No discurso que lhes dirigiu, João Paulo II não esqueceu as “dolorosas experiências recentes” do país, que ainda se procurava reconstruir após a última ditadura militar, terminada apenas quatro anos antes. “Que o irmão não enfrente mais o irmão”, pediu João Paulo II, assegurando que estava no país para “assegurar” a esperança do povo argentino.
No mesmo discurso, João Paulo II recuperou palavras clássicas do seu antecessor Paulo VI e pediu aos jovens que se comprometessem a construir no mundo uma “civilização do amor”, que contrastasse com uma humanidade “sem amor, órfã e desorientada, capaz de continuar a matar os homens que já não considera irmãos e, assim, a preparar a sua própria autodestruição e aniquilação”.
Perante uma audiência de perto de um milhão de jovens em Buenos Aires, João Paulo II celebrou no dia 12 de abril de 1987 a Jornada Mundial da Juventude propriamente dita — o Domingo de Ramos transformado, na Igreja Católica, em dia internacional dos jovens. Na celebração, o Papa polaco explicou as razões que o levaram a transformar o Domingo de Ramos na JMJ. “Porque é que este dia, Domingo de Ramos, se converteu na vossa jornada? Isto aconteceu pouco a pouco: desde há muito tempo, este dia atraía e reunia, sobretudo em Roma, muitos jovens peregrinos”, começou por explicar João Paulo II.
O Papa recordou também um antigo canto litúrgico cantado no Domingo de Ramos, onde surge a referência aos “Pueri Hebræorum” (os “jovens hebreus”, em latim), que, munidos de ramos de oliveiras, foram os primeiros a exclamar “Hossana” à chegada de Jesus a Jerusalém antes de morrer. “Talvez desta forma tenham querido juntar-se aos jovens e às jovens de Jerusalém, aos ‘pueri hebræorum’, que assistiram à chegada de Jesus para as festas”, sugeriu o Papa João Paulo II. A partir daquela edição da JMJ em Buenos Aires, a festa dos jovens católicos começaria a percorrer o planeta inteiro a cada dois ou três anos.
Depois da primeira edição internacional, em Buenos Aires, a JMJ de 1988 celebrou-se apenas a nível diocesano, no Domingo de Ramos daquele ano. Em 1989, a Igreja Católica organizou a segunda edição internacional da JMJ. A cidade escolhida foi Santiago de Compostela, em Espanha, uma cidade de enorme importância para o Cristianismo: é ali que desde a Idade Média se acredita estar sepultado o apóstolo São Tiago Maior, que terá percorrido toda a Península Ibérica depois da morte de Jesus, e é um dos mais relevantes lugares de peregrinação para cristãos de todo o mundo.
Na edição de Santiago de Compostela, a JMJ adotou um programa mais próximo do que é hoje seguido: antes da chegada do Papa João Paulo II, agendada para o dia 19 de agosto, os milhares de jovens participantes tiveram à sua disposição um programa que incluiu dezenas de eventos diferentes, como catequeses, concertos e encontros nas várias línguas, em diversas salas de espetáculos e auditórios da cidade.
A proximidade geográfica a Portugal motivou, naturalmente, uma enorme participação de jovens portugueses. Como relata a jornalista Aura Miguel no seu livro Um Longo Caminho Até Lisboa (Bertrand, 2023), o Patriarcado de Lisboa, à época liderado pelo cardeal D. António Ribeiro, chegou a organizar um comboio especial para transportar 900 jovens da capital portuguesa até Santiago de Compostela, a que se juntaram vários jovens de outras dioceses.
A cerimónia de acolhimento de João Paulo II em Santiago foi simbólica: o Papa optou por chegar à catedral a pé, munido de um cajado, como os peregrinos, e evocou aquela cidade como o “símbolo” da “vocação universal” de Espanha. João Paulo II não esquecia também o momento particular que o mundo atravessava: apenas três meses depois da JMJ, o Muro de Berlim haveria de cair. Consciente das transformações radicais que se viviam, o Papa polaco sublinhou na cidade do apóstolo que a Igreja se preparava para “uma nova cristianização” para o terceiro milénio.
Na missa de conclusão da JMJ, no Monte do Gozo, João Paulo II dirigiu-se aos cerca de 600 mil jovens que ali estavam com ele como “os jovens dos anos 90 do século XX” — e incentivou-os a não terem medo de ir contra a corrente para defender os valores cristãos perante a secularização da sociedade contemporânea. Reconhecendo também os “sofrimentos” próprios dos “corações jovens”, João Paulo II, que procurou em todos os momentos do pontificado colocar as preocupações da juventude no centro da ação pastoral da Igreja Católica, elogiou a “busca da verdade” e a “inquietude criativa” dos jovens.
A terceira JMJ internacional aconteceu num mundo diferente, marcado pela queda do Muro de Berlim e pelas revoluções de 1989, que começaram, gradualmente, a desfazer o Bloco de Leste e a dar corpo no continente europeu a uma profunda transformação — mudanças que, de resto, seriam um dos grandes temas do pontificado de João Paulo II. Também na Polónia, terra-natal do Papa, o ano de 1989 ficou marcado pela queda do regime comunista e pelo abandono do Pacto de Varsóvia. A escolha do lugar da JMJ de 1991 foi, por isso, particularmente simbólica: a cidade polaca de Częstochowa, onde fica o mosteiro de Jasna Góra, um dos mais importantes santuários católicos da Europa.
A 13 de agosto de 1991, João Paulo II aterrou em Cracóvia, a 150 quilómetros de Częstochowa — onde há já três dias os eventos da JMJ reuniam milhares de jovens na Polónia. Antes de seguir para o santuário onde celebraria o encerramento da JMJ, João Paulo II celebrou uma missa em Cracóvia, na qual explicou a importância de celebrar a Jornada Mundial da Juventude naquele país e naquele ano.
“Anteriormente, os encontros da JMJ ocorreram em Roma e Buenos Aires e, mais recentemente, em Santiago de Compostela, em Espanha. Se, desta vez, os organizadores pediram para ser em Jasna Góra, foi devido aos acontecimentos de 1989. Aquele ano constitui um novo desafio para o nosso continente”, salientou João Paulo II, sublinhando que tanto a JMJ da Polónia como o Sínodo sobre a Europa, também realizado em 1991, aconteciam já com o terceiro milénio no horizonte. “Os jovens levam consigo este futuro.”
