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O presidente do Chega, André Ventura, fala aos jornalistas à chegada para um jantar-comício de campanha para as legislativas do próximo domingo, 30 de janeiro, Vila Viçosa, 27 de janeiro de 2022. Mais de 10 milhões de eleitores residentes em Portugal e no estrangeiro constam dos cadernos eleitorais para a escolha dos 230 deputados à Assembleia da República. NUNO VEIGA/LUSA
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André Ventura foi para a Madeira quando Papa e milhares de jovens católicos estavam em Lisboa

NUNO VEIGA/LUSA

André Ventura foi para a Madeira quando Papa e milhares de jovens católicos estavam em Lisboa

NUNO VEIGA/LUSA

Ventura exilou-se na Madeira para evitar Papa. Ala mais conservadora do Chega confortada

Com todo um país preparado para receber a Jornada Mundial da Juventude, Ventura decidiu ir fazer campanha eleitoral para a Madeira. Chega entende que conservadores do partido até gostaram da ausência.

Diz que Deus lhe confiou a missão honrosa de transformar Portugal”, entra em igrejas para rezar em ações de campanha, fala de Deus mais vezes do que qualquer outro político português e falhou o ponto mais alto da história recente da Igreja Católica em Portugal, o momento em que o Papa esteve em Lisboa para se reunir com centenas de milhares de jovens católicos na Jornada Mundial da Juventude. André Ventura trocou Lisboa pela Madeira, levantou dúvidas entre eleitores e dirigentes do Chega, mas confirmou ao Observador que foi ao Parque Tejo no fim de semana. Não como presidente do partido, mas como crente — longe das câmaras e da área VIP onde vários políticos tiveram assento, assegura.

André Ventura é um crítico frontal do Papa Francisco e chegou a defender publicamente que acredita que o atual chefe da Igreja Católica “tem prestado um mau serviço ao cristianismo” — uma ideia que partilha com o eleitorado mais conservador do Chega. E apesar de essa não ser a razão que altos dirigentes do Chega apontam como a justificação principal para uma viagem à Madeira numa altura em que todos os olhos (católicos e não só) estavam focados em Lisboa, a verdade é que raramente o líder do Chega é visto a dar um ponto sem nó.

LUSA

Por outras palavras: se André Ventura não esteve oficialmente na Jornada Mundial da Juventude foi porque objetivamente não quis — e essa ausência obedece a uma agenda política, naturalmente. A data do evento era conhecida há muito tempo, Ventura é o principal rosto do Chega e há dias em que parece omnipresente entre presenças em eventos, reuniões com as mais variadas entidades e declarações à comunicação social. Não dispensa um momento que possa capitalizar politicamente e desta vez não o fez. Exilou-se na Madeira e aproveitou a semana em que o Papa esteve em Lisboa para fazer campanha no arquipélago.

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Aliás, com todas as atenções viradas para a Jornada Mundial da Juventude e com os órgãos de comunicação social a dedicarem-se quase em exclusividade ao tema, pouco espaço mediático sobrou para que a presença da comitiva do Chega na Madeira fosse sequer notada a nível nacional — o que não preocupa os dirigentes do Chega, que fazem questão de realçar que o objetivo era estar com os madeirenses (e que foi por isso que Ventura não esteve no evento com o Papa).

André Ventura não marcou presença em nenhum evento oficial da JMJ, mas garante ao Observador que esteve no Parque Tejo como cidadão, depois de regressar da Madeira. Nessa altura, tinha a oportunidade de se juntar aos convidados que marcaram presença na missa de encerramento — e onde estiveram membros do partido como representantes oficiais — mas não o fez. Preferiu o recato do católico comum, longe das câmaras e das perguntas dos jornalistas.

Sem o seu principal rosto presente, o Chega foi sendo sempre representado nos mais diversos eventos, desde logo no Centro Cultural de Belém (a cerimónia que juntou políticos, sociedade civil e corpo diplomático), por Pedro dos Santos Frazão, vice-presidente e deputado, e Rita Matias, representante da juventude do partido e deputada, mas também pelo deputado Bruno Nunes e vários deputados municipais na cerimónia de encerramento no Parque Tejo.

“André Ventura e outras pessoas do partido fizeram críticas sobre determinadas questões e posicionamentos, mas apesar de o Papa Francisco poder não ser o favorito dos membros do partido é o representante da Igreja e não era por isso que íamos deixar de ir”, justifica um dirigente do Chega ao Observador.

No CCB, por exemplo, onde o Papa Francisco dividiu palco com Marcelo Rebelo de Sousa, os partidos podiam ser representados pelo presidente, pelo líder parlamentar e pelo responsável pela juventude. Com André Ventura e Pedro Pinto fora do continente, foi preciso pedir uma autorização especial para que Pedro Frazão substituísse o líder do Chega, tendo mesmo chegado a ser ponderado um voo de última hora para que o partido não ficasse sem representação.

Não foi preciso uma viagem relâmpago, o que pode ter levado André Ventura a respirar de alívio. Apesar de não ter justificado publicamente as razões que o levaram a estar longe da capital naqueles dias, ao núcleo duro do partido chegou a deixar recados: “Um Papa que recebe ditadores comunistas [uma referência a Lula da Silva] e recusa receber líderes de direita [Francisco não quis receber Matteo Salvini] não merece muito o nosso compromisso.”

