É como olhar para o fresco que Michelangelo Buonarotti pintou no tecto da Capela Sistina. Mas no lugar de Adão está um telescópio com oito olhos e no lugar do Criador está um dos maiores mistérios do mundo da física e da astronomia: os buracos negros.
Esta é a primeira fotografia de sempre de um buraco negro. Einstein estava correto, outra vez
Esta quarta-feira, e ao fim de 13 anos de observações, a equipa de cientistas por detrás do Event Horizon Telescope anunciou as primeiras descobertas desde que oito observatórios em todo o mundo se juntaram na esperança de captar a primeira foto de um buraco negro. Até hoje, todas as imagens de buracos negros que viu, até mesmo aquela que ilustra este artigo, não passavam de um desenho saído da imaginação dos artistas. Mas de repente, tudo mudou.
[Como foi revelada a foto inédita do buraco negro:]
Porque é que esta foto é tão importante?
Porque “nunca antes um humano tinha conseguido uma observação tão direta de um buraco negro”, explica ao Observador o físico Vítor Cardoso, investigador do Centro Multidisciplinar de Astrofísica e Gravitação do Instituto Superior Técnico. Já vimos, isso sim, os efeitos provocados por estes misteriosos fenómenos: ainda em 2017, o Nobel da Física foi entregue à equipa de cientistas que detetou as ondas gravitacionais, deformações que se propagaram espaço fora após a colisão entre dois buracos negros.
Oiça: som de buracos negros a colidirem prova Teoria da Relatividade Geral
Só que essa é considerada uma observação indireta. Mas esta fotografia da equipa do Event Horizon Telescope é o mais perto que podemos estar de ver um buraco negro. Mais que isto é impossível por definição: os buracos negros não podem ser vistos porque nem sequer a luz lhes escapa. “Um buraco negro é, por conceito, um sítio de onde nada sai. E, sendo assim, essa definição fala por si. Nunca poderemos olhar diretamente para ele”, continua Vítor Cardoso.
É também por isto que os buracos negros são “um dos principais mistérios da física”, acrescenta o professor, o que torna ainda mais assinalável esta revelação e a imagem conseguida.
Para entender o motivo da importância desta conquista vamos fazer dois exercícios de imaginação. Eis o primeiro: imagine que tem uma esponja à sua frente e que deixa cair em cima dela um berlinde. O que acontece à esponja? Vai deformar-se porque o berlinde vai afundar-se no ponto onde caiu. É isso que acontece com o tecido espaço-tempo, uma espécie de sistemas de coordenadas que compõem o nosso Universo, quando uma estrela gigantesca, com a massa de pelo menos trinta sóis, explode: o buraco negro que resulta da morte dessa estrela deforma o tecido espaço-tempo como um berlinde em cima de uma esponja de cozinha ou de banho.
Isto acontece por causa da imensa densidade dos buracos negros. É aqui que surge o nosso segundo exercício. Vamos fingir que tem na mão um balão cheio de ar e que o larga sem o atar. À medida que perde o ar, o balão vai encolhendo até regressar ao tamanho original. Mas imagine que ele continua a encolher cada vez mais até que toda a massa que o compõe esteja concentrado num só ponto. Se o nosso balão fosse, na verdade, uma estrela muito maciça, então toda essa massa estaria concentrada num ponto tão pequeno que se tornaria “infinitamente denso”: “A força gravítica ao pé desse ponto tendia para o infinito porque a massa toda estava concentrada num pontozinho muito pequeno. Isso é aquilo a que os físicos chamam singularidades”, conclui Vítor Cardoso.
Ora, os buracos negros podem ser verdadeiros laboratórios de teste à Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Segundo ela, os corpos celestes com uma massa muito grande — como planetas ou estrelas — deformam o espaço-tempo como um berlinde em cima de uma esponja, num efeito que denuncia que há naquele local uma força de gravidade muito pronunciada. Ora, o tecido espaço-tempo é feito de quatro dimensões — três espaciais (comprimento, altura e largura) e uma que é a linha do tempo. Segundo a Relatividade de Einstein, não é apenas o espaço que se deforma com esses corpos celestes, mas também o tempo. Quanto mais perto estamos de um objeto muito massivo, mais devagar o tempo passa.