João Paulo II, que dedicara uma grande parte do seu discurso enquanto Papa à defesa da reconciliação da Europa, dividida ao meio pela Cortina de Ferro, sublinhou a partir de uma Polónia em reconstrução como a humanidade se encontrava, naquele momento, “perante o imperativo de uma Europa mais reconciliada, construída sobre o respeito pelos direitos humanos e pelos direitos das nações”.
Já em Częstochowa — uma cidade de grande devoção mariana que, alguns anos mais tarde, assinaria um acordo de geminação com Fátima —, o tema da Europa reconciliada voltou a estar no centro das intervenções de João Paulo II perante os jovens. “Partilhem com todos os jovens em todos os países, na Europa sem fronteiras, os ideais de fraternidade e amor que farão do nosso mundo um lugar mais humano, justo e acolhedor”, pediu o Papa. Na missa final da JMJ, que contou com a presença estimada de 1,6 milhões de jovens, João Paulo II sublinhou a “característica particular” daquela edição da Jornada: “É a primeira vez que se regista uma participação tão numerosa de jovens da Europa oriental.”
“Como não ver nisto um grande dom do Espírito Santo? Quero agradecer-lhe convosco”, afirmou João Paulo II. “Após esse longo período em que praticamente não se podiam cruzar as fronteiras, a Igreja na Europa pode agora respirar livremente com os seus dois pulmões.”
Em 1993, a JMJ voltou a atravessar o Atlântico para a sua oitava edição — e quarta edição internacional. O lugar escolhido foi a cidade de Denver, nos Estados Unidos, um país que João Paulo II, o primeiro Papa a entrar na Casa Branca, visitaria sete vezes. A passagem do Papa polaco por Denver foi integrada numa viagem apostólica mais longa, com passagens pela Jamaica e pelo México. Ao aterrar em Denver, capital do estado do Colorado, a 12 de agosto de 1993, João Paulo II foi pessoalmente recebido pelo Presidente dos EUA, Bill Clinton, e sublinhou a relevância de organizar um acontecimento dedicado à juventude num país “que é ele próprio ainda jovem pelos padrões históricos” — e que se encontrava num momento em que era necessário refletir sobre aspetos fundamentais do desenvolvimento, quer do ser humano, quer das nações.
João Paulo II tinha ido buscar ao Evangelho segundo São João a frase bíblica que deu o mote para aquela edição da JMJ: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” O Papa queria centrar a Jornada no valor da vida humana — colocando o dedo numa ferida particularmente complexa nos EUA, onde a questão do aborto era, e continua a ser, um dos assuntos políticos mais divisivos. Aliás, a presença do Papa João Paulo II em Denver seria mesmo marcada pela existência de vários protestos de ambos os lados da barricada, que se declaram, nos termos popularizados na língua inglesa, pro-life ou pro-choice.
No seu primeiro discurso em Denver, João Paulo II insistiu no tema e pediu que a JMJ americana permitisse “uma reflexão séria sobre o tema da vida”, que “é o maravilhoso dom dado por Deus a cada um de nós”.
“Vim a Denver para ouvir os jovens que aqui estão reunidos, para experienciar a sua inesgotável busca pela vida. Cada Jornada Mundial da Juventude tem sido uma confirmação da abertura dos jovens ao sentido da vida como um dom recebido, um dom a que estão desejosos de responder lutando por um mundo melhor para si e para os seus companheiros humanos”, reiterou João Paulo II, pedindo uma “pausa” no dia-a-dia para que, a partir de um país de tal modo relevante para os destinos do mundo, a nova geração pudesse pensar nos valores com os quais queria construir o futuro. “Vamos fazer uma pausa e pensar em conjunto”, apelou João Paulo II. “Educar sem um sistema de valores baseado na verdade é abandonar os jovens à confusão moral, à insegurança pessoal e à manipulação fácil. Nenhum país, nem mesmo o mais poderoso, poderá perdurar se privar os seus próprios filhos deste bem essencial.”
Como explica a organização da JMJ, foi na edição de Denver que, pela primeira vez, a Via Sacra foi integrada no programa oficial da Jornada Mundial da Juventude. Evocando as origens da JMJ — o encontro em Roma, em 1984, durante a Semana Santa, marcado pela Via Sacra no Coliseu —, a celebração da Via Sacra tornou-se num dos símbolos da JMJ, realizada em todas as edições com a presença do Papa. Este ano, vai acontecer em Lisboa, no Parque Eduardo VII, na sexta-feira, dia 4 de agosto.
Dois anos depois da edição norte-americana da JMJ, o Papa João Paulo II elevou o maior acontecimento da juventude católica do mundo a um novo nível, levando a JMJ às Filipinas, o maior país cristão da Ásia, onde mais de 80% da população é católica. Ainda hoje, a JMJ das Filipinas é recordada como a maior de sempre: mais de 4 milhões de pessoas estiveram presentes no recinto onde João Paulo II celebrou a missa final, a 15 de janeiro de 1995.
O Papa polaco esteve nas Filipinas durante cinco dias — e a sua passagem pelo país fez parte de um roteiro mais alargado, que incluiu também a Papua-Nova Guiné, a Austrália e o Sri Lanka —, que foram verdadeiramente caóticos na capital filipina. A jornalista portuguesa Aura Miguel, que esteve presente em Manila, lembra no seu livro Um Longo Caminho Até Lisboa a experiência: a multidão é tal que, após o recinto ficar rapidamente lotado, extravasou para as ruas da cidade, que se tornaram completamente intransitáveis. “Não há ruas com espaço suficiente para o papamóvel poder circular. João Paulo II vê-se obrigado a usar o helicóptero para percorrer apenas os dois quilómetros que separam a nunciatura do local da missa”, recorda a jornalista.
A partir do país mais cristão da Ásia, o Papa João Paulo II sublinhou que as Filipinas tinham o “destino histórico” de construir uma “civilização do amor, de irmandade e solidariedade, uma civilização que estará perfeitamente em casa entre as antigas culturas e tradições de todo o continente asiático”. João Paulo II não esqueceu que se encontrava num continente particularmente dominado pela China, onde a relação com a Igreja Católica é especialmente complicada e foi, durante décadas, marcada pela existência paralela de duas igrejas católicas — uma oficial, controlada pelo regime comunista, e outra clandestina, fiel a Roma. Por isso, João Paulo II não perdeu a oportunidade de, a partir de Manila, emitir uma mensagem destinada aos católicos da China.
