Oito e meia da manhã no estado norte-americano da Florida, menos cinco horas em Lisboa.
Portugal, daqui Centro Espacial Kennedy.
Liftoff, we have a liftoff!
Explorar os mais de 500 quilómetros quadrados do Centro Espacial Kennedy é como entrar num wormhole que nos engole numa viagem pelo tempo em direção ao passado. À porta do complexo de visitantes, apontando dezenas de metros até ao céu, oito dos foguetões mais marcantes da história da exploração espacial norte-americana dominam a linha do horizonte do Cabo Canaveral, desde o fundo da rua, a Space Commerce Way. O imperador de todos eles, no entanto, está num trono a alguns metros dali. Chama-se Space Shuttle Atlantis. E testemunha algumas das histórias mais felizes da NASA, a agência espacial dos Estados Unidos. Mas também as mais tristes.
Comecemos pelas boas notícias. Erguendo-se até aos quase 32,9 metros de altura e com 195 toneladas de propulsão, o foguetão Gemini-Titan II recorda-nos dos tempos em que os Estados Unidos e a União Soviética se enfrentavam — e temiam — durante a corrida espacial. Com traços industriais, Gemini-Titan II nada mais era senão um míssil balístico intercontinental desenhado para transportar armas nucleares que atravessassem o oceano. Uma resposta à letra para os soviéticos, que uns anos antes tinham colocado em órbita o satélite Sputnik, a carcaça de um míssil balístico cujo “beep… beep… beep…” assustou de morte os americanos.
Onde está a boa notícia? É que nem o Sputnik foi usado para esse fim, nem o foguetão norte-americano. Graças à Guerra Fria, em que a tensão nunca deu espaço à ação, Gemini-Titan II foi antes usado para lançar as missões Gemini em 1965 e 1966 — missões essas que serviram de estágio para os astronautas que mais tarde participaram no ambicioso programa Apollo nos anos 60. De resto, neste Jardim, ainda resta um dos foguetões que participou nessa empreitada nacional que levou a Humanidade à Lua faz este sábado 50 anos: o Saturn IB, 68 metros de altura, 726 toneladas de propulsão, que lançou a primeira missão tripulada do programa Apollo.
Por falar em programa Apollo, talvez seja melhor virar costas aos foguetões. A uns metros daqui, vestido com um blusão cravado de emblemas, Charles Moss Duke Jr., piloto e instrutor de caças da Força Aérea dos Estados Unidos da América, astronauta da agência espacial norte-americana e, em simultâneo, um dos homens mais sortudos e mais azarados do programa Apollo, espera-nos num auditório para nos contar a sua experiência numa das aventuras mais épicas em que a Humanidade alguma vez participou. Antes de irmos ter com ele, no entanto, uma mão toca-nos no ombro: “Vocês são portugueses? Nós aqui adoramos portugueses. Os Descobrimentos são uma inspiração para nós. Nasceram num país tão pequeno, mas decidiram que haviam de conquistar o mundo inteiro antes de morrer”, diz-nos o nosso guia. Já falamos sobre ele.
O mais sortudo e o mais azarado do Apollo
Nove da manhã na Florida.
Portugal, daqui Centro Espacial Kennedy.
Mission Elapsed Time: 00 horas e 30 minutos.
Uma das frases mais icónicas da missão Apollo 11 pertenceu a Charles Duke e ao seu sotaque sulista: “Roger, Base da Tranquilidade. Mensagem recebida em terra. Tinham aqui uns gajos quase a ficarem azuis. Já respiramos outra vez. Muito obrigado”. Charles Duke era o responsável por fazer as comunicações entre a sala de controlo em Houston, Texas, e os três astronautas — Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins. Mais tarde, na penúltimo missão do programa Apollo, a 16, pisou finalmente a Lua. Mas antes teve de passar por muitas provações. Primeiro, viu-lhe negada a oportunidade de ir à Lua porque podia ficar doente. Nunca ficou. Depois, teve de salvar os três colegas à beira da morte a milhares de quilómetros de casa. Só a seguir à tempestade é que veio a bonança.
Charles Duke está neste auditório a convite da Omega, a marca dos relógios que todos os astronautas do programa Apollo levaram para a Lua e que, para celebrar os 50 anos da alunagem, lançou um novo modelo que esconde um pedaço de rocha lunar junto aos ponteiros. Este é dos astronautas da NASA que melhor conhecem a importância de um mero segundo. Precisou de os contar como moedas de ouro quando Neil Armstrong aterrou na Lua com menos de um minuto de combustível disponível. E precisou outra vez de os pesar uns meses mais tarde quando cada segundo contava para salvar os colegas a bordo da missão Apollo 13.