Isso já foi testado e comprovado em pequenas curvaturas do espaço-tempo, como as criadas pelo Sol ou pelo planeta Terra. Mas nunca nas proximidades de um buraco negro, onde a curvatura do espaço-tempo tende para infinito. Uma forma de ter mais certezas é olhar para os gases mais próximos dos buracos negros. A Teoria da Relatividade Geral de Einstein diz que os fotões — partículas que compõem a radiação eletromagnética — emitidos pelo gás em queda para dentro de um buraco negro devem percorrer trajetórias curvas, formando um anel de luz em torno de uma “silhueta” correspondente à localização do buraco negro. Se for isso que mostra a imagem do Event Horizon Telescope, então a Teoria de Einstein continua válida até mesmo nessa peculiar região do Universo.
Como será a fotografia?
A fotografia captada pelo Event Horizon Telescope deverá mostrar uma sombra escura, uma silhueta, a engolir um disco de luz em seu redor. Deve ser algo semelhante — mas mais rudimentar e menos nítido — ao “Gargantua”, o buraco negro que aparece no filme “Interstellar” e que foi inspirado na simulação feita pelo astrofísico Jean-Pierre Luminet em parceria com o físico Kip Thorne, vencedor do Nobel da Física em 2017.
Esta fotografia chega mesmo a tempo das celebrações do centenário do eclipse solar de 1919. Há cem anos, a 29 de maio, duas equipas de astrónomos, uma liderada por Andrew Crommelin e outra por Arthur Eddington, dividiram-se entre São Tomé e Príncipe e o Brasil para assistir ao fenómeno. Iam colocar frente a frente Isaac Newton e Albert Einstein, dois génios com vidas separadas por mais de 150 anos. O primeiro, absolutista, dizia que a luz não tinha massa; e o segundo, relativista, dizia o contrário e acrescentava ainda que a massa dos corpos deformava o espaço próximo a eles, tanto que até um raio de luz é desviado por essa deformação.
Naquele dia em 1919, o eclipse solar provou que Albert Einstein estava correto: a luz podia mesmo curvar-se, como se se dobrasse. A prova precisou de três tentativas para ser conseguida: a primeira hipótese tinha surgido no meio da II Guerra Mundial e, portanto, não foi avante; a segunda foi arruinada pelo mau tempo. Mas à terceira foi de vez. A mecânica clássica de Newton entrava em decadência. E a Teoria da Relatividade Geral, até ali baseada meramente no pensamento de Einstein e sem qualquer suporte empírico, ganhava uma das primeiras provas de veracidade.
O que tem isto tudo a ver com a fotografia do Event Horizon Telescope? É que graças a essa descoberta que podemos ver algo que, na verdade, é invisível. O campo de gravidade de um buraco negro é tão extraordinariamente forte que, a partir de um ponto sem retorno chamado evento de horizontes, nada lhe consegue escapar. Nada mesmo, nem sequer a radiação eletromagnética, que inclui os raios-x, os infravermelhos e, claro, a luz visível. Se a luz visível é engolida, então o buraco negro torna-se invisível. Ninguém o pode ver.
Mas graças ao efeito que Albert Einstein previu na Teoria da Relatividade Geral, essa fronteira que é o evento de horizontes pode ser visualizada porque o campo gravítico associado a ele curva os raios de luz junto do buraco negro. A fronteira torna-se visível, mesmo que o buraco negro em si não o seja. Foi esse o conceito em que Jean-Pierre Luminet pegou para criar, em 1978, a primeira simulação em computador de um buraco negro, através de um cartão perfurado 7040 da IBM: “A curvatura dos raios luminosos geram uma imagem secundária que permite ver o outro lado do disco, do lado oposto do buraco negro”, explicou ao ScienceAlert o cientista Jean-Pierre Luminet.
Que buraco negro poderemos ver na foto?
O Sol tem uma massa de 1,989 × 1030 quilogramas. Se quer ter uma noção melhor, escreva “1989” numa folha de papel e a seguir acrescente 27 zeros à frente. É essa é a massa do Sol. Agora imagine um corpo celeste que tenha quatro milhões de vezes essa massa. Esse corpo celeste é o buraco negro que o Event Horizon Telescope fotografou e que pudemps ver esta quarta-feira. É gigantesco, sim, mas nem sequer é dos maiores que conhecemos. No entanto, este é especial: chama-se Sagittarius A* e está no centro da Via Láctea, a 25 mil anos luz da Terra.
Em 1974, os astrónomos Bruce Balick e Robert Brown descobriram uma fonte de rádio brilhante na constelação de Sagitário e batizaram-na de Sagittarius A* mesmo sem saber ainda que tinham descoberto um buraco negro. Só mais tarde, ao fim de muitos anos a estudar os corpos celestes que orbitavam aquele “ponto escuro”, é que os astrónomos conseguiram medir a massa do objeto. Tinha quatro milhões de vezes a massa do Sol. Algo assim tão grande só podia ser um buraco negro.