Na mensagem, João Paulo II foi taxativo, sublinhando que a “unidade” dos católicos “não é resultado de políticas humanas e intenções misteriosas”, mas tem origem na conversão e na aceitação dos “princípios imutáveis estabelecidos por Jesus para a sua Igreja”. O Papa não deixou margem para dúvidas de que não era aceitável a existência de católicos que não aceitassem a comunhão com a sé de Roma: “Particularmente importante entre estes princípios é a comunhão efetiva de todas as partes da Igreja com o seu alicerce visível: Pedro, a rocha. Por conseguinte, um católico que deseje permanecer e ser reconhecido como tal não pode rejeitar o princípio da comunhão com o sucessor de Pedro.”
Perante mais de quatro milhões de jovens reunidos em Manila para as celebrações finais da JMJ, o Papa João Paulo II incentivou os filipinos a levarem a mensagem cristã ao mundo moderno e assegurou que a evangelização também pode ser feita através do entusiasmo da juventude: “A meditação também pode ser feita através da dança e do canto, do entretenimento.” O Papa deixou ainda uma última mensagem aos jovens: para que não abandonem as famílias, os pais e os avós. Antes de se despedir, no aeroporto, o Papa João Paulo II voltou a lembrar a tarefa que as Filipinas teriam de levar “para o próximo século e o próximo milénio”: assegurar a manutenção e a disseminação da fé cristã na Ásia.
A JMJ de Manila ficaria também marcada pela revelação de que as autoridades tinham conseguido impedir um atentado contra a vida de João Paulo II durante a sua deslocação às Filipinas — um ataque coordenado por grupos radicais islâmicos ligados à Al-Qaeda e que incluía também outros ataques, como a destruição de aviões norte-americanos e um atentado contra a sede da CIA.
Um dos cérebros por trás do planeamento do ataque foi Ramzi Yousef, que viria mais tarde a ser um dos condenados pelo atentado às Torres Gémeas, em Nova Iorque. Yousef tinha arrendado um apartamento nas proximidades da nunciatura apostólica em Manila, onde João Paulo II ficou alojado, comprado um conjunto de batinas sacerdotais, crucifixos, bíblias e livros religiosos — para que os seus cúmplices se disfarçassem de sacerdotes no dia do ataque. A ideia, segundo veio mais tarde a saber-se, passava por colocar uma bomba debaixo de uma tampa de esgoto numa das avenidas onde o Papa deveria passar no caminho para a missa final. No entanto, o plano falhou depois de um incêndio no apartamento alugado, durante os preparativos dos explosivos, ter revelado às autoridades o que estava ali a ser preparado. Além disso, o facto de João Paulo II ter feito o percurso de helicóptero também acabaria por inviabilizar o ataque.
Em 1997, a JMJ voltou à Europa. A capital francesa, Paris, uma das cidades-símbolo do velho continente europeu, foi o lugar escolhido para uma edição da Jornada Mundial da Juventude que ficou marcada por várias controvérsias: por um lado, as muitas manifestações contra a presença do Papa e os gastos públicos com a JMJ, sobretudo organizadas por grupos anticlericais; por outro, a polémica surgida com as vestes litúrgicas desenhadas pelo estilista Jean-Charles de Castelbajac para o Papa, os bispos e os padres usarem nas celebrações centrais da JMJ.
As vestes tinham as cores do arco-íris, o que levou os grupos mais conservadores a acusar a Igreja de estar a alinhar numa retórica pró-LGBT e obrigou a organização da JMJ a adotar uma postura defensiva, afirmando que o arco-íris é um sinal bíblico e que o estilista procurou uma imagem que refletisse a unidade e universalidade da Igreja.
Polémicas à parte, a JMJ de Paris acabaria por ser um sucesso, não só porque mais de um milhão de jovens participaram na missa de encerramento, no hipódromo de Longchamp, mas também pelo modo como a própria JMJ se transformou a partir daquela edição. Segundo explica a organização, foi em Paris que foram introduzidos dois elementos que ainda hoje constam das várias edições da JMJ: os Dias nas Dioceses (evento preparatório realizado na semana anterior, que os participantes passam em diferentes pontos do país de acolhimento) e o Festival da Juventude (a programação cultural durante a semana da JMJ, com concertos, peças de teatro, exposições e outras prestações artísticas dos jovens participantes).
Perante centenas de milhares de jovens peregrinos reunidos em torno da Torre Eiffel, João Paulo II não esqueceu o passado simbólico daquele lugar, sublinhando que quis especificamente “rezar no Trocadéro, no santuário dos direitos humanos”, para evocar a missão dos cristãos de contribuir “para o progresso da humanidade” e para lembrar os “jovens que não dispõem da possibilidade nem dos meios para viver dignamente e receber a educação necessária para o seu crescimento humano e espiritual, devido à miséria, à guerra ou à enfermidade”. João Paulo II estava justamente na praça que em 1985 tinha sido rebatizada como “Esplanada das Liberdades e dos Direitos Humanos”, em homenagem ao Palais de Chaillot, ali situado, onde em 1948 foi assinada a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Antes de dar início às grandes celebrações da JMJ, o Papa João Paulo II ainda endereçou uma mensagem aos jovens prisioneiros da capital francesa, incentivando-os a alcançar “a paz interior, graças ao arrependimento, ao perdão de Deus” e ao “desejo de levar uma vida melhor”. Perante os jovens reunidos no hipódromo de Longchamp para a vigília noturna no penúltimo dia da JMJ, o Papa lembrou aos jovens: “É no meio dos vossos irmãos que deveis viver como cristãos.” Isto significa, sustentou João Paulo II, que a pertença à Igreja não afasta os jovens do mundo, mas deve levá-los a partilhar as suas alegrias, esperanças e talentos com a comunidade onde vivem.
Mais de um milhão de jovens dormiram ao relento, no hipódromo de Longchamp, na noite de 23 para 24 de agosto de 1997, para na manhã de domingo voltarem a ouvir o Papa João Paulo II, na missa de encerramento da JMJ de Paris. O chefe da Igreja Católica repetiu, na maior missa alguma vez celebrada na capital francesa, um seu aviso habitual: “Este mundo é maravilhoso e rico, desvela diante da humanidade as suas inumeráveis riquezas, seduz, atrai a razão tanto quanto a vontade. Mas, no final das contas, não colma o espírito. O homem dá-se conta de que este mundo, na diversidade das suas riquezas, é superficial e precário; num certo sentido, está destinado à morte.”
