É impossível ignorar uma arruada da CDU com a música, as bandeiras e os gritos fervorosos. Mas embora seja possível, como na maior parte das situações na vida, olhar para o lado ou desviar o caminho, ninguém parece querer desviar-se de Jerónimo de Sousa. Na rua, em centros urbanos como Lisboa e Amadora, as mulheres procuram um beijo ou uma carícia, os homens estendem a mão com vontade e as crianças dizem-lhe que o gostam de ver na televisão. Todos lhe desejam “força para a luta”. Jerónimo ouve e leva a peito o recado.

Para quem desconfiar da vitalidade do candidato, é vê-lo arrancar sprints que deixam os jovens da JCP para trás ou empoleirar-se em grades para que o seu aceno chegue a toda a gente dentro de um café. Uma máquina de campanha oleada como a da CDU podia facilmente disfarçar a falta de interação com o candidato ou rodeá-lo com camaradas. Não há necessidade. Mesmo quem não quer colocar o autocolante da CDU ao peito e recusa a oferta de um panfleto na arruada no centro da Amadora, acrescenta apressadamente: “Mas não tenho nada contra o Jerónimo. Até gosto muito dele!“.

Algo que não acontece com todos os partidos. Enquanto as hostes comunistas se iam juntando na praça Paiva Couceiro, em Lisboa, na semana passada, houve quase um encontro imediato com a coligação Portugal à Frente, que com uma pequena comitiva ia descendo a Morais Soares. Os candidatos Joana Barata Lopes e Carlos Silva, que se candidatam por Lisboa, tentavam distribuir panfletos a quem passava sem grande sucesso ao mesmo tempo que de vários pontos da rua se ouviam gritos que os apelidavam de “ladrões”. “Surpreendentemente, até mais gente do PSD do que o PS, vem ter connosco e dizem-nos que votaram nesses partidos em 2011 e falam-nos das razões da sua desilusão, sentem-de enganados como a sua vida foi pior. Encontram em nós a referência da alternativa e a garantia que o voto será sempre usado com verdade e firmeza”, explicou Jerónimo de Sousa ao Observador.

São exatamente estas duas forças políticas. Portugal à Frente e CDU, segundo as sondagens, que vão sair vitoriosas nas eleições de domingo, mas os triunfos serão de caráter diferente. Caso não consiga a maioria absoluta, as hipóteses de a coligação vir a ter a vida tranquila a governar é diminuta, enquanto a CDU, ao engrossar o seu grupo parlamentar, pode tornar-se na terceira força política com mais peso na Assembleia. Jerónimo nunca põe de lado a possibilidade de fazer parte de um Governo à esquerda, dizendo que, apesar de o PS não reconhecer o papel da CDU nos últimos quatro anos, “isso não invalida nem altera disponibilidade para o diálogo sincero“, como afirmou na Amadora. Verbalmente, a disponibilidade tem sido repetida ao longo da campanha. Programaticamente, as diferenças entre PS e CDU são grandes.

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O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa (E), participa numa arruada no âmbito da campanha eleitoral para as eleições legislativas que se realizam no dia 4 de outubro, na Amadora, 29 de setembro de 2015. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Jerónimo de Sousa na Amadora JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Com 68 anos, Jerónimo de Sousa é o cabeça de lista mais velho entre as 16 forças políticas a concorrer, mas não deixa que isso transpareça na rua. Se nos debates pareceu pouco vigoroso, Jerónimo voltou a ganhar fôlego na rua. “Às vezes, até me parecia que havia setores que queriam que eu estivesse cansado”, disse em entrevista à Lusa, afirmando que brinca muitas vezes com os camaradas que qualquer dia é ele a dizer a si próprio que está cansado, mas que isso não acontece.

“A campanha está em crescendo e o sítio onde isso mais se pode aferir é na rua, não só na participação, mas também como somos recebidos e isto é a sondagem que precisamos para ver que a CDU está a crescer”, diz Jerónimo ao Observador.

“É preciso ter esperança e coragem”, disse a uma mulher que se aproximou dele a chorar, na Rua Morais Soares, devido ao desemprego que afeta várias pessoas da sua família. “Não posso prometer que o que prometemos se vai realizar, porque isso depende da aprovação da Assembleia da República. Mas posso garantir que vamos apresentar projetos e vamos bater-nos por eles”, disse dentro de uma ourivesaria dois comerciantes locais que se queixavam do estados das pequenas empresas familiares.