Sendo um buraco negro, as fontes de ondas de rádio não podiam vir do buraco negro — já que, pelo menos de acordo com a física clássica, os buracos negros não emitem nada. Afinal, descobriram os cientistas, as ondas de rádio vinham do gás que caía dentro do buraco negro. “Quando o gás cai no Sagittarius A*, ele cria um disco espesso e inchado conhecido como disco de acreção. Os discos de acreção são ambientes muito energéticos com fortes campos magnéticos que impulsionam a turbulência e aquecem o gás à medida que espiraliza para dentro do buraco negro. Este gás emite fotões, as partículas que compõem a radiação eletromagnética”, explica a página do projeto. São esses fotões que chegam até nós.
O Sagittarius A* é um dos objetos de pesquisa do Event Horizon Telescope e é, na verdade, o mais importante. No entanto, foi o outro buraco negro que os cientistas conseguiram fotografar. Fica na M87, uma galáxia elíptica na constelação de Virgem que, tal como a Via Láctea, também tem um buraco negro no centro. Esse buraco negro é ainda maior que o Sagittarius A*: tem a massa de seis mil milhões de sóis, ou seja, é 1.5oo vezes mais massivo que o buraco negro no centro da nossa galáxia. Só que fica a 50 milhões de anos-luz da Terra — muito mais longe do que o Sagittarius A* –, por isso parece-nos mais pequeno quando o observamos no céu noturno.
E como é que conseguimos olhar para eles?
A resposta é através de um verdadeiro exército de observatórios que estão de olhos postos nestes dois buracos negros: o Observatório de Rádio do Arizona (EUA), Atacama Pathfinder Experiment (Chile), IRAM 30m Telescope (Espanha), Telescópio James Clerk Maxwell (Hawai), Grande Telescópio Milimétrico (México), Submillimeter Array (Hawai), Atacama Large Millimeter Array (Chile) e o Telescópio do Polo Sul (Antártida). Todos juntos chamam-se Event Horizon Telescope, um projeto financiado pela União Europeia através do Conselho de Investigação da Europa. Usa uma técnica chamada “Interferometria de Longa Linha de Base”, em que um sinal de rádio de origem astronómica é captado por diferentes telescópios. Quando vários radiotelescópios espalhados pela Terra são programados para trabalhar em conjunto, passam a funcionar como um único observatório com o tamanho do nosso planeta.
Ora o que este exército faz é contornar o buraco negro. Literalmente. Como olhar diretamente de nada vale, uma vez que a região em si é completamente invisível, os oito telescópios olham antes para as proximidades dele. A matéria, quando é sugada para dentro do buraco negro, pode ficar a temperaturas muitíssimo altas por causa da fricção. O gás forma um disco quente ao redor do buraco negro e cai, fazendo com que o buraco negro cresça. É a luz desse gás luminoso que o Event Horizon Telescope capta.
Parece simples, mas exige um pouco mais de trabalho quando essa informação chega até à Terra. É que nem todos os telescópios obtêm a mesma informação ao mesmo tempo, portanto, o que os telescópios no deserto do Atacama viram pode escapar ao olhar do telescópio na Antártida. Isso dá uma tarefa extra aos cientistas por detrás do Event Horizon Telescope: desenvolver um algoritmo que junta as informações detetadas em cada um dos telescópios e que preenche as lacunas deixadas pelos dados que não foram captados por nenhum deles. Só com todos esses passos terminados é que se consegue obter uma verdadeira imagem da silhueta de um buraco negro. Aquela que vimos pela primeira vez esta quarta-feira.
O que sabemos sobre buracos negros até agora?
A primeira vez que alguém falou sobre a ideia de um corpo de tal modo maciço que nada, nem mesmo a luz, lhe podia escapar foi em 1783, quando o geógrafo John Mitchell enviou uma carta ao químico Henry Cavendish que dizia o seguinte: “Se o semi-diâmetro de uma esfera da mesma densidade que o Sol na proporção de quinhentos para um, e supondo que a luz é atraída pela mesma força e proporção à sua massa com outros corpos, toda a luz emitida por esse corpo seria obrigada a retornar contra ele pela sua própria gravidade”.