No ano jubilar de 2000, o Papa João Paulo II levou a JMJ de volta ao lugar onde tinha começado, também durante um outro jubileu: Roma. A edição romana da JMJ contou com mais de dois milhões de jovens e ainda hoje é recordada como um dos grandes marcos da história do evento. O hino da JMJ de Roma, “Emmanuel”, transformar-se-ia num dos símbolos musicais da Jornada, a par do original “Resta Qui Con Noi”, repetido por milhões de jovens nas várias edições que se seguiram.
Daquela vez, o Papa não viajou para o estrangeiro, mas acolheu os peregrinos na sua cidade, o centro nevrálgico da Igreja Católica. Fê-lo por duas vezes, em dois lugares distintos, tal era o volume de jovens que inundavam a cidade: na basílica de São de Latrão (onde fica, formalmente, a cátedra do bispo de Roma) para acolher os jovens da diocese de Roma e das restantes dioceses italianas; e na praça de São Pedro, no Vaticano, para receber os jovens vindos de todo o mundo. Mesmo sem a JMJ, a cidade de Roma já estava repleta de peregrinos e turistas devido ao grande jubileu dedicado ao terceiro milénio, mas a Jornada veio adensar ainda mais a confusão vivida na capital italiana naquele verão.
Sob grande euforia, João Paulo II — já visivelmente afetado pelo avançar da doença de Parkinson — foi saudado pelos milhares de jovens que peregrinaram até Roma para o ano jubilar e para a JMJ. Após uma semana de atividades na capital italiana, dois milhões de jovens deslocaram-se, quase todos a pé, para o bairro de Tor Vergata, em que se situava o enorme recinto onde decorreriam as duas celebrações finais da JMJ. Na vigília de sábado, dia 19 de agosto, as câmaras de televisão captaram uma das imagens mais icónicas de João Paulo II: o Papa, idoso, consumido pela doença, no meio de uma multidão de jovens, a abanar os braços ao som de “Jesus Christ, You Are My Life”, outro dos clássicos musicais da JMJ.
Na vigília, João Paulo II refletiu sobre as dificuldades da fé no mundo moderno. “Queridos jovens, num mundo assim, é difícil acreditar? No ano 2000, é difícil acreditar? Sim, é difícil. Não vale a pena escondê-lo”, concedeu o Papa, depois de assumir os desafios apresentados aos cristãos contemporâneos. “Queridos jovens do século que começa, dizendo ‘sim’ a Cristo, dizeis ‘sim’ a cada um dos vossos mais nobres ideais. Eu peço a Cristo que reine nos vossos corações e na humanidade do novo século e milénio. Não tenhais medo de vos entregar a Ele: guiar-vos-á e dar-vos-á força para O seguirdes cada dia em todas as situações.”
O Papa João Paulo II despediu-se numa missa perante aqueles dois milhões de jovens, durante a qual sublinhou a importância da fase da vida em que aqueles peregrinos se encontravam — pelas escolhas académicas e profissionais e pelas decisões de vida — e incentivou os jovens a procurar sustentar a sua vida na mensagem de Jesus. “Quero dizer a Deus obrigado pelo caminho das Jornadas Mundiais da Juventude. Obrigado pelas multidões de jovens que elas atingiram ao longo destes dezasseis anos! São jovens que agora, já adultos, continuam a viver a fé onde residem e trabalham. Tenho a certeza de que vós, queridos amigos, estareis à altura de quantos vos precederam. Vós levareis o anúncio de Cristo ao novo milénio. Voltando a casa, não vos isoleis. Confirmai e aprofundai a vossa adesão à comunidade cristã a que pertenceis.”
Durante todo o seu pontificado, João Paulo II personificou a proposta da Igreja Católica para o terceiro milénio, apresentando-a como uma mensagem de esperança após um século XX marcado por guerras e ditaduras. A primeira JMJ do terceiro milénio, contudo, aconteceu num mundo em choque na ressaca dos atentados de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque. Simultaneamente, a Igreja Católica, sobretudo na América do Norte, vivia o seu próprio momento de caos, depois da revelação, em janeiro de 2002 pelo Boston Globe, de décadas de encobrimento de abusos sexuais de menores cometidos por padres.
João Paulo II aterrou em Toronto a 23 de julho de 2002, já profundamente debilitado pela doença de Parkinson, poucos meses depois de ter chamado de urgência os cardeais americanos a Roma para discutir a crise dos abusos em curso nos EUA. Antes, a cruz peregrina da JMJ — o símbolo que desde a década de 1980 percorria os países organizadores das várias edições do encontro — tinha feito um longo percurso por todo o Canadá, que incluiu um pequeno desvio até Nova Iorque, para ser colocada no ground zero das Torres Gémeas, para um momento de oração com os familiares das vítimas.
A JMJ do Canadá, a última da vida de João Paulo II, ficou marcada por uma maior escassez de eventos com a presença do Papa, que durante alguns dias ficou recolhido numa casa de retiros religiosa para recuperar da longa viagem de avião.
Ainda assim, a participação da juventude na JMJ não esmoreceu e, na verdade, até superou as expectativas — que eram muito baixas devido à multiplicação de fatores, incluindo o medo das viagens de avião na sequência do 11 de Setembro, a fraca participação religiosa no Canadá e até a situação concreta da Igreja Católica, manchada pelos escândalos dos abusos naquele período. Terão estado presentes mais de meio milhão de jovens nas celebrações finais da JMJ.
No primeiro encontro oficial com os participantes da JMJ, João Paulo II lembrou os atentados em Nova Iorque e apelou aos jovens para que sejam capazes de encontrar na Igreja a esperança no meio de um mundo marcado pela violência: “Experimentamos com dramática evidência, durante o ano passado, o rosto trágico da maldade humana. Vimos o que acontece quando reinam o pecado, o ódio e a morte. Mas, hoje, a voz de Jesus ressoa no meio da nossa assembleia. A sua é uma voz de vida, de esperança, de perdão; é voz de justiça e de paz. Escutemo-la!”
João Paulo II também não deixaria de lado o tema dos abusos sexuais de menores, que ensombrava a Igreja Católica. “Se amais Jesus, amai a Igreja! Não desanimeis perante os pecados e as faltas de alguns dos seus membros. O dano que alguns presbíteros e religiosos causam aos jovens e às pessoas vulneráveis enche-nos de um profundo sentido de tristeza e de vergonha”, assumiu o Papa, na homilia da missa final, celebrada num parque da cidade de Toronto após uma noite em que os peregrinos tiveram de enfrentar uma grande chuva. “Contudo, pensai na vasta maioria dos sacerdotes e religiosos dedicados e generosos, cujo único desejo consiste em servir e em praticar o bem.”
