Entre o pó de uma obra que mal começou, a um ano da Jornada Mundial da Juventude, circularam o Presidente da República, a ministra Adjunta do primeiro-ministro, dois presidentes da Câmara (de Lisboa e Loures), um bispo auxiliar (de Lisboa), um coordenador do grupo de projeto. Mas, em plena polémica entre a autarquia da capital e o Governo, ninguém parece saber o valor do investimento total que ali terá de ser feito para tornar as margens do Trancão aptas para receber o milhão de jovens que se espera no encontro com o Papa. A manhã assumiu contornos confusos, com a ministra Ana Catarina Mendes e os presidentes das câmaras Carlos Moedas e Ricardo Leão a hesitarem nas declarações à comunicação social sobre o suposto consenso conseguido entre os três mesmo ao cair do pano, depois do longo impasse. Saíram quase sem dizer nada, remetendo o grosso para o memorando de entendimento que ainda vai ser assinado e aparentando descoordenação.

[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador]

Ninguém sabe quanto vai custar a Jornada Mundial da Juventude

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Ao lado circulava Marcelo que, aos jornalistas, tinha resumido a uma “pura coincidência” que a difícil concertação entre as partes se tivesse firmado horas antes da sua visita aos terrenos. Jurou não ter tido “nenhum” papel nesse acordo — entre os sorrisos indisfarçáveis de Carlos Moedas, mesmo atrás do Presidente da República — garantindo que “o mérito é todo dos intervenientes: Governo, a Câmara de Loures, a Câmara de Lisboa e o bispo auxiliar”.

O que é certo é que a visita de Marcelo só foi confirmada oficialmente pelas 23h30 do dia anterior, imediatamente depois de ter sido noticiado o entendimento. Marcelo surgia agora aliviado entre os responsáveis políticos do PS e PSD. “Não é preciso mediação. Estão entendidos, o acordo está selado”, jurou Marcelo. Mas não foi nada disso que saltou à vista durante esta primeira visita que juntou todas as partes.

Segundo apurou o Observador, o Governo está pouco confortável com a palavra “acordo” associada ao entendimento que foi conseguido mesmo na véspera da visita presidencial e prefere falar em “responsabilidade partilhada” entre Estado central e autarquias envolvidas. De resto, no terreno, os sinais apontavam todos nesse sentido.

Na visita, Ana Catarina Mendes nada quis dizer sobre o assunto, nem mesmo quando os jornalistas lhe perguntaram com insistência qual o valor estimado para a obra que arrancou agora — e que já teve fases anteriores de preparação do espaço, tais como a retirada de 6 km de contentores que ocupavam aquela frente ribeirinha de Lisboa e Loures.

Ao Público, no dia anterior, tinha prometido que o Governo fará “o que é necessário para que a Jornada Mundial corra bem”. Incluindo cobrir os custos do que as câmaras não assumirem. Quanto? Ninguém sabe e não foi desta vez que a ministra esclareceu.

A ministra contornou a pergunta concreta sobre o custo total e sobre quem paga o quê, alegando que não sabia o valor final e que isso ainda teria de ver os orçamentos que as câmaras fizeram. Depois conferenciou com Carlos Moedas para articular uma resposta semelhante, ali mesmo à vista dos jornalistas. E foi também assim que combinaram se os autarcas falavam ou não e o que diriam sobre a questão que sabiam que seria feita: o custo total.

Também abordado pelo jornalistas, Carlos Moedas ia apenas garantindo: “Estamos coordenados”. Isto tudo numa clara descoordenação entre as partes que, segundo foi noticiado pelo Público esta quarta-feira, tinham finalmente chegado a um entendimento sobre a repartição de encargos. Não queria responder a questões e comentava alto que só o faria se a ministra falasse, o que não aconteceu.

O presidente da Câmara de Lisboa acabou por fazer uma declaração muito breve para remeter as contas para o memorando de entendimento “que vai ser assinado em breve”. “Cada um de nós sabe exatamente o que tem a fazer e está tudo resolvido. Daqui por diante a unidade é total“, garantiu em forma de aviso.