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O custo da ausência

A esmagadora maioria dos dirigentes do Chega são católicos, uns mais e outros menos conservadores, mas quase todos alinham na ideia de que o partido deve ter ideais e posições fortes alinhadas com a linha mais dura Igreja, pelo que o lado mais progressista do Papa Francisco nem sempre é bem aceite. “A ala católica do partido não gosta nada deste Papa”, assume um dirigente. Ainda assim, mesmo dentro desse grupo, há quem considere estranha a ausência de André Ventura: “Gostaria que tivesse estado presente. Não percebi o porquê de não ter estado. Mas suponho que haja uma razão política ou pessoal”, diz ao Observador uma fonte próxima do presidente do Chega.

Apesar de se descrever como um “crítico do Papa”, este mesmo membro do Chega faz uma distinção: “Uma coisa é o Papa quando fala ex cathedra; outra coisa são as opiniões que tem sobre questões políticas”. E cientes de que estão totalmente alinhados com a Igreja em questões como o aborto ou a eutanásia, os membros do Chega ouvidos pelo Observador alertam para a necessidade de a Igreja manter os ideais: “Houve tentativa de dizer que JMJ não era um encontro de católicos, mas um encontro da juventude. Houve um discurso dúbio para agradar a todos e o intuito da JMJ, criada por João Paulo II, era haver um encontro de cristãos”, lamenta.

Tendo em conta os ideais conservadores de muitos eleitores do Chega, há quem considere que André Ventura possa ter capitalizado com este afastamento. A leitura é clara: se uma franja do Chega olha para o Papa Francisco como demasiado progressista, o facto de o presidente do partido não ter aparecido nas televisões pode dar-lhe uns pontos. Por essa razão, um dirigente do Chega assegura mesmo que “o eleitorado não tem razão para ficar desiludido com a ausência”. “O partido, em termos de substância, e no que toca à posição de católicos, está sempre alinhado com a Igreja”, pelo que não se acredita que o partido possa ter saído prejudicado pelo facto de Ventura não ter marcado presença. A ideia é que possa ter acontecido exatamente o contrário.

Apesar de não ter justificado publicamente as razões que o levaram a estar longe da capital naqueles dias, ao núcleo duro do partido chegou a deixar recados: “Um Papa que recebe ditadores comunistas [uma referência a Lula da Silva] e recusa receber líderes de direita [Francisco não quis receber Matteo Salvini] não merece muito o nosso compromisso.”

Sem Ventura, partido foi à missa com outras caras

A ausência de André Ventura não se reflete na ausência do Chega e esse é um ponto com que todos os dirigentes do partido concordam. “O partido esteve sempre presente, com deputados nacionais e municipais em todo o lado”, garante um membro do partido ao Observador. Das presenças oficiais às presenças por crenças pessoais, não faltaram dirigentes do Chega na Jornada Mundial da Juventude.

Pedro Frazão e Rita Matias são, a par de André Ventura, dos membros assumidamente católicos do grupo parlamentar e fizeram questão de estar em todo o lado durante a Jornada Mundial da Juventude — mesmo que haja críticas e que se admita dentro do partido que é preciso defender os ideais mais conservadores da Igreja e não alinhar nas visões mais progressistas.

A título de exemplo, o deputado eleito por Santarém deixou uma crítica a Américo Aguiar quando foi escolhido para ser cardeal, mostrando discordar das visões do bispo: “Vai ser elevado a cardeal, Dom Américo, o bispo português que quer abrir a Igreja à diversidade e a mais jovens de todo o mundo… só é muita pena que, nesse processo, a feche aos jovens católicos, que são fiéis à verdade!”, criticou. Apesar de tudo, Frazão não falhou o evento com o Papa e fez questão de fazer várias partilhas nas redes sociais.

Já Rita Matias, uma das pessoas do partido que mais fala em defesa da vida humana — depois de ter assistido ao discurso do chefe da Igreja Católica fez questão de sublinhar que “o Papa Francisco pediu que combatêssemos a cultura do descarte da vida humana, desde o bebé por nascer, ao ancião que enfrenta a solidão” — foi voluntária na Jornada Mundial da Juventude. Aliás, o mesmo aconteceu com o irmão, que também pertence ao Chega. E a família Matias recebeu peregrinos em casa. Apesar da visão mais conservadora, não admitiu ficar de fora deste evento.

Nas redes sociais, muitos membros do Chega fizeram questão de publicar momentos na Jornada Mundial da Juventude, e a verdade é que, mais distantes ou mais perto das visões do Papa Francisco, a religião faz parte da história do Chega e o partido não se poderia dar ao luxo de abdicar e ficar de fora (como fez, por exemplo, o Bloco de Esquerda). Se André Ventura, que tem o peso de ser o rosto do Chega, não estava, muitos fizeram questão de mostrar que o partido não faltou à chamada — mesmo que o atual Papa esteja bem longe dos ideais mais conservadores da maioria do partido e de estar nos antípodas do Chega em matérias como a imigração ou na necessidade de combater o “canto de sereia do populismo” e os “falsos messias”.

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