Bento XVI
A morte de João Paulo II em abril de 2005 representou um momento de profunda transformação na Igreja Católica. O polaco, que tinha liderado a Igreja durante mais de 26 anos, um dos maiores pontificados da história, personificara de modo indelével a imagem da instituição na transição para o século XXI e era um ícone para a juventude católica. João Paulo II chegou a inscrever-se para a JMJ de Colónia (a tradição manda que o Papa seja o primeiro a inscrever-se, abrindo o período de inscrições), mas já não viveria tempo suficiente para participar no encontro.
Para suceder a João Paulo II foi eleito o cardeal alemão Joseph Ratzinger, que assumiu o nome de Bento XVI — e que se comprometeu, desde o início, a dar continuidade ao projeto da JMJ iniciado pelo polaco. Quando aterrou em Colónia, em 18 de agosto de 2005, Bento XVI assegurou, no seu primeiro discurso como Papa em solo alemão, a “continuidade mais profunda” com João Paulo II, “que teve esta intuição, diria esta inspiração, das Jornadas Mundiais da Juventude, e que deste modo não criou somente uma ocasião de extraordinário significado religioso e eclesial, mas também humano, que impele os homens para além das fronteiras recíprocas e contribui para edificar um futuro comum”.
Bento XVI também não esqueceu que a sua primeira viagem apostólica fora de Itália acontecia justamente no seu país-natal — o que considerou “um amoroso gesto da Providência”.
Mesmo com as profundas diferenças de carisma entre João Paulo II e Bento XVI, o tímido e discreto Papa alemão conseguiu juntar em Colónia mais de um milhão de peregrinos para uma JMJ dedicada ao tema “Viemos adorá-lo” — a expressão usada pelos Reis Magos quando visitaram o recém-nascido Jesus Cristo. “Viestes de várias partes da Alemanha, da Europa, do mundo, fazendo-vos peregrinos pelo caminho dos Magos. Seguindo as suas pegadas quereis descobrir Jesus”, disse Bento XVI aos jovens, na cerimónia de acolhimento, nas margens do rio Reno, onde chegou de barco. O tema dos Reis Magos era apropriado: é na catedral de Colónia que se encontra o célebre relicário dos Reis Magos, uma imponente arca de ouro onde, segundo uma lenda medieval, se encontram os ossos dos três magos.
O programa de Bento XVI em Colónia foi intenso e incluiu um encontro com seminaristas, um encontro ecuménico e uma reunião com representantes das comunidades muçulmanas. Mas, como sempre nas várias JMJ, o ponto alto foi a vigília e a missa final, na colina de Marienfeld. Perante mais de um milhão de jovens, Bento XVI proferiu duas homilias profundamente teológicas iluminadas pelo exemplo dos Reis Magos e alertou para as religiões que se transformam num “produto de consumo”, devido a um “estranho esquecimento de Deus” que dizia verificar-se em grande parte do mundo, acompanhado por um “boom do religioso”.
A primeira experiência de Bento XVI numa JMJ foi, de certo modo, um teste para o alemão — que nunca escondeu que onde se sente mais confortável é a ler e a escrever à secretária. A jornalista portuguesa Aura Miguel, presente na JMJ de Colónia, relatou no seu livro Um Longo Caminho Até Lisboa como Bento XVI falou aos jovens “com uma leitura apressada, quase a não permitir que o interrompam com aplausos”, num estilo bem diferente do calor de João Paulo II. Ainda assim, no final, Bento XVI passou no teste da juventude.
Depois da edição alemã, a Jornada Mundial da Juventude voltou a acontecer fora da Europa. O destino escolhido foi Sydney, na Austrália — o que obrigou o Papa Bento XVI a fazer um longo voo de 20 horas, com uma escala técnica para reabastecer. Durante o voo, Bento XVI falou extensamente com os jornalistas sobre um dos assuntos cruciais para a Igreja: a crise dos abusos, um problema que tinha ganhado dimensão com os escândalos nos EUA (que Bento XVI visitara poucos meses antes), mas com o qual a Igreja australiana já se debatia desde a década de 1990.
Chegado a Sydney, Bento XVI precisou de recuperar do jet lag e retirou-se durante três dias para uma casa de campo — um centro de estudos do Opus Dei nos arredores de Sydney onde descansou, leu, tocou piano e até recebeu a visita de vários animais típicos da Austrália, incluindo coalas e pítons. Foi só ao fim desses três dias de repouso privados que Bento XVI, já restabelecido da diferença horária, se dirigiu a Sydney para dar início ao programa formal da JMJ.
Na Austrália, repetiu a fórmula de Colónia e chegou à festa de acolhimento com os jovens de barco, desembarcando depois de uma viagem cénica pela baía de Sydney. Perante os jovens reunidos nas margens da baía, Bento XVI dirigiu-se a todos os jovens australianos, aos que tinham vindo de outros pontos do mundo e, especialmente, aos aborígenes australianos, a quem voltou a dirigir um pedido de perdão pelos “sofrimentos e injustiças” que aqueles povos sofreram no passado. No discurso, deixou também duras críticas ao relativismo contemporâneo — um tema clássico de Ratzinger.
Na sua passagem por Sydney, o Papa Bento XVI teve também um encontro com jovens em reabilitação devido ao vício em drogas e álcool, na Universidade de Notre Dame. Perante os jovens, usou a parábola evangélica do filho pródigo para os incentivar a “regressar ao caminho da vida” e a ajudar outros a fazer o mesmo.
O ponto alto da JMJ de Sydney seria, naturalmente, o fim de semana final — com a vigília e a missa, onde estiveram presentes cerca de 500 mil jovens, que ouviram Bento XVI a incentivá-los a deixar uma “herança” às gerações seguintes. Porém, um dos principais destaques da passagem de Bento XVI pela Austrália foi dado a uma missa celebrada no sábado de manhã por ocasião da consagração do novo altar da catedral de Sydney. Durante a homilia, Bento XVI quis “abrir um parêntesis para confessar a vergonha que todos sentimos depois dos abusos sexuais sobre menores cometidos por alguns sacerdotes e religiosos desta nação”.
“Lamento verdadeira e profundamente as moléstias e sofrimentos que as vítimas suportaram e asseguro-lhes, como seu Pastor, que também eu compartilho o seu sofrimento. Estes agravos, que constituem tão grave traição da confiança, devem ser condenados de modo inequívoco. Causaram grande sofrimento e prejudicaram o testemunho da Igreja”, disse. “Peço-vos a todos que apoieis e assistais os vossos bispos, colaborando com eles no combate contra este mal. As vítimas devem receber de vós compaixão e tratamento e os responsáveis destes males devem ser levados diante da justiça.”