É no memorando que “cada um vai tornar público o que disponibiliza”, acrescentou Ricardo Leão mesmo ali ao lado de Moedas. “O valor não importa, mas sim fazer as coisas e quem faz o quê”, ia dizendo, deixando, no entanto, clara a participação de Loures na obra. “Entre 14 e 15 milhões. Incluindo o passadiço” sobre o Trancão, ligando a margem de Lisboa à de Loures.

O executivo de Lisboa já assumiu na semana passada estar disponível para investir até 35 milhões na Jornada Mundial da Juventude do próximo ano. Já quanto à parte do Governo, não há qualquer estimativa ainda conhecida.

Em 2019, o cardeal-patriarca de Lisboa e então presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Clemente, disse que “atendendo ao que tem acontecido nas outras jornadas, o orçamento será para cima de 50 milhões de euros”. Foi noticiado que a operação, na estimativa do Executivo, custaria 6 milhões, mas o Público teve acesso a um estudo onde o valor apontado seria na ordem dos 90 milhões de euros — porque incluiria a construção de um futuro complexo logístico na Bobadela. Ao Observador a Infraestruturas de Portugal, entidade responsável pela retirada dos contentores, confirma no entanto que o custo da operação se mantém nos 6 milhões que estavam na resolução do Conselho de Ministros inicial. Este valor inclui a retirada de contentores de dois parques do complexo — os que serão usados para a JM — e a reorganização de um terceiro.

O pedido de “esforços ainda mais acelerados”

Para trás ficava um ato público a colocar lado a lado todas as partes, ainda que com um acordo ainda pouco sólido, a julgar pelas respostas vagas que foram dando ou mesmo a ausência delas. E um passeio ao lado do Presidente da República, com direito a selfie junto ao cartaz que marca o local onde vai instalar-se o terreiro que acolherá os jovens que virão para o encontro com o Papa entre 1 e 6 de agosto de 2023.

Marcelo colocou a fasquia na Expo98, no que diz respeito ao que mais o preocupa: “Que a jornada não se esgota como aposta nacional naqueles dias”. A ambição é que ali fique, para o futuro, um parque verde para ser usado pela população.

Durante a visita, quando ouvia os autarcas garantirem isto mesmo, o Presidente ia manifestando preocupação com a “pressão do imobiliário”, mas tanto Moedas, como Leão asseguravam que aquela seria mesmo mantida como uma zona verde. Brincou com o “cumprimento caloroso e socialista (mas justo)” que o presidente da Câmara socialista fez questão de prestar, ali mesmo, ao Governo — e também, por diversas diversas vezes, com o físico do mesmo autarca que imaginou a ocupar “dois terços da ponte pedonal” quando esta existir.

Entre estas tiradas, Marcelo deixou escapar que esta quarta-feira até falou com o primeiro-ministro: “Ontem já disse ao senhor primeiro-ministro que ele está em grande forma, ao contrário do presidente da Câmara de Loures”. A comitiva ria-se e a mensagem de contactos ao mais alto nível no âmbito deste assunto estava passada.

Neste momento, e publicamente, Marcelo só vai garantindo que a única coisa que já o preocupa é a vinda do Papa Francisco, devido aos problemas de mobilidade que o chefe da Igreja Católica tem sofrido. Mas a verdade é que também mostra cuidados com a urgência de ter ali obra. Promete acompanhar tudo “a par e passo” espera, como quem avisa, que os responsáveis por terem tudo pronto daqui a um ano “farão esforços ainda mais acelerados” do que os que fizeram até aqui.

Para o bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, ficou a explicação da organização do espaço. E como haveria umas primeiras filas de cadeiras. Quanto ao mais, “é tudo ao monte e fé em Deus“.

Artigo atualizado às 20h40 com informação das Infraestruturas de Portugal sobre a operação de retirada de contentores.