“Queremos melhorar a vida dos trabalhadores e acabar com o desemprego”, garantiu a uma indecisa que no fim lhe prometeu o seu voto. A subida do partido nas sondagens, que pode atingir até 10% – em 2011 teve 7,9% dos votos – não diz nada a Jerónimo, ele fia-se noutras previsões, como disse ao Observador: “A campanha está em crescendo e o sítio onde isso mais se pode aferir é na rua, não só na participação, mas também como somos recebidos e isto é a sondagem que precisamos para ver que a CDU está a crescer”.

Para esta interação, ajudam vários membros do partido estão atentos a quem passa, indicando a Jerónimo quem está à espera do próximo abraço, mas às vezes, entre militantes e jornalistas, alguém atravessa a rua só para dizer que gosta muito de “o ver na televisão”. Até as crianças. Na tradicional descida da Morais Soares, duas crianças saídas da escola juntaram-se a Jerónimo e não o largaram mais. Seriam filhos de militantes? Camaradas em potência? Não. Conheciam-no da televisão e gostaram de descer a rua de uma forma diferente. Jerónimo não se atrapalhou e colocou uma mão no ombro de cada criança, seguindo em frente e falando com quem passava.

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, cumprimenta populares durante uma ação nas ruas de Lisboa em campanha eleitoral para as eleições legislativas que se realizam no dia 4 de outubro. 23 de setembro de 2015. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Hussein e Ricardo acompanharam o líder comunista por quase toda a Morais Soares. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Quando chegou a altura de irem para casa, Hussein e Ricardo disseram ao novo amigo: “Tens de vir ver a loja dos nossos pais”. Numa arrancada, Jerónimo largou a comitiva, deixando muitos apoiantes de boca aberta e lá fez um sprint de alguns metros rua dos Heróis do Quionga acima. Cumprimentou os pais, entregou os meninos e para quem ainda duvidava, desfez o mito que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço. Já na Amadora, outra criança pediu-lhe um autógrafo. Jerónimo pareceu um pouco atrapalhado, mas depois da pronta ação de uma jornalista que lhe emprestou uma caneta e de um panfleto de campanha que lhe chegou às mãos, o candidato lá satisfez o pedido. “Vês, agora já tens um autógrafo do Jerónimo“, disse a mãe, enquanto o menino ainda olhava para o papel espantado.

Mas a complacência da rua, desaparece quando o candidato chega ao palanque. Lembra sempre que foi a CDU que esteve lá nos últimos quatro anos pelos direitos dos trabalhos e acena sempre com a lembrança do “pacto de agressão”, vulgarmente conhecido como memorando da troika. É a altura também para instruir os militantes: “Às vezes uma pequena ação, um contacto com um amigo, com um vizinho, com um colega de trabalho, esse esforço vale a pena porque é mais um voto que se ganha para a CDU”.

Apesar de afirmar combater a política de direita e ser esse o principal adversário, Jerónimo de Sousa tem feito pontaria ao PS, ora respondendo aos ataques de Costa, ora lançando farpas aos últimos quatro anos de oposição. “O PS tem insegurança em relação ao resultado das eleições porque não fez nada para que este Governo seja derrotado“, vai atirando Jerónimo, garantindo que nestas eleições, todos os votos contam e que cada voto na CDU é um voto a menos no CDS e no PSD, dando a entender que a sua força política é tão ou mais voto útil do que a aposta em Costa. Influenciado ou não pelas sondagens e pelos avisos da direita, o líder do PCP está a apoiar-se tanto no descontentamento com os maiores partidos, como na sua popularidade para vir a ser a terceira maior força do Parlamento português, um feito que a CDU não consegue desde as eleições de 2005.

“Até domingo, é tempo de trabalho”, alerta o líder.

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, tira uma selfie com um jovem durante uma ação nas ruas de Lisboa em campanha eleitoral para as eleições legislativas que se realizam no dia 4 de outubro. 23 de setembro de 2015. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Uma selfie na Morais Soares. Jerónimo nunca nega e até posa com os mais jovens. MIGUEL A. LOPES/LUSA