A Europa em crise marcou o tom em que a JMJ de Madrid arrancou: ainda antes da chegada do Papa, aconteceram na capital espanhola violentas manifestações contra os gastos milionários com a visita de Bento XVI (apesar de a JMJ de Madrid ter sido suportada inteiramente pelos peregrinos e por mecenas privados).
Quando o Papa Bento XVI aterrou em Madrid, na manhã de 18 de agosto de 2011, para presidir à segunda Jornada Mundial da Juventude realizada em solo espanhol, a Europa estava mergulhada em graves dificuldades económicas. A crise financeira de 2008 alastrara ao continente europeu e, poucos meses antes da JMJ de Madrid, em Portugal, José Sócrates anunciava que o Governo tinha pedido assistência financeira a credores internacionais, dando início aos anos da troika Comissão Europeia-Banco Central Europeu-Fundo Monetário Internacional.
No avião que o levou de Roma a Madrid, Bento XVI falou com os jornalistas sobre os impactos da crise económica e sublinhou que “a dimensão ética não é algo exterior aos problemas económicos, mas uma dimensão interior e fundamental”. “A economia não funciona só com uma auto-regulamentação de mercado, mas é necessária uma razão ética para funcionar para o homem”, salientou Bento XVI. “Se os jovens não encontrarem perspetivas na própria vida, também o nosso presente está errado e ‘mal’. Por conseguinte, a Igreja com a sua doutrina social, com a sua doutrina sobre a responsabilidade para com Deus, favorece a capacidade de renunciar ao máximo lucro e de ver as coisas na dimensão humanista e religiosa, isto é: ser alguém para o outro. Deste modo, podem-se abrir também as estradas.”
Na sua génese, a JMJ foi concebida por João Paulo II como uma oportunidade de a Igreja, na pessoa do Papa, ouvir diretamente da boca dos jovens de cada tempo histórico as suas inquietações, preocupações e angústias — e procurar compreender que respostas a essas inquietações podem ser encontradas na fé e na vida espiritual. Em Madrid, perante Bento XVI, ficaria claro que a crise económica, com duras consequências no emprego jovem, estava no centro das preocupações da juventude.
Mas, na capital espanhola, perante tanta contestação à realização de um evento católico, o Papa Bento XVI quis também incentivar os jovens participantes a “animar-se mutuamente num caminho de fé e de vida”, reconhecendo que muitos jovens católicos “se julgam sozinhos ou ignorados nos seus ambientes quotidianos”. “Mas não!”, assegurou o Papa, no primeiro encontro em Espanha. “Não estão sozinhos. Muitos da sua idade partilham os mesmos propósitos deles.”
Na vigília da última noite da JMJ, no aeródromo de Cuatro Vientos, perante cerca de dois milhões de jovens, Bento XVI lançou uma pergunta: “Como pode um jovem ser fiel à fé cristã e continuar a aspirar a grandes ideais na sociedade atual?” Na homilia, Bento XVI voltou a criticar duramente a “cultura relativista dominante”, que “renuncia e menospreza a busca da verdade”, e incentivou os jovens a “descobrir” a sua “vocação na sociedade e na Igreja”. A vigília acabaria por ser interrompida pelo mau tempo: uma violenta tempestade abateu-se sobre o aeródromo, danificando algumas das estruturas de apoio à celebração e obrigando Bento XVI a interromper a sua intervenção. Quando a chuva acalmou, Bento XVI — que recusou abandonar a celebração, apesar das recomendações dos seguranças — agradeceu aos jovens a “alegria” e a “resistência”, apesar da chuva, e encurtou o discurso.
Na manhã seguinte, Bento XVI voltou a encontrar aqueles dois milhões de jovens, que tinham passado a noite no aeródromo apesar do grande desconforto causado pela chuva — e o Papa agradeceu-lhes pela resistência. Ao despedir-se de Madrid, Bento XVI voltou a dedicar uma palavras aos jovens pela “participação alegre, entusiasta e vigorosa” naquela Jornada, e incentivou-os a “difundir por todos os cantos do mundo a feliz e profunda experiência” vivida em Espanha.
Francisco
Em fevereiro de 2013, Bento XVI surpreendeu a Igreja e o mundo ao anunciar a decisão histórica de renunciar ao trono papal — e a Jornada Mundial da Juventude esteve diretamente envolvida na decisão.
No final da edição de Madrid, tinha sido anunciado o destino seguinte da JMJ: o Rio de Janeiro, no Brasil, em 2014. No entanto, a realização do campeonato do mundo de futebol no Brasil no mesmo ano levou a organização a antecipar a JMJ carioca para 2013. Entretanto, Bento XVI começara a sentir-se cada vez mais incapaz de levar as funções pontifícias adiante: a viagem que fez ao México e a Cuba, em março de 2012, foi demasiado cansativa para o Papa idoso e o seu médico foi taxativo ao dizer-lhe que não poderia voltar a atravessar o Atlântico de avião. No final de 2012, Bento XVI já tinha a decisão tomada: abdicaria do trono pontifício.
“Sabia que, a renunciar, teria de fazê-lo a tempo de permitir que o novo Papa se pudesse preparar para o Rio. A decisão foi, portanto, amadurecendo gradualmente depois da viagem ao México e a Cuba. Caso contrário, ainda teria tentado aguentar até 2014. Mas naquelas circunstâncias sabia que já não iria conseguir”, explicaria Bento XVI, anos mais tarde, num livro de memórias. Assim foi: em março de 2013, o Papa Francisco foi eleito como sucessor de Bento XVI e recebeu do alemão a missão de viajar até ao Rio de Janeiro para presidir à JMJ.
No Brasil, o Papa Francisco não se ficou pelo Rio de Janeiro: foi também ao Santuário de Aparecida — um lugar que lhe dizia muito, já que tinha sido ali que, em 2007, os bispos da América Latina se tinham reunido para redigir um documento central para compreender o pontificado de Francisco, o “Documento de Aparecida”, onde está plasmada a “opção pelos pobres” que deve caracterizar a Igreja. Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, foi o relator do documento.
A partir de Aparecida, o Papa Francisco fez um apelo à sociedade civil: “Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor: eles são um motor potente para a Igreja e para a sociedade. Eles não precisam só de coisas, precisam sobretudo que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo.”