Era ele o piloto escalado para a missão Apollo 13, mas quando a NASA soube que Charles tinha ido a uma festa de aniversário onde havia uma criança doente com rubeóla, decidiu deixá-lo em terra. É difícil avaliar, no entanto, se esse foi um golpe duro ou uma benção. A missão Apollo 13, que devia ter alunado, falhou quando uma explosão no tanque de oxigénio do módulo de comando deixou os três astronauta entre a vida e a morte — “Houston, we have a problem”. Em terra, Charles Duke foi tirado da cama à força pelos colegas da NASA e levado para o centro espacial em Houston para arranjar maneira de salvar os colegas. E conseguiu.
Três missões depois, Charles Duke tornava-se no décimo homem a pisar a Lua, o que mais rochas lunares enviou para a Terra e o que mais tempo passou em atividades extraveiculares na superfície lunar. Antes de deixar uma fotografia da família algures na Serra de Descartes, Charles Duke elogiou a bandeira norte-americana: “Tenho orgulho em ser americano. Digo-vos uma coisa. Que programa, que lugar e que experiência”, disse ele naquele 21 de abril de 1972. “Recordo-me como tudo tremia, desde o minuto em que os motores foram ligados. Estava com 144 batimentos por minuto. O John [Young] não, estava muito calmo. A primeira separação dos propulsores e passar de sentir forças de quatro, cinco, seis G para zero de repente. A vista da Terra lá de cima é de tirar a respiração. Na reentrada na atmosfera a nave fica envolta numa bola de fogo”, descreveu aos jornalistas, quase 50 anos depois.
Os dias em que tudo correu mal
Uma da tarde na Florida.
Portugal, daqui Centro Espacial Kennedy.
Mission Elapsed Time: 04 horas e 30 minutos.
O programa Apollo é a joia da coroa da agência espacial norte-americana, mas há também coroas com espinhos. Depois de levar a Humanidade à Lua numa missão tão ambiciosa quanto arriscada, a NASA, dona e senhora da exploração espacial, tinha uma responsabilidade pela frente: manter a supremacia. E de preferência sem o rasto de sangue que o programa Apollo deixou antes de chegar à Lua. A aposta foi o Space Shuttle, um sistema renovável de envio de vaivéns para a baixa órbita terrestre que lançou o telescópio Hubble, permitiu a construção da Estação Espacial Internacional e levava astronautas até ao céu. Correu bem 133 vezes. Mas a NASA não esquece as duas vezes em que correu mal.
Atrás do vaivém Atlantis — já vamos entrar dentro dele –, a NASA escondeu um corredor em que homenageia os 14 astronautas que perderam a vida nas duas missões mal sucedidas do sistema Space Shuttle. A 28 de janeiro de 1986, o vaivém Challenger explodiu poucos segundos depois de descolar matando os setes astronautas a bordo, inclusivamente uma civil, a professora Christa McAuliffe. Uns anos mais tarde, a 1 de fevereiro de 2003, o vaivém Columbia desintegrou-se ao reentrar na atmosfera terrestre condenando à morte os sete tripulantes a bordo.
Catorze mortes. Catorze mortes que a NASA homenageia num corredor do Centro Espacial Kennedy: “Pedimos às famílias que nos trouxessem objetos pessoais destes astronautas e pusemo-los em montras para lembrar o contributo que tiveram na NASA”, descreve o guia. Aqui podemos ver os brinquedos de William McCool, o quimono de karaté de Ronald McNair, as insígnias de Gregory B. Jarvis.
E ao fundo de todas essas montras, levando às lágrimas alguns dos aventureiros que caminham connosco ao longo deste memorial, o que restou destes dois desastres: à esquerda, uma parte da fuselagem do Challenger, estampada com uma bandeira norte-americana chamuscada; e, à direita, a carcaça das janelas do Columbia. “A exploração espacial pode ser realmente inspiradora, pode trazer muitas alegrias à Humanidade e pode ser entusiasmante para muitos de nós”, interrompeu o guia, “mas precisamos de nos lembrar sempre que o que fazemos aqui é muito perigoso. Trabalhar neste ramo é saber que um dia pode tudo correr mal“.
Essas são as más notícias de que falávamos há pouco. Mas vale a pena recordar as boas. E as boas notícias do sistema Space Shuttle têm 69 toneladas, 37 metros de comprimento, 57 metros de uma ponta à outra das asas e viajou 203 milhões de quilómetros, durante 306 dias não consecutivos, antes de acabar aqui no Centro Espacial Kennedy pendurado no teto por cima das nossas cabeças. Chama-se Atlantis. “Não vale a pena perguntarem. Este bicho para onde estão a olhar é o verdadeiro. É mesmo aquele que foi ao espaço“, anuncia o guia.