Hoje sabemos que esses corpos se chamam buracos negros, que são “objetos exóticos” porque representam um fenómeno especial no universo e que são “tão densos, onde a gravitação é tão intensa, que a própria luz não chega a sair e nós cá fora não o vemos”, descreveu o físico José Pedro Mimoso ao Observador por altura do lançamento do último livro de Stephen Hawking. Esses buracos negros nascem quando o núcleo de uma estrela muito grande esgota e ela colapsa. Durante grande parte da vida, a energia que emite é suficiente para manter a integridade das camadas dessa estrela. Mas se ela cessa todas essas camadas são atraídas para o centro pela força da gravidade. Quando explodem nasce o buraco negro.
Quando nasce um buraco negro, nasce à volta dele uma região chamada horizonte de eventos. Quem ultrapassar o horizonte de eventos já não consegue escapar à ação do buraco negro e é inevitavelmente engolido por ele. Além disso, se alguém estiver longe do buraco negro e vir um objeto a caminho dele, vai deixar de o ver assim que ele passar o horizonte porque a radiação vai mudar de frequência e desviar-se para o vermelho. Ou seja, a certa altura, quem está antes do horizonte de eventos deixa de o ver apesar de ainda estar cá fora. “Mas eu já não o vejo porque a energia que me chega é muito pouca para eu poder observá-lo”, ilustra o professor Paulo Crawford.
É a chamada censura cósmica, que nos impede de ver o que está dentro de um buraco negro e que nos permite apenas teorizar que ele é como uma ostra: a concha é a fronteira do buraco negro, o tal horizonte de eventos, e lá dentro há de estar uma espécie de pérola, ou seja, a singularidade. Mas sendo assim, mesmo olhando para um buraco negro do lado de fora do horizonte de eventos, o que podemos saber sobre ele?
Imagine que um extraterrestre lhe bate à porta e lhe pede para descrever o planeta Terra. Poderia dizer-lhe que a Terra é uma esfera ligeiramente achatada nos pólos que tem 6.370 quilómetros de raio. Que tem muitas montanhas e fossas, florestas e desertos, pessoas e animais. Podia ainda dizer que há pessoas com olhos azuis ou verdes, loiras, ruivas e de várias raças, umas muito altas e outras muito baixas. Só depois de dar toda essa informação ao extraterrestre visitante é que ele poderia ficar com uma boa ideia de como é o planeta Terra.
A todas essas informações, o físico John Wheeler chamou “cabelos”. A Terra tem muitos cabelos mas, segundo ele, os buracos negros são carecas porque nada podemos saber sobre eles. No máximo teriam “dois ou três cabelos” porque as únicas coisas que podemos descobrir são a massa e o momento angular, isto é, a velocidade a que rodam em torno de si mesmos. “Se nós quisermos descrever qualquer buraco negro do Universo, bastaria dizer a massa que ele tem e quantas vezes por segundo é que ele gira, ou seja, o momento angular. Assim que me derem estes dois parâmetros, eu consigo conceber o buraco negro de que estou a falar. Qualquer buraco negro do Universo, e são triliões, é sempre caracterizada por isto”, explica o professor Vítor Cardoso.
O que aprendemos com Stephen Hawking?
No entanto, em 1974, Stephen Hawking disse que podia não ser bem assim — e que talvez tivesse encontrado uma forma de casar a teoria de Einstein com a mecânica quântica. Diz esse ramo da física, dedicada a estudar as partículas mais pequenas que os átomos, que o vazio realmente não existe no cosmos. Aquilo que pensamos ser o vazio é, na verdade, um caldo feito de partículas, que constituem a matéria, e antipartículas, que constituem a antimatéria. E esses dois ingredientes tão depressa se juntam como se aniquilam um ao outro, emitindo luz.
Por exemplo, imagine que temos um eletrão numa mão e um positrão noutra. Os eletrões são partículas de matéria com carga elétrica negativa e os positrões são partículas da antimatéria que têm a mesma massa que os eletrões, mas com carga elétrica contrária — como se fossem gémeos. Se calhar, propôs Stephen Hawking, era possível que um eletrão entrasse dentro de um buraco negro deixando um positrão sozinho cá fora. Se assim for, nada aniquilará o positrão e ele vai materializar-se.
A partícula que fica cá fora é uma manifestação do buraco negro, mas se está sozinha significa que a conservação da energia dentro do universo fica comprometida: “Nós podemos pedir uma partícula emprestada ao vazio desde que a devolvamos logo a seguir para manter as contas em dia. Se isso não acontecer temos um problema”, acrescenta Vítor Cardoso. No final dessas contas, se o buraco negro simplesmente engolir o que lhe aparece pela frente sem cuspir nada cá para fora, o Universo não seria um sistema isolado e a energia não se conservava.