A passagem de Francisco pelo Rio de Janeiro foi marcada por inúmeros momentos que contribuíram para marcar o tom do que seria o pontificado do argentino. Por exemplo, o Papa escolheu a favela da Varginha para visitar o povo brasileiro e, a partir de um lugar de enorme pobreza, interpelar todo o planeta a não “permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo”.
Mas a grande imagem da JMJ do Brasil seriam as celebrações finais, realizadas no areal de Copacabana (porque o recinto inicialmente preparado para o efeito ficou inutilizável devido à forte chuva que transformou tudo em lama). Naquela enorme praia estiveram reunidos cerca de 3 milhões de jovens, para ouvir o Papa Francisco dizer-lhes que “não tenham medo” de Jesus e pedir-lhes a “coragem de ir contra a corrente”, dando testemunho da fé.
Foi justamente no regresso do Rio de Janeiro a Roma que Francisco deu a sua primeira conferência de imprensa como Papa — algo habitual a bordo dos voos de regresso das viagens papais — e proferiu uma das frases mais célebres e marcantes do seu pontificado, a declaração que aproximou o Papa de muitos dos que estavam mais afastados da realidade da Igreja. Questionado sobre a questão da homossexualidade na Igreja, a propósito de um escândalo que envolvia um padre italiano que tinha sido nomeado para o Banco do Vaticano e que faria parte de um suposto “lóbi gay” nos bastidores da cúpula eclesiástica, Francisco respondeu: “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?”
Em 2016, a JMJ voltou à terra-natal do seu fundador, João Paulo II. Depois da edição de 1991, em Częstochowa, foi escolhida a cidade de Cracóvia, para uma edição da JMJ que reuniu 1,5 milhões de jovens sob o tema “Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão misericórdia”. A bordo do avião que o levou de Roma para Cracóvia, no dia 27 de julho de 2016, o Papa Francisco deixou uma mensagem para o mundo: vive-se uma terceira guerra mundial por etapas.
O mundo católico estava em choque. No dia anterior, o padre francês Jacques Hamel tinha sido assassinado em Rouen, no norte de França, por militantes do Estado Islâmico, enquanto celebrava uma missa na sua paróquia. Francisco chamou-lhe um “santo sacerdote” e advertiu para as muitas outras vítimas de um mundo que “está em guerra, porque perdeu a paz”. “Desde há tempos que vimos dizendo: ‘O mundo está em guerra aos pedaços’. Esta é a guerra. Havia a de 1914 com os seus métodos, depois a de 1939-1945, outra grande guerra no mundo; e agora é esta. Talvez não seja tão orgânica, mas é guerra.”
Na Polónia, Francisco visitou o santuário de Częstochowa, onde celebrou a missa dos 1050 anos do Batismo da Polónia, e procurou animar os jovens a viver a sua fé no mundo contemporâneo e encontrarem nela a esperança para as suas vidas: “Não quero ofender ninguém, mas entristece-me encontrar jovens que parecem ‘aposentados’ antes do tempo. Isto deixa-me triste: jovens que parecem ter–se aposentado aos 23, 24, 25 anos... Isto entristece-me. Preocupa-me ver jovens que desistiram antes do jogo; que ‘se renderam’ sem ter começado a jogar. Entristece-me ver jovens que caminham com a cara triste, como se a sua vida não tivesse valor. São jovens essencialmente chateados... e chatos, que chateiam os outros, e isto deixa-me triste. É duro, e ao mesmo tempo interpela-nos, ver jovens que deixam a vida à procura da ‘vertigem’, ou daquela sensação de se sentir vivos por vias obscuras que depois acabam por ‘pagar’... e pagar caro.”
A passagem do Papa Francisco pela Polónia ficaria, em grande parte, marcada pela visita aos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, onde mais de um milhão de pessoas, sobretudo judeus, foram exterminadas pelo regime nazi, na década de 1940. Em silêncio, o Papa atravessou o célebre portão do campo de concentração, encimado pelo letreiro com a frase “O trabalho liberta”, e visitou as câmaras de gás, onde rezou pelas vítimas do Holocausto.
De volta a Cracóvia, Francisco visitou um hospital pediátrico para conversar com as crianças doentes e reconhecer, perante a fragilidade que leva a questionar Deus, que existem “perguntas para as quais não há resposta imediata” — um tema a que voltaria na Via-Sacra, nessa mesma noite. Nas celebrações finais — que foram, como sempre, o ponto alto da JMJ —, o Papa Francisco voltou a falar do momento que a Europa atravessava, marcado pela violência terrorista. “Queridos amigos, convido-vos a rezar juntos pelo sofrimento de tantas vítimas da guerra, desta guerra que há hoje no mundo, para podermos compreender, de uma vez por todas, que nada justifica o sangue dum irmão, que nada é mais precioso do que a pessoa que temos ao nosso lado”, disse o Papa aos jovens.
Pela primeira vez, a JMJ chegou à América Central: o Panamá, um pequeno país com 4 milhões de habitantes, na sua maioria católicos, recebeu a edição da JMJ em janeiro de 2019 — por ser a altura das férias escolares no hemisfério sul, embora esse facto, aliado à grande distância, tenham contribuído para a menor afluência de jovens da Europa. Foram cerca de 600 mil os jovens que participaram na Jornada, incluindo um contingente de 300 portugueses que partiu para o Panamá já à espera de ouvir a aguardada notícia: a de que a edição seguinte da JMJ seria em Lisboa.
Alguns meses antes da JMJ do Panamá, a notícia de uma edição portuguesa já se espalhara pelos meios de comunicação social — sobretudo depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter deixado escapar que iria ao Panamá na esperança de receber a notícia. Uma notícia, aliás, que a Igreja Católica em Portugal já esperava há muito tempo: o lóbi por parte dos bispos nacionais já remontava a 2009 e tinha em vista a possibilidade de uma JMJ em 2017 em Portugal, por ocasião do centenário das aparições de Fátima. A pretensão foi adiada até 2019 — mas as fugas de informação terão caído mal na estrutura do Vaticano. O que é certo é que Lisboa seria mesmo o destino escolhido para a edição seguinte da JMJ — uma vitória imortalizada no célebre “esperávamos, desejávamos, conseguimos” de Marcelo Rebelo de Sousa.
Apesar de a confirmação oficial se ter mantido sob apertado sigilo até à comunicação oficial no palco da JMJ, Portugal esteve representado ao mais alto nível no Panamá. Não só pelas autoridades do Estado (que já esperavam a notícia), mas também por vários jovens e elementos do Patriarcado de Lisboa, que estiveram como voluntários na JMJ do Panamá com o objetivo explícito de tomar nota dos complexos processos de preparação da JMJ — já com vista à edição portuguesa.