O Atlantis está aberto dentro do Centro Espacial Kennedy e inclinado a 43 graus no topo do edifício para permitir aos turistas olharem para o interior — o mesmo interior que levou para o espaço grande parte das peças que compõem a Estação Espacial Internacional e que enviou espaço para as lentes do Telescópio Espacial Hubble. O mais curioso deste vaivém, no entanto, está no lado de fora: “Este material cinzento só há em dois sítios do vaivém, a frente do nariz e a frente das asas. E é assim porque pode aguentar temperaturas de três mil graus”.
Na verdade, cada uma das peças — até as que têm meros centímetros do Space Shuttle — foi pensada de acordo com as temperaturas que tem de suportar quando está no espaço: “A parte de baixo do Atlantis é composta por 24.177 telhas pretas. São todas, mesmo todas, diferentes. Não há aqui duas peças iguais. Cada uma tem um número especial e não cabe em mais nenhum lugar senão naquele para que foi desenhada. Para cada uma delas, os engenheiros desenharam a quantidade de proteção de que precisava para as missões espaciais“, continua.
O último voo deste Atlantis reformado foi em 2011, já a Estação Espacial Internacional estava pronta a funcionar a todo o gás. Agora, esse gigantesco laboratório espacial está prestes a expirar o prazo de validade. Questionado pelo Observador se este vaivém pode voltar a voar para o espaço — talvez pudesse voltar a dar boleia a peças para uma nova estação, o guia responde-nos que não: “Este já não voa mais. O sistema Space Shuttle foi reformado e já não precisamos dele”. Então e quando precisarmos que algum vaivém o faça? “Não me compete a mim responder a essa pergunta”, diz.
O nosso guia fala claramente da SpaceX. A mesma SpaceX que tem escritórios aqui no Centro Espacial Kennedy e que provavelmente alugou o VAB — uma espécie de garagem gigantesca onde a NASA desenvolve os foguetões e vaivéns — para a construção dos foguetões de próxima geração. Agora, aqui no complexo de visitantes, não nos resta outra hipótese senão olhar o VAB de longe, já que fechou portas aos mais curiosos em 2014 para apostar em novas invenções. Ainda assim, mesmo ali ao lado, está o maior foguetão da história da exploração espacial. E a esse podemos espreitar.
“A NASA vai fazer as coisas grandes. As pequenas ficam para os privados”
Oito da noite na Florida.
Portugal, daqui Centro Espacial Kennedy. Mission Elapsed Time: 11 horas e 00 minutos.
No dia em que o Saturn V levou a missão Apollo 11 até à Lua, não era novo naquelas andanças. Todas as missões tripuladas do programa Apollo, com exceção da missão Apollo 7, tinham sido enviadas para o espaço a bordo deste foguetão que, até ver, e enquanto a SpaceX não der novidades, continua a ser o mais poderoso de sempre. Com 110 metros de comprimento, 10 metros de diâmetro e 3 milhões de toneladas, o Saturn V descansa pendurado no Apollo Center, a escassos quilómetros do Centro Espacial Kennedy.
Percorrer o Saturn V de uma ponta a outra dá-nos uma sensação de vertigem. Por cima das nossas cabeças temos cinco motores J-2. São nada mais, nada menos do que cinco acidentes à espera de acontecer: os cinco são alimentados a hidrogénio líquido, que funcionam à base de pequenas explosões. Mais à frente, o estágio 2 — o que impulsiona o foguetão para fora da órbita terrestre, era aquele que mais problemas dava quando levantava voo: causava tanta trepidação que Michael Collins, um dos astronautas da missão Apollo 11, explicou numa biografia que julgou ter perdido o controlo do corpo. Depois, o estágio 1, onde os três aventureiros seguiam nos módulos de comando e lunar.
De uma ponta à outra, precisamos de longos minutos. E não só por causa do tamanho impressionante do foguetão, mas também porque, pelo caminho, a NASA pendurou os emblemas que carimbam cada uma das missões tripuladas do programa Apollo. Cinquenta anos depois, este foguetão permanece a ser o mais histórico, o mais poderoso de sempre, o orgulho da NASA.
Mas mesmo aqui ao lado, no edifício onde cabem quase quatro Empire State Building, a SpaceX pode estar prestes a dar a volta à História com o Big Falcon Rocket — aquele que, prometeu Elon Musk, há de levar a Humanidade até a Marte. Aqui na NASA, no entanto, encolhe-se os ombros aos sonhos de Elon Musk: “Posso dizer-lhe uma coisa. Quem vai a Marte, quem vai fazer as coisas grandes, é a NASA. Vamos deixar as companhias privadas tratar das coisas mais pequenas”.
O Observador viajou a convite da Omega para o lançamento do novo Speedmaster comemorativo do 50º aniversário da primeira alunagem tripulada.