De um lado Diogo Alves, 25 anos, que veio do Porto para a Convenção do Chega e segura um cartaz com letras garrafais, da cor do Chega: “Todas as vidas contam”. Do lado dos ‘antifas’, Andreia Antunes, 34 anos, empunha um cravo de papel na mão e diz estar ali para defender os “valores de abril”. Na Praça do Giraldo, em Évora, a manifestação (do Chega) e a contra-manifestação (anti-fascista) estiveram separadas por um forte dispositivo policial, com barreiras pelo meio. Uns eram menos e aguentaram horas, outros foram em maior número mas saíram depressa. André Ventura, tratado como um herói do lado direito, ficou com as orelhas quentes do lado esquerdo da força, o dos cravos. Mas, com tanto entusiasmo, acabou por sair aleijado por um fã que o puxou com mais vigor. Foi assim a chegada do Chega a Évora para a sua convenção.
Diogo e Andreia: os dois extremos que (não) se unem no Giraldo
O cartaz que Diogo Alves segura diz que “todas as vidas contam”, por oposição ao slogan mundial do combate ao racismo: “Black Lives Matter”. Objetivo: “Provar que Portugal não é racista”. Diogo diz que há sempre “exceções, como há na criminalidade”. “Pode haver sempre pessoas fascistas, mas no global eu acho que o país não é de todo racista.” Diogo garante que o Chega não é racista e diz que “se encontrasse indício que fosse radical, racista, neonazi ou mesmo fascista” abandonaria o partido. Critica ainda a contra-manifestação, que diz ser uma “falta de respeito” e a demonstração de que não são “democratas” como o Chega.
No lado da esquerda, está Andreia Antunes que diz ter ido à Praça do Giraldo “defender as liberdades” em contraponto aos “valores que são preconizados pelo Chega” e para afirmar “um Portugal livre de preconceitos e de xenofobia.”
Sobre o cravo que tem na mão, Andreia diz que “é para relembrar os valores do 25 de abril.” E acrescenta: “Nós queremos uma democracia, queremos liberdade de expressão e queremos que todas as pessoas tenham direito a viver no nosso território.” Na mira da manifestante está “este novo partido que tem valores antidemocráticos”.
Andreia Antunes acredita que o Chega “pode crescer mais nos próximos anos e isso é um grande risco”. E vê nesta incursão do partido por Évora um aproveitamento do facto de ter havido “muitas injustiças por parte dos sucessivos governos para com o interior”.
Uma tarde e noite longas com forte dispositivo policial
A Praça do Giraldo, a principal praça de Évora, ficou dividida em duas, por grades colocadas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) perto das 17h00, hora para que estava marcada a contra-manifestação anti-fascista para tentar abafar o “Portugal não é racista” das centenas de pessoas que participaram na concentração do Chega.
Um camião TIR da PSP trouxe as barreiras metálicas que habitualmente são colocadas junto à escadaria da Assembleia da República quando há manifestações frente ao Palácio de São Bento de média ou longa dimensão. Para garantir que essas grades não eram levantadas, foram colocados blocos de cimento com a ajuda de um empilhador.
Pouco passava das 17h00 quando a maior parte dos manifestantes anti-fascistas chegou. Os organizadores começaram a esticar as faixas no chão e a distribuir cravos vermelhos de papel pelos presentes. A par disso eram distribuídos manifestos anti-fascistas.
Depois de todas as grades terem sido todas colocadas, a PSP pediu aos manifestantes que se concentrassem num dos lados para serem todos revistados, um a um. A praça foi fechada em todas as entradas possíveis e só havia duas formas de lá entrar: para a manifestação anti-fascista e para a marcha do Chega.
‘Antifas’ revistados, militantes do Chega não
“Pode abrir a mochila? Posso mexer?”. Todas as mochilas foram abertas e verificadas ao pormenor. Os bolsos de todas as pessoas foram também revistados. “A única coisa que pode entrar são as garrafas de água”, diziam entre si os agentes de segurança. “Vocês têm de fazer isto aos fascistas do Chega, ouviram?”, gritava um manifestante para a polícia, enquanto a sua mochila era revistada.
André Ventura não foi revistado assim como a maior parte dos militantes e apoiantes do Chega. A PSP tentou que a entrada dos apoiantes do Chega fosse organizada mas foi abalroada pelas faixas do partido. “Tirem as faixas, tirem as faixas que a polícia tem de nos revistar” mas foram só passados os olhos. “Não tenho nada, não tenho nada”, diziam os apoiantes do Chega à PSP.
André Ventura prometeu a 15 de agosto, em declarações à Agência Lusa, “a maior marcha alguma vez vista em Portugal” mas não foi propriamente isso que aconteceu. Ventura não conseguiu encher a sua metade da principal praça de Évora, apesar de um dos gritos de ordem da sua marcha ter sido: “Évora também é do Chega”. Já os anti-fascistas diziam não querer “dividir a sua Évora com o Chega”.
A marcha estava marcada para as 19h30 mas só cerca de uma hora depois é que André Ventura chegou, debaixo de chuva. Sob bandeiras de vários distritos de Portugal, Ventura saiu do banco de trás de um carro e rapidamente foi rodeado por oito seguranças que impediram qualquer pessoa e jornalista de se aproximar do candidato presidencial.
Os seguranças, de auricular na orelha, formavam três linhas até ao líder do Chega e os fotojornalistas e repórteres de imagem não conseguiam chegar perto do líder do Chega. Questionado sobre este forte dispositivo de segurança à sua volta, Ventura optou por não responder.
Anti-fascistas resistem horas, Ventura 10 minutos e 36 segundos
Os contra-manifestantes chegaram três horas antes da marcha do Chega e saíram só depois de não haver ninguém na metade do Chega na Praça do Giraldo. Desde a tarde que prometiam só sair dali “depois de todos os fascistas saírem da nossa praça”.
André Ventura chegou à Praça do Giraldo, passou pela PSP, subiu a meia dúzia de degraus da Igreja de Santo Antão e esteve menos de 15 minutos naquele espaço. Discursou durante 10 minutos e 36 segundos e saiu de seguida. Na saída de cena, um apoiante tentou abraçar Ventura, mas ao ser afastado pelos seguranças acabou por magoar o candidato presidencial na zona do ombro esquerdo. “Magoaram-me no ombro mas nada de especial”.
Na Praça do Giraldo o Chega não ocupou a sua metade e concentrou-se no lado oposto ao da contra-manifestação. André Ventura nem chegou perto das grades que dividiam a praça. Ventura discursou sob dezenas de telemóveis de apoiantes do Chega “em direto” para o Facebook e para outras redes sociais, sem que fosse respeitado o distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde.
Enquanto os manifestantes ‘antifas’ se encostaram o máximo possível às grades para gritar de pulmões abertos contra Ventura, os militantes do Chega preferiram manter-se afastados da barreira policial e ficar bem mais atrás daquele meio-campo guardado pelo forte dispositivo policial.