Durante os cinco dias que permaneceu no Panamá, o Papa Francisco participou numa série de eventos — tanto religiosos como de carácter civil —, enquanto os milhares de participantes se distribuíram pelas catequeses e pelos eventos do programa artístico e cultural da JMJ.
Um dos momentos marcantes foi a visita do Papa Francisco a uma prisão juvenil para celebrar com os jovens reclusos uma liturgia penitencial. Durante a celebração, o Papa lembrou que Jesus preferiu sempre os pecadores, aproximando-se deles e suscitando o ódio daqueles que eram supostamente mais puros do ponto de vista religioso, e salientou que esse desprezo ainda subsiste. “Muitos não suportam nem gostam desta opção de Jesus; antes, manifestam o seu descontentamento, inicialmente por entre dentes mas no final aos gritos, procurando desacreditar este comportamento de Jesus e de quantos estão com Ele. Não aceitam, rejeitam esta opção de estar próximo e oferecer novas oportunidades”, disse o Papa aos jovens reclusos. “Sobre a vida do povo, parece-lhes mais fácil colocar etiquetas e rótulos que congelam e estigmatizam não só o passado, mas também o presente e o futuro das pessoas. Colocam rótulos nas pessoas: este é assim, aquele fez isto e agora está feito e deve carregá-lo pelo resto dos seus dias.”
Na vigília final, perante mais de meio milhão de jovens, o Papa Francisco recorreu à linguagem contemporânea para apresentar Maria como uma “influencer” de Deus e para desafiar os jovens de hoje a serem influenciadores: a “dizer ‘sim’ como instrumentos para construir, nos nossos bairros, comunidades eclesiais capazes de percorrer as estradas da cidade, abraçando e tecendo novas relações”.
Desde 2009 que a Igreja Católica em Portugal tinha a ambição de organizar uma edição da Jornada Mundial da Juventude. O lóbi começou justamente nesse ano, quando a Conferência Episcopal Portuguesa apresentou o pedido às autoridades do Vaticano. Uma primeira ideia passava por organizar uma JMJ em 2017, o ano do centenário das aparições de Fátima — mas a JMJ de 2011 tinha sido em Madrid e o Vaticano não queria duas edições tão próximas a poucos quilómetros de distância. As escolhas recaíram sobre Cracóvia (2016) e Panamá (2019).
Mas os bispos portugueses não desistiram da ideia e o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, apresentou ao Vaticano a candidatura formal para o Patriarcado de Lisboa receber a edição de 2022. Havia outras candidaturas em cima da mesa, nomeadamente da parte dos arcebispos de Estocolmo (Suécia) e Praga (República Checa). A única certeza era a de que a JMJ de 2022 seria na Europa, respeitando a tradição, entretanto instituída, de alternar entre um país da Europa e um país não-europeu.
Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se aos esforços da Igreja portuguesa e foi uma peça central na campanha pela JMJ de Lisboa. O Presidente da República fez desde cedo saber que estaria presente no Panamá, com a expectativa de ouvir o anúncio positivo para Portugal. A poucas semanas da JMJ do Panamá, era já quase certo que Portugal seria o destino escolhido — pelo que a comitiva oficial portuguesa na edição de 2019 era muito significativa.
Quando o anúncio foi confirmado, autoridades políticas e eclesiásticas multiplicaram-se em festejos e promessas — e tanto o primeiro-ministro como o Presidente da República garantiram que a JMJ de Lisboa seria um evento de grandes dimensões, aberto a crentes e não crentes, que contaria com o apoio total do Estado português. A organização da JMJ recaiu sobre o recém-nomeado bispo auxiliar de Lisboa D. Américo Aguiar, que lidera a Fundação JMJ — entidade criada com o propósito explícito de organizar o evento.
Os preparativos começaram de imediato, mas no ano seguinte seriam interrompidos pela pandemia de Covid-19, que obrigou a adiar o evento para 2023. Entretanto, quando a preparação da JMJ chegou a uma fase mais operacional, em 2022, começaram também os atritos — intensificados pela mudança de cor política nas câmaras de Lisboa e de Loures. No verão de 2022, a um ano da JMJ, havia ainda uma grande falta de clareza sobre quem pagaria o quê — com as responsabilidades a repartirem-se entre a Igreja, o Estado central e as autarquias envolvidas. A polémica mais quente, porém, aconteceria já em janeiro deste ano, quando o Observador noticiou que o altar-palco onde o Papa Francisco iria celebrar a missa final da JMJ custaria 4,2 milhões de euros. A controvérsia em torno do custo do palco levou D. Américo Aguiar a dizer que ficou “magoado” com o valor da estrutura e, no final, a câmara de Lisboa anunciou um corte nos custos, que baixaram para 2,9 milhões de euros. Mais recentemente, as complicações de saúde do Papa Francisco, hospitalizado duas vezes nos últimos meses, também motivaram questões sobre a viabilidade da JMJ de Lisboa — mas o Papa já garantiu que os médicos foram claros e o autorizaram a viajar até Portugal.
A Jornada Mundial da Juventude de Lisboa está agendada para os dias 1 a 6 de agosto deste ano. A presença do Papa Francisco é esperada em Lisboa entre os dias 2 e 6 de agosto — e o líder da Igreja Católica fará também uma visita-relâmpago a Fátima na manhã do dia 5 de agosto.
Durante a semana da JMJ, a capital portuguesa vai acolher perto de 500 eventos diferentes integrados na Jornada Mundial da Juventude, espalhados por cerca de uma centena de recintos de diferentes dimensões, incluindo conferências, catequeses, concertos, exposições, encontros de oração, torneios desportivos e visitas a lugares de culto. Estima-se que participem na JMJ de Lisboa perto de 1,5 milhões de jovens de todos os países do mundo. Recintos como o Terreiro do Paço, a Alameda Dom Afonso Henriques, o Parque da Bela Vista e o Passeio Marítimo de Algés vão acolher os maiores eventos — a que se juntam dezenas de pequenos auditórios, teatros e salões por toda a Grande Lisboa. Como nas edições anteriores da JMJ, o ponto alto do evento será a vigília final e a missa de encerramento, que ocorrerão no Parque Tejo-Trancão. Durante a semana, o Parque Eduardo VII vai receber a celebração de acolhimento ao Papa e a Via-Sacra.