Isso não pode acontecer ou então o Universo não seria um sistema fechado. Por isso é que Stephen Hawking sugeriu que o buraco negro emitia partículas e perdia massa, numa espécie de troca de favores: apesar de ser verdade que os buracos negros têm um horizonte de eventos, e que nada escapa a esse buraco uma vez ultrapassado esse horizonte, talvez seja possível que ele emita de vez em quando uma partícula através de um fenómeno a que chamou de evaporação. Quem estiver muito perto do buraco negro, talvez consiga ver o que se passa lá dentro — ou o que o buraco negro cospe cá para fora.
Claro que isso não nos permitia saber o que foi sugado para dentro do buraco negro porque, em princípio, as partículas emitidas pelos buracos negros seriam expulsas de forma aleatória. No entanto, qualquer matéria que seja sugada por um buraco negro pode alterar a temperatura dele e, por consequência, a entropia — a desordem das partículas que o constituem. Estudar a temperatura de um buraco negro é estudar a entropia dele e, possivelmente, aquilo que a causou.
Essa mudança energética “pode codificar alguma da informação sobre o que está dentro do buraco negro”: o que Hawking sugere é que os fotões — as partículas que compõem a radiação eletromagnética — no limite do horizonte de eventos sejam afetados por essas mudanças e registem parte das informações que caíram no buraco negro. Quando são emitidos no momento em que o buraco negro paga a dívida ao cosmos e devolve partículas ao vazio, essa informação pode ser pelo menos parcialmente recuperada. Mas isto é apenas uma teoria. Continuamos a saber muito pouco sobre buracos negros, os tais grandes mistérios da física.
Qual é a vantagem de estudar os buracos negros?
Estudar os buracos negros pode, de certa forma, dar-nos algumas pistas sobre as origens do Universo. Essa era, pelo menos, a sugestão de Stephen Hawking. Ainda jovem, o físico teórico assistiu a uma palestra de Roger Penrose onde se debatiam as singularidades do tecido espaço-tempo, pontos do universo onde as leis da física postuladas na Teoria da Relatividade Geral já não se aplicam. Penrose tinha mostrado que quando a matéria colapsa forma uma dessas singularidades. E que, à volta dessa singularidade, cria-se sempre um evento de horizontes que impede de olhar para o que se passa lá dentro.
O que Stephen Hawking fez depois de assistir à palestra de Penrose e ter estudado as equações criadas por ele foi o mesmo processo de imaginação que fizemos com o nosso balão a encolher. Hawking utilizou esses teoremas para pensar no Universo primitivo e chegar à conclusão que ele deve ter tido um início, dando assim mais sustento à teoria do Big Bang. “Ele viu esse colapso gravitacional e começou a imaginar o Universo a andar para trás. Percebeu que, quando ando com o Universo para trás, acontece exatamente o mesmo que está na origem dos buracos negros: fica cada vez mais pequeno e forma uma singularidade. Para Hawking, essa singularidade — essa altura em que toda a matéria estava concentrada num ponto — devia ser o início do universo”, diz Vítor Cardoso.
O que Stephen Hawking faz é extrapolar aquilo que sabemos sobre gravitação e sobre fenómenos quânticos até às condições onde estamos no limite em que uma e outra funcionam.”Quando falamos sobre física clássica não podemos ir até ao Big Bang. Especulamos que deve haver um, mas não há provas absolutas porque nós andamos para trás e chegamos a uma zona onde a física já não funciona. Simplesmente tudo leva a crer que há aqui uma singularidade inicial”, concretiza Paulo Crawford.
Tal como acontece nos buracos negros, também quando falamos do Big Bang não conseguimos dizer o que está atrás dele. Isto é, conseguimos explicar todo o percurso do nosso universo como se andássemos para trás no tempo, mas a partir de certa altura chegamos ao horizonte dos eventos, as leis da física quebram-se e não conseguimos olhar lá para dentro, para o exato momento em que tudo começou.
Talvez seja para trás desse horizonte que esteja Deus, seja ele o que for. Talvez Deus não exista e sejamos apenas o produto do nada. Stephen Hawking nunca descobriu. Nós provavelmente nunca descobriremos. Mas a fotografia revelada esta quarta-feira coloca-nos mais perto de ver um dos maiores mistérios da ciência.